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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
(Sessão de 16 de Maio de 1848.)
Approvou-se definitivamente a Proposição de Lei sobre as Collegiadas do Reino; e começou a discutir-se sobre a melhor, e mais regular publicação das Sessões da Camara, objecto que fará parte da ordem do dia da Sessão de ámanhã (17); bem como a discussão sobre a Proposição de Lei relativa ao pagamento de dividas activas da Fazenda; e a Proposição de Lei, regulando a administração, e venda dos bens da Universidade.
SESSÃO DE 2 DE MAIO DE 1848.
Presidiu — O Em.mo e R.mo Sr. Cardeal Patriarcha. Secretarios, os Sr.s V. de Gouvea.
Margiochi.
ABERTA a Sessão pela uma hora e meia da tarde, estando presentes 32 D. Pares, leu-se e approvou-se a acta da ultima Sessão. — Concorreram os Srs. Ministros do Reino, Justiça, Guerra, e Marinha.
Mencionou-se a seguinte
CORRESPONDENCIA.
1.° Um officio do Ministerio da Guerra, enviando, Sanccionado, um dos authographos dos Decretos das Côrtes, que fixa a força de terra para o anno economico de 1848 a 1849.
Passou ao Archivo.
2.º Outro officio do mesmo Ministerio, satisfazendo aos esclarecimentos pedidos em 13 de Março pelo Sr. C. da Ponte de Santa Maria (pag. 351, col. 4.ª)
3.º Outro officio do Ministerio do Reino, satisfazendo ao requerimento do Sr. Arrochella, apresentado em 26 de Março (pag. 554, col. 3.ª).
Tanto este como aquelle officio, passaram á Secretaria.
O Sr. ARROCHELLA — Eu não posso estar satisfeito com a resposta do Governo, por quanto, dizendo o Governador Civil de Bragança, como vejo, que eu fiz parte da Junta revolucionaria e abso lutista na Villa de Guimarães, era do seu dever, antes de acreditar esta asserção, informar-se sobre todos os seus particulares. Parece-me que andou um pouco precipitado o Governo daquella época, em assim se deixar persuadir logo; assim como o de hoje não deixa de ser injusto, em ter mandado consignar esse officio do Sr. C. de Thomar entre os outros, antes de certificar-se da verdade,
No meu caracter de simples particular, nenhum caso teria feito de taes calumnias, acostumado, como de longo tempo estou, ao que de mim tem dito sempre os partidos extremos; mas achando-me collocado nesta Camara, e tendo dado, ha pouco tempo, nas mãos de V. Em.ª um juramento, a que conto ser fiel, e que espero observar, entendo que seria indigno de mim, e desta Camara, deixar passar tão atroz falsidade sem a rebater (Apoiados), e sem pedir as provas da minha plena innocencia. V. Em.ª, e a Camara, não podem deixar de me levar em bem. Poderia provar, que em toda a minha vida não ha um simples facto, de que se deprehenda, que eu amasse o governo, e apolitica que regeu este Paiz desde 1828 até 1834, embora lhe tenha obedecido como simples Cidadão. Se aqui não concorro com talentos, e o saber que desejára, sobejam em mim amor pelo meu Paiz, e desejo ardente do seu progresso, e melhoramentos. Servi, é verdade, a minha Nação, e o Sr. D. João VI, desde 1823 até 1826; mas desse mesmo periodo existe ainda uma pessoa (e os tres relegados para o Termo em que era Magistrado), collocada hoje em altos logares, que attestaria, se necessario fosse, quaes eram os meus sentimentos, sentimentos que nunca me desacompanharam, desde os meus tempos escholares de Coimbra.
Achei, acho-o ainda hoje, que cousas havia na velha Monarchia, que se não deviam destruir tão de prompto; entendo que se alluiu de mais; mas esse sentir não equivale a querer um governo, como o que se pretendia instaurar no Minho. Eu não poderia nunca subscrever para tal!!
Sr. Presidente, eu peço a V. Em.ª, peço a esta Camara que me desculpem, que me relevem, se não sou mais explicito, se aqui não posso agora apresentar todo o meu modo de pensar e sentir. Separado da vida publica, que apenas encetára dotado de invencivel acanhamento e timidez, e sobre tudo sem pratica parlamentar, deixo de narrar acontecimentos, que seriam de vantagem para eu ser avaliado favoravelmente neste logar, mas que involveriam cousas, e individuos, de que não devo fallar. Quizera dizer mais, mas limito-me por agora.
O Sr. V. DE FONTE ARCADA — Eu pedia a V. Em.ª, que mandasse lêr outra vez o officio a que se refere o D. Par.
O Sr. FONSECA MAGALHÃES — Eu peço a palavra.
O Sr. SECRETARIO V. DE GOUVEA — O officio este (Leu-o.) Isto é que é o officio, o mais são tres documentos que vem juntos.
O Sr. PRESIDENTE — O Sr. Fonseca Magalhães pediu a palavra, e V. Ex.ª exigiu que se lêsse o officio....
O Sr. FONSECA MAGALHÃES — O Sr. V. de Fonte Arcada pediu que o officio se lêsse, naturalmente para fazer algumas observações: só depois delle farei uso da palavra que V. Em.ª me concede.
O Sr. V. DE FONTE ARCADA — Certamente foi para isso; mas se o D. Par deseja fallar primeiro, eu cedo. (O Sr. Fonseca Magalhães — Não Sr.) As minhas reflexões serão breves. Nem a Camara, nem o D. Par se póde dar por satisfeito com a resposta do Governo; porque queixando-se o D. Par, do que leu relativamente é junta governativa, de que se diz, elle fez parte, dizendo que não era assim; o Governo manda os documentos, que serviram de base áquelle officio, que se vê no relatorio do Ministro dos Negocios Estrangeiros; quer dizer, dá como fundamento para assegurar, que o D. Par fôra membro daquelia junta, as informações que o D. Par declara falsas. Claro está, que não póde satisfazer nem á Camara, nem ao D. Par o modo como o Governo responde a esse requerimento. (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra.) O que o D. Par queria, e a Camara toda deve querer, é que o Governo proceda a informações, e as communique á Camara. Eis aqui o que me parece, que o D. Par exige, e a Camara deve querer, e exigir, porque está compromettida a honra de um seu membro.
O Sr. FONSECA MAGALHÃES — Sr. Presidente, o D. Par fez um requerimento: eu não me levanto para servir de interprete dos seus sentimentos; mas sou seu amigo ha muito tempo, e alem disso tenho muito a peito a dignidade desta Camara, e sobre tudo que façamos justiça (Apoiados.) O D. Par fez um requerimento, digo; eu o Governo não o satisfez: o D. Par não se queixou do documento n.º 20, que é um officio do Sr. C. de Thomar, como Ministro de SUA MAGESTADE em Madrid, mandando ao Governo a participação que lhe fizera o governador Civil de Bragança de uma noticia que lhe deram. Era esta a de e ter erigido em Guimarães uma junta a favor do Principe proscripto, da qual disse que fazia parte o Sr. Arrochella. O Sr. C. de Thomar transmittiu esta participação tal qual lha enviaram; e é provavel que ao momento de a receber já o Governo tivesse lido a que directamente lhe devia dirigir o mesmo Governador Civil de Bragança, acompanhada tambem do officio do Administrador do Concelho de Vinhaes.
Estavam interceptadas as communicações, ou pelo menos mui difficeis, em consequencia da guerra civil; e o Governo acreditou, em quanto não teve melhor informação, que existira aquella junta, e della fizera parte o Sr. Arrochella. Bem, tudo isto é corrente: são casos proprios de tempos de perturbação, em que vogam muitas falsidades, e se inventam factos que nem verdadeiros nem provaveis são, mas que se acreditam como taes. Tudo isto é inevitavel. Porém quando se escreveu o relatorio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, já o Paiz se achava em socego; já se podia saber se na verdade o facto narrado pelo Governador Civil de Bragança existira ou não. Indagou isto o Governo? Deveria indaga-lo; e eis aqui a razão porque o D. Par senão dá por satisfeito.
Nesse officio refere-se o Governo ás participações de então. Que houve junta por D. Miguel em Guimarães, creio eu; porém em quanto aos membros de que ella fôra composta, parece-me que antes da publicação do officio devia o Governo procurar saber quaes elles foram. Para certificar-se que meio tão facil que tinha? Bastava-lhe ordem, á authoridade local que informasse sobre este objecto, como deviam informar todas as territoriaes dos acontecimentos notaveis dos seus respectivos Districtos. Se assim se procedesse, não appareceria esse officio contendo falsidade tão offensiva ao D. Par. (O V. de Fonte Arcada — É verdade). Eu não digo isto porque se offenda um Par do Reino: a injustiça que se lhe faz é tão odiosa como a que se faria a qualquer outro cidadão; e o Governo, assim como deve concorrer para que se punam os culpados, deve tambem impedir que sejam calumniados os innocentes de todas as classes (Apoiados).
Não succedeu assim: o nome do D. Par o Sr. Arrochella appareceu entre os que se mencionaram como membros da junta de Guimarães. O Governo, na supposição ennunciada pelo mesmo D. Par, devia informar-se antes da publicação do officio; e por isso que o fez publicar, entende-se que foi porque deu credito á falsa informação que houve da Authoridade Administrativa, posterior á primeira, dada em tempo de publicas perturbações. Deste supposto segue-se o pedir-se a responsabilidade á Authoridade que em ultimo logar informou falsamente, e induziu o Governo a fazer publicar como falsa informação, que se poderia poupar ao publico, e que tanto injuria um cidadão innocente? Será isto pouco importante? Assim o parece, mas não o deve ser para um Governo, que présa a justiça e a moral.
Torno a dizer, desculpo que a Administração que existia ao tempo das primeiras participações desse credito a ellas. Não era facil então adquirir informações que tivessem o carates de mui exactas; mas depois nenhum motivo havia para coutentar-se com ellas. Nem se diga que houve notoriedade publica a respeito desse facto, como hontem aqui se allegou a respeito da famosa proclamarão, falsamente attribuida ao Sr. M. de Loulé. Portanto era forçoso ter-se procedido com mais vagar, e sobre tudo com mais empenho em fazer justiça á verdade.
Parece pois que ou se despresou este meio, ou se recebeu uma informação falsa, se informação se pediu e se deu. Inventou-se, para deprimir um caracter nobre, a calumnia mais atroz — mancharam-no durante algum tempo com baldões infames. E agora diz-se em resposta ao seu pedido — não ha outros documentos, além de taes participações em que filsamente apparece o seu nome, como membro de uma junta miguelista.
E julgar-se-ha por isto que se podem negar a um cidadão tão distincto os meios de desaggravar-se de tamanha injustiça? Não creio que esse possa ser o intuito do Governo; e por isso espero que o negocio se ponha tão claro como deve ficar.
O Sr. G. DE THOMAR — Peço a V. Em.ª, que antes de tudo, queira mandar lêr o requerimento feito pelo Sr. Arrochella: elle hade vir extractado no Officio quando não esteja no original.
O Sr. Secretario V. DE GOUVEA — No Officio apenas se diz isto (Leu).
O Sr. C. DE THOMAR — Mas póde-se mandar buscar á Secretaria (O Sr. F. Magalhães— Apoiado), porque é preciso ouvir o requerimento para responder.
O Sr. SILVA CARVALHO — Peço a palavra neste intervalo (O Sr. Presidente — Tem a palavra). É para fazer um requerimento, cuja urgencia peço a V. Em.ª que proponha á Camara.
REQUERIMENTO.
A Commissão de Fazenda, tendo a dar o seu parecer sobre o Projecto n.º 15 vindo da Camara dos Sr.s Deputados a respeito de uma nova Tabella, que substitue a que foi concedida á Associação Commercial do Porto para a obra da construcção da Praça, ou Bolsa, e do Tribunal de Commercio de primeira Instancia na Cidade do Porto; precisa os esclarecimentos seguintes:
1.º Saber se as contas ordenadas pelo artigo 3.° da Lei de 19 de Junho de 1841, tem sido ou não regularmente fornecidas;
2.° A receita e despeza, que se tem verificado até 31 de Dezembro do anno passado;
3.° O orçamento da obra, que ainda resta para completar.
Pede que se solicitem do Governo os referidos esclarecimentos com a brevidade possivel.
Sala da Commissão, 2 de Maio de 1848. = José da Silva Carvalho, Relator. Approvada a urgencia.
O Sr. PRESIDENTE — Creio que a Camara dispensará lêr-se segunda vez (Apoiados). Dispensou-se, e ficou plenamente approvado.
Leu-se o Requerimento do Sr. Arrochella, pag. 554, col. 3.ª
O Sr. PRESIDENTE — Tem a palavra o Sr. Conde de Thomar.
O Sr. C. DE THOMAR — Sr. Presidente, em vista da leitura do requerimento parece-me, que se tem sahido um pouco da questão. O D. Par, o Sr. Arrochella, pediu duas cousas neste requerimento: primeiro, que fossem mandados a esta Camara os documentos, que possuisse o Governo, e que tendessem a provar, que S. Ex.ª tinha formado parte da junta miguelista installada em Guimarães; segundo, que o Governo declarasse se tinha procedido a informações para verificar a veracidade do facto. O Governo mandou os documentos, e diz, que não procedeu a indagações: está por tanto satisfeito o pedido.
Agora a questão tocada pelo Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães é outra. Consiste ella em saber se o Governo por não mandar proceder a estas informações é digno de censura, e se tambem o é por ter publicado este officio sem verificar primeiro o seu contheudo. Esta é outra questão, a que não me pertence responder: como está presente o Sr. Ministro das Justiças, tome elle a defeza dos seus collegas. (O Sr. Ministro da Justiça — Peço a palavra.)
Continuo a folgar de que a publicação do meu officio desse logar a um D. Par, cujos talentos todos reconhecem (o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães) para dizer que pela publicação deste officio, em quanto refere o facto de pertencer á junta miguelista de Guimarães o Sr. Arrochella, foi denegrido o caracter do dito Sr. Arrochella, pois que, na opinião de S. Ex.ª, se lançou por tal motivo grande mancha sobre o nosso collega. S. Ex.ª entende, que fica manchado todo o que se une com os miguelistas. Depois desta explicação dada pelo Sr. Fonseca Magalhães, não posso deixar de confessar, que estimei muito, que o Sr. Arrochella arrojasse fóra de si similhante arguição! Eu sempre esperei que os homens illustres deste Paiz, muito embora deputados daquelle partido, haviam em occasião tão solemne, como esta, ser os primeiros a anathematisar um partido, que não tem importancia, nem a póde ter; e que alem disto lança mancha, que vai denegrir os que se lhe unissem! Este negocio não me pertence; pertence a esses Senhores, que se ligaram com esse partido, e se serviram do seu apoio, das suas armas, e da sua fortuna. São elles os que devem responder ao Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães. Eu estou satisfeito com a explicação de S. Ex.ª (Riso).
S. Ex.ª, o Sr. Arrochella, declarou, que não fez parte de similhante junta (de Guimarães): eu desde já o tenho, sob sua palavra de honra, como, não pertencente a ella; mas não me parece, que possa em verdade resultar grande responsabilidade ao Governo, por dar publicidade aos documentos officiaes daquella época: podem sim em taes documentos encontrar-se algumas inexactidões: até para estas serem rectificadas convém a publicação. No caso presente deve attender-se a que a minha communicação ao Governo tem por base os officios de duas Authoridades administrativas. O Governo devia dar credito a similhantes participações, em quanto se não provasse o contrario; porque o Governo não tem outro meio de verificar os factos, senão pelas informações das Authoridades locaes. Se o Governo tivesse de mandar constantemente proceder a investigações sobre as informações officiaes das Authoridades, não poderia administrar, e estaria n'um circulo vicioso. Com tudo, no presente caso, visto que o Sr. Arrochella se não dá por satisfeito com a resposta do Governo, entendo que tem direito a requerer, que se proceda ás investigações convenientes sobre o conteudo dos officios das Authoridades administrativas, que referiram o facto, que S. Ex.ª nega (Apoiados).
O Sr. V. DE OLIVEIRA — Muito é, Sr. Presidente, o conceito que me merece o D. Par o Sr. Arrochella: estou certo, certissimo, que S. Ex.ª não tomára parte na insurreição miguelista, e menos na Junta, que se installára na Villa de Guimarães; mas S. Ex.ª, e a Camara, hão de convir, em que o Governo, recebendo communicações officiaes da existencia dessa Junta, e dos membros que a compunham, a ninguem injuriou acreditando-as. Tinha muito pelo contrario obrigação de as seguir, até que a verdade se apurasse.
Não é porém esta a razão principal, por que me levantei, mas sim a de assegurar á Camara, que o Governador Civil do Districto de Bragança,