O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1296

DIARIO DO GOVERNO

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Extracto da Sessão de 9 de Novembro de 1844.

(Presidiu o Sr. C. de Villa Real.)

TRES quartos depois do meio dia foi aberta A Sessão: estiveram presentes 53 Dignos Pares, e todos os Sr.S Ministros.

Lida a acta da antecedente, foi approvada.

Mencionou-se um officio do Sr. Florido, acompanhando 120 exemplares dos Mappas geraes do Commercio de Portugal com suas Possessões, e nações estrangeiras, no anno de 1842. — Distribuiram-se.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do Parecer da respectiva Commissão sobre o uso feito pelo Governo dos poderes extraordinarios e discricionarios. O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: —

Sr. Presidente, eu muito pouco terei a dizer nesta materia, porque quando pedi a palavra foi para explicar um negocio que pertencia á Repartirão a que tenho a honra de presidir, e este objecto no momento actual quasi que não exigiria que eu fallasse, porque já a respeito delle se entreteve o men illustre collega o Sr. Ministro do Reino; mas depois accresceram cousas que impoem ao Governo a estricta necessidade de se explicar. — O objecto é principalmente de Fazenda. O meu nobre e antigo amigo o Sr. José da Silva Carvalho, que esta presente, apresentou uma duvida que é muito ponderosa, porque S. Ex.ª disse nada menos do que, o Governo tinha tido uma authorisação para levantar dous mil coutos déreis, fe havia, levantado tres mil e tantos contos. — É verdade que o meu illustre amigo disse isto em duvida, mas estas duvidas, que sahidas de qualquer outra pessoa poderiam não ter muito peso, sahidas comtudo de um D. Par que já por muitos annos occupou a Pasta dos Negocios da Fazenda, -são proprias para produzir grave descredito nos actos do Governo, qualquer que seja a intenção com que ellas sejam apresentadas. É desagradavel dar estas explicações sobre cifras, porque é sempre uma materia secca, e enfadonha, e é por isso que em muitos parlamentos quando ha duvidas similhantes se faz uma moção á Camara para que se peçam ao Governo os esclarecimentos necessarios: se o D. Par, estando aqui estes relatorios talvez ha tres semanas, tivesse seguido este expediente, agora estaria na posse de documentos que muito melhor do que um discurso desfariam todo o seu equivoco, equivoco que com admiração minha foi partilhado por outro D. Par, que não teve duvida em declarar que o Governo havia excedido as authorisações em mais de mil contos. Principiou o nobre Par dizendo — que o Governo não podia nas suas transacções admittir papeis de certa qualidade de dividas; por quanto pela capitalisação de 31 de Dezembro de 1841, estes papeis estavam fóra do alcance de qualquer outra capitalisação. — Este Decreto diz, é verdade, que os papeis que não entrassem naquella capitalisação, a sua somma e designação, seria apresentada ao parlamento com um projecto de amortisação. — Mas, Sr. Presidente, o parlamento devia abrir-se em Janeiro, e não se abriu pelas circumstancias que ninguem ignora, e esse Decreto ainda hoje não é lei; S. Ex.ª sahe mui bem, e sahe a Camara toda, que esse Decreto é um acto de Dictadura, que esse Decreto nunca teve a sancção das Camaras, que esse Decreto nem se quer foi apresentado ás Camaras para lhe darem a sua sancção, e finalmente que tanto esse Decreto como o de 24 de Maio de 1842 devem ceder diante da lei das Côrtes de 6 de Fevereiro de 1841, pela qual se fez obra, e que póde mais do que esses Decretos, sendo por tanto muito legal o admittirem-se esses papeis nas transacções em que o Governo entrou, visto que não podia obter dinheiro sem essa clausula.

Sr. Presidente, não ha duvida que por uma fórma indirecta se obteve das Camaras a confirmação de uma parte muito importante do primeiro destes Decretos, e este meio indirecto foi a reorganisação da Junta do Credito Publico em cuja lei, que aqui passou o anno passado, se comprehendeu a creação da competente dotação para pagamento das Inscripções que aquelle Decreto mandára criar; e não me consta que se tomassem providencias sobre os outros pontos que elle contem, sendo aliàs certo que a lei de 6 de Fevereiro é explicita quando diz — que o Governo levante dous mil contos de réis por qualquer meio que julgar conveniente (leu). — Ora esta disposição quer dizer que o Governo preferirá aquelle meio que julgar mais conveniente e praticável, e o meio que o Governo achou mais conveniente e praticável para este fim foi o de receber uma certa quantia de dinheiro com uma certa quantia de papeis; e como a lei não punha excepção alguma em quanto ao modo estava sem duvida o Governo no seu direito quando fez aquellas transacções, e quando admittiu aquelles papeis.

Proseguirei dando as explicações que me parecem necessarias para satisfazer os escrupulos do meu nobre amigo. — Diz S. Ex.ª que uma transacção de cem contos. e outra de trezentos, não foram mencionadas no relatorio do Ministro, e que ha por tanto quatrocentos contos de réis só nestas duas verbas a accrescentar áquella quantia de quo o Governo se accusou. — Sr. Presidente é preciso que eu remonte um bocadinho mais atraz para explicar cabalmente este negocio. Em 1843 obteve o Governo authorisação das Camaras para sacar 900 contos de réis sobre o Contracto do Tabaco, 300 sobre o primeiro anno do triennio, que ia começar, 300 sobre o segundo, e 300 sobre o terceiro; o Governo depois de estar de posse destas letras acceitas 7 procedeu a desconta-las, e descontou até á concurrencia de 500 contos de réis, mas quanto ás letras dos restantes 400 Contos, as quaes eram do resto do segundo, e de todo o terceiro anno, os Capitalistas de Lisboa recusaram desconta-las, porque declaravam que eram de prazos demasiadamente latos, e então que fez o Governo? — Elle tinha pedido a authorisação para se valer deste dinheiro para as despezas publicas, e não para guardar no seu cofre as letras acceitas, e procurando o meio possivel de vencer aquelle obstaculo, e realisar os fundos authorisados sacou letras a um anno sobre o Thesouro mesmo, e deu em reféns aquellas demais longo prazo sobre o Contracto do Tabaco: eis-aqui esta a natureza desta transacção. — Uma destas duas letras é a que se venceu em Março, de 100 contos, e a outra é a de Maio de 300 contos, e tanto no contracto, que a este respeito se celebrou com o Sr. S. Romão como no outro com os Sr.s Brandão & C." o Governo não fez mais do que uma novação de contracto, dando em pagamento as proprias letras que estavam em reféns authorisadas pela lei de 10 de Março de 1843, e que nada tinham de commum com a lei dos poderes discricionarios concedidos na lei de 6 de Fevereiro de 1844: o que aconteceu é que no contracto de Maio se comprehendeu uma nova transacção de 300 contos em dinheiro, e já se vê que o Governo não recebeu um só real, de mais em dinheiro do que essa quantia, que é justamente a que figura, e a que devia figurar como parte da authorisação da lei de 6 de Fevereiro: —o meu nobre amigo póde saber isto perfeitamente se quizer ver a propria escripturação do Thesouro, e até já podia ter visto esta mesma explicação no Diario do Governo se quizesse examina-lo despreocupadamente: o caso é tão pouco mysterioso que pelo Diario já se hoje acha nas mãos de todos.

Ora, eu tomei algumas notas, e talvez as não tomasse todas, mas irei respondendo áquillo de que fiz menção. Segue-se uma transacção que se fez com o Banco, e allega-se que tambem não foi comprehendida no relatorio do Governo. — É costume, Sr. Presidente, desde muito tempo, e em diversos Ministerios tem sempre sido seguido por parte do Banco o adiantar este algum dinheiro por conta do rendimento immediato das Alfandegas, tem-se constantemente considerado isto como transacções de tracto successivo, e estas transacções tem chegado em algumas épocas a 700 contos, não me consta que dahi passassem em occasião alguma, e mesmo poucas vezes lá chegaram; o Sr. Florido, quando Ministro da Fazenda, recorreu a isso, o Sr. Avila recorreu ao mesmo, o Sr. José Jorge Loureiro recorreu tambem ao mesmo, e aqui esta o meu nobre collega o Sr. Conde do Tojal, que substituíu aquelle ultimo Cavalheiro no Ministerio da Fazenda, que poderá informar de quanto era o empenho dessa natureza que então existia para com o Banco; portanto todos tem recorrido a isto, e é cousa a mais natural; nem eu sei que haja Nação alguma que não tenha um ou outro cofre a que recorrer quando os ingressos se não realisam a tempo. Eu poderia dizer que talvez não haja Nação alguma aonde se uso deste meio mais sobriamente, porque se nós julgarmos fluctuante aquelles adiantamentos temporarios que tem logar em todos os Thesouro? por motivos desta natureza, e não, verbi gratia, os titulos azues, os chamados do divida publica, e outros, que mais propriamente poderiamos chamar dividas em liquidação, o em progresso de amortisação, mais ou menos lenta, poderia affirmar sem receio de ser contradicto, quanto á divida que considero fluctuante, que é em Portugal aonde se usa menos desta faculdade, e poderia apontar Nações aonde a divida fluctuante é igual á metade da renda de um anno, outras aonde é igual a dous terços, e outras onde ella é igual á renda de um anno, e aonde ainda excede. — Conseguintemente posso creio eu dizer que é em Portugal aonde se abusa menos desta qualidade de divida; que todos os Ministros da Fazenda tem usado deste recurso, e que não é menos certo que quando se publicou a lei de 6 de Fevereiro, sobre a qual o Governo foi authorisado a levantar 2:000 contos, sem deducção alguma, era o adiantamento do Banco 360 contos de leis, o que de passagem direi que ainda não é igual ao producto de um mez das Alfandegas. Mas agora peço attenção para declarar que sendo nessa época o adiantamento de 360 contos, quando acabaram os poderes discricionarios era esse adiantamento só de 240 contos, de maneira que o Governo longe de augmentar essa divida a tinha diminuido de 120 contos: como pois póde ella figurar nos dinheiros que o Governo levantou em virtude da lei de 6 de Fevereiro? Não é possivel: — por esta parte tambem me lisongeio que o meu illustre amigo se dará por satisfeito, e parece-me que não me resta senão explicar as transacções de Londres, sentindo bem o ler de cançar a Camara tão longamente com estes detalhes.

O Sr. José da Silva Carvalho disse — que em Londres, pelos proprios esclarecimentos que apparecem juntos do Decreto de 30 de Junho, existem 550 contos levantados sobre os bonds que alli existem em poder da agencia: — resta pois examinar a natureza desta divida, e se as quantias de que ella se compõe foram levantadas em virtude da lei de 6 de Fevereiro, ou se são absolutamente estranhas a essa authorisação. Sr. Presidente, desde essa fatal época em que de Inglaterra se faltou com o pagamento de alguns dividendos da nossa divida, quando a Agencia quer sacar letras pelo desembolso de pagamentos feitos ao Corpo Diplomatico, ou de algumas despezas de objectos de guerra, e encommendas proprias do serviço da Marinha, tem sido, infelizmente, necessario dar ao tomador da letra uma certa porção de bonds em penhor, e estes bonds retiram-se, ou resgata-se o penhor, desde que o tomador da letra é informado de haver ella sido paga em Lisboa: eis-aqui o que deu principio a algumas sommas que se levantaram em Londres, mas isto data de muito antes da Administração do Sr. C. do Tojal; quando porém cresceu esta divida mais alguma cousa, foi justamente quando houve um motivo muito patriotico da parte do Ministerio, isto é, uma tentativa para pôr um termo ás transacções ruinosas, que se faziam com casamento de papeis. A Administração lembrou-se em Outubro de 1842 de emittir bilhetes sobre o Thesouro, e para isso publicou um Decreto nesse mesmo mez e anno, segundo estava authorisado pelas Côrtes, ancioso, como digo, de acabar com todas as transacções, as quaes annullavam uma grande somma de receita effectiva; e, se me não falha a memoria, estes bilhetes eram letras ao portador a quinze dias; tinham uma hypotheca real muito segura e muito definida, que era a decima do anno correspondente, cuja arrecadação se commetteu absolutamente á Junta do Credito Publico, e além de ter um vencimento certo, e uma hypotheca muito solida, tinham um juro diario que correspondia a sete e meio por cento: o Governo imaginou que com esta garantia e interesses podia introduzir o systema de representar a sua receita, como geralmente se pratica: para este effeito era necessario fazer face ás primeiras corridas destes papeis, e era necessario achar-se preparado; isto é objecto de todos sabido; mandou portanto vir da Agencia umas cincoenta ou sessenta mil libras, as quaes passou para a Junta do Credito Publico, a fim de fazer face aos ingressos destas letras, ou bilhetes, e serem embolsadas pelas entradas da decima: se esta medida não produziu todo o beneficio que se devia esperar della, nem por isso se poderá attribuir a causa nem á má combinação da Administração, nem á novidade da idéa; esta medida falhou em parte, ou porque ainda não era chegado o tempo de restaurar o credito do paiz, ou talvez pela terrivel opposição que então se lhe fez; opposição que foi feita não só pela imprensa, mas na propria tribuna; fez-se uma guerra fortissima, daquellas, Sr. Presidente, com que alguem tira um ólho a si, com tanto que tire dous ao Estado!.... Porque esta medida devia necessariamente ser o fundamento do credito portuguez. (O Sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.) Mas, Sr. Presidente, o Governo foi muito explicito nessa demonstração que acompanha o Decreto de 30 de Junho; ahi se declara que essa divida existe, desde quando, o porque motivos existe, e como augmenta ou diminue, segundo as proporções do Thesouro, como divida fluctuante que é, e que essas operações devem antes ser consideradas como operações de Thesouraria, como se diz no relatorio de 30 de Junho, prova-se pelo facto das letras sacadas pela Agencia sobre o Thesouro. Disse o D. Par a que me refiro, que não só existia em Londres esta divida de 550 contos, mas outras mais provenientes de saques de letras da Agencia, mencionando, se bem me lembra, uma de 50 contos, outra de 40, outra de 117; e teve a boa lembrança de augmentar estas quantias á somma que acabo de mencionar, quando devia saber que logo que chegasse o seu vencimento em Lisboa, diminuia pelo contrario a cifra de Londres, e resgatava-se o penhor correspondente. S. Ex.ª (por equivoco certamente) sommou tudo, e daqui vem o motivo das suas duvidas, e a accumulação do cousas que nada tem com a authorisação que nos occupa.

Eu já disse que desde o momento em que chega á agencia a noticia de que uma letra foi paga em Lisboa os bonds correspondentes desempenham-se e voltam para a agencia (recuperação do credito do Governo em breve, querendo Deos, tornará esta formalidade desnecessaria) por consequencia o facto de baterem estas letras sobre o Thesouro comprova o que o Governo fez publicar nessa demonstração que acompanha o Decreto de 30 de Junho. Faz-se vêr que esta dívida é considerada como fluctuante, e maior ou menor segundo as possibilidades do mesmo Thesouro, os maiores saques do Ultramar, e as maiores ou menores encommendas da Guerra e Marinha, e finalmente que foi contrahida muito antes da lei de 6 de Fevereiro, e que sempre a houve maior ou menor no tempo deste e dos outros Ministerios, não podendo por tanto vir figurar nos dous mil contos de réis, nem nos augmentos das transacções que se effectuaram em virtude da lei: se o D. Par tiver dado attenção ao que eu acabo de dizer ha de vêr muito clara e distinctamente que o que se levantou sobre os dous mil contos foram mil setecentos e cincoenta contos de réis, como o Sr. Ministro da Fazenda apresentou no seu relatorio, á que por tanto S. Ex.ª não foi exacto, não porque tivesse desejos de deixar de o ser, mas porque não tinha no seu poder os documentos que lhe podiam servir de regra para alcançar o conhecimento da verdade, quando disse que em logar de dous mil contos se haviam levantado tres mil e tantos contos. Tambem não foi exacto o nobre D. de Palmella, e perdoe-me S. Ex.ª, quando asseverou que havia de provar em como o Governo havia levantado mais mil contos do que a auctorisação; e tambem, como Suas Ex.ª, (e peço igualmente perdão ao meu nobre amigo) errou o Sr. V. de Sá da Bandeira, mas neste ponto permitta-se-me que faça uma breve reflexão. O nobre Visconde não disse que se tinha levantado dinheiro de mais, nem tão pouco que se haviam tomado emprestimos ou quantias para que não estavamos authorisados, o D. Par seguiu outra estrada e disse positivamente não se dão contas. Eu não estranho esta maneira de discorrer apesar da falta de provas: confesso que dei muito mais pêso ás palavras do Sr. Silva Carvalho, porque tendo-lhe ouvido dizer que nem se quer havia de votar nesta materia; que no acto da votação se havia de levantar, porque julgava o negocio decidido na outra Camara; que entendia que o Governo fizera aquillo que podia; depois de taes concessões não podia deixar de me admirar que quizesse offender a Administração no ponto de inexactidão de contas, que é sempre o mais delicado. Admirou-me tambem, e confesso que me magoou, que o nobre D. de Palmella depois de ler dito que havia de approvar a conducta do Governo, e por conseguinte o parecer da Commissão, concorresse no mesmo ataque do Sr. Carvalho. Mas quanto ao D. Par o Sr. Sá da Bandeira esse fez o seu dever como Par da opposição; fez guerra legal, e eu o ouvi com muito prazer, porque, Sr. Presidente, ou eu não entendo nada de governo representativo e das discussões do parlamento, ou nellas (como eu me persuado) não ha senão ou apoiar, ou guerrear. Disse o D. Par a que me refiro, que quando se tracta de contas dizem como Scipião — faz hoje um anno que salvei a republica vamos dar graças aos Deoses — e dizendo isto accrescentou S. Ex.ª — Scipião ficou com o dinheiro nas algibeiras.... Concedendo pois que com esta applicação