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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

lutamente da lei de responsabilidade ministerial, e não fujo á responsabilidade dos meus actos pela circunstancia d'ella não existir.

Esta é que é a doutrina proclamada nesta casa pelos chefes de todos os partidos.

Quando em 1892 se sentava nessas cadeiras o Sr. Dias Ferreira, o Digno Par Camara Leme levantou a questão dos adeantamentos, entendendo que os adeantamentos feitos podiam ser considerados como factos delictuosos, punidos pelo Codigo Penal, no capitulo intitulado a Peculato".

Respondeu o Sr. Dias Ferreira que não era necessaria nenhuma lei de responsabilidade ministerial para que os Ministros respondessem pelos delictos quando houvessem prevaricado, porque havia a forma de processo marcada pela lei de 1849. havia a parte accusadora, que era a Camara dos Senhores Deputados, havia o tribunal competente, existindo por consequencia todos os elementos que podem determinar um julgamento.

O Digno Par Hintze Ribeiro acceitou tambem a mesma doutrina e declarou que não precisava de lei de responsabilidade ministerial, porque julgava que os Ministros não estavam isentos d'ella, embora não existisse a lei especial a que se refere a Constituição.

O Sr. José Luciano de Castro acceitou e proclamou as mesmas ideias, e eu, Sr. Presidente, tive occasião de as proclamar tambem em 1880, quando se discutiu na outra casa do Parlamento o projecto apresentado pelo partido progressista acêrca da responsabilidade ministerial.

Seria altamente immoral que um partido qualquer entendesse que os actos dos seus Ministros ficavam absolutamente impunes pelo facto de não haver uma lei de responsabilidade ministerial.

Alem de que, Sr. Presidente, esta tem sido sempre, não só a praxe entre nós, mas a praxe seguida nos países estrangeiros onde não existe lei de responsabilidade ministerial.

Que praxe seguimos nós?

Existe o parecer, que á primeira vista parece contrariar esta doutrina, da commissão a quem foi presente a proposta de accusação contra Marianno de Carvalho por ter feito adeantamentos a diversas companhias e em especial á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, que se refere ao facto de não haver entre nós lei de responsabilidade ministerial, mas não é nessa razão que se fundou principalmente para rejeitar a proposta.

Os fundamentos da rejeição consistiram em não haver disposições na lei criminal geral que considere os adeantamentos factos delictuosos, porque não reunem os elementos que constituem os delictos.

Existem os pareceres das commissões parlamentares, que são pelo menos sete; tenho-os aqui e não os leio para não cansar a Camara.

Elles demonstram que a Camara sempre se julgou competente para apreciar os factos que são objecto da accusação, embora não haja lei de responsabilidade ministerial; não tem, é certo, dado seguimento a algumas propostas, que ficaram nas commissões; tem, é certo, rejeitado in limine a apresentação de outras, mas o que nunca proclamou foi a incompetencia da Camara para conhecer de delictos que se digam praticados por qualquer Ministro.

Sr. Presidente: V. Exa., que é muito illustrado, sabe bem o que se tem passado em França e em outros países.

Em 1814 a Constituição que vigorava, que era a de 4 de junho d'esse anno, estabelecia disposições identicas ás da nossa Carta e tambem não havia lei de responsabilidade ministerial.

Pois, apesar d'isso, Ney foi levado ao tribunal, que era tambem a Camara dos Pares, e, embora tivesse sido, como foi, pelo grande Berrier, seu advogado, invocada a falta de lei de responsabilidade ministeral, isso não impediu que aquelle marechal fosse condemnado.

Em 1830 vigorava a Carta de 9 de agosto, que continha disposições identicas; não havia tambem lei de responsabilidade.

Apesar da defesa feita por Martignac, que proferiu um discurso dos mais eloquentes que eu conheço, a favor de Polignac e dos outros Ministros accusados, apesar de ser invocada a falta de lei de responsabilidade ministerial, a Camara dos Pares julgou-se competente para o julgamento e condemnou o Ministerio.

Todos sabem que, em França, pelas leis de 1875 é responsavel o Presidente da Republica e são responsaveis os Ministros, mas não ha lei de responsabilidade ministerial. Dufaure dizia que era desnecessaria essa lei porque, quando houvesse da parte dos Ministros qualquer delicto grave, a França não deixaria de julgar e condemnar os delinquentes, como procedera em 1830.

Sr. Presidente: na Italia não ha ler de responsabilidade ministerial e todavia Nasi foi julgado e condemnado pelo Senado.

O que quer isto dizer?

Quer dizer que o direito geral da Europa, em materia constitucional, tem reconhecido que não é indispensavel uma lei de responsabilidade ministerial para julgamento e condemnação dos Ministros, uma vez que os factos incriminados o sejam per qualquer disposição da lei commum.

Poderia corroborar estas affirmações com a leitura dos pareceres, das disposições da legislação estrangeira e de outros documentos ainda, que tudo tenho deante de mim, mas não o faço, porque isso obrigar-me-hia a alongar demasiadamente o meu discurso, occupando a attenção da Camara ainda durante toda a sessão de hoje.

Os adeantamentos podem ser actos irregulares de administração, em muitos casos concordo com isso, mas não são actos delictuosos.

O que são os adeantamentos?

Analysemos o facto em si.

Adeantamentos são todos os paga mentos antecipados. Podem fazer se fora das verbas, ou mesmo dentro das verbas descritas no orçamento.

Podem tambem fazer-se dentro das clausulas de um contrato.

Como execução de um contrato, eu fiz adeantamentos quando fui Ministro da Marinha em 1890. Foi numa hypothese em que todos o faziam.

Nessa occasião o transporte Africa carecia de reparos nas suas caldeiras e eu quis mandá-las concertar em Inglaterra. A industria nacional, porem, fez taes reclamações, explorou de tal modo contra mim o sentimento geral, que eu vi-me obrigado, cedendo á pressão da opinião publica, a entregar o concerto das caldeiras do Africa a uma casa constructora que existia em Lisboa.

Era o que me impunha a imprensa, as associações industriaes, toda a gente.

Fez-se o contrato, estabelecendo-se os prazos para o pagamento das prestações acordadas. Foi a primeira prestação paga no tempo competente.

Devia pagar-se a segunda depois de ser feita a vistoria sobre o estado dos trabalhos do concerto das caldeiras.

Pois, Sr. Presidente, ainda não tinha chegado a occasião de se proceder a essa vistoria, já a casa que se tinha encarregado do trabalho reclamava o pagamento adeantado da segunda prestação, sob pena de eu nunca obter a& caldeiras concertadas.

Adeantei, é claro, o pagamento d'essa prestação, que foi, como devia ser, encontrada na liquidação final do contrato.

Não foi isto um adeantamento?

Foi.

Mas, pergunto eu: qual seria o Ministro que não procederia como eu procedi?

Penso que nenhum.

Pois havia de deixar o navio sem as caldeiras durante largo tempo, e estar a pagar transportes para a Africa ás empresas de navegação, com manifesto, prejuizo do Thesouro?

Parece-me que não.

Fiz, pois, aquelle adeantamento.

Commetti um crime?