464 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
opinião do parlamento. Noto de passagem este facto, que me parece curioso.
Já se vê que para s. exa. a opinião do sr. Fontes não vale nada; e se a opinião do sr. presidente do conselho não tem valor, pergunto, porque é que s. exa. está presidindo á administração do estado?
Todavia a rasão é diversa, o sr. Fontes em 1872 pensava de um modo, e hoje pensa de outro!
O meu amigo o sr. Barros e Sá disse mais, que não comprehendêra a minha doutrina sobre o suffragio.
Para corroborar a opinião que emitti, seguindo um dos mais notaveis publicistas, mr. Duvergier d'Hauranne, trago hoje a traducção do que elle diz ácerca do assumpto no seu Tratado sobre a democracia e o suffragio universal.
Diz o illustre escriptor:
«É necessario affirmal-o, embora certos liberaes sinceros, mas illogicos nas suas crenças, se firam com isto.
«O direito de suffragio é um direito positivo, nem menos nem mais do que o direito de propriedade, o direito do poder paternal, ou o direito de publicar a sua opinião. Não sómente é um direito positivo, mas um direito natural que as leis poderá reconhecer, mas que não poderam inventar. Não queremos dizer que o direito de eleger os nossos representantes existisse historicamente antes que houvesse assembléas representativas, assim como o direito de propriedade não existia antes que o homem tivesse tomado posse da terra.
«Naturaes e incontestaveis como são os direitos sobre os quaes a sociedade assenta, não poderam deixar de se fundamentar nos factos materiaes que lhe deram origem. Não queremos comtudo dizer que o direito de votar seja uma d'estas liberdades absolutas e primordiaes como a liberdade de pensar, ou o direito de andar, que se exercem naturalmente por si, e cujo uso é inviolavel, porque existem no estado natural, e têem a sua origem na consciencia de cada um. Por isso mesmo que o direito do suffragio não se desenvolve senão por meio de uma sabia organisação politica, deve estar sujeito a certas regras e a certas restricções praticas necessarias para o seu uso.
«Assim como rejeitamos certas doutrinas grosseiras e immoraes, que vêem no suffragio um privilegio, e apenas um facto legal, assim tambem receiâmos de nos confundir com certos idealistas exagerados, que julgam que o direito de votar é inseparavel da personalidade humana, e que basta ter uma alma immortal para poder exercer este direito sem condições.»
Peço desculpa á camara de lhe ter feito esta longa leitura, que, aliás, me parece não a enfadaria, porquanto mr. Duvergier é respeitado como um dos publicistas de maior illustração por todos os homens que se occupam d'estas questões.
É exactamente o que eu disse hontem o que li agora. Tomo a camara por testemunha.
Não transtornei de modo algum as idéas do escriptor; mesmo no correr da discussão reproduzi-as, creio, com fidelidade.
Póde alguem qualificar de excentrica esta opinião de mr. Duvergier de Hauranne; mas eu adopto-a por minha, prezo-me de ter essa excentricidade.
O sr. Vaz Preto: - Eu abundo nas idéas expendidas pelo sr. conde de Rio Maior; o governo precisa, em assumpto tão importante, como o de que se trata, explicar a sua opinião; o silencio que tem guardado não significa muita consideração por esta camara, nem mesmo pela dignidade do poder executivo.
Esse precedente é tão censuravel, que até o sr. Barros e Sá declarou que a opinião do sr. presidente do conselho não tem importancia alguma sobre a materia que se discute. Eu pela minha parte não posso acceitar esta doutrina. Eu entendo que a opinião do sr. Fontes tem effectivamente muita importancia n'este caso; e se assim não fosse não se haveria declarado que s. exa. estava de accordo com o pensamento do projecto.
O sr. conde de Rio Maior fez ver á camara que o sr. presidente do conselho sustentou em 1872 doutrina contraria á que sustenta actualmente, isto é, que a materia que estamos discutindo tem caracter constitucional. Portanto, o governo tem necessidade de explicar o seu pensamento, sobretudo o sr. presidente do conselho deve declarar á camara as rasões por que em 1872 tinha uma opinião e hoje tem outra inteiramente differente com relação á interpretação de um artigo do acto addicional, que em certa epocha julgou constitucional e agora não.
Quando uma lei eleitoral traz os inconvenientes e defeitos que esta traz, o parlamento tem necessidade de ouvir todas as explicações para ver se póde de alguma fórma remediar esses inconvenientes e defeitos. Por isso eu peço, não por mim, mas pelo respeito que se deve a esta camara, e para que se não desprestigiem mais as instituições com a votação sem exame nem estudo de um projecto de lei desta natureza, que os srs. ministros dêem as explicações precisas para esclarecer a camara e auxiliar o debate.
Responder com o silencio ás perguntas que se lhe fazem, é da parte do governo a manifestação mais evidente da pouca conta em que tem os seus deveres, e do desprezo em que tem o direito que nos assiste de sabermos as suas opiniões ácerca dos assumptos que se discutem. Este silencio mostra a pouca importancia que liga á sua propria maioria. Ella que lh'o agradeça. Eu, como membro d'esta camara, não tolerarei nunca qualquer acto de descortezia do governo para com ella, e lavrarei aqui um protesto solemne contra o procedimento inqualificavel do governo n'esta discussão.
O governo tem obrigação expressa e stricta, n'um assumpto tão melindroso como este, de apresentar a sua opinião, muito principalmente tendo-se dado o caso do sr. relator da commissão dizer que a opinião do governo não tem importancia n'esta questão, ou, se a tem, é sem valor. Quando nós chegâmos a este estado, o systema perde muito da sua força, e não admira que ganhem os que são seus adversarios.
A culpa, sr. presidente, é dos governos que não sabem respeitar as instituições, e muito menos cumprir os deveres inherentes ao elevado cargo que exercem. A culpa é dos governos, que olham para a constituição do estado, não como uma arca santa, mas simplesmente como uma arma politica, que o interesse da conservação faz vibrar convenientemente. A culpa é dos governos, que em logar de darem o exemplo de virtude e de moralidade, consideram estas palavras ocas e vasias de sentido.
Respondendo agora ao sr. relator da commissão, peço licença para declarar ao digno par que os seus argumentos foram sophisticos, e por consequencia não têem força alguma.
Diz s. exa. que as presumpções já estavam estabelecidas pela lei de 1852 e pelo decreto de 1859. Essa asserção é gratuita.
Tanto a lei como o decreto não fizeram mais nem menos do que o que indica o acto addicional; tratam de especificar com provas quaes sejam aquelles que pagam decima correspondente ao rendimento de 100$000 réis.
Respondendo, pois, ao sr. relator da commissão, acrescentarei que esta verificação se faz por meio de prova directa, porque desde o momento que estão lançados nas matrizes os rendimentos collectaveis de cada um, está provado o que elles têem de rendimento, por consequencia ha prova, não ha presumpção.
E exactamente isto que dizem os publicistas e os jurisconsultos, é o que está adoptado no codigo francez e em todos os codigos estrangeiros, e no nosso, copiado d'elles. As leis a que s. exa. se referiu não estabelecem presumpções, estabelecem provas. O sr. Barros e Sá, para res-