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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sessão de 26 de abril de 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Mello e Carvalho

(Assistia o sr. presidente do conselho.)

Pelas tres horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 31 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou a seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo cem exemplares para serem distribuidos pelos dignos pares, ácerca dos impostos e outros rendimentos publicos anteriores ao anno de 1832.

Um officio do ministerio da guerra, enviando os esclarecimentos pedidos pelo digno par do reino José Maria Baldy ácerca do general de brigada Francisco de Paula Lobo d'Avila.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — O digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a relação dos dignos pares que devem comparecer no dia 29 no paço da Ajuda.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Leu a seguinte relação.

Ex.mos srs. Presidente.

Conde de Peniche.

Antonio de Azevedo Mello e Carvalho.

Duque de Loulé.

Conde de Avilez.

Conde da Ponte.

Conde de Samodães.

Conde de Sampaio.

Conde de Sobral.

Conde de Thomar.

Visconde de Benagazil.

Conde da Ponte de Santa Maria.

Visconde de Fornos de Algodres.

O sr. Conde de Samodães: — Sendo da maior conveniencia que quanto antes se discuta a lei que trata de regular a legislação dos vinhos do Douro, e que altera profundamente a actual legislação dos vinhos; pelo que o commercio da praça do Porto se acha completamente paralysado, não só ali como em todo o Douro, á espera da decisão que o corpo legislativo tome com relação a este assumpto; peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, visto ser indispensavel que se saiba se o governo adopta o parecer que se acha pendente na camara dos senhores deputados, e se esta na resolução de fazer com que esta medida passe o mais breve possivel, dando-lhe até a preferencia a outro qualquer negocio de interesse publico, que porventura haja de discutir-se. V. ex.ª sabe que, quando uma questão d'esta ordem se apresenta, altera profundamente o modo de ser do commercio que esta estabelecido sobre certas bases; a incerteza em que por isso fica posto é altamente prejudicial. D'esta maneira não é possivel que o commercio possa continuar nem com a legislação existente que esta ameaçada, nem contar com a que a venha substituir que ainda não conhece. Portanto é necessario que o governo tome uma resolução immediata. Eu não posso entrar agora, na ausencia do sr. ministro das obras publicas, em mais considerações, salvo se o sr. presidente do conselho se considerar habilitado para me responder.

Vozes: — Não póde responder.

O Orador: — Como vejo, o governo representado por s. ex.ª, por isso faço esta pergunta; se s. ex.ª podér dizer alguma cousa, muito conveniente seria. Se porventura s. ex.ª entender que este negocio é exclusivamente do seu collega das obras publicas, aguardarei a presença do sr. ministro para apresentar as considerações que julgar conveniente fazer sobre este assumpto... Particularmente s. ex.ª acaba de dizer-me que é melhor que o sr. ministro das obras publicas me responda; portanto peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para essa occasião.

O sr. Visconde de Villa Maior: — Peço tambem ser inscripto para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, sobre o mesmo objecto.

O sr. Visconde de Gouveia: — Eu peço igualmente a V. ex.ª que haja de inscrever-me para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas. Em seguida aos dignos pares os srs. conde de Samodães e visconde de Villa Maior, terei de fazer algumas ponderações sobre este importante objecto, e de endereçar algumas preguntas ao ministro respectivo. Não que eu tenha confiança em que pelo governo seja resolvido ou encaminhado este negocio da maneira mais conforme aos interesses e direitos do paiz do Douro, mas isso não obsta a que eu cumpra o meu dever, e faça as observações que me parecerem convenientes.

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia...

O sr. Visconde de Gouveia: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. visconde de Gouveia.

O sr. Visconde de Gouveia: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, em substituição de outro que apresentei ha muito, e que caducou por ter findado essa legislatura.

Diz respeito a uma classe dos officiaes convencionados de Evora Monte, que ainda não foi contemplada, e vae de accordo com uma proposta de lei apresentada pelo ex-ministro da guerra, o sr. general Passos, a qual não teve seguimento.

Eu tive o desgosto de observar que o sr. marquez de Sá, quando ministro da guerra no gabinete transacto, e interpellado duas vezes por mim sobre este objecto, se apresentou completamente hostil a estas idéas de justiça e generosidade, e a este diminuto augmento de despeza, que poucos annos póde pesar sobre o thesouro, attenta a idade e pequeno numero dos favorecidos. S. ex.ª quasi que acrescentou a injuria á recusa, dizendo que = só por um acto de grande caridade se podia conceder tal subsidio =.

Projectos de tal ordem raras vezes sáem das commissões e têem a sancção dos parlamentos, quando os ministros os não apoiam. Póde porém haver uma esperança na versatilidade de idéas que o nobre ministro tem apresentado ha tempos nas questões politicas; póde have-la na discordancia e contradicção que se nota no gabinete em objectos da mais alta consideração. Inda não ha muito que o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda vieram ao parlamento dar explicações diametralmente encontradas sobre a organisação politica do ministerio, e patentearam a divergencia das suas idéas. Projectos d'esta ordem, porém, que encerram medidas de estricta justiça a favor de classes desvalidas, e que não têem grande influencia politica, são de ordinario descurados pelos governos fracos. E tal considero eu o actual; pois que nas -circumstancias em que nos achâmos só poderemos ter um governo forte, quando composto de homens eminentes e conspicuos, tirados da parte mais sisuda dos partidos fortemente constituidos. Ora os actuaes ministros, em quem reconheço todavia a maior honradez, patriotismo e competencia, não pertencem a este numero, não foram tirados de nenhum dos grupos importantes do parlamento, nem podem constituir um governo forte pela fusão e conciliação. E por isso que não tenho confiança em que passe por emquanto este projecto; mas cumpro com o meu dever, e satisfaço aos desejos e humanidade do meu coração, apresentando-o.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Dignos pares do reino — Confiado nos sentimentos de justiça e generosidade que nos animam, tenho a honra de apresentar-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E concedido um rendimento mensal de réis 12$000, pago pelo ministerio da guerra ou marinha, aos individuos que, tendo sido praças de pret no exercito ou na armada antes de 25 de abril de 1828, foram depois promovidos a officiaes pelo governo illegitimo até 16 de maio de 1834.

§ 1-.° -Estes individuos são considerados para todos os mais effeitos como tendo a graduação de alferes ou guardas marinhas, conforme pertencessem ao exercito ou armada.

§ 2.° O vencimento decretado n'este artigo não aproveitará áquelles que exercerem qualquer emprego retribuido pelo estado em cifra superior, ou que forem collectados em mais de 30$000 réis de contribuição predial ou industrial.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 26 de abril de' 1865. = Visconde de Gouveia.

ORDEM DO DIA

continuação da discussão do parecer n.° 6 da commissão especial, relativamente as manifestações militares e concessão da medalha ao general lobo d'avila

O sr. Marquez de Vallada: — Disse que tinha pedido a palavra unicamente para uma explicação ao sr. general Baldy. Quando s. ex.ª estranhou que elle dissesse...

O sr. Baldy: — V.' ex.ª dá-me licença? Estranhar não, foi apenas uma observação que fiz.

O Orador: — Quando o digno par observou com surpreza (parece-lhe que a substituição não é impropria), surprehendeu-se, ou não concordou com a qualificação que dera de pouco civil e contraria á disciplina a manifestação a que tinha alludido, na qual, louvando-se o general Lobo d’Avila, se disse que a arma de artilheria estava n'um estado de marasmo. Notou que s. ex.ª disse por essa occasião que toda a corporação de artilheria estava de certo prompta a vir a campo para defender a sua honra; por isso esta o orador, porque ninguem póde duvidar da honra de s. ex.ª, n'essa parte todos os dignos pares dão testemunho em favor de um homem tão venerando e tão respeitavel (apoiados); ninguem tambem seguramente quereria lançar nodoa no caracter pessoal dos individuos a que se referiu; mas tratava-se da questão politica, e disse o orador, com toda a franqueza de que se preza, que aquellas expressões eram inconvenientissimas, porque se a arma de artilheria estava em marasmo quem era o culpado? Quem era o nominativo d'essa oração? Porque todas as orações têem nominativo, verbo e attributo. Aqui o sujeito devia ter sido primeiro o governo, isto é, o sr. general Passos que era ministro da guerra e tinha sido commandante de artilheria; e como não é possivel tirar a significação ás palavras, era tambem o sr. general Baldy.

O orador tinha já pedido ha tempos ao sr. duque de Loulé que mandasse reformar o nosso diccionario, no que fazia um grande serviço ao paiz, porque nós ha muito já que nos não entendemos; estamos n'uma perfeita Babel, cada um entende as palavras por um modo diverso; porém s. ex.ª não annuiu a este meu pedido, mas ha de insistir n'elle, ha de pedir ao sr. ministro do reino, que auxiliado pelo seu collega da fazenda, o sr. conde d’Avila, vice-presidente da academia, faça esta reforma para nós nos entendermos, porque é impossivel continuar nesta discordancia. Não só ha de fazer este pedido, mas tambem ha de interpellar todos os srs. ministros, com a certeza de que logo lhe responderão, e o sr. conde d’Avila até largamente, não hão de fazer o que fazia o sr. general Ferreira Passos quando era interpellado, que respondia «sim e não, e estou no meu direito.» Confessa a verdade, gosta de ver responder com franqueza, tomando cada um a responsabilidade dos seus actos, e não póde soffrer os que só respondem acobertando-se com o manto real, dizendo: cumpri as ordens de El-Rei. Isto era proprio do governo absoluto, mas como esse governo acabou, hoje no governo constitucional os ministros respondem pelos seus actos.

O orador entende a palavra marasmo de um modo, e o digno par o sr. Baldy de outro; entende que é um estado de extrema extenuação, effeito de ordinario da febre hectica, e que finda com a morte. (Interrupção do sr. Baldy que se não ouviu.) Sente muito ter de combater um homem tão honrado como s. ex.ª; mas esta sua asserção ainda foi corroborada pelo mesmo digno par e seu amigo. S. ex.ª mostrou o estado deploravel em que se achava a arma do artilheria, que é muito peior do que elle orador suppunha...

O sr. Baldy: — Ainda faltou alguma cousa.

O Orador: — Deus sabe o que dirá d'esta vez s. ex.ª quando tornar a fallar, porque ha de fallar com toda a franqueza; s. ex.ª é summamente franco, porque é altamente verdadeiro.

O que é certo é que este estado de marasmo a que chegou a arma de artilheria é devido aos nenhuns esforços do governo, portanto ha ali uma apreciação altamente politica que é tambem altamente desfavoravel. Esta apreciação esta em diametral opposição com o regulamento disciplinar de 30 de setembro de 1856, o qual não permitte que os militares façam quaesquer manifestações, nem mesmo para mostrar a sua justiça. Parece-lhe que isto é assim; ao seu lado esta o sr. conde de Torres Novas, e o sr. marquez de Sá, que sabem isto muito melhor do que elle, os quaes asseveram que o que diz é verdade. Ora esta apreciação não só é desfavoravel para o governo, mas para todos os cavalheiros que têem commandado aquella arma; o que basta para mostrar que não foi injusto quando as taxou de não muito regulares.

Observou que tambem dissera o sr. Baldy que não se precisa de lei para prohibir - taes manifestações, e n'este ponto esta perfeitamente de accordo com s. ex.ª, porque temos o regulamento disciplinar, a carta constitucional, e sobretudo os grandes principios sociaes que são a base de todo o governo constitucional.

Foi talvez por isso que o sr. marquez de Sá disse muito

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bem n'esta casa, quando se tratou d'esta questão depois da sua entrada no ministerio, que não se podiam admittir no exercito taes manifestações; que as leis se deviam observar, como se observam em toda a parte; s. ex-a citou a Inglaterra que é um paiz liberal e illustrado, onde, apesar dos partidos radicaes e extremos promoverem a discordia, como fazem em toda a parte os homens politicos, convergem para a manutenção da ordem e para que os grandes principios sociaes sejam respeitados.

Porém ainda ha mais alguma cousa; não era preciso lei, e logo depois disse s. ex.ª o sr. Baldy que se estas manifestações não tinham sido prohibidas é porque tinham neutras occasiões sido toleradas outras manifestações. Mas se se tem tolerado outras vezes, tem-se feito mal, tem-se andado por caminho errado, e deve entrar-se n'outro melhor. É o que a prudencia e o dever ensinam

O orador acrescenta que, depois do que acaba de fazer o sr. marquez de Sá, com relação ás medalhas, estão justificados os dignos pares que censuraram a concessão dellas, e o sr. conde de Mello mais justificado do que ninguem, como membro do supremo conselho de justiça militar. O orador já tinha dito que as medalhas não tinham sido dadas em virtude de lei, e que o sr. general Passos incorrera em grave responsabilidade, postergando-a.

Lamenta que s. ex.ª, que disse ter prestado muitos serviços ao paiz, mais do que elle, sr. marquez, não era capaz de prestar, quizesse por tal modo ser propheta, por isso elle, sr. marquez, tambem lhe prophetisou a sua queda; e esta sua prophecia verificou-se. Quanto á do sr. general Passos, Deus sabe o que será. '

E necessario responder com a lei, e nunca acobertarem-se com o manto real, no systema representativo; e sente por isso que s. ex.ª não esteja presente para ouvir ler a sentença de anáthema que o havia de fulminar; assim como lamenta que não haja uma lei de responsabilidade ministerial; pelo que esteja essa responsabilidade sendo uma completa utopia, e não possa tornar-se effectiva, porque, se o ministro pratica um acto que não leva ao conselho de ministros, não se lembrando que ha uma medida adoptada no tempo da regeneração que prescreve esse dever, e devia ser por isso um preceito a que devia obediencia; se depois d'esse acto sáe do ministerio, ahi fica logo sem responsabilidade nenhuma.

Ao sr. marquez de Sá não se póde pedi-la, porque s. ex.ª esta com as idéas da maioria da camara; o sr. duque de Loulé não quer toma-la sobre seus hombros, e portanto a responsabilidade é toda do sr. general Passos. S. ex.ª pois fazia um grande serviço em vir aqui justificar o seu procedimento. Se o fizer, como esta questão não morre e póde apparecer em outra qualquer occasião, esta, o orador, resolvido a prestar um serviço ao paiz, o serviço de pedir ao sr. general Passos a responsabilidade dos seus actos quando ministro da corôa; e felizmente esta persuadido que a camara ha de acompanhar o illustre auctor da proposta, o sr. Sebastião José de Carvalho; no que muito' folgará, porque se não foi o auctor d'ella, foi comtudo o primeiro que tocou n'esta questão, do que muito se honra por ter a convicção de que prestou um serviço ao paiz desaggravando os principios de justiça que julga altamente offendidos.

Entendeu dever dar estas explicações ao sr. Baldy, e crê que senão afastou da ordem. Fica por aqui, se não vier algum incidente em que tenha de tomar parte.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, foi minha primeira idéa entrar detidamente na analyse do parecer da illustre commissão especial, e demonstrar a sua pouca ou nenhuma procedencia; mas, reflectindo melhor, renunciei a este meu primeiro proposito, porque me esfriou todo o enthusiasmo; e perdi o enthusiasmo, porque nem vi, nem prevejo n'este debate resultado algum importante, ou seja para a causa do progresso e da liberdade, ou seja para os grandes e graves interesses da sociedade. (O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra para um requerimento.) Considero, sr. presidente (talvez por infelicidade minha, ou certeza do meu espirito) esta questão como um desafogo de amor proprio, que eu não compartilho, nem desejo compartilhar, porque entendo que outra missão, missão mais importante e elevada, impõe a todo o representante da nação o nosso codigo politico, e farei sempre todos os esforços que em mim couberem para não desvirtuar ou perverter tão augustos deveres.

Felicito-me, sr. presidente, mui cordealmente pela concórdia que no objecto proposto vejo reinar nas fileiras de todas as parcialidades politicas de que se acha composta esta camara. Oxalá que se conservem por largo tempo ferrolhadas as portas do templo de lano, e que em vez de famosos Aritinos, insignes sómente pelo emprego da maledicência, e uma hypocrita piedade tenhamos de applaudir vigorosos. Aristarcos, que com uma critica severa discriminem o bom e o mau que contiverem as diversas propostas ou medidas que têem de ser submettidas ao nosso exame e deliberação, para unicamente approvarem o que for justo e conforme com os verdadeiros interesses do povo.

Manifestada, e exposta á camara com toda a franqueza a minha intenção, é evidente, sr. presidente, que a mui limitadas observações tenho de limitar o meu discurso, e ainda assim só, e unicamente com o fim de ficar o meu voto ou opinião consignada e constatada nas actas da camara em ordem a tirar de sobre mim a responsabilidade de uma decisão menos reflectida, como aquella, que prevejo, e nunca com a intenção de censurar, e menos accusar os dignissimos membros da illustre commissão especial.

Confirmo e ratifico em toda a plenitude e integridade tudo quanto tive a honra de expor á camara por occasião do debate da moção que fiz, e é causa occasional da presente discussão. A sinceridade de convicção que então actuou em minha consciencia, a solidez dos argumentos

com que no campo dos principios e da lei eu combati a mofina moção de censura, não se abalaram ou alteraram com, ou depois da leitura do parecer da illustre commissão especial; bem ao revez robusteceram-se muito mais, porque não obstante a influencia politica que presidiu á feitura da mesma commissão, os seus dignos membros, illustradissimas summidades da camara como são, não só não poderam negar, mas vieram explicitamente confirmar as minhas theorias no tocante ás inculcadas manifestações dos officiaes de artilheria ao seu commandante, escrevendo e lançando em dois dos periodos do seu respeitavel parecer as seguintes asserções:

Primeira — As tónicas felicitações conformes com o preceito da carta e com as disposições geralmente em vigor em toda a Europa, são a obediencia fiel e pontual e a cooperação zelosa e sincera.

Segunda — Não apreciará n'este parecer a commissão, pelo julgar ocioso, se a ordem do dia de 26 de junho de 1811, que prohibiu os certificados até de superiores para inferiores, ou se a ordem do exercito de 16 de maio de 1841 que reprehendeu nos officiaes do batalhão 27 o elogio collectivo do seu coronel desligado, como censura ao governo, e violação dos deveres da disciplina, ou finalmente, se alguns dos artigos do regulamento de 30 de setembro de 1856 são mais ou menos applicaveis á hypothese das felicitações de muitos officiaes dos corpos da arma de artilheria ao seu general exaltando-o pela nomeação e até pela sua eleição como deputado.

Poderia eu, sr. presidente, desejar um testemunho mais valioso para o triumpho das minhas idéas? Não foram todos os meu argumentos baseados em que aquelles dois primeiros documentos, ordem do dia e ordem do exercito, o primeiro era inapplicavel, e o segundo era contraproducente? Não demonstrei eu até á saciedade que o regulamento de 30 de setembro era a unica norma a seguir e meditar para decidir rectamente a especie proposta por ser elle a ordenança especial prevista no artigo 117.° da carta constitucional e alem d'isso tendo, como tem, força legislativa em virtude da disposição do artigo 2.° da lei de 14 de julho de 1856? Não asseverei eu, e tornei evidente pela analyse e confrontação dos diversos artigos do mesmo regulamento, que aquellas protestações estavam na letra e espirito d'elle?

Ora bem: se a illustre commissão sabendo, como sabia, que a moção da censura se fundava toda, pela sua parte juridica, nas referidas ordens do dia e do exercito, julgou ocioso occupar-se dellas, tratando assim taes fundamentos com desdém; se vendo diante dos seus olhos a unica norma por que devia afferir a procedencia da censura, entendeu que' devia deixar em suspenso o seu juizo a respeito da maior ou menor applicação do regulamento á hypothese sujeita; é da mais incontestavel evidencia, que emquanto por um lado reconheceu a improcedencia dos fundamentos juridicos da censura, pela outra parte não póde encobrir o receio de a mostrar com a verdade e com a logica, negando ao regulamento a significação que eu lhe dei.

Sr. presidente, firme no meu proposito não avançarei mais n'este campo da analyse; mas, por amor de Dous, não estejamos dando ao paiz e á Europa o triste espectaculo de que somos estranhos aos mais elementares principios de direito social.

Todos devemos saber que entre estas duas proposições obediencia passiva e bayonetas intelligentes, ha um abysmo que só póde encher o sentimento individual pela noção do direito e do dever. Todos devemos saber que a obediencia, como todo o direito, corresponde a um dever. Todos devemos saber emfim, que nenhum estado póde existir sem que a auctoridade seja obedecida em tudo o que lhe é devido.

Eis o principio elementar tão indispensavel na esphera militar, como na administrativa, como na judiciaria. A pratica vae universalmente conforme com o principio, e assim como ninguem ainda contestou que todo o cidadão é obrigado a fazer tudo nos limites da lei, assim tambem tudo o que na lei ou nos regulamentos (conformes com a lei) não é prohibido expressamente, se entende permittido.

Obediencia cega, de uma maneira absoluta, escreveu ainda o anno passado um dos mais eminentes e sabios politicos, não existe nem no exercito, e se ahi deve vigorar por amor da disciplina a regra e preceito impreterivel que a obediencia aos superiores deve ser sem a minima hesitação ou replica; a par d'estes preceitos esta escripto o remedio posterior da queixa e reclamação, para que as leis militares têem aberto a porta em ordem a estabelecer a responsabilidade dos que obrarem contra a lei; o que manifestamente significa a necessidade de um preceito ou ordem, conforme a lei e a rasão.

Mas, sr. presidente, vejo que me desviei um pouco do meu proposito, de que peço perdão á camara, e passo já a segunda observação, que me proponho fazer.

Declaro sem hesitação, mas guardado sempre todo o acatamento á sisudesa, illustração e notoria respeitabilidade dos eminentes caracteres, que compõem a illustre commissão especial, que voto redondamente contra as conclusões do parecer em discussão (O sr. Joaquim Antonio de Aguiar: — Apoiado), e dou este meu voto tão preciso e cathegorico, por que entendo, que, constitucionalmente fallando, a camara é incompetentissima como corpo co-legislador que é, para decidir as theses que se lhe propozeram.

Sr. presidente, ha um axioma incontestavel e incontestado, universalmente admittido tanto em politica como em direito, que os corpos constituidos não podem deliberar e obrar legitimamente senão dentro da esphera das suas attribuições legaes.

O sr. Aguiar: — Apoiado.

O Orador: — Então perguntarei eu á consciencia illustrada da camara, em que capitulo, titulo, artigo ou paragrapho do nosso codigo politico esta nem remotamente designada a attribuição de definir theses, como aquellas que propoz com intuito inteiramente diverso o illustre auctor dellas, o digno par o sr. conde de Avila, hoje ministro da corôa?

O artigo 15.° da carta constitucional marca as attribuições que lhe competem, como corpo co-legislador; o artigo 41.° declara similhantemente aquellas que lhe pertencem, como tribunal de justiça a respeito dos crimes ou delictos que especialmente são commettidos ao seu exame; mas querer, como agora se pretende, transpor estes limites constitucionaes, e attribuir ou arrogar á camara a competencia para decidir theses de crença ou fé politica, é entrar no caminho espinhoso do arbitrio, substituir a lei pela vontade, e perder completamente a força moral pela usurpação commettida contra o poder constitucional? — A camara dos pares, sr. presidente, não é concilio ecuménico, nem areópago, ou synedrio de alta justiça ou politica para que possa ter a pretensão — de formar e decidir pontos de fé, ou de justiça publica. — Discute e coopera para a formação das leis na primeira hypothese acima referida, ou conhece e julga os crimes especiaes na segunda hypothese; tudo o que for saír d'essa orbita das suas attribuições, não conduzirá a formar a sua auctoridade ou conciliar o respeito, mas tenderá necessariamente a diminui-lo, e enganam-se redondamente os que pensam de outra fórma (apoiados).

Sendo as duas theses, que comprehende a proposta que fez objecto do exame da illustre commissão == se as manifestações collectivas dos officiaes militares a respeito dos actos dos seus superiores podem ser permitidas sem quebra da disciplina do exercito = e se — as disposiçoes do decreto de 22 de agosto de 1864, que regulou a fórma da concessão da medalha creada pelo decreto de 2 de outubro de 1863 podiam ser alteradas, ou modificadas por portarias — o que, n'esta hypothese equivale a perguntar = se um decreto póde ser revogado por uma portaria = perguntarei eu ainda á illustrada consciencia da camara se não tendo, como fica demonstrado a priori a camara dos pares definida no codigo politico ou na lei, similhante attribuição, como póde ter efficacia, ou diante da consciencia publica, ou perante a consciencia individual, ou perante os tribunaes que ou no primeiro ou no segundo caso têem a lei ou a jurisprudencia, que zomba d'estas resoluções?

Sr. presidente, em occasião nenhuma foi mais apropriadamente invocada a sentença: nisi utile est quod facimus stulta est gloria; e eu que não quero, nem desejo provocar a justa applicação da ultima parte d'ella, não posso eximir-me ao triste dever de dissentir da illustrada commissão, e I opinar que, pela falta de competencia constitucional não fez senão caminhar na estrada da inutilidade.

Lembra-me de ter lido em Plutarco, que quem obedece á rasão, obedece a Deus. Eu obedecendo á minha rasão, para declarar, como declaro francamente, que voto redondamente contra o parecer da illustre commissão, desejo-lhe comtudo o mais feliz exito, contanto que não seja o resultado do meu voto. A sua approvação na ordem politica e legal corresponderá sempre a zero.

Tenho dito.

O sr. Presidente: — Tem agora a palavra o digno par o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva: — Eu pedi a palavra para outro assumpto differente, e tambem para dar uma explicação depois da votação d'este parecer.

O sr. Marquez de Vallada: — Cedo agora da palavra, mas peço a V. ex.ª que m'a reserve para uma explicação depois da votação.

Eu fiz um requerimento para que a votação seja nominal, e declarei-o na conformidade do regimento, portanto peço a V. ex.ª que consulte a camara sobre este requerimento.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Moraes Carvalho.

O sr. Baldy: — Eu tambem pedi a palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra em primeiro logar, depois da votação, o sr. Moraes Carvalho; depois o sr. Rebello da Silva e o sr. marquez de Vallada.

Não ha mais nenhum digno par inscripto sobre a materia, e portanto vae votar-se o parecer da commissão.

O sr. Baldy: — Eu tinha pedido a palavra por duas vezes.

O sr. Presidente: — O digno par pediu a palavra para uma explicação.

O Orador: — Então peço a V. ex.ª que me inscreva tambem para depois da votação.

O sr. Presidente: — Sim, senhor. Agora vou propor á camara o requerimento do sr. marquez de Vallada, para que a votação seja nominal.

Foi approvado.

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, sobre o modo de propor, se V. ex.ª me dá licença, o parecer da illustre commissão contém tres conclusões, eu já disse que não votava pela primeira, e por isso peço que a votação seja separada.

O sr. Aguiar: — -Como é uma proposição complexa, tem rasão o digno par em pedir que a votação seja separada a respeito de cada uma das conclusões.

O sr. Vellez Caldeira: — Não ha senão o parecer da commissão, que é uma cousa que não tem resultado nenhum, e não póde ter senão uma votação. Eu já disse quando fallei na materia, que votava contra, porque não é este o modo de obter um fim qualquer legal; a não ser que queiram por este modo censurar o general Passos.

O sr. Aguiar: — Sr. presidente, não se póde interromper a votação, e de um modo que é pouco airoso para a camara, porque é preciso saber que foi a camara quem resolveu que este negocio fosse a uma commissão para dar o seu pa-

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recer, e por consequencia o que o digno par acabou de declarar sobre a inutilidade de se tratar d'este objecto, não é Com a commissão, é com a camara que assim o resolveu (apoiados).

O sr. Presidente: — Perdoe V. ex.ª O digno par fallou sem pedir a palavra, e agora quer censurar-me por ter deixado fallar outros dignos pares?

O sr. Vellez Caldeira: — Eu pedi a palavra. A camara votou que este objecto fosse á commissão, mas não se comprometteu a approvar o seu parecer, é exactamente o mesmo que aconteceu com as suspeições politicas.

O sr. Aguiar: — Peço a palavra para uma explicação.

O sr. Presidente: — Eu estou dirigindo os trabalhos da camara, e portanto vou consultar os dignos pares se entendem que deve haver uma só votação do parecer na sua integra...

Uma voz: — Não póde ser uma votação só, havendo no parecer tres conclusões.

O sr. Presidente: — Vou pois consultar a camara sobre se entendo que deve haver votação em separado a respeito de cada uma das conclusões do parecer.

Assim se resolveu por 18 votos contra 15.

O sr. Presidente: — Vae-se então procederá chamada para a votação da primeira conclusão.

O sr. Secretario: — Procedeu á chamada, e disseram approvo os dignos pares:

Os ex.mos srs. Marquezes de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira, e de Vallada; Condes de Alva, d’Avila, de Avillez, de Bertiandos, de Castro, de Fonte Nova, de Peniche, de Santa Maria, de Thomar, de Torres Novas, e de Samodães; Viscondes de Benagazil, de Condeixa, de Gouveia, de Ribamar, e de Villa Maior; Barão de Villa Nova de Foscôa; Mello e Carvalho, Margiochi, Aguiar, Braamcamp, Pinto Bastos, Rebello da Silva, Castro Guimarães, Vaz Preto e Sousa Azevedo.

Disseram rejeito os dignos pares:

Os ex.mos srs. Moraes Carvalho, Silva Cabral, Baldy e Vellez Caldeira.

Picando portanto approvada a primeira conclusão por 31 votos contra 4.

O sr. Presidente: — Passámos á segunda conclusão do parece. Vou consultar a camara sobre se a approva.

Foi approvada.

O sr. Presidente: — Vae votar-se a terceira conclusão. Foi tambem approvada.

O sr. Presidente: — Acha-se portanto approvado o parecer n.° 6. Tem a palavra sobre a ordem o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva: — Fui encarregado de communicar á camara, pelo digno par marquez de Niza, que s. ex.ª não tem comparecido a estas ultimas sessões por incommodo de saude. Igualmente s. ex.ª me encarregou de lhe participar que se achava summamente penhorado e agradecido pelas provas de benevolencia que lhe foram dadas pelos dignos pares por occasião da votação que a respeito de s. ex.ª teve aqui logar na ultima sessão, ás quaes o nobre marquez não póde responder se não agradecendo; e pondo-se como eu ás ordens da camara.

O sr. Ministro da Fazenda (Conde d'Avila): — Depois da participação que acaba de; fazer o digno par Rebello da Silva, julgo a proposito dizer que o digno par marquez de Niza pediu-me que o auxiliasse nas obras da sala das sessões, e eu entendi que, apesar de não estar ainda habilitado para o poder fazer, devia comtudo tomar sobre mim a responsabilidade de dar o auxilio que me foi pedido. Declaro pois que «a qualidade de ministro da fazenda hei de empregar todos os meios de que posso dispor para ajudar a commissão a regularisar este objecto. Estou na persuasão de que se assim o não fizesse, se não concorresse para que as obras se acabassem, praticaria um acto de menos consideração para com a camara dos dignos pares. O digno par marquez de Niza e a commissâo toda estão de accordo na idéa de que é preciso quanto antes acabar as obras da sala das sessões; o resto ir-se-ha fazendo como se poder, a fim de que a camara possa funccionar em um logar apropriado.

Parece-me, sr. presidente, que depois d'esta declaração dou uma demonstração da consideração que tenho para com a camara (apoiados).

O sr. Presidente: — Lançar-se-ha na acta a declaração do sr. ministro da fazenda, bem como a do digno par o sr. Rebello da Silva.

O sr. Moraes Carvalho: — - As considerações que eu tinha a fazer referiam-se unicamente a algumas asserções avançadas pelo digno par o sr. Ferrão; mas como s. ex.ª não se acha presente, vejo-me na necessidade de ceder da palavra. Eu tenho de responder a s. ex.ª com as suas proprias doutrinas, não como par, mas como escriptor.

O sr. Baldy: — Sr. presidente, pedi hontem a palavra quando o digno par que me precedeu, fazendo allusão ás felicitações que os officiaes de artilheria dirigiram ao chefe superior da sua arma, parecia querer dar a entender que elles tinam a reservada tenção de me fazer censuras e n'esse sentido respondi; agora vejo que me equivoquei, é o digno par que tira estas illações do que vê escripto. Aproveitarei esta occasião para dizer alguma cousa a respeito da palavra marasmo, porque vejo que algum de nossos collegas lhe têem dado muita importancia. Tambem eu procurei a significação d'esta palavra não em Blutan, porquanto o que lá vem sei-o eu por ter sido aqui dito pelo digno para o sr. marquez de Vallada, de cuja -palavra não sei duvidar, mas no diccionario de Constancio e n'elle achei a origem grega d'aquella e a respectiva significação a qual é, se a memoria me não engana, ir-se attenuando, emagrecendo, não receber nutrição, ir em decadencia; ora tudo isto se verifica segundo hontem eu aqui demonstrei; portanto com aquella palavra meus camaradas artilheiros só pretenderam fazer conhecer com uma certa força de expressão, mas exacta, o verdadeiro estado da sua arma.

O sr. Marquez de Vallada: — Se os principios estabelecidos pelo digno par, o sr. Silva Cabral, podessem ser aceitos por esta camara sem que se fizesse ouvir um protesto contra elles, os dignos pares que approvaram o parecer deveriam saír por aquella porta, e a camara ficaria então composta dos dignos pares que não se achavam presentes á votação, e pelos dignos pares Silva Cabral, Moraes Carvalho, José Maria Baldy e pelo sr. Vellez Caldeira. Pois a camara dos pares não tem direito para fazer o que fez?!

É para sentir que esta asserção partisse de onde partiu. Isto mostra que a anarchia das idéas já penetrou em muitos espiritos, e que não tardará talvez que invada os corações, produzindo-se em factos, que darão muito que sentir ao paiz. Pois a camara dos pares não tem direito de definir aqui doutrinas? Que fazemos nós senão apreciar os principios que n'esta casa se apresentam? Quem segura os governos na marcha dos negocios publicos? E o que faz a camara?

O orador pergunta, se não basta que os inimigos da camara dos pares queiram cercear as suas prerogativas; se ainda é necessario que um dos seus membros faça apreciações desta natureza! E ainda mais é para sentir que ellas j venham de um cavalheiro de tanto talento e de tão subidos conhecimentos. Por tudo isso não póde deixar de protestar com todas as suas forças contra as doutrinas apresentadas pelo digno par o- sr. Silva Cabral.

O sr. Aguiar: — Cederia absolutamente da explicação se não tivera ouvido agora o digno par, o sr. Baldy, insistir n'uma idéa que hontem apresentou, talvez para mostrar o pouco escruplo com que a commissão elaborou o seu parecer em relação á segunda conclusão; e pois que s. ex.ª insistiu não póde elle, orador, deixar de dizer alguma cousa, limitando-se todavia a muito poucas palavras.

S. ex.ª entendeu talvez que a commissão tinha procedido com leveza, e sem fazer um maduro exame dos documentos que lhe foram remettidos, mas pede se lhe permitta dizer que, sem pretender fazer censura a s. ex.ª, entende não ter sido s. ex.ª quem examinasse, attentamente esses documentos; e não obstante isso é s. ex.ª quem vem fazer á commissão uma arguição, que ella realmente não merecia!

Explicando-se, disse que era verdade que na prisão, que foi motivo para a segunda conclusão do parecer da commissão, parece que se andara irregularmente, que n'um dos officios que se acham junto ao parecer, diz-se que um empregado superior do ministerio da guerra recebêra as ordens dos ministros quo estavam na capital; mas ha um outro officio no qual o ministro da guerra previne o commandante da divisão militar, o barão de Cacilhas, de que o major Lobo d’Avila esta disposto a apresentar-se na torro de S. Julião, e que dê portanto as suas ordens para este ser considerado como preso até nova resolução. Por consequencia parece-lhe não ter havido irregularidade, e só que se explicaria mal quem redigiu o officio. Entretanto, suppondo mesmo que houvesse uma irregularidade qualquer, não vem destruir o facto que se deu, nem o parecer da commissão, porque d'ahi por diante tudo quanto se passa a respeito da prisão do general Lobo d'Avila foi em virtude de officio do ministerio da guerra. Não os lê agora por que a camara toda viu esses documentos; e apesar de ter ainda muito que dizer, não quer tomar mais tempo á camara, occupando-se de rebater as censuras que se fizeram ao parecer da commissão, nem certas doutrinas que aqui se apresentaram, porque ninguem duvida que as manifestações militares foram sempre prohibidas, o que não podiam deixar de o ser. Se já foram toleradas, não foi por esse facto que se constituiu o direito! Limita-se a isto.

O sr. Silva Cabral: — Si fradus illabatur orbis, impavidum me ferient ruina.. Todas essas observações ásperas, com que o digno par que acaba de fallar entendeu dever mimosear-nos; aos quatro dignos pares, que votámos contra o parecer, e especialmente a mim (de quo lhe rendo muitíssimas graças); se por inopportunas, e extemporaneas (visto estar votado o parecer) não excitam em nosso animo um sentimento de compaixão, têem todo o jus A nossa mais completa indifferença.

Pelo que me respeita direi, que ao argumento do numero, com que o digno par nos pertendeu acabrunhar, se em vez de trinta pares, que aliàs considero e respeito, eu visse pela opinião contraria trezentos ou tres mil, não seria isso motivo para deixar de seguir a minha opinião conforme me persuadissem a minha rasão e a minha consciencia, e não concedo a ninguem o direito de dar á minha opinião significação differente d'aquella que eu lhe dou, o muito menos admitto que venha o digno par por seu desenfado deturpa-la ou inverte-la.

O digno par póde seguir a opinião que quizer e entender melhor; póde dizer e proclamar, que segue o verdadeiro caminho, e pertender com a grandeza de animo, e extensão de conhecimentos, de que dá todos os dias tão copiosos documentos, o exclusivo da verdade e da sciencia; é cousa que não me preoccupa, nem incommoda; mas conceda-me a mim, pobre e humilde mortal, que duvide da sua infabilidade; permitta-me o direito natural e imprescriptivel de ter uma opinião propria embora differente da sua (apoiados) e de ter convicção tão profunda e sincera, como a sua, de que sigo a justiça e as inspirações da minha rasão (apoiados).

Que nova e esdrúxula theoria é essa, que hoje nos vem pregar o digno par, de que o uso do livre arbitrio, a liberdade da opinião, condição especial dos governos representativos, a exposição plácida, grave e seria de uma»opinião constituem uma offensa á maioria desde que é differente da sua? Que pertensão é essa de vir provocar o sentimento da camara, alardeando de ser seu porta-voz para a convidar a saír da casa, aquelle mesmo digno par que tantas e tão frequentes vezes esta em completa desharmonia com ella? Como é que o digno par que todas as sessões, e em cada sessão, muitas vezes temos ouvido inculcar os seus sentimentos de liberdade e independencia, teve a idéa ominosa, anti-natural e anti-liberal de pôr uma mordaça aos que divergiram da sua opinião? Não será uma tal pertensão uma tremenda offensa a esses sacrosantos principios da liberdade de que o digno par tantas vezes se ufana de ser sectario até á idolatria?

E o que ha para notar, é ainda que o digno par na alegria do seu triumpho, porque seguiu uma opinião que trinta outros dignos pares seguiram tambem viesse apostrophar com o solatium est miseris socios habere penates! O digno par triumphou, e no esplendor e pompa do seu triumpho, recorre ao sentimento da consolação por ter muitos companheiros da infelicidade Quid dicam amplius? Bem se vê que o digno par não obstante o triumpho do numero, não ficou satisfeito no âmbito da sua consciencia! Disse.

O sr. Baldy: — Sr. presidente, se ter opinião contraria ao parecer que hoje se votou, apreciando seus fundamentos por modo diverso daquelle por que o fez a commissão que o construiu, importa censura a esta, então é impossivel discutir.

Sr. presidente, apresso-me a declarar com inteira franqueza a V. ex.ª, á camara e ao digno par a quem respondo, que não tive no que hontem disse o mais leve pensamento de fazer censuras a s. ex.ª, nem á illustre commissão a que presidiu, e que sinto profundamente que o digno par podesse achar nas minhas palavras fundamento para me attribuir um tal proposito; o meu unico fim era mostrar, que não se devia trazer á vida um facto que fôra morto pouco depois de ter nascido, pelos proprios que lhe deram o ser; porque não o fizeram registrar nas estações competentes no proposito, devo crer, de não vir a ser damnoso em tempo algum ao paciente. Note V. ex.ª, não consta quando foi solto, não consta, se quando lhe foi intimada a prisão, se lhe communicou a culpa, que a prisão era correccional, e o tempo de sua duração, tambem não consta claramente o motivo por que foi exonerado do commando do material de artilheria da 7.ª divisão militar. Emquanto ao que o digno par disse relativamente a terem sido expedidas ordens de prisão em nome do ministro da guerra, permitta-me s. ex.ª que lhe diga que se explica isso muito bem, é que o ministro da guerra não quiz declarar-se em antagonismo com os seus collegas, se elle não era n'aquella occasião um dos ministros residentes em Lisboa, como póde, a meu ver, com bom fundamento suppor-se. Muitas mais cousas poderá eu dizer; veda-mo porém o regimento cujas disposições talvez terei já violado.

O sr. Marquez de Vallada: — Attribuiu-lhe o sr. José Bernardo o dezejo de pôr uma mordaça, não sabe a quem... crê que a alguns dignos pares — talvez até a s. ex.ª. Mas a verdade é que a sua indole, as suas convicções, e os seus precedentes mostram o contrario. Não tem disposição nenhuma para por mordaças a ninguem, e pelo contrario gosta que todos discutam, e que seja igual para todos a liberdade de dissertar dentro dos limites que a rasão marca e aconselha, e que o regimento da camara indica. Porventura o digno par o sr. Silva Cabral e o digno par o sr. Baldy apresentaram as mesmas opiniões sobre este assumpto? este digno par não concordou com a commissão, e nisso usou do seu direito; mas entre não concordar com commissão, <> dizer que a camara não tem poder para proceder da maneira j que procedeu, vae muita differença, differença que á marcada por um abysmo, qual o que separa as opiniões d'estes dois referidos dignos pares.

O sr. José Bernardo disse, que ainda vendo trezentos dignos pares contra a sua opinião havia de expo-la franca e livremente. Acredita-o, e diz que faria muito bem. Pouco importa o numero, o que importa muito é a rasão; o numero é nada, e a rasão tudo. Isto foi uma questão incidente; mas o digno par negou á commissão o direito de interpretar os principios politicos, como interpretou; e lançando este desfavor sobre a commissão, estendeu-o a toda a camara. Ouvindo isto, disse elle, orador: « Queiram embora os inimigos das instituições, os inimigos da camara cercear as attribuições d'esta; mas não seja no seio da mesma camara que se produzam similhantes idéas». O sr. José Bernardo quando levanta a voz enche toda a camara; mas embora levante a sua voz, e queira mostrar todo o seu poder, não o fará curvar, porque não esta costumado a curvar-se a nenhum despotismo, e ha de manifestar sempre francamente a sua opinião. Com taes idéas é evidente que nunca poderia querer pôr mordaça em ninguem. S. ex/ portanto offendeu-o como homem politico em dizer-lhe que queria pôr mordaça em alguem. Offendeu-o tanto como o proprio digno par se offendeu, e com rasão, quando disseram que s. ex.ª queria pôr mordaças á imprensa, sendo auctor da lei das rolhas... (O sr. Silva Cabral: — Não fui, pelo contrario, não a quiz.) Mas esta lei foi o mote da bandeira arvorada contra o digno par, por isso quizera que s. ex.ª não arvorasse agora outra contra elle, como sectario de principios que não professa. Entende que é necessario uma lei que regule o uso da palavra, mas não quer mordaças. Não venha pois usar dos mesmos argumentos de que os seus adversarios usaram contra si, e empregar as palavras que forem o mote da bandeira de que se serviram, para muita gente subir ao poder, e para depois fazer o mesmo, que censurou nos seus adversarios.

O digno par conhece a elle, orador, ha muito tempo, e sabe que é sinceramente liberal; e por isso mesmo que é necessario manter rigorosamente as prerogativas e fóros d'esta camara; motivo por que as tem defendido constantemente, assim como as prerogativas da corôa, e os interes-

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ses e fóros do povo. Quer que todas as classes sejam ciosas dos seus fóros e dos seus direitos, e porque o entende assim é que tambem entende que nenhuma classe deve prevalecer ás outras, nem homem nenhum deve querer preponderar sobre os outros; maxime nos governos de palavra e de opinião, nos quaes só a rasão deve preponderar. Não queiram renovar as epochas que já passaram do antigo absolutismo em que se oppunha classe a classe, cidadão a cidadão.

Pediu desculpa de levantar algumas vezes um pouco mais a voz levado pelo enthusiasmo da convicção, e foi isto o que lhe aconteceu agora; mas o sr. José Bernardo levantou a sua voz mais alto porque a tem(mais forte. (O sr. Silva Cabral: — Mas não foi irritação. E habito.) S. ex.ª tambem costuma exaltar-se movido pelo enthusiasmo que leva cada um a defender com calor os seus principios.

Disse que estava em bom terreno fazendo differença da opinião do sr. José Bernardo e a do sr. Baldy. Quantas vezes não concordam os dignos pares com elle, orador, e nem por isso se levanta e protesta contra esse facto? (O sr. Silva Cabral: — Não se protesta contra o que diz um digno par.) Contra a decisão da camara é que não se póde protestar; mas protesta-se não contra o par, mas contra as doutrinas por elle apresentadas.

O sr. Aguiar: — Cedo da palavra, pois contento-me com o que expoz o digno par o sr. Baldy. De mais a mais isto já não é negocio da commissão é da camara, que se manifestou sobre a questão.

O sr. Presidente: — A primeira sessão terá logar segunda feira, sendo a ordem do dia pareceres de commissão.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 26 de abril de 1865

Ex.mos srs. Conde de Castro.

Marquez de Fronteira.

Marquez de Sá da Bandeira.

Marquez de Vallada.

Marquez de Vianna.

Conde de Mello.

Conde de Peniche.

Conde da Ponte de Santa Maria.

Conde de Rio Maior.

Conde de Samodães.

Conde de Thomar.

Conde de Torres Novas.

Visconde de Benagazil.

Visconde de Condeixa.

Visconde de Gouveia.

Visconde de Ribamar.

Visconde de Villa Maior.

Barão de Villa Nova de Foscôa.

Moraes Carvalho.

Mello e Carvalho.

Sousa Azevedo.

Simões Margiochi.

Moraes Pessanha.

Braamcamp.

Silva Cabral.

Pinto Basto.

Reis e Vasconcellos.

José Lourenço da Luz.

José Maria Baldy.

Castro Guimarães.

Vellez Caldeira Castello Branco.

Canto e Castro.

Vicente Ferrer Neto Paiva.

Entraram durante a sessão:

Ex.mos srs. Marquez de Ficalho.

Vaz Preto Geraldes.

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