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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
SESSÃO N.º 45
EM 20 DE AGOSTO DE 1908
Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco
Secretarios - os Dignos Pares
Luiz de Mello Bandeira Coelho
marquez de Sousa Holstein
SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - A Camara approva uma proposta para que o Digno Par Sr. Marquez de Tancos possa accumular as funcções legislativas com as que desempenha nu Ministerio das Obras Publicas.- O Digno Par F. J. Machado trata da importação de vinho nacional nas nossas colonias africanas, especialmente em Lourenço Marques. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho.
Ordem do dia: Discussão do projecto de lei que fixa a lista civil. - Continua e conclue o seu discurso o Digno Par Sr. Julio de Vilhena. - Seguem-se no uso da palavra o Digno Par Sr. Conde de Bomfim, o Sr. Presidente do Conselho, o Digno Par Sr. Conde de Arnoso e o Digno Par Sr. Conde de Lagoaça. - Incidente entre este orador e o Digno Par Sr. Luciano Monteiro. Protestos dos Dignos Pares José de Alpoim e Sebastião Baracho. - Sobre o assunto em ordem do dia fala ainda o Digno Par Mattozo Santos. - O Digco Par D. João de Alarcão manda para a mesa o parecer sobre o projecto relativo á tributação das aguas mineraes estrangeiras nas provincias ultramarinas. - É levantada a sessão.
Pelas 2 horas e 25 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.
Feita a chamada, verificou-se a presença de 24 Dignos Pares.
Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.
Mencionou-se o seguinte expediente:
Dois officios do Ministerio da Fazenda, sobre documentos requeridos pelos Dignos Pares Srs. Alpoim e Teixeira de Sousa.
Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, acompanhando o projecto de lei que tem por fim estabelecer, como preferencia, no concurso para funccionarios administrativos das provincias ultramarinas, a habilitação com o curso da Escola Colonial.
O Sr. Ministro das Obras Publicas (Calvet de Magalhães): - Pedi a palavra para apresentar uma proposta cujo fim é poder o Digno Par Marquez de Tancos accumular, querendo, as funcções que exerce no Ministerio a meu cargo com as legislativas.
Leu-se na mesa, e é do teor seguinte;
"Senhores. - Em conformidade com o artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do seu emprego ou commissão dependente do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria o Digno Par Sr. Marquez de Tancos.
Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 20 de agosto de 1908. = João de Sousa Calvet de Magalhães".
Foi approvada.
O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: a Camara ouviu hontem as proficientes considerações que fez aqui o nosso illustre collega Sr. Teixeira de Sousa a respeito da importação de vinho nas nossas provincias de Africa, principalmente em Lourenço Marques.
S. Exa. expôs com uma nitidez e uma clareza precisas o estado da questão, pois tem todo o conhecimento do assunto, uma vez que foi S. Exa. o autor do lei que regula a importação dos vinhos em Lourenço Marques. E a lei de 7 de maio de 1902 de iniciativa do Sr. Teixeira de Sousa.
A lei que as Camaras votaram diz na sua base 10.ª o seguinte:
"São isentos de qualquer imposto addicional, ou municipal nas provincias portuguesas de Africa os vinhos de producção nacional".
Sr. Presidente, como é que depois d'isto alguma autoridade, qualquer que seja, se lembra de lançar fortes addicionaes sobre o vinho nacional importado nas nossas colonias?
Não comprehendo. Hontem já tinha tenção de tratar d'este assunto, mas como não me chegou a palavra e o Sr. Teixeira de Sousa o tratou tão proficientemente, pouco mais tenho que acrescentar ao que S. Exa. disse.
Mas eu creio que a provincia de Moçambique ainda é nossa, ainda é territorio português, e ainda tem de acatar as leis que o Parlamento vota.
Se assim não é então declarem francamente, para nós sabermos que aquella possessão deixou de ser regida por leis portuguesas. Diz-se que se deu uma certa autonomia á provincia de Moçambique e descentralização administrativa, mas parece-me que não pode haver descentralização que consinta a derrogação das leis, lançando impostos sobre generos que para ali vão da metropole.
Por portaria n.° 426, de 1 de julho de 1908, foram elevados os direitos dos vinhos importados da metropole.
Os vinhos até 15°, tomando por base a pipa de 400 litros (das ancoretas de
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40 litros) que é a vasilha mais adoptada na provincia de Moçambique, pagavam até 31 de dezembro de 1907 o seguinte, por pipa:
8 réis por litro.............. 3$200
1 por cento de contribuição industrial sobre o seu valor... 340
1/4 de contribuição municipal....... 85
Total em pipa..........3$625
A partir de 1 de janeiro do corrente anno o imposto de 8 réis por litro foi aumentado a 12 réis, isto é, mais 4 réis, ou 1$600 réis, elevando os direitos de entrada em Moçambique a 5$225 réis por cada pipa de 400 litros.
A partir de 1 de julho ainda se sobrecarregaram os vinhos com uma contribuição commercial de 10 réis por litro, isto é 4$000 réis por pipa, fazendo assim ascender o encargo a 8$800 réis, que é quanto paga cada pipa de vinho até l5°, que entra em Moçambique.
Vejamos agora o que succede com os vinhos de 15° a 17°, typo licoroso.
Até 31 de dezembro de 1907 estes vinhos pagavam:
Direitos.................. 4$000
Contribuição industrial.... $340
Contribuição municipal..... $085
4$425
De 1 de janeiro a 30 de junho ultimo passaram a pagar......... 6$425
Aumento...............2$000
A partir de 1 de junho pagam 11$400 porque se aumentou uma contribuição commercial de 13,5 réis por litro, ou sejam 5$400 réis por pipa de 400 litros.............. 4$425
Aumento........... 6$975
Vinho do Porto em garrafas pagava 10 réis por litro; 1 por cento de contribuição industrial e 1/4 por cento de contribuição municipal.
Paga agora 10 réis em litro; contribuição commercial 12 por cento; a differença é de 1O 3/4 por cento.
Tomando por base um vinho do preço de 6$000 réis por caixa, temos que a differença contra o novo regime é de 645 réis em caixa ou cêrca de 42$000 réis em pipa de vinho do Porto.
A metropole tem feito muitos sacrificios com as colonias, e não é justo que ellas nos tratem com tanto desamor.
Ainda agora a metropole importa 6:000 toneladas de açucar da provincia
de Moçambique, com 50 por cento de reducção de direitos, o que dá um prejuizo para o Estado de 360 contos de réis por anno.
Está pendente da approvação do Parlamento uma proposta dos Srs. Ministro da Marinha e da Fazenda elevando a quantidade de açucar com a mesma reducção de direitos a 12:000 toneladas, o que elevará o prejuizo do Thesouro a 720 contos de réis.
O Sr. Teixeira de Sousa: - As minhas informações dizem que o Sr. Ministro da Marinha, antecessor do actual, pôs em execução o Codigo Administrativo de 1896, sem preverás consequencias que de ahi poderiam vir. A camara municipal ficou prejudicada nas suas receitas.
Este imposto sobre o vinho é para cobrir a deficiencia que desde então accusam aquellas receitas.
O Orador: - Veja V. Exa. o estado em que se encontra a provincia de Moçambique, que parece se desligou da metropole.
Sr. Presidente: eu tenho a fazer uma declaração para evitar equivocos: sou amigo pessoal do Sr. governador geral de Moçambique, que é um cavalheiro muito intelligente, muito digno, muito serio e muito honesto. E não sei se estas providencias são tomadas por elle, se são da responsabilidade do conselho governativo, ou de quem são, mas, sejam de quem for, isto assim não pode continuar e é necessario que o Governo mande quanto antes cessar este aumento de impostos por um telegramma.
Então quando na Camara dos Senhores Deputados se está discutindo um projecto para melhorar a questão dos vinhos, para melhorar a nossa situação vinicola, é que se vae difficultar à exportação dos nossos vinhos para as provincias ultramarinas, come muito bem disse o Sr. Teixeira de Sousa, fazendo-se dois aumentos, sendo o primeiro em 1 de janeiro, e o segundo em 1 de junho?
Então no Douro estão a pedir em altos gritos providencias á Camara para attenuar a sua crise vinicola e por outro lado estamos a difficultar a exportação dos seus vinhos para Africa, chegando a exigir-lhe o pagamento de direitos que chegam a 42$OCO réis por pipa? Não será isto um absurdo?
Quer a Camara ver: eu tenho aqui uma nota elucidativa sobre a exportação dos nossos vinhos para as possessões ultramarinas, mas agora só me refiro á exportação para Moçambique, que é o que mais prende a nossa attenção.
A exportação de vinhos para a provincia de Moçambique tem sido a seguinte:
Vinhos para Moçambique
Vinhos communs (brancos):
Decalitros Valores em 1$000 réis
1900 ....236:624 149:865
1901 ....190:616 103:525
1902 ....251:129 150:433
1903 ....537:698 379:166
1904 ....573:368 430:161
Vinhos communs (tintos):
1900... 372:513 267:045
1901 ....325:806 204:257
1902 ....344:968 222:594
1903 ....369:580 258:627
1904 ....382:105 279:258
Vinhos licorosos:
1900 ....8:969 42:313
1901 ....1:546 6:234
1902 ....1:479 6:496
1903 ....3:749 10:777
1904 ....2:307 7:442
Vinhos da Madeira:
1900 ....260 1:126
1901 ....560 1:847
1902 ....174 636
1903 ....313 1:097
1904 ....414 1:524
Vinhos do Porto:
1900 ....4:467 17:825
1901 ....10:474 37:005
1902 ....8:292 30:102
1903 ....13:583 48:465
1904 ....11:905 43:119
Exportação de todos os vinhos para Moçambique
1900 .... 622:733 478:174
1901 .... 529:002 452:871
1902 .... 606:042 410:722
1903 ___ 914:023 698:132
1904 _ 970:009 761:504
1905 .... 1.288:524 862:863
A exportação de todos os vinhos para as nossas provincias ultramarinas foram os seguintes em 1900:
Decalitros Valores
[ver valores da tabela na imagem]
Em 1905 já a exportação de todos os vinhos para as mesmas possessões foi de 2.031:977 decalitros no valor de 1.382:617$000 réis.
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O aumento de 1900 a 1905 foi de 1.377:639 decalitros no valor de réis 466:486$000.
Como costumo fazer justiça a todos, direi que o Sr. Teixeira de Sousa prestou um importantissimo serviço ao país com esta lei de 7 de maio de 1902, que teve nas duas Camaras uma larga discussão.
Como se vê, o valor dos vinhos exportados para Moçambique em 1900 foi de 916:131$000 réis.
No anno de 1905, que é o ultimo da estatistica que eu possuo, esse valor foi de 1.332:617$000 réis.
Não tenho a estatistica referente aos annos de 1906 e 1907.
É natural que haja aumentado.
Pelas informações que tenho, eu estou absolutamente convencido de que as nossas provincias ultramarinas bastariam para absorver o excesso da nossa producção. (Apoiados).
O vinho que podemos exportar para as colonias, e o que exportamos para o Brasil e Inglaterra, sommaria uma quantidade que absorveria o excesso da nossa producção, se por ventura nós temos excesso, o que não está ainda demonstrado, nem provado.
Como é que nós podemos resolver o problema vinicola se desconhecemos todos os factores d'elle?
Nós só temos a estatistica pelo que respeita á exportação; nada sabemos, e desconhecemos todos os outros elementos, como producção, area plantada de vinha, qualidade das vinhas, graduação alcoolica, stock que fica de um para outro anno, etc. etc., e, tudo é conhecido nos outros paises.
Quando aqui vier o projecto vinicola eu hei de mostrar á Camara que nós não podemos resolver esse problema, porque não possuimos elementos nem os dados sufficientes que nos habilitem a conhecer a questão.
Nós não sabemos qual é a producção de cada hectare de terreno; não sabemos qual é a graduação alcoolica do vinho que se produz em certas regiões; não conhecemos o stock que fica de um anno para o outro; nós não sabemos absolutamente nada.
Se o projecto vier á discussão, eu hei-de discuti-lo com uma certa largueza, porque realmente elle diz respeito á primeira riqueza que nós possuimos.
A maior parte dos viticultores que eu conheço passam uma vida de angustia, trabalham todo o anno e já se dão por felizes se a venda do vinho lhes dá para as despesas.
O assunto merece largo estudo, e embora o Governo tenha empregado os meios para resolver a crise, o certo é que nos achamos num estado desgraçado.
Pois pode lá ser que se imponha o direito de 42$000 réis por pipa ao vinho do Porto que entrar em Moçambique?
Isto não pode ser.
E aqui na metropole, na capital, dá-se tambem a circunstancia do direito ser mais do dobro do valor do producto.
Pergunto, pois: pode isto continuar?
Tudo isto se me afigura um erro, e um grande erro.
É bom, Sr. Presidente, que o Governo adopte, providencias para ver se este estado de cousas cessa; mas o que é preciso é resolver immediatamente. (Apoiados).
Se a provincia de Moçambique é ainda portuguesa, não se pode estar a fazer uma cousa lá e outra cá.
Com que direito é que o governador de Moçambique foi sobrecarregar o imposto do vinho que lá entrasse, quando a lei lá o prohibe?
Pois estamos nós aqui a ver se entabolamos convenios com outras nações, que nos dêem o tratamento de nação mais favorecida, e havemos de consentir que nas nossas possessões se estabeleça um direito quasi prohibitivo?
Eu sei muito bem que se não pode acabar de vez com o imposto de consumo, que no anno de 1906 rendeu 1.659:340$000 réis e que no anno de 1906 rendeu 1.207:256$000 réis, tendo aumentado nestes annos 452:084$000 réis.
E não pára aqui, porque toda a gente sabe que se fazem falsificações em larga escala, e toda a gente anda a pedir que se reprimam essas falsificações, e reprimidas ellas, maiores receitas produziria para o Thesouro e maior seria o consumo do vinho.
Por isso é que eu digo, se fizermos um estudo sobre a quantidade de vinho que temos e se pudermos, com as sobretaxas que o Governo está disposto a fazer votar, obter tratados de commercio com a Inglaterra para nos dar o tratamento de nação mais favorecida, estou convencido que essa lei das sobretaxas ha de servir para alguma cousa.
A questão do estabelecimento da companhia vinicola é tambem ponto importante: para haver exportação de vinhos é necessario haver typos definidos.
A gente vê uma amostra, prova-a; se agrada, desde que a remessa é igual á amostra, repete.
Eu tenho informações seguras a este respeito; contou-me ha tempos o Sr. Ayres de Ornellas que, quando governador de Lourenço Marques, lhe appareceu um caixeiro viajante com amostras de vinhos. S. Exa. provou-as e achou-as boas; o caixeiro pediu-lhe uma recommendação para as colonias inglesas do sul da Africa, ao que elle accedeu, dando-lhe cartas de apresentação.
Não soube logo o resultado da sua recommendação, mas d'ahi a tempos perguntou ás pessoas para quem tinha dado as cartas, qual tinha sido o resultado do seu recommendado; disseram-lhe: o primeiro vinho foi igual á amostra, gostámos e pedimos mais; a segunda remessa já não era igual, não nos agradou, não pedimos mais.
De forma que o consumidor manda vir vinho sempre igual á amostra, que lhe agradou, e se não é igual, nunca mais faz encommendas: eis a grande difficuldade para o vinicultor, resolver esse problema, porque não pode fazer typos de vinho como um commerciante em grande, ou as companhias.
A gente vae a uma adega, prova todos os vinhos, cada vasilha apresenta um typo differente e de anno para anno differe tambem, entretanto, é feito sempre com o mesmo escrupulo e o mesmo processo, e das uvas das mesmas vinhas.
Torna-se portanto necessario formar uma companhia, mas a que está no projecto que se discute na outra Camara não pode dar o resultado que se deseja e eu, se aqui chegar a ser discutido o projecto, mostrarei que se deve dar outra direcção á formação da companhia para que se consiga o resultado que todos desejam.
Para V. Exa. ver o estado desgraçado que atravessa a vinicultura, peço licença á Camara para ler o trecho de uma carta que hontem recebi do Sr. Barão de Alvaiazere, importante viticultor de Villa Vova de Ourem.
Os vinhos estão absolutamente desvalorizados.
Creio que, por este anno, o problema está resolvido, porque a queima tem sido tão grande que localidades ha onde a quantidade não excederá metade da que se esperava e em algumas vinhas a perda é quasi total; mas, cousa notavel, os vinhos não teem procura e os commerciantes não teem stock nas suas adegas.
Eu apresentei aqui um projecto para formação de uma companhia e mais tarde apresentei o complemento d'essa companhia que era a formação do credito agricola, isto é, a companhia era obrigada a criar a verba de 2:000 contos de réis para criação de credito agricola, cuja taxa não excederia 4 por cento.
Diz o Sr. Barão de Alvaiazere na carta a que me refiro:
Vi o projecto vinicola que V. Exa. apresentou, e que, a meu ver, resolve as tremendas difficuldades da crise medonha que nos envolve.
Como modesto viticultor; peço a V. Exa. para envidar todos os seus esforços para ver se no menos se consegue a criação do credito agricola, salvando os lavradores das garras da agiotagem, e da especulação gananciosa dos negociantes, a quem os lavradores teem
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de entregar os seus generos por inferiores preços, aggravando a situação. Para V. Exa. avaliar bem o espirito de especulação, basta dizer-lhe que de uma proposta sei eu para 100 pipas de vinho da colheita proximo, a 180 réis cada 20 litros!!!
Desculpe me V. Exa. o incommodo e creia-me com particular consideração - De V. Exa., velho amigo e obgmo. = Barão de Alcaiazere. - Quinta de Alcaidaria Mor, 18 de agosto de 1908.
Quer dizer, o vinicultor está, como se costuma dizer, com a corda na garganta, precisa dinheiro, tem de vender vinho e como o commerciante sabe que elle precisa dinheiro, offerece a miseria de 180 réis por cada medida de 20 litros de vinho.
Se estivesse estabelecido o credito agricola com taxa inferior a 4 por cento, não acontecia isto, porque o individuo ia levantar pequenas quantias para, acudir á difficuldade de momento dando como garantia os seus productos.
Sr. Presidente: a questão precisa ser estudada com cuidado, porque é preciso conheceres dados do problema relativos á questão principal que nos occupa neste momento, que é o aumento dos direitos em Lourenço Marques.
Consta-me que o Governo já deu algumas providencias para remediar no todo ou em parte este inconveniente.
Ha casas exportadoras de vinhos para Lourenço Marques, e das mais importantes, que já receberam noticia dos seus correspondentes, dizendo-lhes que não enviassem mais vinho, emquanto não se resolvesse este assunto do aumento dos direitos.
Isto, Sr. Presidente, prova que a situação commercial dos nossos vinhos naquella colonia sul africana não é boa, sendo do toda a urgencia que se tomem providencias para que cesse tal estado de cousas.
As nossas provincias ultramarinas podiam servir de consumo a grande parte do nosso vinho, o que nos viria beneficiar na crise que atravessamos. Como nas minas do Transvaal se emprega grande numero de negros em trabalhos pesados e fatigantes, poder-se-hia ver se era possivel obter que dessem uma ração de vinho português aos nossos pretos.
Não sei se o Sr. Teixeira de Sousa está de acordo no que acabo de expor á Camara, nem sei mesmo se isto se poderia conseguir; mas distribuir vinho por cincoenta mil pretos, que é o que me dizem trabalham naquellas minas, já era importante, porque muito attenuaria a crise que nos assoberba.
Não me occuparei mais d'este assunto. Disse á Camara aquillo que entendia e tenho a certeza de que o Governo ha de tomar em consideração as minhas palavras.
Entendo que o Governo tem prestado um grande serviço nacional, administrando com grande economia e parcimonia, não offendendo as liberdades publicas e sabendo manter a ordem, o que tão indispensavel é para o bem estar de uma nação.
Sabem todos como este ultimo assunto é melindroso, e tanto que, quando se apresenta um Governo ao Parlamento, o partido que lhe é adverso declara que lhe fará opposição, excepto nas questões de ordem publica e nas internacionaes.
Tal é, Sr. Presidente, o conhecimento que todos teem da necessidade de se manter a ordem e estabelecer a tranquillidade publica.
Fora da ordem não pode ninguem viver, nem os amigos do Governo nem os que lhe são contrarios, quer se trate dos que applaudem ou combatem as instituições vigentes.
Eu quero que todos tenham liberdade, mas tambem quero que se respeitem as leis do país.
Antes de concluir, ainda quero dizer á Camara que na sessão de 7 de novembro de 1906, entre outras propostas que apresentei ao Parlamento, havia uma que tinha por fim estabelecer a régie da aguardente de vinho, e estou convencido de que esta providencia e outras que se lhe pudessem seguir resolveriam a crise vinicola, que tantos males está causando ao país.
Creio tambem que um illustre Deputado tenciona apresentar, nesta sessão ou em janeiro proximo, uma proposta nesse sentido, a qual deve trazer grandes beneficios.
Não me alongo em mais considerações e espero que o Governo ha de evitar que continue este estado de cousas em Lourenço Marques, concordando em que as difficuldades serão enormes se mantiverem a nova tributação lançada sobre os nossos vinhos.
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Agradeço ao Digno Par Sr. Francisco José Machado as boas palavras com que honrou o Gverno.
Foi já expedido um telegramma para Lourenço Marques pedindo explicações sobre o assunto.
Para serenar os animos, devo dizer o que a este respeito o governador informou ha tempo.
(Leu).
O fim foi, pois, promover que tivesse maior venda o vinho com graduação inferior a 10 graus do que o de graduação superior.
Quanto ao vinho do Porto engarrafado, o imposto passou de 10 a 60 réis por garrafa.
(S. Exa. a não reviu).
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão sobre o projecto de lei que fixa a lista civil
O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia e fica inscrito para a primeira sessão o Digno Sr. Alpoim.
Tem a palavra o Digno Par Sr. Julio de Vilhena.
O Sr. Julio de Vilhena: - Antes de continuar a oração que hontem comecei a proferir, permitta-me V. Exa. que eu troque algumas explicações, que julgo necessarias, com o Sr. Ministro da Justiça.
Parece-me. Sr. Presidente, que o incidente que hontem occorreu, embora ligeiro, entre mim e o Sr. Ministro da Justiça, não ficou convenientemente liquidado.
Eu tinha dito que o projecto que se discute me fôra apresentado por S. Exa. nesta mesma Camara depois de approvado em Conselho de Ministros e que eu, passados poucos minutos, o restituirá a S. Exa.
Pareceu me ter ouvido da parte do Sr. Ministro da Justiça a declaração, não contestando a veracidade d'este facto, de que me não dera prazo para a restituição do projecto e que não se poderia considerar projecto antes de approvado em Conselho de Ministros. Foram estas as palavras que chegaram aos meus ouvidos, e se realmente fossem estas as palavras reproduzidas por alguns dos orgãos da imprensa, eu nada teria a acrescentar, porque acho absolutamente correcta e acceitavel, em harmonia com a verdade, a declaração do Sr. Ministro da Justiça. S. Exa. não contestou o facto que eu referi nesta Camara. S. Exa. não negou, nem podia negar, que eu só tivesse tido conhecimento do projecto por intermedio de S. Exa. e dentro d'esta casa, mas, Sr. Presidente, não é isto o que eu vejo referido em alguns jornaes.
Assim refere o Dia, e o mesmo repetem hoje alguns jornaes, que S. Exa. me respondera:
O que V. Exa. diz não é exacto. O projecto foi enviado a V. Exa. depois de ser approvado em Conselho de Ministros. Antes d'isso não era projecto do Governo. V. Exa. ficou com elle e ninguem lhe marcou prazo para o restituir.
Parecia que eu tinha faltado á verdade dos factos, parecia, se taes palavras fossem exactas, que o projecto me fôra enviado antes do dia em que eu disse que tivera conhecimento d'elle.
Eu sei que não foram estas as palavras de S. Exa., mas o que eu desejava era que o Sr. Ministro da Justiça, por uma declaração autentica, confirmasse as minhas palavras, se o que eu disse corresponde ou não á verdade
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dos factos, isto é, que só tive conhecimento do projecto no dia em que me foi neste logar apresentado por S. Exa. e não antes d'essa occasião.
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - O que disse hontem e repito hoje, por ser a exacta expressão da verdade, é o seguinte: "Que o projecto fui apresentado ao Digno Par depois de approvado pelo Conselho de Ministros, porque antes d'essa approvação não havia projecto nenhum; eu fui pessoalmente entregar a S. Exa., no logar que o Digno Par occupa, esse projecto, e não pedi urgencia nem marquei prazo para resposta.
Foi isto que eu declarei; e é esta a expressão da verdade.
O Orador: - Julgo-me absolutamente satisfeito com as declarações do Sr. Ministro da Justiça; foram essas as palavras que eu ouvi.
Não é exacto o extracto dos jornaes. S. Exa. não contestou a verdade dos factos que eu apresentei. S. Exa. não duvidou, não insinuou que por qualquer forma eu tivesse tido conhecimento do projecto antes da sua approvação em Conselho de Ministros, nem antes de me ter sido entregue, por sua mão, aqui mesmo neste logar. S. Exa., por sua conta, acrescentou que não me dera prazo para a entrega, mas neste ponto não houve da parte de S. Exa. ratificação a qualquer declaração minha, pois que eu nunca affirmei o contrario.
É certo que o Sr. Ministro da Justiça não marcou prazo para a entrega, eu é que me julguei constituido na obrigação de immediatamente restituir o projecto que tinha sido já discutido em Conselho de Ministros e estava já preparado com a competente redacção para ser submettido á consideração da Camara.
Sr. Presidente: é preciso, é indispensavel definir claramente a situação.
Eu não fiz observações ao projecto, é certo, mas não as fiz porque, tendo sido discutido e deliberado em Conselho de Ministros e tendo o voto unanime do Conselho, considerei apenas a sua apresentação como uma cortesia, como um acto de delicadeza, e não como um convite ao seu exame.
Eu sei que não podia chamar-se projecto antes de ser approvado em Conselho de Ministros, mas antes do projecto ha uma cousa que se chama o assunto d'elle, e sobre isto é que eu nunca fui ouvido em tempo nenhum pelos Srs. Ministros.
Isto não é uma queixa, não é uma censura, e unicamente a exposição de um facto real e verdadeiro.
Sr. Presidente: eu fui consultado pelo Governo em dois actos importantes da sua vida ministerial, o primeiro foi na redacção da carta de Sua Majestade El-Rei D. Manuel. Eu não concordei com essa redacção e indiquei ao Governo algumas emendas, mas tive depois o desgosto de ver que essas emendas não foram acceitas na redacção da carta. O Sr. Presidente do Conselho participou me tambem a dissolução da Camara dos Senhores Deputados, e eu tive tambem o desgosto de ver que as minhas observações não foram attendidas pelo Governo.
Não podia haver illusões no meu espirito; os desastres que eu soffrera nos dois conselhos que tinha dado anteriormente impelliam-me naturalmente a abster me de apresentar ou indicar ao Governo qualquer emenda que me parecesse conveniente.
Não faria estas declarações na sessão anterior, e nem hoje aproveitaria a occasião de as reproduzir, se ellas não envolvessem a expressão de um pensamento politico que desejo accentuar.
Não é uma queixa nem uma lastimação, nem uma censura a ninguem, não é nada d'isso, é uma exposição real dos factos, mas de onde deriva a consequencia, que eu quero frisar, de que não tenho tido collaboração effectiva nos actos administrativos do Governo, e, por conseguinte, não posso ter responsabilidades que lhe andam politicamente inherentes.
Eu continuo a dar ao Governo um mero apoio politico, e como estou fora d'elle não me pertence a responsabilidade dos seus actos. Quando eu não tenho a iniciativa, ou a partilha directa na collaboração dos seus actos de administração, e quando as minhas consultas, certamente com boas razões, são postas de lado, eu tenho o dever de dizer que declino as responsabilidades que me quiserem attribuir.
Só tenho a responsabilidade politica do apoio que continuo a dar-lhe, apoio leal e desassombrado; mas muitos suppõem o contrario, imaginando que eu disponho do poder, e attribuindo-me em certos factos responsabilidades que mesmo pertencem.
É uma illusão que eu pretendo desfazer, tocando novamente neste assunto; e d'este modo parece-me que fica bem encerrado o incidente.
Sr. Presidente: na sessão passada, fui obrigado a interromper o meu discurso, que já vae demasiadamente longo.
Dizia um critico francês que as longas obras lhe mettiam medo. A mim tambem me mettem medo os longos discursos, quando os faço e quando... os ouço. Mas ás vezes são indispensaveis.
Não quero, nem desejo, que a Camara supponha que eu abuso da sua benevolencia na exposição das minhas ideias. Pelo contrario, bem se viu, na sessão anterior, quanto me esforcei para evitar tornar-me fastidioso.
Nesse intuito, vi-me obrigado a omittir na synthetização da minha oração, e na brevidade com que a fiz, dois pontos interessantes.
Sacrifiquei o que diz respeito á historia das chamadas joias de D. Miguel, a que me referi quando o meu illustre amigo, o Digno Par Sr. Baracho, pediu que fosse feito o inventario dos bens da Coroa. A determinação do estado juridico e legal d'aquelles valores, pondo mesmo de banda a narração curiosa dos incidentes até agora occorridos, não seria fora de proposito no presente debate.
Omitti tambem, sacrificando á brevidade da exposição, a historia municiosa das quatro operações que em 1859, 1860, 1863 e 1876 se effectuaram sobre a venda dos diamantes da Coroa, em que havia pormenores curiosos.
Omitti tudo isso e não me arrependo.
Tenho sempre na lembrança um caso acontecido no Parlamento francês no tempo de Luiz Filippe.
Havia na Camara um orador, Sauzet, que era de tal modo prolixo, alongava de tal arte os discursos, que se tornava o objecto constante dos gracejos e ironias dos seus collegas. Havia tambem na Camara um outro, Delaborde, sarcastico, sempre disposto a zombar das fraquezas do proximo, e que o não poupava com os seus epigrammas. Um dia, diz Coamenin, depois de um d'aquelles largos discursos que deixavam a assembleia cansada, ao sair, suando como um cavallo que sae do hippodromo, Sauzet ouviu esta frase proferida por Delaborde:
Faites place, messieurs, ouviez vos rangs, laisses passer le plus grand oratour de la France qui va changer de chemise.
Uma gargalhada geral resoou em toda a Camara.
Já vê V. Exa. que, contando este facto, que parece ser authentico, eu entro de bom humor no assunto. Bom humor que aliás sempre me acompanha, porque é nelle que eu encontro o principal remedio philosophico para as minhas... amarguras politicas. (Riso}.
Sr. Presidente: eu tinha deixado a questão da legalidade das rendas no seguinte ponto:
Tinha mostrado que Sim Majestade El-Rei D. Carlos, no primeiro anno do seu reinado, em consequencia da pratica de actos de generosidade, como foi a subscrição para a compra de navios de guerra na importancia de réis 40:000$000, e a cedencia de réis 73:000$000 por anno, depois da chamada lei de salvação publica, se vira
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obrigado are correr ao credito particular, e, não encontrando pessoa ou entidade collectiva que fornecessem os meios necessarios, recorreu ao arrendamento dos bens que estavam em usufruto da Coroa, principalmente aos que a esta tinham sido concedidos por decreto de 18 de março de 1834.
Mostrei a V. Exa. e á Camara a legalidade do pedido, não só com as razões do parecer da commissão que então funccionava, mas com os argumentos que derivei do artigo 3.° da lei de 16 de julho de 1855.
Vou continuar no ponto em que a hora me interrompeu a exposição.
Liquidada a importancia das rendas e feita a liquidação em favor da Casa Real com o saldo de 401:980$000 réis, Hintze Ribeiro, então Ministro da Fazenda, lavrou em 27 de fevereiro de 1895 o seguinte despacho:
Para ser submettido á resolução do Par lamento, organizando a commissão as contas nos termos d'este relatorio, e enviando copia á Administração da Fazenda da Casa Real.
Pode haver despacho mais claro, mais correcto do que o lavrado por Hintze Ribeiro?
Nada se fez ás occultas. Nada se praticou sem conhecimento do país.
Veio em seguida a lei de 13 de março de 1896, que dispunha no artigo 30.°:
Fica auctorizado o Governo para liquidar, da forma que julgar mais conveniente, os direitos em divida provenientes de despachos feitos na alfandega, em harmonia com os preceitos da portaria de 22 de novembro de 1879, e mais providencias sobre o assunto.
Então esta lei não está redigida com toda a clareza?
Velava ella por qualquer modo o pensamento do Governo?
Que é que aqui se furtava ao exame do Parlamento?
Basta notar que a lei se refere á portaria de 22 de novembro de 1879, que d'ella faz parte integrante, e que diz expressamente que se nomeará uma commissão:
a qual, ouvindo o administrador da Real Casa e Fazenda, e examinando os documentos, que lhe serão enviados pelas estações competentes, procederá em conformidade com a consulta do procurador geral da Coroa e Fazenda, approvada unanimemente em conferencia, á liquidação dos direitos devidos pela mencionada Casa e creditos d'ella sobre o Thesouro Publico, que devem ser reconhecidos e abonados.
Por aqui se vê que a portaria, e portanto a lei que a insere, marcava o objecto e o estado do litigio.
Esta lei, com a referencia que faz á portaria, diz claramente que é autorizado o Governo a liquidar, pela maneira que julgar mais conveniente, os debitos e creditos entre o Thesouro e a Casa Real. Não se diga que o Ministerio regenerador não andou então com toda a lealdade para com o Parlamento e com toda a verdade para com o país inteiro.
É evidente que na lei de 30 de maio de 1896 não se podia indicar cada um
dos creditos, especificadamente, que a Casa Real tinha sobre o Thesouro, que esses creditos eram muitos e variados, comprehendendo as liquidações antigas e as modernas, e comprehendendo não só as rendas, mas as velhas reclamações desde a parte em divida da dotação e do enxoval de D. Maria II, até aos fardamentos dos archeiros.
Está assim respondido á accusação feita ao Ministerio regenerador e especialmente a Hintze Ribeiro, quando se affirma que elle submettera á apreciação do Parlamento um projecto obscuro, pretendendo obter subrepticiamente a autorização para o pagamento das rendas.
Se pudesse ainda haver qualquer duvida sobre este ponto, bastaria, para a destruir, examinar o decreto de 31 de dezembro de 1896, que diz:
... ouvido o Conselho de Ministros hei por bem... determinar, que no Ministerio dos Negocios da Fazenda e para despesa extraordinaria, seja aberto um credito especial, devidamente registado na Direcção Geral da Contabilidade Publica, pela importancia de 324 contos de réis, que será inscrita na tabella da distribuição da despesa extraordinaria do mesmo Ministerio no exercicio de 1896-1897, com applicação ás despesas de que trata o mencionado artigo 30.° da carta de lei de 13 de maio de 1896.
Ora, se o Governo era autorizado a levantar um credito para pagamento d'essas despesas, era porque havia, realmente, com relação a esse credito, um debito da parte do Thesouro, correspondente a elle. Esse debito da parte do Thesouro era para com a Casa Real, e não podia ser com outra entidade qualquer.
Mas, Sr. Presidente, a legalidade das rendas teve a mais terminante sancção em 1901. Está na lei de 12 de junho d'esse anno. É no artigo 19. § unico:
E tambem autorizado o Governo:
a) A pagar á Administração da Fazenda da Casa Real a importancia das rendas dos predios pertencentes á mesma Casa e que o Estado usufrue para diversos serviços publicos, podendo abrir os creditos especiaes e necessarios, nos termos d'esta lei, e sendo a disposição d'esta alinea declarada de execução permanente.
Era então isto um negocio escuro entre a Casa Real e o Governo? Decerto que não.
Não teve então o país amplo conhecimento de tal negocio?
Teve, e não houve contestação de especie alguma. Desde 1896 que o país e as Camaras conhecem perfeitamente o estado do litigio acêrca da liquidação dos debitos e creditos com a Casa Real. Não se pode portanto invocar hoje, em desabono do que então se fez, a circunstancia de ter sido tudo feito ás occultas, como se fosse um negocio escuro.
D'esta maneira ficam expostas as razoes, inteiramente acceitaveis, pelas quaes a Casa Real pediu as rendas, e demonstrada fica tambem a legalidade d'ella. Igualmente demonstrado fica que, se porventura a imprensa e o Parlamento não se occuparam então d'esta questão, foi tão somente por culpa sua, não se devendo lançar responsabilidades ao Governo d'aquella epoca, por isso que elle forneceu todos os elementos necessarios para completo conhecimento do assunto. (Apoiados).
Sr. Presidente: passo agora á apreciação do artigo 5.° do projecto em discussão.
Eu já tive ensejo de me referir ao artigo 5.° do projecto, quando falei sobre a proposta para o inquerito de fim de reinado apresentada nesta Camara pelo meu illustre amigo e Digno Par Sr. Baracho. Eu. então, disse que não repugnava acceitar a ideia primitiva do Governo, comquanto houvesse, a meu ver, tres maneiras de fazer a liquidação.
A primeira consistia em confiar a liquidação dos debitos e creditos entre o Thesouro e a Casa Real a um tribunal existente no país - o Tribunal de Contas - por exemplo. A segunda poderia ser o encarregar se uma commissão extra-parlamentar d'esta liquidação, como se encontrava primitivamente no projecto do Governo.
A terceira, finalmente, consistia em entregar a liquidação a um tribunal arbitral em que fosse representado não só o Estado, mas tambem a Casa Real para que ella pudesse, nesse tribunal, pleitear todo e qualquer direito que, por ventura, tivesse.
Nesta occasião eu disse, e por isso o que agora indico não pode ser surpresa para o Governo, que preferia a constituição do tribunal arbitral. Mas acceito esta parte do projecto, como declarei desde logo ao Sr. Ministro da Justiça.
Poderia objectar contra a disposição do projecto que já não é o primitivo, porque o projecto já vem alterado pelos Srs. Deputados. Mas acceitando ainda a emenda feita e approvada pelos meus amigos politicos na outra casa do Parlamento, e defendendo a como é meu dever, eu entendo que é acceitavel a doutrina. Só vejo, no futuro, uma difficuldade. Qual é o caracter da commissão chamada burocratica?
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A commissão não pode revestir senão uma das duas seguintes feições: ou é uma commissão meramente consultiva, ou é uma commissão que constitue uma primeira instancia. Se é uma commissão meramente consultiva, não ha, para os seus membros, desaire, se o poder deliberativo se não conformar com a sua consulta; se, porventura, é uma instancia, e como tal funcciona, não ha igualmente desaire nem inconveniente para a commissão em que o seu julgamento seja reformado pelo tribunal superior.
Isto é praxe seguida em todas as instancias, ou consultivas ou constituindo o primeiro tribunal do julgamento.
É evidente que uma das duas cousas acontece: ou a Camara dos Senhores Deputados concorda com o quantitativo apurado pela commissão burocratica, ou discorda, para mais ou para menos e então o que prevalece é a decisão da Camara.
Até aqui não ha difficuldade.
Mas a grande difficuldade pode occorrer, de facto, na liquidação definitiva, se a Casa Real não estiver de acordo com essa liquidação, porque, se a Camara funcciona como representante do Estado e, conseguentemente, como uma das partes que lutam na questão, a Camara não tem o direito de impor, como credora, a quantia que ella propria fixar.
Não pode ficar ao arbitrio e á faculdade exclusiva do credor marcar a importancia que o devedor tem de lhe pagar sem que ao menos o devedor seja ouvido e possa recorrer para qualquer tribunal. (Apoiados).
Já ouvi dizer que a Casa Real acceitará todo o quantitativo que constituir, na opinião da Camara, o seu debito para com o Thesouro.
Mas quem nos autoriza a fazer uma declaração d'esta ordem, ou quem tem procuração da Casa Real para fazer semelhante affirmação?
O que tem occorrido até hoje não nos autoriza a fazer asseverações d'esta ordem, porque o que tem occorrido até hoje, desde o tempo de D. Maria II, tem sido uma disputa, um pleito, uma controversia, uma acção contenciosa, debatendo cada um por seu lado, a importancia do debito por parte da Casa Real, a importancia do credito por parte do Thesouro.
Quem foi competentemente autorizado para declarar que a Casa Real não ha de reclamar, mantendo, como qualquer outra pessoa ou entidade, os direitos que lhe pertencem?
Comprehendo até, de antemão, que possa haver motivo para reclamações por parte da Casa Real.
Supponhamos que a commissão considera como adeantamento uma verba que, realmente, não tem esse caracter. Tem porventura a Casa Real obrigação de pagar, simplesmente porque a Camara dos Senhores Deputados entende que a verba questionada representa um adeantamento?
Supponhamos que discute inclusivamente a importancia, o valor de um certo e determinado adeantamento. Não está absolutamente no seu direito?
Por isso, digo e affirmo mais uma vez que, quando se der esta hypothese, terá necessaria e fatalmente de recorrer-se á constituição de um tribunal arbitral, acabando assim a resolução da questão pelo modo como deveria ter principiado.
Pelo lado politico, na accepção mais elevada do termo, o processo de liquidação, que se propõe, tem o grave inconveniente de prolongar por largo tempo a resolução da questão dos adeantamentos.
Pois não seria mais conveniente para a paz e para socego do país, que tão necessarios se tornam para a resolução immediata das nossas questões pendentes, que a liquidação dos adeantamentos fosse resolvida rapidamente, sem prejuizo, é claro, da livre discussão parlamentar? (Apoiados).
Pelos processos adoptados pelo Governo, ha a discussão a que temos assistido, e haverá ainda uma discussão futura, quando a commissão de inquerito apresentar o seu parecer ou fixar o quantitativo das sommas que a fazenda Real deve ao Estado.
O país não pode continuar dominado por esta anarchia que nos perturba e que impede a resolução das mais graves questões nacionaes.
Estamos perdendo tempo, não temos, pelo lado politico, nem novas leis constitucionaes, nem nova lei eleitoral, nem novas leis de garantias individuaes, e não temos, pelo lado financeiro, nada que possa salvar-nos da situação deploravel em que nos encontramos.
Hypothecados os rendimentos das alfandegas, hypothecadas as receitas dos tabacos e dos fosforos, fechados os mercados estrangeiros ao nosso credito a ponto de que será, talvez, impossivel negociar um supprimento sem a caução de uma das contribuições do Estado, assoberbados com uma crise financeira que é inutil dissimular, podemos nós continuar deixando nos arrastar miseravelmente numa prolongada discussão que, intentando ferir os homens e as instituições, nos amesquinha e enfraquece aos olhos do mundo civilizado?
Não, Sr. Presidente, não!
Isto é a estagnação, a immobilidade da vida nacional, e o país, que precisa de que acudam ás suas verdadeiras necessidades de toda a ordem, não pode ficar estacionario, porque não quer e não pode morrer.
Não poderá parecer aos olhes dos mal intencionados, e eu nunca pertenci a este numero, que ha interesse em prolongar esta discussão? (Apoiados).
Não sou eu, decerto, porque o que eu desejo é ver desembaraçada a situação do país d'esta questão irritante, que prejudica, a um tempo, a larga acção do Governo e a resolução de tantas questões politicas e administrativas de reconhecida urgencia.
Temos tido este anno uma discussão longa e para o anno, a avaliar pelo que se tem passado, perdida será tambem a sessão parlamentar.
Não pretendo difficultar a acção do Governo; mas permitta-me que lhe diga, em boa paz, que eu preferiria que esta questão fosse resolvida de uma só vez. (Apoiados).
Alguns esforços empreguei no sentido de que a questão se liquidasse com a possivel brevidade.
O illustre relator da commissão de inquerito da Camara dos Srs. Deputados procurou-me para me informar acêrca do modo como corriam os trabalhos e, nesta occasião, perguntei-lhe se não seria possivel fazer-se, este anno mesmo, definitivamente a liquidação dos adeantamentos.
Respondeu-me que no espaço de um mês se poderia fazer essa liquidação, de modo a fixar-se o debito da Casa Real neste projecto, eliminando-se o artigo 5.°
Levei este facto ao conhecimento do Sr. Ministro da Fazenda; nada mais fiquei conhecendo a tal respeito, naturalmente por se verificar que o apuramento se não podia realizar no limitado espaço de tempo a que se tinha referido o Sr. relator da commissão de inquerito.
Mas eu, pela minha parte, empreguei todos os esforços possiveis para que a liquidação terminasse e para que, desta maneira, a acção do Governo actual ficasse por tal forma desembaraçada que lhe fosse permittido apresentar ainda nesta sessão um largo programma de administração com as competentes propostas de lei.
Sr. Presidente: resta-me tratar do outro ponto a que alludi no principio do meu discurso.
Refiro-me á responsabilidade ministerial resultante dos adeantamentos.
Eu desejaria reservá-la para quando viesse ao debate o projecto final acêrca da liquidação dos adeantamentos; mas, tendo ouvido dizer ao Digno Par Sr. Medeiros que a lei de responsabilidade ministerial espantava todos os homens de Governo dos partidos rotativos, accrescentando o Digno Par Sr. Baracho que tal lei numa seria promulgada, não posso eximir-me a declarar a V. Exa. que eu, como homem politico, como chefe de partido, prescindo abso-
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lutamente da lei de responsabilidade ministerial, e não fujo á responsabilidade dos meus actos pela circunstancia d'ella não existir.
Esta é que é a doutrina proclamada nesta casa pelos chefes de todos os partidos.
Quando em 1892 se sentava nessas cadeiras o Sr. Dias Ferreira, o Digno Par Camara Leme levantou a questão dos adeantamentos, entendendo que os adeantamentos feitos podiam ser considerados como factos delictuosos, punidos pelo Codigo Penal, no capitulo intitulado a Peculato".
Respondeu o Sr. Dias Ferreira que não era necessaria nenhuma lei de responsabilidade ministerial para que os Ministros respondessem pelos delictos quando houvessem prevaricado, porque havia a forma de processo marcada pela lei de 1849. havia a parte accusadora, que era a Camara dos Senhores Deputados, havia o tribunal competente, existindo por consequencia todos os elementos que podem determinar um julgamento.
O Digno Par Hintze Ribeiro acceitou tambem a mesma doutrina e declarou que não precisava de lei de responsabilidade ministerial, porque julgava que os Ministros não estavam isentos d'ella, embora não existisse a lei especial a que se refere a Constituição.
O Sr. José Luciano de Castro acceitou e proclamou as mesmas ideias, e eu, Sr. Presidente, tive occasião de as proclamar tambem em 1880, quando se discutiu na outra casa do Parlamento o projecto apresentado pelo partido progressista acêrca da responsabilidade ministerial.
Seria altamente immoral que um partido qualquer entendesse que os actos dos seus Ministros ficavam absolutamente impunes pelo facto de não haver uma lei de responsabilidade ministerial.
Alem de que, Sr. Presidente, esta tem sido sempre, não só a praxe entre nós, mas a praxe seguida nos países estrangeiros onde não existe lei de responsabilidade ministerial.
Que praxe seguimos nós?
Existe o parecer, que á primeira vista parece contrariar esta doutrina, da commissão a quem foi presente a proposta de accusação contra Marianno de Carvalho por ter feito adeantamentos a diversas companhias e em especial á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, que se refere ao facto de não haver entre nós lei de responsabilidade ministerial, mas não é nessa razão que se fundou principalmente para rejeitar a proposta.
Os fundamentos da rejeição consistiram em não haver disposições na lei criminal geral que considere os adeantamentos factos delictuosos, porque não reunem os elementos que constituem os delictos.
Existem os pareceres das commissões parlamentares, que são pelo menos sete; tenho-os aqui e não os leio para não cansar a Camara.
Elles demonstram que a Camara sempre se julgou competente para apreciar os factos que são objecto da accusação, embora não haja lei de responsabilidade ministerial; não tem, é certo, dado seguimento a algumas propostas, que ficaram nas commissões; tem, é certo, rejeitado in limine a apresentação de outras, mas o que nunca proclamou foi a incompetencia da Camara para conhecer de delictos que se digam praticados por qualquer Ministro.
Sr. Presidente: V. Exa., que é muito illustrado, sabe bem o que se tem passado em França e em outros países.
Em 1814 a Constituição que vigorava, que era a de 4 de junho d'esse anno, estabelecia disposições identicas ás da nossa Carta e tambem não havia lei de responsabilidade ministerial.
Pois, apesar d'isso, Ney foi levado ao tribunal, que era tambem a Camara dos Pares, e, embora tivesse sido, como foi, pelo grande Berrier, seu advogado, invocada a falta de lei de responsabilidade ministeral, isso não impediu que aquelle marechal fosse condemnado.
Em 1830 vigorava a Carta de 9 de agosto, que continha disposições identicas; não havia tambem lei de responsabilidade.
Apesar da defesa feita por Martignac, que proferiu um discurso dos mais eloquentes que eu conheço, a favor de Polignac e dos outros Ministros accusados, apesar de ser invocada a falta de lei de responsabilidade ministerial, a Camara dos Pares julgou-se competente para o julgamento e condemnou o Ministerio.
Todos sabem que, em França, pelas leis de 1875 é responsavel o Presidente da Republica e são responsaveis os Ministros, mas não ha lei de responsabilidade ministerial. Dufaure dizia que era desnecessaria essa lei porque, quando houvesse da parte dos Ministros qualquer delicto grave, a França não deixaria de julgar e condemnar os delinquentes, como procedera em 1830.
Sr. Presidente: na Italia não ha ler de responsabilidade ministerial e todavia Nasi foi julgado e condemnado pelo Senado.
O que quer isto dizer?
Quer dizer que o direito geral da Europa, em materia constitucional, tem reconhecido que não é indispensavel uma lei de responsabilidade ministerial para julgamento e condemnação dos Ministros, uma vez que os factos incriminados o sejam per qualquer disposição da lei commum.
Poderia corroborar estas affirmações com a leitura dos pareceres, das disposições da legislação estrangeira e de outros documentos ainda, que tudo tenho deante de mim, mas não o faço, porque isso obrigar-me-hia a alongar demasiadamente o meu discurso, occupando a attenção da Camara ainda durante toda a sessão de hoje.
Os adeantamentos podem ser actos irregulares de administração, em muitos casos concordo com isso, mas não são actos delictuosos.
O que são os adeantamentos?
Analysemos o facto em si.
Adeantamentos são todos os paga mentos antecipados. Podem fazer se fora das verbas, ou mesmo dentro das verbas descritas no orçamento.
Podem tambem fazer-se dentro das clausulas de um contrato.
Como execução de um contrato, eu fiz adeantamentos quando fui Ministro da Marinha em 1890. Foi numa hypothese em que todos o faziam.
Nessa occasião o transporte Africa carecia de reparos nas suas caldeiras e eu quis mandá-las concertar em Inglaterra. A industria nacional, porem, fez taes reclamações, explorou de tal modo contra mim o sentimento geral, que eu vi-me obrigado, cedendo á pressão da opinião publica, a entregar o concerto das caldeiras do Africa a uma casa constructora que existia em Lisboa.
Era o que me impunha a imprensa, as associações industriaes, toda a gente.
Fez-se o contrato, estabelecendo-se os prazos para o pagamento das prestações acordadas. Foi a primeira prestação paga no tempo competente.
Devia pagar-se a segunda depois de ser feita a vistoria sobre o estado dos trabalhos do concerto das caldeiras.
Pois, Sr. Presidente, ainda não tinha chegado a occasião de se proceder a essa vistoria, já a casa que se tinha encarregado do trabalho reclamava o pagamento adeantado da segunda prestação, sob pena de eu nunca obter a& caldeiras concertadas.
Adeantei, é claro, o pagamento d'essa prestação, que foi, como devia ser, encontrada na liquidação final do contrato.
Não foi isto um adeantamento?
Foi.
Mas, pergunto eu: qual seria o Ministro que não procederia como eu procedi?
Penso que nenhum.
Pois havia de deixar o navio sem as caldeiras durante largo tempo, e estar a pagar transportes para a Africa ás empresas de navegação, com manifesto, prejuizo do Thesouro?
Parece-me que não.
Fiz, pois, aquelle adeantamento.
Commetti um crime?
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Longo d'isso. Foi, pelo contrario, um excellente acto de administração.
Mas, Sr. Presidente, ainda ha mais.
Quando eu fui Ministro da Marinha, em 1891, prohibi que se fizessem expedições na Africa sem me mandarem previamente a descrição do seu objectivo, acompanhada do respectivo orçamento e de todos os demais elementos indispensaveis.
Procedi d'esta maneira porque se abusava extraordinariamente: faziam-se adeantamentos á vontade. Só tarde é que os Ministros tinham conhecimento das despesas feitas, mas ainda assim estabeleci uma excepção, que não quero deixar de indicar á Camara.
Lá está no numero 4.° da portaria de 3 de outubro de 1891; ficou excluido o caso em que seja necessario repellir rapidamente uma aggressão, ou operar um ataque, quando, segundo o parecer do Conselho do Governo, a demora na approvação do plano pudesse prejudicar o exito da empresa.
Aqui está a hypothese de um adeantamento.
Qual é o homem publico que não commetteria este grande crime de autorizar um adeantamento nestas circunstancias?
Havia de esperar que o inimigo invadisse e perturbasse o nosso dominio colonial até que se publicasse um decreto com a autorização do Conselho de Estado ou se convocassem as Camaras para approvarem as verbas necessarias?
Quando se trata de repellir um ataque e da defesa do país, não ha quasi nunca tempo de legalizar as despesas necessarias, e então o adeantamento é necessario e indispensavel.
É muito bom vir á camara fazer um discurso contra os adeantamentos, em geral e em especial, passados e futuros.
Isso aprende se nas aulas de rhetorica, mas aprende-se, sem duvida, muito mais na escola do Governo, porque só a governar é que se conhecem praticamente as urgencias, as circumstancias que determinam muitas vezes os actos do Governo.
Os adeantamentos nos casos referidos na portaria de 3 de outubro, que eu assinei, já para repellir uma aggressão, já para operar um ataque, podem ser considerados actos de má administração?
Não podem ser, creio eu, mas, como disse á Camara, não deixam de ser adeantamentos.
Sr. Presidente: tem-se dito que a respeito dos adeantamentos são applicaveis aos homens publicos as disposições do Codigo Penal que regulam o crime de peculato.
Ora V. Exa. vae ver a que ponto chegaria a applicação do Codigo Penal.
Elle considera crime de peculato um pagamento feito antes do vencimento.
Isto será applicavel aos Ministros?
Se esta disposição fosse applicavel aos Ministros, todos os Governos que teem passado por aquellas cadeiras seriam reus do crime de peculato.
Até o proprio Governo do Sr. Ferreira do Amaral, pois que em junho d'este anno mandou fazer o pagamento aos funccionarios do Estado no dia 20, quando só no dia 30 o deveria fazer, porque só nesse dia é que se realizava esse vencimento.
Interpretando a disposição do Codigo Penal do modo que os adversarios do governo entendem, tambem ella é applicavel ao facto que acabei de citar, e que aliás ninguem condemnou. Todos receberam os vencimentos no dia 20 e, sem distincção de partidos, todos ficaram muito satisfeitos.
E não é isto um pagamento adeantado?
O Codigo Penal considera tambem crime de peculato a espera que se dá ao devedor em qualquer pagamento.
Todos os homens que teem passado pelos bancos do poder são réus d'esse delicto, porque, satisfazendo aos pedidos feitos pelos contribuintes, ás proprias reclamações do Parlamento, teem dado espera no pagamento das contribuições, prologando os prazos marcados na lei.
O que quer isto dizer?
Quer dizer que as disposições do Codigo Penal, regulando as obrigações dos empregados publicos, não podem ser applicadas aos Ministros, porque estes, pelo alto cargo em que se acham investidos, teem muito mais largas funcções.
O adeantamento é um acto irregular? Certamente como irregular o considero, mas não envergonha ninguem. (Apoiados).
Podem os partidos exaltados, na outra casa do Parlamento, dizer o que quiserem.
Não são delictos, porque a lei não os considera como taes e, se o fossem, não havia ninguem no país que os não tivesse praticado, cumprindo muitas vezes o dever que lhe impõe a altissima missão de governar.
Tenho, Sr. Presidente, terminado o meu discurso. Poderia desenvolver ainda este ultimo ponto, mas disse o bastante para justificar as minhas affirmações.
Com relação ao Governo, mais uma vez lhe digo: conserve-se nessas cadeiras o tempo necessario para cumprir a missão que lhe foi confiada e conte com o meu apoio leal e sincero e dos meus amigos politicos. Proceda de modo a defender os interesses do Rei, das instituições e da patria. (Apoiados).
Ha neste país logar para todos. Agora é o logar do Governo. Em tempo será o de quem tem com o seu partido uma elevada missão a cumprir.
Repito: desempenhe o Governo a sua missão, que é importante, e conte com o meu leal apoio.
E concluirei mandando para a mesa a minha moção de ordem:
"A Camara, reconhecendo a necessidade constitucional de votar o presente projecto, continua na ordem do dia".
(Vozes: - Muito bem, muito bem).
(S. Exa. foi muito cumprimentado).
O Sr. Conde de Bomfim: - Observando as disposições do regimento passo a ler a minha moção de ordem:
É a seguinte:
"A Camara, observando o preceituado no artigo 80.° da Carta Constitucional, passa á ordem do dia".
Sr. Presidente: pelo que se infere da moção que acabo de apresentar, era meu intento entrar immediatamente na argumentação precisa para discutir o projecto que está na tela do debate, mas antes de encetar esse trabalho não posso deixar de me dirigir ao Governo dizendo-lhe que me causaram uma dolorosa impressão as palavras do Sr. Presidente do Conselho quando S. Exa. declarou que a questão que se debate tem a feição politica.
Parecia-me que quando se trata de fixar a lista civil, quando se ventila uma questão tão importante para a Monarchia, todas as luzes deviam contribuir para que o assunto ficasse esclarecido o melhor possivel, porque eu a reputo alliada á nacionalidade portuguesa, á autonomia da nossa patria.
Portanto, considerando que o Sr. Presidente do Conselho é extremamente ponderado e reflectido, mais me impressionou esta sua affirmativa por parecer antes uma declaração de guerra feita aos partidos que o apoiam na concentração monarchica, do que palavras de acalmação politica para levar a bom caminho os negocios do Estado.
Para resolver esta questão não sei como se possa ir até se procurar tornar responsavel o chefe do partido regenerador, homem de tanto criterio e intelligencia, que não podia certamente assumir uma responsabilidade que-lhe não pertence, e que os partidos declinaram num agrupamento neutral.
Se o Governo entendesse que essa responsabilidade cabia aos chefes dos partidos, essa declaração devia partir tambem do chefe do partido progressista, mostrando que estava de acordo com o chefe do partido regenerador,
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para antecipadamente declarar que acceitara a responsabilidade d'este projecto antes mesmo d'elle vir á discussão. Eu estimaria que o chefe do partido progressista fizesse a declaração necessaria a este respeito, para qualquer dos chefes não assumir sobre si responsabilidades que me parece que não lhes cabem.
Se o Governo entendia, que esta responsabilidade cabe aos chefes dos partidos era claro que esta declaração devia partir tambem do chefe do partido progressista, para ver se elle estava de acordo com a declaração do chefe do partido regenerador que a enjeita.
Os chefes dos partidos, porem, que entraram na concentração monarchica não podiam, sem ponderado exame, declarar que acceitavam a responsabilidade d'este projecto de lei antes d'elle vir ao Parlamento.
Por isso estimaria, e bem, que o chefe do partido progressista, ou algum dos seus representantes, fizesse a declaração se já tinha conhecimento d'este projecto antes da sua discussão, e se tinha tomado para si a responsabilidade d'essa questão, previamente antes da discussão.
Não se prova que alguem a fizesse.
Parece me que para um assunto tão importante não era bastante a responsabilidade dos chefes, era necessario que elles ouvissem a opinião dos seus partidarios, por varias razões evidentes e ainda porque se podia dar o caso do chefe do partido regenerador não assumir essa responsabilidade, e o outro assumi la, e por esta forma a declaração do chefe do Governo e meu amigo Sr. Amaral não traduzia uma imparcialidade rigorosa.
O Sr. Presidente do Conselho deixaria de ser um fiel da balança politica para se apoiar num só dos partidos.
Não posso deixar de accentuar esta clara verdade, que neste caso essa affirmação teria uma grave importancia, seria extremamente grave.
O chefe do partido regenerador já fez as suas declarações? nesta casa; falta que o partido progressista as contrariasse.
Nesta conjuntura é que a situação era clara e definida.
Sr. Presidente: feitos estes ligeiros reparos, que ainda não tiveram resposta, mas que eu espero que no decorrer do debate alguem a elles se referirá, passarei a analysar o projecto.
Não veja o illustre Presidente do Conselho, nem o Governo, da minha parte qualquer má vontade para com S. Exas.; o meu desejo é tão somente justificar o meu voto, e expor a minha opinião, não só em relação ao projecto que se discute, como tambem em relação ás questões politicas que com elle se relacionam.
O projecto tem sido discutido da maneira a mais minuciosa, e que revela o maior estudo; mas liberto da nota politica era simples de analysar.
Iniciou a discussão o Digno Par Sr. Ressano Garcia e embora muito respeite e considere a opinião de S. Exa. ha pontos a que tenho de me referir e com que não posso concordar.
Invocou o Digno Par os artigos 80.° e 85.° da Carta Constitucional, que são os que tratam da fixação da lista civil, e dos palacios e terrenos que continuam na posse do Rei, e ficam pertencendo aos seus successores.
Ora é necessario ter o espirito habituado á hermeneutica juridica, para não acceitar as conclusões bem architectadas que o Digno Par Sr. Ressano Garcia, meu antigo condiscipulo e amigo de longa data, pretende tirar.
A sua esclarecida intelligencia é toldada por uma preoccupação especial na sua argumentação.
O artigo 85.° junta os palacios e terrenos que por lei anterior, de 1821, pertenciam ao Rei, á lista civil, para que continuem pertencendo aos sussuccessores.
Mas a segunda parte do artigo apenas diz que as Côrtes cuidarão de outros para recreio e decencia do Rei.
Portanto, e como corollario, as Côrtes em 1834, extinguindo pela lei de 18 de março a casa do Infantado, declararam pelo artigo 2.° que os pala dos de Queluz; Bemposta e outros ficavam para decencia e recreio da Rainha, acrescentando porem, "como os palacios e terrenos, de que trata o artigo 80.° da Carta", isto é nas condições d'aquelles ou identicas ás d'aquelles, e assim pertencendo aos seus successores.
Não pode de modo algum inferir-se que se quisesse aclarar a primeira parte do artigo 85.°, para que se comprehendesse que os palacios de que elle falava se devia entender que eram para decencia e recreio do Rei", explicação que elle não encerrava. Seria pueril tal explicação.
É obvio que, devendo as Côrtes cuidar dos que fossem necessarios á decencia e recreio do Rei, como cuidaram, e dizendo-se na lei de 1834 que elles ficavam como os do artigo 85.°, só deve interpretar-se, por essa forma, que ficam para os successores, e nem outro fôra o espirito da letra da Carta, nem da lei de 1834
Se algumas duvidas sobvrevieram depois, e agora se apresentam opiniões a renová-las, nem por isso se segue que deva prevalecer esse criterio.
A minha opinião é pois esta.
É a minha convicção.
O que resalta ainda da lei de 19 de dezembro de 1834 é que a dotação que se estabelece no começo de cada reinado em nada affecta a fruição dos palacios e quintas reaes (artigo 30.°), portanto que a lista civil em cada reinado é formada da dotação pecuniaria e dos palacios.
Assim o argumento para se provar que os palacios a que se refere a lei de 1834 não ficaram aos successores, pela circunstancia de que no começo de cada remado se tem feito sempre referencia á disposição da lei de 1855, fica destruido pelo que fica dito.
A razão por que se fala nos palacios é a mesma porque se fala na dotação.
No começo fixa-se a lista civil, e como ella se compõe da dotação e dos palacios, a elles se fez referencia tambem. É um pleonasmo, mas affirma melhor o direito, e é uma obrigação.
Mas para que vem tão rija luta, e tão engenhosa argumentação?
A meu ver para se atacar o artigo 2.° do projecto, dizendo-se que El-Rei não tem ainda a posse, e, portanto, não pode ceder.
Ora concedendo mesmo que a minha demonstração não colhe, ainda fica de pé o artigo 5.° do projecto, porquanto, em harmonia com a argumentação dos Dignos Pares, de que só depois de uma lei que revigore a de 1855 existe o direito de usufruir. O artigo citado dá-lhe essa posse.
Portanto o Rei cede do que deseja ceder, e é o que fica derogado no actual projecto, e continua na posse que tinham os seus antecessores.
Não me parece, portanto, que a transposição do artigo 6.° para depois Ho artigo 2.° cause difficuldades á cedencia.
E foi exactamente a cedencia que promoveu as indagações archeologicas e prehistoricas a que se recorreu.
Se o artigo 6.° diz que fica pela forma como estava em leis anteriores regulada a posse dos palacios, é claro que esse artigo dá á Casa Real a posse dos mesmos palacios, e desde o momento que lhe dá a posse, na conformidade de uma lei anterior, que é a lei de 1855, que denuncia esse facto, é claro que o artigo 6.° vem confirmar todas as leis anteriores que existam com respeito a usufruição de palacios reaes.
Agora, e ainda a proposito do artigo 1.°, vejamos se fixando-se a dotação de El-Rei na quantia de 1 conto de réis, a mesma que tem sido fixada desde sempre, embora ao Rei se lhe dê tambem a fruição de palacios e jardins differentes, ternos correspondido ás exigencias do decoro e representação do primeiro magistrado da nação?
E assim precisamos resolver se fixando a verba de 1 conto de réis, aumentada pela renda dos palacios e quintas será o sufficiente para o fausto necessario ao Chefe do Estado.
De quanto se tem affirmado parece-
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me que se pode concluir que não é excessiva.
O Sr. Conselheiro Ressano Garcia fez a prova e contra-prova por tal forma evidente, para demonstrar a insufficiencia da verba fixada, apresentou um sudario de sacrificios e difficuldades de tal ordem, que até as apolices do seguro se revelou terem sido empenhadas, o que bem evidencia que as despesas teem sido enormes, e taes os encargos que pesam na Fazenda Real que lhe é difficil a administração.
O Digno Par, como todos aquelles que teem tratado d'este assunto, não deixaram de affirmar que a lista civil não pecca por excesso. E desde que assim é, do que eu estou intimamente, convencido, apesar de se dizer ainda que faltam documentos para completo esclarecimento da questão, e certo de que o Governo não traria este projecto á Camara sem previamente se informar das despesas da Casa Real, creio realmente que a lista civil pode peccar por deficiencia mas não por excesso.
E, Sr. Presidente, se as circunstancias do Thesouro são más, tambem entendo que não pode haver coragem para aumentar a dotação de El-Rei, como a não pode haver para a diminuir, attendendo ainda a que todas as classes teem pedido melhoria de situação, no que algumas já teem sido attendidas, allegando para esse pedido as difficuldades que hoje existem para a manutenção da vida, e que portanto a Casa Real deve soffrer das mesmas causas, que produzem iguaes effeitos.
Fixando-se portanto em 1 conto de réis diarios a lista civil não me parece que estejamos fora dos limites que nos são impostos pelas circunstancias actuaes bem dignas de ponderação e prudencia. Referindo-me agora á questão das rendas, pouco tenho a dizer porque o assunto já foi brilhantemente tratado pelos distinctos oradores que me precederam no uso da palavra.
Seria demasiadamente fastidioso para a Camara ouvir agora novamente pela minha voz referencias largas a tal respeito.
Não pode haver duvidas sobre a situação em que se acham para com o Estado os palacios da Bemposta e outros occupados hoje em serviço do país, mas se as houvesse bastaria recordar o que foi resolvido pelas commissões que reuniram em 1894 e em 1896 e essencialmente pela lei de 1901 (Apoiados), para podermos concluir que actualmente é em face da lei que o direito de arrendar existe.
Se olhassemos a questão invocando principios de direito juridico, logo nos convenceriamos que quem usufrue tem o direito de arrendar.
Passando pois agora á apreciação do artigo 5.° do projecto em discussão, direi que não o encaro, pela forma por que elle tem sido aqui tratado por alguns Dignos Pares.
Não direi ao Governo que por causa de ter sido inserido neste projecto o artigo 5.° é que tem sido levantada a questão dos adeantamentos, da qual se tem servido a opposição avançada para dirigir as suas objurgatorias aos partidos historicos.
Não, Sr. Presidente. Eu não quero encarar esta questão senão sob o ponto de vista da sua legalidade.
E, Sr. Presidente, na sua legalidade eu considero a lista civil invariavel como o deve ser em presença da letra da Carta, que diz: "dever fixar-se no principio de cada reinado a dotação para El-Rei". Está pois claramente expresso que é no principio de cada reinado que tem de se estabelecer a lista civil.
Não dá logar tal determinação a suppor que se poderá fazer durante qualquer remado qualquer alteração na lista civil.
É não só a praxe seguida sem interrupção nos differentes reinados, mas a lei de 1834, no seu artigo 20.°, tambem preceitua que nenhuma outra quantia, alem da fixada no começo do reinado, será abonada.
Mas até isto mesmo tem sido reconhecido pelos partidos avançados, como se deprehende das palavras proferidas no Parlamento por Latino Coelho, sobre a verba destinada ao casamento do Principe D. Carlos e como affirmou ha pouco tambem um dos membros mais graduados de um partido de ideias as mais radicaes na outra Camara. Por isso não posso acceitar a doutrina expendida por um Sr. Deputado do partido dissidente, de que é chefe o Digno Par Sr. Alpoim, para se fazer uma lista provisoria que depois seria alterada quando houvesse conhecimento completo das despesas da Casa Real. Sendo assim, saia-se da lei, pois não se fixaria a lista civil no começo do reinado por forma definitiva. Tambem não posso acceitar o principio advogado pelo Digno Par o Sr. Pimentel Pinto, porque a lista variavel, seria aumentada ou diminuida conforme cada um dos partidos o entendesse, e deixaria de ser invariavel. Sr. Presidente: eu combato o artigo 5.° do projecto, mesmo por essa razão, porque nelle se estabelece, em nome da lei, que a Casa Real é obrigada a pagar 5 por cento sobre os adeantamentos liquidados.
Vae-se d'esta forma, por lei, impor á Casa Real que faça esse pagamento, e como esta disposição está incluida na lista civil, é claro que vae isso dar margem a poder ser alterada a lista civil por essa dedução temporaria.
Ora parece-me que se nós por lei não podemos tornar alteravel a lista civil, que deve ser fixada definitivamente no começo de cada reinado, tambem por este artigo 5.° do projecto não se poderá fazer o que a lei não permitte.
Cito exemplos.
Em tempo, sendo Presidente do Conselho o Sr. Marquez de Avila, lembrou-se um Deputado, o Sr. Francisco Mendes, de apresentar um projecto de lei cerceando a lista civil, porque as condições especiaes das finanças do país, as difficuldades do Thesouro, exigiam que todos contribuissem para as despesas do Estado.
O Sr. Marquez de Avila foi logo ao Paço e voltou em seguida com a declaração de que El-Rei cedia uma certa quantia, muito embora soubesse que por lei não poderia ser alterada a lista civil.
A vedoria da Casa Reel no reinado do Sr. D. Pedro V fez publicar a communicação seguinte:
"Tomando em consideração os motivos que moveram o animo de El-Rei D. Pedro V, para ceder a quinta parte da sua dotação, ordeno em nome de El-Rei que da dotação fixada pela carta de lei de 14 de março do 1854 se deduza no anno de 1855-1856 a beneficio do Thesouro, como donativo espontaneo, tal quantia. - E o Rei Regente D. Fernando faz cessão de réis 50:000$000. O Duque Mordemo-mor o tenha entendido. (30 de junho de 1855. = Rei Regente)".
Todos estes factos comprovam pois o cuidado que tem havido em não tocar na lista civil approvada no começo de cada reinado.
Mas ao menos e por esta razão eu desejaria ver no projecto aquella bonita frase - hoje chama-se gesto - á qual presto homenagem, proferida por El-Rei quando disse que estava disposto a contribuir para o pagamento dos adeantamentos, honrando por esta forma a memoria de seu pae e demonstrando que possue as virtudes que pertencem á sua Augusta Familia.
Desejaria que essa frase viesse reproduzida no projecto porque, muito embora se declare que El-Rei só deseja receber o que for approvado por lei, não quer dizer isso que El-Rei espontaneamente se prontificou a paginas dividas de seu pae.
E é de justiça que se diga.
E comtudo, Sr. Presidente, votarei muito embora contrariado e com grande repugnancia, pelo bem publico e por deferencia para com o Chefe do Estado, o artigo 5.° do projecto, se o Sr. Presidente do Conselho declarar, por forma explicita, para que fique consignado na acta d'esta sessão, que é por vontade de El-Rei que se faz a deducção dos 5 por cento, para que não fique
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como uma obrigação imposta pelas Côrtes que El-Rei pague o que por seu livre alvedrio, por seu assentimento, se faz.
A meu parecer o Rei nem deve, nem devia pagar.
Quanto á questão que se tem pretendido levantar a respeito d'este artigo, enxertando nelle a questão politica, hão de permittir-me que diga que discordo neste ponto.
Tenho visto a este respeito uma verdadeira inversão dos principios constitucionaes, procurando alguns que foram Ministros e que, então, se esforçavam por todas as formas, por tomar as responsabilidades do poder moderador, alijar, hoje, essas responsabilidades.
Depois de professarem ideias inteiramente diversas do systema constitucional que nos rege, veem por assim dizer insinuar que o meio ou a suggestão concorreu para que praticassem actos que não são considerados legaes, evocando até a origem do direito divino para os Reis.
Alguns d'aquelles que tanto teem falado na lei de responsabilidade ministerial, que todos os partidos teem procurado tornar effectiva, lei necessaria para chamar á responsabilidade os Ministros que se esqueçam do seu dever, podendo ser processados pela Camara dos Senhores Deputados e julgados pela Camara dos Dignos Pares, hoje pretendem alijar essas responsabilidade dos Ministros, para attribui-las aos partidos, que nada teem que ver com os actos dos Ministros responsaveis, senão quando os approvam.
E é tal a desorientação e subversão dos principios que para alguns como que se torna desconhecida a lei de solidariedade ministerial que é de 1855 e na qual constantemente falava esse grande vulto que foi chefe do partido regenerador, Fontes Pereira de Mello, que a cada momento a invocava dizendo que o Ministerio era solidario.
Como é que, dada esta solidariedade, aquelles que então faziam parte do Governo, quer regeneradores, quer progressistas, podem alijar-se d'essa responsabilidade ministerial, atirando-a para cima dos partidos e dizendo que os partidos é que se tornaram responsaveis?
Que os partidos estão condemnados pelos actos dos que foram Ministros, para elles desconhecidos E quando os assuntos graves se decidem ou pelos chefes, ou por elles e seus marechaes, querem depois de tal procedimento e para alguns de tanta honra, que os partidos sejam malsinados e aniquilados?
É pyramidal e parece, Sr. Presidente, que ha neste modo de apreciar, não só o que se vê, mas tambem o que se não vê.
Acaso pela aniquilação dos partidos poderá haver, como diz o Sr. Presidente do Conselho, concorrentes á chefatura do Governo?
E convem notar que essa chefatura não foi ambicionada pelos partidos que formam este Governo de concentração monarchica, que com a maior abnegação aconselharam como Presidente da actual situação o Sr. Ferreira do Amaral.
Mas não para aqui a anarchia dos espirites, a inversão dos principies constitucionaes vae ainda mais longe, porque os partidos são por tal forma responsaveis que não são só responsaveis pelos adeantamentos, mas pelo que fizeram e pelo que não fizeram.
Estão como os Cabraes, responsaveis pelo damno dos pardaes, e assim os accusam até pelo que as suas assembleias disseram e não disseram!
Tem-se-lhes até assacado a suggestão para o crime que infelizmente se deu no dia 1 de fevereiro, embora elle resalte á evidencia dos actos inqualificaveis da ditadura.
Ora, Sr. Presidente, eu que fiz parte de uma assembleia politica e tive a honra de concorrer para a eleição de um chefe prestigioso, de grande pujança de merecimentos e sem pesada bagagem politica, que assisti aos debates d'essa assembleia, onde era preciso deixar explodir os sentimentos mais exaltados, para se estereotypar as opiniões de todos e serem um aviso radiographico da exaltação da opinião, eu que sou monarchico, amigo sincero das instituições e sou dedicado ao Rei, fiz a diligencia para que os acontecimentos politicos terminassem na altura em que deviam ter terminado, respondendo-se áquella ditadura ominosa que então levantava ondas de indignação em todo o país. Eu que procurava o Rei para lhe fazer ver o perigo que corriam as instituições e a sua propria personalidade, se continuasse aquelle periodo em que se asphyxiavam ás liberdades, se destruiam as immunidades constitucionaes e se algemavam as consciencias, não posso acceitar como boa semelhante doutrina e taes illações tão fundamente injustas.
São os Ministros responsaveis pelos adeantamentos que fizeram e das responsabilidades que lhes cabem, elles saberão com dignidade defender-se e justificar-se e elles não querem compartilha-las com os partidarios, que sabem que as não teem nem precisam tê-las.
Esta questão dos adeantamentos, que a todos nos tem revoltado pela forma criminosa por que é tratada, e de que tanto se tem occupado esta Camara e a Camara dos Senhores Deputados, appareceu nesta ultima a proposto do orçamento e aqui na Camara dos Dignos Pares foi por uma inopportunidade e inconveniencia politica posta pelo Presidente do Conselho de então, o Sr. João Franco.
Foi assim que veio á supuração esta já avolumada questão dos adeantamentos chamados illegaes.
E parece-me que d'esse momento em deante aquelles que não conheciam a questão dos adeantamentos ficaram então sabendo perfeitamente que elles existiam.
Eu nessa occasião protestei por se vir aqui trazer essa inopportuna, inqualificavel e inconveniente questão, levantada aliás pelo chefe Governo, por um espirito atrabiliario e que vinha lançar graves accusações sobre os politicos e ao mesmo tempo um grande desprestigio para o Chefe do Estado, tornando se um perigo para as instituições.
Serão porem immerecidas as accusações que são feitas a esses Ministros visados, que nenhuma duvida terão em defender se; é mester que lhes deixem o pulso livre para o fazer, para que seja o seu julgamento imparcial e justo que não se torne a questão d" tal forma apaixonada, que se diga a quem ali está sentado, o Sr. Ministro da Fazenda, que elle é já um réu confesso, como consta dos Annaes da Camara dos Senhores Deputados, antes de haver sentença do tribunal competente, e mais do que isso, que se chegasse a impor-lhe que saisse fora d'aquellas cadeiras.
Ora eu pergunto se realmente não é inverter por completo os principios constitucionaes o exigir de um Ministro, porque possa ser accusado, que saia fora da sua cadeira, antes do julgamento, aonde está por um duro dever que lhe foi imposto?
Tenho um exemplo de perto, que é o que se deu com meu avô, o 1.° Conde do Bomfim, que se sentava nesta cadeira que hoje eu occupo, foi elle accusado, como Ministro da Guerra e quando era Presidente do Conselho, na Camara dos Senhores Deputados, por illegalidades e injustiças que se lhe attribuiara num determinado numero de promoções. Foi accusado; a commissão da Camara reuniu e, depois de ponderar a accusação, deu o seu parecer, que lhe foi inteiramente favoravel. E, Sr. Presidente, o furor de accusar sobe a tal ponto que até se envolve, com flagrante injustiça, uma Augusta pessoa que realmente não tem a menor intervenção nos tão falados adeantamentos, e contra a verdade e a logica dos factos procura-se envolver o nome da Rainha a Senhora D. Amelia, esposa exemplar, modestissima no seu ménage, cheia de virtudes (Apoiados) e completamente dedicada ao seu esposo, aos seus filhos, e respeitadora sempre dos direitos do esposo e Rei. Era impossivel, perante a lei e dentro
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dos limites do Codigo Civil, attribuir-lhe interferencias na administração de seu marido, na administração politica, e portanto ser envolvida, por qualquer forma, nesses adeantamentos, parecendo que era quem os mandava fazer. E, com effeito, nessa lista de adeantamentos, da qual pedi o documento especial e o obtive, bem se comprovava claramente que tinham sido feitas essas despesas para as viagens de seus Augustos Filhos, mas que foram realmente requisitadas e orçamentadas por El-Rei D. Carlos.
Eu não podia deixar nesta occasião de fazer justiça plena, porque me maguava muito que se envolvesse por esta forma, tão injusta e desprimorosa, uma Rainha que, por todas as razões, merece a minha estima e a estima geral d'esta Camara e do país. (Apoiados).
Esta questão politica que se tem levantado, como se corresse uma onda de indignação que havia de avassallar por completo a politica portuguesa e os homens publicos, parece que não tem razão de ser para os que mais se empenham nella ao presente.
Senão vejamos, investiguemos a sua historia politica. Num periodo não distante - formou-se a colligação liberal, em virtude da qual foi ao poder o Sr. João Franco, com o auxilio do partido progressista, que por esta forma criou os alicerces do ditador.
Ora se bem me recordo foi nesse periodo que rebentou a questão dos adeantamentos e a colligação manteve-se ainda, mas ouviram-se declarações energicas por parte dos chefes dos dois grandes partidos por causa dos adeantamentos.
E pela minha parte bem alto protestei contra as declarações do Chefe do Governo, eximindo-me ás responsabilidades que elle queria para todos.
A seguir veio o decreto dissolvendo as Côrtes.
D'essa epoca em deante, é que o partido progressista se desligou afinal, e então começaram a apparecer os actos da ditadura cada vez mais opressora, procurando por todas as formas coarctar a liberdade de pensamento, depois aquella lei de excepção a respeito de liberdade de imprensa, a dissolução das camaras municipaes, e quebraram se por ultimo as immunidades parlamentares.
E foi durante este periodo cabralino e despotico que as opposições se colligaram contra o despota, e todo o país se uniu num protesto unanime, ruidoso.
Note-se porem que nessa colligação entravam todos os partidos - sem exclusão do partido republicano - para protestar contra os actos da ditadura e fazer ver bem alto ao Chefe do Estado quanto era necessario entrar na normalidade constitucional.
Então todos se davam as mãos, todos estavam de acordo nessa acção commum, embora, repito, se tivesse já aberto á luz publica, pela voz da imprensa e do ditador, a questão dos adeantamentos que tanto desprestigiava a Coroa e podia ser arma contra os partidos.
Depois os acontecimentos precipitaram-se, a irritação dos espiritos cresceu e o bloco opposicionista não póde conservar-se unido, porque os conservadores ficavam aquem dos planos revolucionarios dos avançados, que iam, como por alguns foi dito, até a mudança de regime.
Veio a seguir o decreto dos adeantamentos, que foi por assim dizer a causa d'esse acontecimento tragico de 1 de fevereiro, que foi precedido do decreto de 31 de janeiro, o feixe, final da malfadada ditadura.
Antes da publicação do decreto ditatorial que resolvia a questão dos adeantamentos, já o bloco se achava roto, como disse, por outras razões, e essencialmente porque os partidos conservadores não estavam de acordo com os mais avançados, no modo de proceder, porque em verdade, ainda que fosse grande já então o exaspero contra o Rei e o seu primeiro Ministro, o sentimento monarchico prevalecia nos partidos tradicionaes e conservadores.
Mas embora se desse este facto, todos elles, como se fossem uma só voz, se rebellavam e gritavam não uns contra os outros, como hoje, mas contra a ditadura unicamente.
Depois do acontecimento tragico de que todos se arreceavam, excepto o Governo de então, não obstante os avisos feitos em todos os tons e do conhecimento dos pormenores actualmente relatados nos seus jornaes, e não impedindo que elle se consummasse, abandonando o Rei, e expondo-o á vingança barbara dos exaltados, então os grandes partidos procuraram salvar as instituições, acercando se os homens publicos do Rei. e constituindo-se nessa occasião, por seu conselho e livre escolha do Rei, o Ministerio a que preside o Sr. Ferreira do Amaral, continuando felizmente a funccionar a monarchia constitucional representativa, um instante abalada.
Pois ainda pela formação d'esse Ministerio se fizeram ouvir queixas e clamores, porque não foram chamados alguns elementos avançados a fazer parte d'esse Governo, note a Camara, em que entrava o Sr. Espregueira, um Ministro que fez grandes adeantamentos, que tão atacado foi na Camara dos Senhores Deputados, isto é, o que mais acremente tem sido alvejado, como um dos mais formidaveis adeantadores. Pois ainda, repito, não obstante esse facto, os que hoje o verberam pretendiam viver com elle juntos nas cadeiras do poder.
É um facto, embora extraordinario! (Apoiados).
Então, se realmente, as questões que se debatem teem este aspecto moral, eu devo dizer independentemente de quaesquer considerações politicas, depois de tudo isto, como é que hoje, os que estão nesta situação podem fazer arma politica contra os grandes partidos monarchicos pelos adeantamentos?
Como é que recentemente os odios politicos se exarcebaram em nome da moral publica offendida?
Como, depois do que se conhece, teem autoridade os accusadores de hoje para levantar uma campanha tão sangrenta contra esses grandes partidos?
Depois de se passarem estes factos por esta forma, como pretendem eximir-se a estas responsabilidades?
Como é que pretendem, tambem, eximir-se aos actos dos Governos de que fizeram parte, desligando-se da solidariedade ministerial?
Para que veem sobrecarregar com accusações frementes de indignação posthuma os partidos por tão odiosos attentados?
Confesso que não sei para que envolvem o procedimento dos partidos em tudo e para tudo.
Não percebo esta ficette politica, nem comprehendo tão grande ataque antes da questão ter sido plenamente esclarecida.
É demasiada pressa.
Quando vier á discussão a questão dos adeantamentos hei de pedir esclarecimentos sobre adeantamentos feitos a particulares, a bancos e a companhias e hei de saber se aquelles são mais illegaes do que estes e outros feitos até a bispos para irem á Curia Romana, e se serão mais illegaes que certo numero de medidas que teem sido promulgadas sem autorização legal, aumentando-se enormemente as despesas publicas.
Não vejo differença entre adeantamentos feitos a pessoas da Casa Real ou a membros do episcopado; entre adeantamentos reaes, e adeantamentos episcopaes.
Tenho a certeza e estou convencido que esta questão se levantou para fins politicos e que qualquer razão a determinou.
Não é portanto por vir enxertado no artigo 5.° na lista civil, por este fundamento, que eu combato a sua inserção no projecto.
Já expliquei o meu voto, desejando pelas razões que expendi a separação da lista civil.
Entendia que se devia modificar nesse sentido este projecto, mas hoje, que esta questão em que já estamos empenhados ha tanto tempo tem levantado
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tanta celeuma e discussão, ponho de parte essa ideia com receio de prejudicar a essencia do projecto.
E com effeito a luta politica travada toca as raias do exagero, indo ao extremo de se vir aqui, em pleno Parlamento numa Camara conservadora, não só falar contra a monarchia, mas exaltar o systema republicano!
Sr. Presidente: eu não sei como realmente se possa, sem a illimitada tolerancia dos Governos representativos, admittir que venha alguem nesta casa dizer que é preferivel o systema republicano ao systema que nos rege, lei do Estado, porque elle garante a vida e os interesses patrios.
E isto foi dito por um antigo membro do partido progressista e presidente d'esta Camara, e que está hoje filiado no partido republicano, o Sr. Augusto José da Cunha!
Tenho muita consideração pelo seu caracter, pelas suas qualidades; mas não concordo absolutamente com as ideias por S. Exa. expendidas.
Estimaria bastante que a existencia partidaria actual do Sr. Cunha não fosse envenenada, como a de Socrates na Republica de Athenas.
As maravilhas e principios que se encontram na republica, eu não as desejarei ver aqui reproduzidas.
Não sei como se possa preferir á nessa monarchia constitucional, o regime da civilizada Republica Francesa, onde ainda ha a pena de morte.
E não desejo para nós os processos de Vigneux.
Sr. Presidente: não desejo tambem que aqui se repitam os acontecimentos que tiveram logar nos Estados Unidos da America, onde houve fusilamentos de grévistas a granel.
E não me seduz a republica de Sparta, que mantinha a escravidão dos ilotas.
Dito isto, Sr. Presidente, não quero tomar muito tempo á Camara, mas não acabarei o meu discurso sem me referir ao que a respeito do Governo disse o Digno Par Sr. Pimentel Pinto.
O Digno Par increpou o Governo, por demasiado tolerante, admittindo a anarchia das ruas, deixando campear a desordem e permittindo que se commettessem e praticassem por essa forma, impunemente, um certo numero de crimes; mas a verdade toda é preciso que se diga, a verdade é que o Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral tem reconhecida competencia para o bom desempenho da missão que lhe foi confiada, não só pelos importantes serviços que tem prestado ao país, como ainda pelas excepcionaes qualidades de caracter que possue e dedicação á causa monarchica.
S. Exa. foi escolhido para desempenhar uma missão espinhosa, e conseguiu restabelecer a normalidade constitucional, revogar os decretos que tanto tinham alarmado a opinião publica, e entre elles o que acabava com as immunidades parlamentares.
E ainda mais uma amnistia politica que torna sympathico o nosso Monarcha ao seu povo.
Porem, digo-o francamente, o Sr. Pimentel Pinto parece ter alguma razão para as suas accusações; mas os factos contraditorios proveem do seguinte:
Houve a clemencia regia a amnistiar alguns crimes, porem os que d'ella aproveitaram mostraram-se esquecidos logo a seguir.
Se a normalidade constitucional se restabeleceu, se a ditadura se enfreou, os demagogos teem tentado com ameaças e doestos exercer uma segunda ditadura censurando os Governos, partidos e o Rei.
E até nas das se teem alevantado não só contra o Santo, mas contra a torça publica.
Não é exacta, porem, a accusação feita pelo Sr. Pimentel Pinto, nem justa. Embora as apparencias illudam, não posso deixar de reconhecer que o Governo tem procurado desempenhar-se da missão que lhe foi confiada, e estou convencido que ha de continuar a desempenhar essa missão até ao fim.
Se comtudo os factos, que parecem falar mais alto, sairem das raias legaes, eu supponho que o Governo saberá garantir a ordem e as liberdades publicas de forma a não permittir es excessos que são condemnaveis e se desempenhará briosa e cabalmente da missão de que está encarregado.
Appello para o Governo pedindo-lhe para não esfriar no seu procedimento de justiça, para que cumpra a lei como deve ser cumprida e que faça observar o seu fiel cumprimento por todas as autoridades a quem elle incumbe.
E o Sr. Ministro da Justiça, que é um distincto magistrado, será para mim um fiador idoneo.
Resta-me agora dizer á Camara que entre ideias novas, ou monarchia nova radical, com que os defensores da democracia caminham rapidamente á conquista de todos os Governos, sendo o absorvente menor que o absorvido, como se dizia nas constituintes de 1838, e ideias tradicionaes, eu, profundamente liberal, prefiro o codigo tradicional e liberal que nos rege que se fosse observado como o devia ser, e se não fossemos abusos que se teem praticado, com elle nós podiamos caminhar desassombradamente gozando de regalias e vantagens como poucos país os disfrutam á sombra da nossa frondosa arvore da liberdade.
Lembro-me sempre dos sacrificios de vidas, e lutas para debellar o usurpador em 1828 quando rompeu o pacto social, e então no Porto como em toda a parte em que se resistia invocava-se a Carta e a Rainha.
Nos rochedos alcantilados da Terceira juravam os liberaes que emquanto houvesse um proscrito que respirasse manteria a liberdade contra a tyrannia, e o Evangelho aonde se punha a mão era a Carta.
E quando os 7:000 bravos do Mindello firmavam na areia a bandeira azul e branca, era esse o grito de guerra contra o despotismo.
E por isso eu não quero deixar de declarar, como português liberal, que estou ainda dentro d’estes principios, embora acceite que a sociedade moderna os pode alterar, amoldando-os ás circunstancias.
Não obstante prefiro o nosso codigo fundamental a essas republicas em que tanto se tem falado, a esses Governos avançados de monarchia nova radical que se não estão já na republica tocam as suas fronteiras.
De facto os ultimos acontecimentos teem demonstrado que a anarchia procura envolver e avassalar tudo.
Oxalá que tal não succeda, que se não enverede por semelhante caminho, mas se taes factos se affirmarem, então contra os demagogos, é preciso que o successor d'este Governo seja um Governo conservador, para restituir a tranquillidade á nação, embora sem os processos de Waideck-Rousseau de manter a ordem à tort et à travers, mas sim com virilidade e energia apoiado num partido forte. Sou monarchico porque quero morrer português.
Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).
(O orador foi cumprimentado por alguns Dignos Pares e pelo Sr. Ministro da Guerra).
O Sr. Presidente: - Vão ler-se as moções apresentadas pelos Dignos Pares Srs. Julio de Vilhena e Conde de Bomfim.
Leram-se na mesa, foram admittidas e ficaram em discussão juntamente com o projecto.
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Levanto-me para responder ás perguntas que o Digno Par me dirigiu.
S. Exa. deseja saber se a vontade de El-Rei está de acordo com o artigo 5.° do projecto, isto é, se El-Rei deseja fazer o pagamento das dividas de seu Pae pelo processo definido no artigo 5.°
Já mais de uma vez tenho affirmado ser a vontade de El-Rei pagar por qualquer forma as dividas de seu Pae, incluindo as do artigo 5.°
Até esta declaração já me valeu
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um aparte humoristico do Sr. Conde de Lagoaça.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Conde de Arnoso: — No cumprimento das disposições regimentaes principio por ler a minha moção, pedindo desde já ao Sr. Presidente o favor de a retirar no momento opportuno. Não tenho a pretensão de a ver votada por nenhum dos meus dignos collegas:
«A Camara convida o Governo a retirar o projecto em discussão, substituindo-o por outro em harmonia com os preceitos estabelecidos na Carta Constitucional da Monarchia».
Não desejo nem pretendo protelar o debate.
Direi apenas as indispensaveis e precisas palavras para a Camara e o país saberem a razão por que não voto o projecto que se está discutindo e tal como foi apresentado.
A Camara não pode ter esquecido o claro e luminoso discurso com que tão brilhantemente iniciou esta discussão o nosso illustre collega e meu amigo, o Digno Par Sr. Conselheiro Jacinto Candido, que muito sinto não ver aqui neste momento.
Poderia e deveria talvez, depois de ouvirmos hontem a autorizada opinião do abalisado jurisconsulto e proclamado chefe do partido regenerador, o Digno Par Sr. Conselheiro Julio de Vilhena, procurar reproduzir os argumentos do Digno Par Sr. Conselheiro Jacinto Candido, dando-lhes não melhor, mas outra forma, adduzir novas razões que S. Exa. não tenha querido invocar. Tantas são ellas! Não o farei por não ser meu intento fatigar inutilmente a attenção da Camara.
Posto isto, e consignada assim a minha inteira adhesão á doutrina tão lucidamente exposta por aquelle Digno Par, pergunto qual a reservada intenção com que o Governo de Sua Majestade transformou o que de sua natureza devia ser simples e claro num verdadeiro attentado a todos os preceitos constitucionaes.
Uma só razão encontro. Querer ainda ajoujar, acorrentar, a este projecto, que ha de ser lei durante todo um reinado, e praza a Deus seja larguissimo e sempre bafejado pela felicidade da nossa estremecida patria, a questão dos adeantamentos tão insistentemente explorada contra Sua Majestade El-Rei D. Carlos I, de saudosissima memoria.
Não faço frases e não accuso ninguem. Mas á desapaixonada consciencia de todos pergunto se é sobre a memoria de tão mal afortunado Rei que inexoravelmente devem cair essas responsabilidades.
Era Sua Majestade porventura um Rei esbanjador e perdulario, pondo como preço da sua confiança ouro e mais ouro, dinheiro e mais dinheiro, para saciar a sua cupida cubica?
A Camara sabe bem que não, e como a Camara sabe-o todo o país. (Apoiados).
Mas como se os adeantamentos fossem ainda pouco, tambem sobre a sua memoria intentam fazer cair todas as dissipações inherentes á má fiscalização, e ainda peor escrituração, das obras nos Paços, feitas por conta do Estado e sob a directa administração das chamadas obras publicas.
Ninguem, absolutamente ninguem, ignora o que affirmo, mas encetada tão descaroavel campanha contra o Rei vivo, contra o Rei vilmente assassinado, continuou sem treguas nem quartel, como se o Senhor D. Carlos I pudesse ainda surgir da sua jazida de S. Vicente de Fora e encontrar-se de novo á frente dos destinos d’esta nossa querida patria, que elle, como todos os bons e leaes portugueses, só anceava por ver melhor e mais feliz.
O Governo, enxertando esse já agora famoso artigo 5.° no projecto de lei da lista civil, lançou-se tambem no movimento, assumindo, o que é mais grave, a sua direcção, se não a sua exploração.
E não venha aqui dizer-se que é esta a vontade de Sua Majestade El-Rei D. Manuel II. O Augusto Chefe do Estado expõe, é certo, a sua opinião aos seus Ministros responsaveis sobre os negocios que lhe são submettidos.
Se essa opinião prevalece, uma vez acceita e introduzida num projecto de lei, passa a ser da exclusiva iniciativa e responsabilidade do Governo (Apoiados), e este em caso algum pode vir dizer ao Parlamento que se tal disposição se encontra em tal projecto de lei é porque Sua Majestade El-Rei assim o quer.
Tambem se não diga que se o artigo 5.° não apparecesse no projecto referente á lista civil, as opposições seriam as primeiras a clamar e a gritar para tal se fazer. E que o fossem?
Os Governos, como os individuos, só se devem preoccupar com os ataques feitos com fundamento. Os ataques formulados (sem razão são contraproducentes: enfraquecem os que os fazem, dando maior força aos que os soffrem.
Estes são, Sr. Presidente, ninguem de boa fé o pode negar, os verdadeiros principios.
Por isso, repito, o Governo, só o Governo, enxertando o artigo 5.° no projecto de lei da lista civil, abraçou a campanha dos adeantamentos, acorrentando essa questão, que tanto urgia liquidar, a todo o reinado de Sua Majestade El-Rei D. Manuel II.
Triste, muitissimo triste! Desoladoramente triste!
Faço, porventura, uma affirmação gratuita? Infelizmente não.
A justiça foi sempre, e em toda a parte, e em todos os tempos, e sob todos os regimes, a austera e sagrada protectora de todas as victimas. E a que temos nós assistido? Entristece e punge lembrá-lo.
Sua Majestade El-Rei D. Carlos I e Sua Alteza o Principe Real D. Luiz Filippe são barbara, cobarde e canibalescamente assassinados de dia, em plena praça publica, por um verdadeiro bando armado, e volvidos mais de seis interminaveis, dolorosissimos meses, nada de positivo se sabe sobre tão infame e tão nefando crime, nada ainda se póde averiguar ou apurar, nem sequer o facil caminho seguido pela certeira carabina, arrancada das mãos crispadas de um dos assassinos, e que um armeiro singelamente declara ao primeiro jornalista que lhe apparece ter sido vendida na sua propria casa!
E foi preciso este recentissimo facto para, segundo leio nos jornaes, se iniciarem tardiamente algumas pesquisas!
E a justiça? Que fez a justiça todo esse tempo?
Deixou, cair das mãos a espada e a balança, para melhor apertar a venda dos seus olhos!
E o Governo? Que fez o Governo?
Não contente com semelhante abandono, improprio de uma nação culta e só possivel num povo onde a barbaria impere, o Sr. Presidente do Conselho consente ainda que se enxovalhe, que se ultraje, a memoria das martyrizadas victimas, autorizando com um despacho seu, como S. Exa. teve a impudencia de confessar nesta Camara, a torpe e vergonhosa peregrinação ao cemiterio!
Estes são os factos. D’elles naturalmente deriva a conclusão que tirei.
O Governo, enxertando esse já agora famoso artigo 5.° no projecto de lei da lista civil, lançou-se tambem no movimento, assumindo, o que é mais grave, a sua direcção, se não a sua exploração.
Triste, muitissimo triste! Desoladoramente triste!
V. Exa., Sr. Presidente do Conselho, ficará, é certo, na Historia. Mas a Historia, que é implacavel e justa, representá-lo-ha, neste seu triste e deprimente periodo de Governo, de braços cruzados sobre as agulhetas douradas de ajudante de campo de Sua Majestade El-Rei, que o devem opprimir como um remorso, connivente com tudo que, por dever e honra do seu altissimo cargo, devia ser farto motivo para bem differente e opposto procedimento!
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16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O Sr. Conde de Lagoaça: — V. Exa. Sr. Presidente, tem a certeza que sou eu que tenho a palavra? Não foi o Sr. Presidente do Conselho que a pediu para responder ao Digno Par Sr. Conde de Arnoso?
O Sr. Presidente: — Se V. Exa. anão quer falar, dou a palavra a outros Dignos Pares.
O Orador: — D’antes não era isto costume.
Estranho que o Sr. Presidente do Conselho se não tenha levantado para responder ás accusações que ao Governo foram dirigidas pelo Digno Par Conde de Arnoso; todavia não deixo de reconhecer que S. Exa. é o juiz da opportunidade para decidir a conveniencia ou inconveniencia d’essa replica.
Tratando do que me respeita, acho realmente extraordinario que o Sr. Presidente do Conselho, em uma resposta que applicou a perguntas que lhe havia dirigido o Sr. Conde de Bomfim, asseverasse que uma declararão da mesma ordem lhe valera, em uma das sessões anteriores, um áparte humoristico meu.
Recordo-me de ter perguntado ao Sr. Presidente do Conselho, com toda a seriedade, em uma das sessões antecedentes e no intuito de proseguir na condemnação do mau systema adoptado pelos Governos presididos pelo Sr. Hintze Ribeiro e ultimamente, pelo Ministerio da presidencia do Sr. João Franco, de trazer para as discussões parlamentares os actos de El-Rei, recordo-me, dizia, de ter perguntado se o projecto em discussão era obra de El-Rei ou obra do Governo.
Não sei realmente como é que se pode encontrar graça nesta pergunta, feita em termos tão serios.
Francamente não foi do meu agrado que o Sr. Presidente do Conselho se me dirigisse por maneira tão insolita. Não tendo nunca o intuito de aggravar ou offender, pessoal e politicamente, a S. Exa., desejo que me tributem a consideração que merecem todos os membros d’esta casa.
Posto isto, vou proferir poucas palavras, porque não tenho empenho algum em alongar este debate, do qual, a meu juizo, não resultará vantagem para o Paço, prestigio para as instituições, e qualquer especie de beneficio para os homens que as teem servido.
Pelo que ouvi, e pelo que li, por que em virtude de motivos superiores á minha vontade não me foi possivel assistir a todas as sessões em que se tem ventilado a questão da lista civil, cheguei á conclusão de que alguns dos oradores que me antecederam no uso da palavra perderam uma excellente occasião de estar calados.
Vou apresentar a minha declaração de voto.
Completamente afastado de, todas as agremiações politicas, voto o projecto, tal qual está, para que se não diga que desejo por qualquer forma entravar a acção do Governo; mas não concordo com elle.
Nunca percebi qual foi a razão que levou o Governo a enxertar o artigo 5.° no projecto que tende a fixar a dotação da Casa Real.
Houve, evidentemente, para tal enxerto, razões superiores de Estado, que absolutamente desconheço, mas com as quaes me não conformo.
Antes de terminar, seja-me licito apresentar algumas referencias ás considerações feitas pelo Digno Par Julio de Vilhena.
Usando da franqueza que me é habitual, muitas vezes fico mal com o povo por causa do Rei, e outras mal com o Rei por causa do povo.
Suppunha-se que a carta de 5 de fevereiro tinha partido da iniciativa de El Rei, e agora, pelas declarações do Digno Par Sr. Julio de Vilhena, vê se que ella é da responsabilidade do Governo.
Disse tambem S. Exa. que dá o seu apoio ao Governo, mas que não acceita as responsabilidades inherentes aos actos do mesmo Governo.
Trata se de uma metaphysisa politica, cujo alcance a minha comprehensão não logra descortinar.
Tambem S. Exa. disse que dispensava uma lei de responsabilidade ministerial, porque nas leis do reino ha disposições que permittem a punição de delictos politicos quando sejam serios e graves.
Pois não sabe o Digno Par que ainda não ha muitos dias a Camara dos Senhores Deputados nem sequer chegou a admittir á discussão uma proposta que se destinava á accusação criminal dos individuos que faziam parte do Ministerio transacto?
Pois não foi sob a inspiração do Digno Par que os seus correligionarios nem admittiram que se discutisse essa proposta, a não ser que elles se não importem absolutamente nada com os desejos ou indicações de S. Exa.?
Pois não foram serios e graves os crimes praticados pelos membros do Governo presidido pelo Sr. João Franco?
Que mais queria o Digno Par Julio de Vilhena que elles fizessem?
Pouco faltou que não mandassem matar todos aquelles que não commungavam nos seus ideaes.
Pois não saltaram por cima de todas as leis e por cima da Constituição do Estado?
Pois pode ficar impune a imprevidencia de um Governo que, após a publicação do celebre decreto de 31 de janeiro, deixou que Sua Majestade El-Rei D. Carlos e sua Familia desembarcassem no Terreiro do Paço completamente desamparados, como que provocando o povo, que se encontrava profundamente indignado contra os actos de loucura que se haviam praticado?
(Dirigindo-se ao 8r. Luciano Monteiro, que ia a retirar-se da sala}:
Tenho a prevenir o Digno Par de que continuarei nas minhas allusões ao Ministerio de que S. Exa. fez parte.
Pois não serão criminosos esses Ministros?
E, sendo criminosos, não devem ser entregues á acção da justiça?
Vendo que o Digno Par Sr. Luciano Monteiro ia novamente a retirar-se da sala, indica-lhe num gesto o desejo de que nella permaneça; e S. Exa. accedendo a esse convite pronunciou palavras que não foram ouvidas na bancada dos tachygraphos.
O Orador: — Não percebi o que o Digno Par disse.
O Sr. Luciano Monteiro: — Quis ausentar-me por duas vezes, e de ambas ellas, o Digno Par me convidou a ficar.
S. Exa., afastando se da discussão do projecto que está em ordem do dia, taxou de criminosos os homens que fizeram parte do Ministerio transacto.
Não tenho a minima duvida em confessar que sou effectivamente autor de crimes politicos, porque liguei a, minha responsabilidade a infracções da Constituição, mas quanto á proposta apresentada na outra Camara, e que se destinava a promover a accusação criminal do governo transacto, posso asseverar, sem receio de contradita, que nem directa nem indirectamente empreguei quaesquer diligencias em sentido de desviar a acção da justiça sobre mim e sobre os meus companheiros.
O Sr. Conde de Lagoaça: — Chamei ao Digno Par e aos seus collegas criminosos politicos. Creio que os não offendi pessoalmente.
O Sr. Luciano Monteiro: — Se porventura tivesse de sentar-me no banco dos réus, confessar-me-hia criminoso, como S. Exa. quer; mas repudiaria todos os homens que fazem parte d’esta Camara, porque todos teem, no seu passado politico, delictos da mesma natureza; mas acima de todos repudiaria o Digno Par, a quem não reconheço autoridade de qualquer especie para ser julgador.
O Sr. Presidente: — Rogo ao Digna Par Luciano Monteiro que não prolongue esta discussão com caracter pessoal.
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O Sr. Luciano Monteiro: — Tendo sido convidado por duas vezes a conservar-me na sala, quando ia a retirar-me, e isto muito impertinentemente, porque se tratava do projecto que estabelece a lista civil, e não de uma objurgatoria ao Ministerio transato, comprehende-se que eu não podia ficar silencioso.
O Sr. Conde de Lagoaça (dirigindo-se á Presidencia): — Mas quem tem a palavra?
O Sr. Presidente: — O incidente, pelo caminho que vae tomando, não poderá ser resolvido no ambito d’esta sala.
O Sr. Luciano Monteiro: — Deploro não poder explanar mais o meu pensamento.
O Sr. Conde de Lagoaça: — Sei usar da devida serenidade, e creio que não offendi ninguem. Pelo que respeita ao incidente, ha de seguir os seus termos regulares.
O Sr. José de Alpoim (dirigindo-se ao Digno Par Sr. Luciano Monteiro): — Protesto contra a asserção do Digno Par de que todos os cavalheiros aqui presentes teem recorrido a ditaduras. Pela minha parte não tenho responsabilidade em ditaduras, e por cousa alguma d’este mundo ligaria o meu nome á ditadura feita pelo Governo a que presidiu o Sr. João Franco.
O Sr. Sebastião Baracho: — Declaro, pela minha parte, que não tenho a minima responsabilidade, em acto algum de ditaduras. Nunca fui Ministro, nem tão pouco pratiquei qualquer acção pela qual me possa caber a classificação de criminoso politico. Estou indemne, e com isso muito me orgulho.
O Sr. Presidente: — Peço ao Digno Par Sr. Conde de Lagoaça que continue o seu discurso, abstendo-se de referencias ao incidente que acabou de dar-se.
O Sr. Conde de Lagoaça: — Como fui offendido, e a questão tem de ser resolvida fora d’esta sala, e como a hora vae adeantada e o Digno Par Sr. Mattozo Santos deseja falar antes do encerramento da sessão, dou por findas as minhas considerações.
O Sr. Mattozo Santos: — Não vou fazer um discurso. Nem o adeantado da hora, nem a altura do debate, nem o meu estado de saude o consentem.
Pedi a palavra para fazer umas declarações e dar uma explicação: faltando, porem, poucos mimitos para se encerrar a sessão, limitar-me-hei á explicação.
Fui durante 27 meses seguidos Ministro da Fazenda no anterior reinado. Como tal subscrevi despachos autorizando o que chamam adeantamentos, do que tomo completa e exclusivamente a responsabilidade.
Tratando-se no projecto que se discute de taes adeantamentos, aproveito o ensejo para explicar o meu silencio sobre o assunto.
Desde que a Camara dos Seniores Deputados resolveu nomear uma commissão para exame da administração no reinado passa lo, e essa commissão especializou nos seus trabalhos o inquerito sobre os adeantamentos, entendi e entendo ser meu dever aguardar serenamente o resultado d’esse inquerito.
Então, em vista do relatotio da commissão, dos documentos que porventura eu possuo e do que na minha memoria tiver ficado, direi, no que me respeitar, dos denominados adeantamentos em si, das circunstancias em que foram feitos e dos motivos que imperaram no meu espirito para os autorizar. Toda a explicação agora seria extemporanea: faltariam elementos de apreciação; teria de repeti-la mais tarde.
Desejo, porem, desde já affirmar que, declarando minha e só minha a responsabilidade dos adeantamentos que me sejam attribuiveis, os não fiz a occultas, nem assumi tal responsabilidade no intuito de captar a boa vontade, de obter graças fosse de quem fosse — Rei ou não.
Como politico, todos que commigo teem vivido podem attestá-lo, não careci nunca de favores para clientela politica, que não tenho; nunca diligenciei valimento, nunca recorri a auxilio alheio, para apoiar preponderancias, a que seria vaidade aspirar, ou conseguir engrandecimentos.
Como funccionario, os logares que tenho obtive-os todos por concurso, todos. (Apoiados). Dois de provas publicas, um documental. Não devo a nomeação para elles ao favor de ninguem, nem mesmo posso dizer que ao favor dos respectivos jurys, porque seria offendê-los. (Apoiados}.
Com esses logares entrei para o Ministerio, para elles saí do Ministerio. (Apoiados}. Sou o que era; da politica nada quero.
O Sr. D. João de Alarcão: — Mando para a mesa o parecer da commissão do ultramar acêrca da tributação das aguas mineraes estrangeiras nas nossas colonias.
Foi a imprimir.
O Sr. Presidente: — A ordem do dia para a proximo sessão, que será depois de ámanhã, é a continuação da que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram o horas e meia da tarde.
Dignos Pares presentes na sessão de 20 de agosto de 1908
Exmos. Srs. Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimentel; Patriarcha de Lisboa; Duque de Loulé; Marquez Barão de Alvito; Marquezes; de Ávila e de Bolama, de Gouveia, de Pombal, de Sousa Holstein; Arcebispo de Calcedonia; Condes: das Alcaçovas, de Arnoso, de Avilez, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Castro, de Figueiró, das Galveis, de Lagoaça, de Mártens Ferrão, de Monsaraz, de Sabugosa, de Tarouca, de Villar Seco; Viscondes: de Athouguia, de Balsemao, de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Bernardo de Aguilar, Montufar Barreiros, Fernardo Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Eduardo Villaça, Francisco José de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Francisco de Serpa Machado, Simões Margiochi, Ressano Garcia, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Gama Barros, D. João de Alarcão, João Arroyo, Joaquim Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, José Vaz de Lacerda, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.
O Redactor, ALBERTO PIMENTEL.
Rectificação
Na sessão n.° 42, de 17 de agosto de 1908, pag. 2, col. 2.ª, linha 24. onde se lê: «Espregueira ao Governo»: deve ler-se: ««Espregueira, ao Governo». E na pag. 3, e 1. 1.ª e linhas 50 e 51. onde se lê: «já o Estado teria estalado?» ; deve ler-se: «já o Estado teria estalado».