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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 351

publica! Ou tudo fechado ou tudo aberto, — não digo bem, sr. presidente, e peço licença para emendar a phrase. Tudo aberto, isto é, discussão publica A cada um conforme a sua responsabilidade. Liberdade ampla de fallar e possibilidade de sermos ouvidos, mas sobretudo acabe se com a triste pratica de deixarmos os argumentos sepultados nas sessões secretas, e de atirarmos com os nossos nomes á multidão, que nos não ouviu, e por consequencia não póde comprehender-nos.

Acho esta sala, apesar de amplissima, pequena para taes discussões e para os individuos que deviam assistir a ellas; mas, fechar-lhe a porta, repito, é contribuir para a maior divulgação das apreciações apaixonadas. E tirar da mão da justiça o fiel da balança!

Não se discute o tratado de Lourenço Marques, bem sei, porque foi adiado, e a porta da sala está aberta, mas seja-me permittido, emquanto ella se não fecha, fazer algumas observações geraes sobre as consequencias do adiamento, que eu tenho obrigação de apresentar já para aproveitarmos das declarações do sr. ministro emquanto é tempo. Disse hontem s. exa. que as relações entre Portugal e a Gran-Bretanha eram o mais cordiaes possivel. Aproveitemol-as já, para .que não fique votada ao abandono e á miseria aquella colonia.

Para mim o tratado de Lourenço Marques é o caminho de ferro. Partindo d’este principio, pergunto a s. exa.:

As nossas boas relações com a Inglaterra são de natureza tal, que não nos tiram a esperança de realisarmos sem difficuldade o caminho de ferro n’esta colonia, depois do adiamento do tratado de Lourenço Marques? As nossas cordiaes relações com a Inglaterra poderão impedir que a colonia do Natal, tão ciosa de Lourenço Marques, como Carwar o foi e será sempre de Mormugão, deixe de fazer logo que o tratado de Lourenço Marques seja posto de banda, um caminho de ferro de Durban a Pretoria? Não poderá acontecer que a Inglaterra, desgostosa com tal adiamento, ou pelo menos com as tergiversações que nos conduziram a elle, intente muito em breve a construcção do caminho de ferro de Durban, cujo resultado será fazer convergir todo o movimento commercial da republica dos boers para o porto de Natal?

Se isto acontecer, o adiamento do tratado é das mais deploraveis consequencias para o futuro da nossa colonia. Compromettido o caminho de ferro de Lourenço Marques, sr. presidente, nem mesmo que sejam cordialissimas as nossas relações com a Inglaterra, eu ficarei satisfeito.

Lourenço Marques continuará a ser uma bahia de 14 leguas de extensão, do norte ao sul, e de 5 leguas de largura, de leste a oeste, é verdade. Ninguem lhe tirará o privilegio de ser abrigada de todos os ventos e muito profunda, offerecendo fundeadouro aos navios de maior lotação; mas, na historia será apenas citada como tendo servido até agora para o celebre naufragio de Sepulveda.

Lourenço Marques, descoberta em 1544, ficará em 1881 o que era no tempo do seu descobrimento e não poderá dispor, depois de trezentos e trinta sete annos do nosso dominio, senão dos seus invariaveis cem europeus ou duzentos brancos,, juntando aos primeiros os banianes e os mouros!

Sr. presidente, todos os portuguezes devem evitar pelos meios ao seu alcance, que depois de termos obtido dos inglezes o focinho e as azas da borboleta, na imagem pittoresca mas verdadeira de Diogo do Couto, quando nos descreve esta bahia; a borboleta completa fique ainda por muitos annos no mesmo estado, em que o amanhã nacional a tem sepultado ha tres seculos!

A Inglaterra, que acceitou a arbitragem, proposta pelo visconde de Sá da Bandeira e realisada sendo ministro dos negocios estrangeiros, o digno par o sr. Andrade Corvo, mostraria ao arbitro que o focinho da borboleta, isto é, a pequena bahia do rio do Espirito. Santo, com que nos queria deixar, ainda era de mais para nós? e que as azas que pretendera cortar-nos, á face da civilisação, lhe pertenciam a ella. A Franca nunca ficaria comprehendendo para que pedimos as azas, se não sabemos nem queremos voar.

E não se diga que estou exagerando as circumstancias, porque, desfeito o tratado de Lourenço Marques, renascem os tratados com o Transvaal do mesmo negociador. - Os tratados, sim, mas o caminho de ferro, que é o meu tratado, esse talvez que não.

Os tratados com o Transvaal só n’uma hypothese nos podem dar com certeza o caminho de ferro. Foi o caso que suppuz, isto é, quando os inglezes do Natal, contrariados pelos inglezes da metropole, deixarem de fazer o caminho de ferro de Durban.

Amo os boers e sympathiso deveras com aquelle povo. Estimo os boers, como amo todos os corações generosos e todos os homens valentes, que arriscam a vida pela independencia. Esta pequena familia colonial, descendente dos hollandezes, que teve a constancia de vir fugindo sempre ao dominio britannico, desde o Cabo até o Natal e do Natal até o Transvaal, captiva-me, enthusiasma-me. E verse o modo por que se levantou ainda hontem para ser livre, e se revoltou contra um colosso como a Inglaterra!

Basta dizer-se como este pequeno povo, para se estabelecer onde está, soube luctar a peito descoberto com todos os perigos, conquistando ás feras, aos reptis e aos cafres o solo das suas herdades palmo a palmo. Até lhes perdô-o a crueldade com que tratam os negros. Amo os boers, repito, porque sou fanatico pelos homens corajosos; mas não posso deixar tambem n’este momento de admirar igualmente os inglezes, que, havendo perdido na lucta com os boers um valente general e intrepidos soldados, mandaram equipar, para satisfação do seu orgulho offendido, uma poderosissima frota, que mostrando ao inimigo a impossibilidade de resistir, lhe foi levar, em vez da guerra, as condições da paz! Admiro a generosidade dos que sabem deixar-se vencer pela rasão, e que, ainda mesmo que sejam muito poderosos, entregam á opinião publica, quando ella é sensata, a victoria sobre a força!

Mas, se amo os boers no modo por que se batem e defendem, se amo os boers no modo como cultivam a terra como descobrem a agua para a agricultura, e rasgam o solo para estabelecer canaes, conheço igualmente os defeitos d’elles, e não posso elogial-os na sua administração. Bem sei que os boers têem desculpa se não são bons administradores. Muitos povos da Europa, antiquissimos na historia e com outra civilisação, que data de muitos seculos, não se administram melhor; no entanto é certo que para o nosso caminho de ferro de Lourenço Marques, este defeito de maus administradores é um periga serio.

A colonia do Natal, fazendo-se o caminho de ferro de Durban para Pretoria, continuará a receber sobre as mercadorias em transito para aquella republica o tributo actual de 15 por cento do seu valor, ou talvez, ainda eleve este tributo. E como a republica do Transvaal precisa das rendimentos da alfandega para inspirar confiança aos capitalistas, que duvidam do seu credito, cujo estado é bem precario, qualquer empreza com os boers, estando contra elles ou contra nós os inglezes, será uma empreza de difficil realisação.

A salvação do caminho de ferro de Lourenço Marques está então unicamente em que a colonia do Natal não construa o seu caminho de Durban, para que os boers possam passar a alfandega, de que nada recebem, donde está para a fronteira dos dominios portuguezes, levantando com o rendimento d’ella os capitães de que carecem.

Qualquer pessoa que se de um pouco ao estudo d’esta questão comprehenderá immediatamente as circumstancias e o meu pesar é que não seja possivel discutir o tratado da Lourenço Marques sob o ponto de vista financeiro, sendo certo que até agora não houve ninguem que debaixo d’este aspecto o encarasse.

Foram sempre as finanças dos boers pouco prosperas e