SESSÃO N.° 45 DE 20 DE AGOSTO DE 1908 9
Longo d'isso. Foi, pelo contrario, um excellente acto de administração.
Mas, Sr. Presidente, ainda ha mais.
Quando eu fui Ministro da Marinha, em 1891, prohibi que se fizessem expedições na Africa sem me mandarem previamente a descrição do seu objectivo, acompanhada do respectivo orçamento e de todos os demais elementos indispensaveis.
Procedi d'esta maneira porque se abusava extraordinariamente: faziam-se adeantamentos á vontade. Só tarde é que os Ministros tinham conhecimento das despesas feitas, mas ainda assim estabeleci uma excepção, que não quero deixar de indicar á Camara.
Lá está no numero 4.° da portaria de 3 de outubro de 1891; ficou excluido o caso em que seja necessario repellir rapidamente uma aggressão, ou operar um ataque, quando, segundo o parecer do Conselho do Governo, a demora na approvação do plano pudesse prejudicar o exito da empresa.
Aqui está a hypothese de um adeantamento.
Qual é o homem publico que não commetteria este grande crime de autorizar um adeantamento nestas circunstancias?
Havia de esperar que o inimigo invadisse e perturbasse o nosso dominio colonial até que se publicasse um decreto com a autorização do Conselho de Estado ou se convocassem as Camaras para approvarem as verbas necessarias?
Quando se trata de repellir um ataque e da defesa do país, não ha quasi nunca tempo de legalizar as despesas necessarias, e então o adeantamento é necessario e indispensavel.
É muito bom vir á camara fazer um discurso contra os adeantamentos, em geral e em especial, passados e futuros.
Isso aprende se nas aulas de rhetorica, mas aprende-se, sem duvida, muito mais na escola do Governo, porque só a governar é que se conhecem praticamente as urgencias, as circumstancias que determinam muitas vezes os actos do Governo.
Os adeantamentos nos casos referidos na portaria de 3 de outubro, que eu assinei, já para repellir uma aggressão, já para operar um ataque, podem ser considerados actos de má administração?
Não podem ser, creio eu, mas, como disse á Camara, não deixam de ser adeantamentos.
Sr. Presidente: tem-se dito que a respeito dos adeantamentos são applicaveis aos homens publicos as disposições do Codigo Penal que regulam o crime de peculato.
Ora V. Exa. vae ver a que ponto chegaria a applicação do Codigo Penal.
Elle considera crime de peculato um pagamento feito antes do vencimento.
Isto será applicavel aos Ministros?
Se esta disposição fosse applicavel aos Ministros, todos os Governos que teem passado por aquellas cadeiras seriam reus do crime de peculato.
Até o proprio Governo do Sr. Ferreira do Amaral, pois que em junho d'este anno mandou fazer o pagamento aos funccionarios do Estado no dia 20, quando só no dia 30 o deveria fazer, porque só nesse dia é que se realizava esse vencimento.
Interpretando a disposição do Codigo Penal do modo que os adversarios do governo entendem, tambem ella é applicavel ao facto que acabei de citar, e que aliás ninguem condemnou. Todos receberam os vencimentos no dia 20 e, sem distincção de partidos, todos ficaram muito satisfeitos.
E não é isto um pagamento adeantado?
O Codigo Penal considera tambem crime de peculato a espera que se dá ao devedor em qualquer pagamento.
Todos os homens que teem passado pelos bancos do poder são réus d'esse delicto, porque, satisfazendo aos pedidos feitos pelos contribuintes, ás proprias reclamações do Parlamento, teem dado espera no pagamento das contribuições, prologando os prazos marcados na lei.
O que quer isto dizer?
Quer dizer que as disposições do Codigo Penal, regulando as obrigações dos empregados publicos, não podem ser applicadas aos Ministros, porque estes, pelo alto cargo em que se acham investidos, teem muito mais largas funcções.
O adeantamento é um acto irregular? Certamente como irregular o considero, mas não envergonha ninguem. (Apoiados).
Podem os partidos exaltados, na outra casa do Parlamento, dizer o que quiserem.
Não são delictos, porque a lei não os considera como taes e, se o fossem, não havia ninguem no país que os não tivesse praticado, cumprindo muitas vezes o dever que lhe impõe a altissima missão de governar.
Tenho, Sr. Presidente, terminado o meu discurso. Poderia desenvolver ainda este ultimo ponto, mas disse o bastante para justificar as minhas affirmações.
Com relação ao Governo, mais uma vez lhe digo: conserve-se nessas cadeiras o tempo necessario para cumprir a missão que lhe foi confiada e conte com o meu apoio leal e sincero e dos meus amigos politicos. Proceda de modo a defender os interesses do Rei, das instituições e da patria. (Apoiados).
Ha neste país logar para todos. Agora é o logar do Governo. Em tempo será o de quem tem com o seu partido uma elevada missão a cumprir.
Repito: desempenhe o Governo a sua missão, que é importante, e conte com o meu leal apoio.
E concluirei mandando para a mesa a minha moção de ordem:
"A Camara, reconhecendo a necessidade constitucional de votar o presente projecto, continua na ordem do dia".
(Vozes: - Muito bem, muito bem).
(S. Exa. foi muito cumprimentado).
O Sr. Conde de Bomfim: - Observando as disposições do regimento passo a ler a minha moção de ordem:
É a seguinte:
"A Camara, observando o preceituado no artigo 80.° da Carta Constitucional, passa á ordem do dia".
Sr. Presidente: pelo que se infere da moção que acabo de apresentar, era meu intento entrar immediatamente na argumentação precisa para discutir o projecto que está na tela do debate, mas antes de encetar esse trabalho não posso deixar de me dirigir ao Governo dizendo-lhe que me causaram uma dolorosa impressão as palavras do Sr. Presidente do Conselho quando S. Exa. declarou que a questão que se debate tem a feição politica.
Parecia-me que quando se trata de fixar a lista civil, quando se ventila uma questão tão importante para a Monarchia, todas as luzes deviam contribuir para que o assunto ficasse esclarecido o melhor possivel, porque eu a reputo alliada á nacionalidade portuguesa, á autonomia da nossa patria.
Portanto, considerando que o Sr. Presidente do Conselho é extremamente ponderado e reflectido, mais me impressionou esta sua affirmativa por parecer antes uma declaração de guerra feita aos partidos que o apoiam na concentração monarchica, do que palavras de acalmação politica para levar a bom caminho os negocios do Estado.
Para resolver esta questão não sei como se possa ir até se procurar tornar responsavel o chefe do partido regenerador, homem de tanto criterio e intelligencia, que não podia certamente assumir uma responsabilidade que-lhe não pertence, e que os partidos declinaram num agrupamento neutral.
Se o Governo entendesse que essa responsabilidade cabia aos chefes dos partidos, essa declaração devia partir tambem do chefe do partido progressista, mostrando que estava de acordo com o chefe do partido regenerador,