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N.º 46

SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1881

Presidencia do exmo. sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco pares
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. — Não houve correspondencia.— Pergunta do digno par o sr. Mendonça Côrtez ao sr. ministro dos negocios estrangeiros ácerca do adiamento da questão Lourenço Marques.—Resposta do sr. ministro dos estrangeiros (Hintze Ribeiro)—Discurso do digno par o sr. Antonio Augusto de Aguiar: — Ordem do dia. — Continuação da discussão do parecer n,° 154 sobre a reforma dos correios. — Ponderações do sr. ministro da guerra (Sanches de Castro) — Adiamento da discussão do parecer n.° 154.— Approvação, sem discussão, do parecer n.° 163, sobre o projecto de lei que torna livre de direitos de nacionalisação, até 31 de dezembro de 1882, a importação de navios, cuja tonelagem não seja inferior a 400 metros cubicos.

Ás duas horas da tarde, sendo presentes 47 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estiveram presentes os srs. ministros da guerra e obras publicas.)

O sr. Sousa Pinto: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

O sr. Mendonça Côrtez: — Sr. presidente, aproveitando a presença do sr. ministro dos negocios estrangeiros, desejava que v. exa. e a camara me permitiam que eu dirija a s. exa. uma brevissima pergunta; e se s. exa. entender que me deve responder ou que o póde fazer, muito bem; de outra sorte esperarei occasião opportuna.

A pergunta que vou dirigir a s. exa. não é nenhuma táctica ou estratagema parlamentar, é uma pergunta singela, simples e franca.

Eu desejo saber se o adiamento do tratado de Lourenço Marques, de longe ou de perto, directa ou indirectamente, tem alguma relação com- a questão do Ambriz?

Se, por qualquer motivo, ou emfim por qualquer melindre internacional, o sr. ministro entender que me não póde responder n’este momento, eu aguardarei o momento opportuno.

O sr. Ministro das Obras Publicas e interino dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): — Sr. presidente, á pergunta que acaba de dirigir-me o digno par o sr. Côrtez, responderei simples, singela e francamente, que o adiamento do tratado de Lourenço Marques, nem directa nem indirectamente, de longe ou de perto, prendeu em a questão do Zaire.

Já que estou com a palavra, peço licença para me dirigir ao digno par o sr. Antonio Augusto de Aguiar: s. exa. requereu pelo meu ministerio que fossem enviados a esta camara quaesquer documentos relativos ao tratado celebrado com a Inglaterra a respeito do Zaire; direi as. exa. que não ha tratado algum celebrado com a Inglaterra a respeito do Zaire.

Depois de um notavel e erudito memorandum publicado no Livro branco de 1876, memorandum destinado a ser entregue pelo sr. duque de Saldanha, então ministro de Portugal em Inglaterra, a lord Derby, então ministro dos negocios estrangeiros d’aquella nação, não encontro na minha secretaria documentos ostensivos que possa enviar

a esta camara; nenhum documento ostensivo existe até á minha entrada no ministerio, e depois do governo actual estar constituido, não ha absolutamente documento algum, ostensivo ou não ostensivo, a tal respeito.

A questão do reconhecimento dos direitos da soberania portugueza em Cabinda, Molembo e Ambriz, é, sem duvida, da maxima importancia para Portugal, e as memorias escriptas, uma pelo visconde de Santarem, ácerca dos direitos da corôa portugueza na Africa occidental, e outra do marquez de Sá da Bandeira, ácerca dos nossos direitos nos territorios de Cabinda, Molembo e Ambriz, juntas ao memorandum a que ha pouco me referi, são innegavelmente documentos de grande valia para a boa solução d’essa questão, no interesse geral do paiz, e especialmente no dos povos comprehendidos entre 5° 2 e 8° de latitude austral da costa occidental da Africa.

Termino, repetindo ao digno par que, depois da minha entrada no gabinete, não ha na secretaria dos negocios estrangeiros documentos que lhe possa remetter com relação ao assumpto da pergunta de s. exa.

O sr. A. de Aguiar: — Sr. presidente, agradeço ao nobre ministro dos negocios estrangeiros a promptidão com que veiu a esta camara responder ao requerimento que eu fizera ha poucos dias, para que fossem enviados á mesa todos os documentos que haja ácerca das recentes negociações de um tratado com a Gran-Bretanha, relativo ao Zaire e ao territorio adjacente a este rio.

Não solicitei estes documentos com pensamento reservado para suscitar uma questão politica. Fiel aos meus principios e ás boas praticas seguidas por todas as nações que se administram sensatamente, não faço questão partidaria dos grandes problemas internacionaes. Não pedi esclarecimentos sobre os negocios do Congo para me manifestar em opposição ao actual governo, nem para lhe levantar a minima difficuldade n’esta camara. O meu fim é mui diverso e justificado. Requeri que fossem apresentados aqui todos os documentos que sirvam para esclarecer a opinião publica ácerca dos tratados que podem intimamente ligar-nos com a Inglaterra.

Desejo que o publico se esclareça, sendo possivel conseguil-o. Fiz; comtudo, o meu requerimento nos termos mais simples, prevendo tambem o caso de serem todos os Documentos de caracter confidencial, e n’estas vistas apenas solicitei do governo que m’os deixasse consultar sobre a mesa.

O exame delles podia ser de grande auxilio para mim na discussão do tratado de Lourenço Marques, ainda que as praxes diplomaticas não permittissem que o governo os lançasse ao publico. Pelo menos ficaria eu assim completamente informado, e ficariam igualmente esclarecidos todos os meus collegas.

Infelizmente, porém, o sua ministro acaba de declarar que nenhum documento ha que possa enviar á mesa; e acrescentou ainda, que anteriormente á sua gerencia só poderia facultar-me os trabalhos sobre o Zaire do erudito visconde de Santarem e os do patriotico visconde de Sá da Bandeira. Depois da formação do actual gabinete nenhuma negociação tem havido com a Inglaterra sobre similhante assumpto.

Pretendendo, embora pareça desnecessario á primeira

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vista, justificar solidamente o meu pedido, apresentarei as rasões que tive para chamar o governo a terreiro em questão de tanto alcance politico. Havia da minha parte um impulso generoso. O nobre ministro dos negocios estrangeiros não e sómente um moco de grandes dotes parlamentares e de uma intelligencia privilegiada. Reune a estas qualidades muitas outras, que são raras em nossos dias.. É um homem estudioso que não fia tudo do seu talento, mas que procura com assiduo trabalho e constante applicação engrandecer os dotes naturaes com que a Providencia o distinguiu. E dando-se estas circumstancias em s. exa., que não póde desconhecer a importancia de uma negociação sobre o Zaire, eu queria, se ella estivesse encetada e concluida em termos honrosos para a nação, ser o primeiro a felicital-o pelo serviço transcendente que lhe haveria prestado; e queria, alem d’isto, ser o primeiro a declarar que na historia politica de Portugal — da grande politica, bem entendido — o seu nome ficaria de ora avante inscripto para sempre em letras de oiro. De certo que para estreia de um estadista, não acharia s. exa. facilmente nos archivos da sua repartição nenhum outro assumpto que lhe d’esse maior nomeada. Gloria justa e duradoura, que todos os partidos estariam promptos a proclamar. Gloria que não se apagaria tão cedo, ainda mesmo que s. exa., saindo ámanhã dos conselhos da corôa, não tivesse occasião de prestar outro serviço.

Por este modo veriamos acabar as duvidas o incertezas que duram ha mais de sessenta annos. O artigo 2.° da carta constitucional, em que se diz que na Africa occidental nos pertencem os territorios de Cabinda e Molembo, tornar-se-ia uma realidade, e o artigo da convenção de 22 de janeiro de 1817, pelo qual se contam as nossas possessões da costa occidental a partir de 8 graus de latitude sul, soffreria uma notavel e proveitosa ampliação, por que havemos pugnado sempre com bom fundamento, mas com pouca felicidade até agora.

Pedi ainda aquelles documentos para que no dia em que se entrasse na apreciação do tratado de Lourenço Marques, eu podesse avaliar no conjuncto os tres tratados; este que nomeei, o da India que se executou já, e o do Zaire que a todos os espiritos se está afigurando dever existir, estando feitos os outros dois. E verdade que já, depois do meu requerimento, o nobre ministro, interrogado ácerca do tratado de Lourenço Marques por um dos meus collegas, declarou que a discussão d’este, por accordo com o governo britannico, ficara adiada para quando se regularisem os negocios da republica do Transvaal e se ajustem definitivamente com os inglezes as condições da sua independencia. Eu devia suppor, depois disto, que o tratado do Zaire, ainda que existisse, ficava ipso facto posto de banda.

Mas o meu requerimento foi anterior a esta declaração e senão as minhas idéas differentes, isto é, que mais valia discutir O tratado de Lourenço Marques tendo-se feito com a Gran-Bretanha a negociação do Zaire, do que obter sem esta condição o adiamento do primeiro, só fico acreditando na ausencia de trabalhos importantes sobre o ponto que discuto, depois das categoricas, explicitas e sinceras declarações que todos ouvimos.

Sr. presidente, confesso com verdade a v. exa. que estas declarações me impressionaram bastante. Estavam quasi todos persuadidos que os dois governos, portuguez e britanico, haviam chegado, se não a um tratado definitivo a proposito do Zaire, pelo menos a um accordo sobre os principios fundamentam que deviam presidir á redacção d’elle. A imprensa portugueza e tambem a estrangeira por diversas vezes têem alludido a estas bases. Tem mesmo a primeira instado pela publicação dos documentos, cujo caracter indicou até em termos geraes. Agora diz o nobre ministro que só ha o que todos conhecem trabalhos do visconde de Santarem e o livro branco de 1876, e que se porventura existe algum outro documento anterior á gerencia do actual governo, esse documento de caracter confidencial, não tem de perto ligação com a possibilidade de realisarmos um tratado brevemente.

Em contraposição ás palavras do sr. ministro, havia-me chegado á noticia, que o dito tratado teria, pouco mais ou menos, cinco a seis artigos. Que o primeiro d’elles marcava o limite das nossas possessões na Africa occidental por modo differente da convenção de janeiro de 1817. Ganhavamos proximamente 3 graus. O dominio portuguez ficaria reconhecido a partir de 5° e 15 de latitude sul. O ultimo artigo estatuia que no dia da ratificação do tratado de Lourenço Marques, o governo britanico assignava o novo tratado do Zaire. Emfim que, entre outras disposições de menor vulto, se nomearia uma commissão mixta para determinar os pontos que devem de ser occupados, respeitando-se todos os direitos que possamos ter. A Inglaterra assegurava-nos a posse dos territorios ao norte do Ambriz e a soberania do rio Zaire. Tudo isto ficaria estabelecido em solidas bases, admittindo-se a livre navegação do rio, em homenagem aos principies estabelecidos no congresso de Vienna, ao que se está praticando no Danubio e em varios rios da Europa e da America.

As minhas informações iam mais longe ainda; isto é, asseveraram-me, que taes negociações ácerca do Zaire eram já antigas, quero dizer, haviam começado com grande probabilidade de bom exito, quando se negociara o primitivo tratado de Lourenço Marques.

Mas nada disto é assim pelo que estamos presenceando. Eu que esperava um grande triumpho para o nobre ministro, tenho de contentar-me em ouvir-lhe que elle o não alcançou. Tudo está adiado, e ninguem sabe nem póde julgar a importancia do adiamento, que póde tornar-se indefinido, ficando por muitos annos na duvida e na incerteza a solução do grande problema do Zaire.

Tudo está adiado, é uma phrase que satisfaz o nosso espirito preguiçoso. Alcançou-se uma grande victoria, não porque se tenha resolvido uma difficuldade, mas porque tudo ficou adiado. Tranquillisemo-nos. Não se faz nada nem se fará por emquanto. Que maior triumpho se poderia alcançar sobre a Inglaterra!

Sr. presidente, eu não sou chauvinista nem jingoista. A illustração da camara dispensa-me de definir estas palavras. Amo o meu paiz como um verdadeiro patriota, e até onde possa chegar a luz da minha intelligencia, entendo que dizer-lhe a verdade, ou pelo menos apresentar-lhe os factos como elles se me affiguram, é cumprir um dever sagrado.

O amor da patria mais moderno talvez seja differente. Consiste em detestar os inglezes e occultar os factos. Se ainda possuimos a estatua equestre de D. José I, no Terreiro do Paço, segredam entre si os chauvinistas, é por que ella é de tal modo pesada que os inglezes, sem risco de metterem a pique os seus maiores couraçados, não poderiam leval-a para Londres. Tudo quanto os inglezes nos têem feito são expoliações!

Sinto profundamente que não exista o tratado do Zaire, e sinto tambem que não esteja em discussão o tratado de Lourenço Marques para nos podermos com certa largueza entender sobre estas materias. Mas o meu sentimento sobe de ponto, quando reflicto, que se nós tivessemos que discutir o tratado de Lourenço Marques, as cousas se passariam do modo que hontem aqui condemnou o illustre digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro.

De nada serviria o meu desejo de historiar largamente as condições peculiares do nosso paiz na Africa, as relações seculares que nos prendem á Gran Bretanha, o que se está passando na Europa ácerca das nossas possessões africanas, e os tenebrosos planos que cada dia mais e mais se accentuam no estrangeiro para nos desapossarem dos nossos dominios. Para tirar proveito d’este estudo, sr. presidente, eu queria que todas estas questões se podessem discutir com a porta aberta e o povo nas galerias. Infelizmente, porém, fecha-se a porta quando o debate podia esclarecel-o, Abre-se aporta depois para desvairar a opinião

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publica! Ou tudo fechado ou tudo aberto, — não digo bem, sr. presidente, e peço licença para emendar a phrase. Tudo aberto, isto é, discussão publica A cada um conforme a sua responsabilidade. Liberdade ampla de fallar e possibilidade de sermos ouvidos, mas sobretudo acabe se com a triste pratica de deixarmos os argumentos sepultados nas sessões secretas, e de atirarmos com os nossos nomes á multidão, que nos não ouviu, e por consequencia não póde comprehender-nos.

Acho esta sala, apesar de amplissima, pequena para taes discussões e para os individuos que deviam assistir a ellas; mas, fechar-lhe a porta, repito, é contribuir para a maior divulgação das apreciações apaixonadas. E tirar da mão da justiça o fiel da balança!

Não se discute o tratado de Lourenço Marques, bem sei, porque foi adiado, e a porta da sala está aberta, mas seja-me permittido, emquanto ella se não fecha, fazer algumas observações geraes sobre as consequencias do adiamento, que eu tenho obrigação de apresentar já para aproveitarmos das declarações do sr. ministro emquanto é tempo. Disse hontem s. exa. que as relações entre Portugal e a Gran-Bretanha eram o mais cordiaes possivel. Aproveitemol-as já, para .que não fique votada ao abandono e á miseria aquella colonia.

Para mim o tratado de Lourenço Marques é o caminho de ferro. Partindo d’este principio, pergunto a s. exa.:

As nossas boas relações com a Inglaterra são de natureza tal, que não nos tiram a esperança de realisarmos sem difficuldade o caminho de ferro n’esta colonia, depois do adiamento do tratado de Lourenço Marques? As nossas cordiaes relações com a Inglaterra poderão impedir que a colonia do Natal, tão ciosa de Lourenço Marques, como Carwar o foi e será sempre de Mormugão, deixe de fazer logo que o tratado de Lourenço Marques seja posto de banda, um caminho de ferro de Durban a Pretoria? Não poderá acontecer que a Inglaterra, desgostosa com tal adiamento, ou pelo menos com as tergiversações que nos conduziram a elle, intente muito em breve a construcção do caminho de ferro de Durban, cujo resultado será fazer convergir todo o movimento commercial da republica dos boers para o porto de Natal?

Se isto acontecer, o adiamento do tratado é das mais deploraveis consequencias para o futuro da nossa colonia. Compromettido o caminho de ferro de Lourenço Marques, sr. presidente, nem mesmo que sejam cordialissimas as nossas relações com a Inglaterra, eu ficarei satisfeito.

Lourenço Marques continuará a ser uma bahia de 14 leguas de extensão, do norte ao sul, e de 5 leguas de largura, de leste a oeste, é verdade. Ninguem lhe tirará o privilegio de ser abrigada de todos os ventos e muito profunda, offerecendo fundeadouro aos navios de maior lotação; mas, na historia será apenas citada como tendo servido até agora para o celebre naufragio de Sepulveda.

Lourenço Marques, descoberta em 1544, ficará em 1881 o que era no tempo do seu descobrimento e não poderá dispor, depois de trezentos e trinta sete annos do nosso dominio, senão dos seus invariaveis cem europeus ou duzentos brancos,, juntando aos primeiros os banianes e os mouros!

Sr. presidente, todos os portuguezes devem evitar pelos meios ao seu alcance, que depois de termos obtido dos inglezes o focinho e as azas da borboleta, na imagem pittoresca mas verdadeira de Diogo do Couto, quando nos descreve esta bahia; a borboleta completa fique ainda por muitos annos no mesmo estado, em que o amanhã nacional a tem sepultado ha tres seculos!

A Inglaterra, que acceitou a arbitragem, proposta pelo visconde de Sá da Bandeira e realisada sendo ministro dos negocios estrangeiros, o digno par o sr. Andrade Corvo, mostraria ao arbitro que o focinho da borboleta, isto é, a pequena bahia do rio do Espirito. Santo, com que nos queria deixar, ainda era de mais para nós? e que as azas que pretendera cortar-nos, á face da civilisação, lhe pertenciam a ella. A Franca nunca ficaria comprehendendo para que pedimos as azas, se não sabemos nem queremos voar.

E não se diga que estou exagerando as circumstancias, porque, desfeito o tratado de Lourenço Marques, renascem os tratados com o Transvaal do mesmo negociador. - Os tratados, sim, mas o caminho de ferro, que é o meu tratado, esse talvez que não.

Os tratados com o Transvaal só n’uma hypothese nos podem dar com certeza o caminho de ferro. Foi o caso que suppuz, isto é, quando os inglezes do Natal, contrariados pelos inglezes da metropole, deixarem de fazer o caminho de ferro de Durban.

Amo os boers e sympathiso deveras com aquelle povo. Estimo os boers, como amo todos os corações generosos e todos os homens valentes, que arriscam a vida pela independencia. Esta pequena familia colonial, descendente dos hollandezes, que teve a constancia de vir fugindo sempre ao dominio britannico, desde o Cabo até o Natal e do Natal até o Transvaal, captiva-me, enthusiasma-me. E verse o modo por que se levantou ainda hontem para ser livre, e se revoltou contra um colosso como a Inglaterra!

Basta dizer-se como este pequeno povo, para se estabelecer onde está, soube luctar a peito descoberto com todos os perigos, conquistando ás feras, aos reptis e aos cafres o solo das suas herdades palmo a palmo. Até lhes perdô-o a crueldade com que tratam os negros. Amo os boers, repito, porque sou fanatico pelos homens corajosos; mas não posso deixar tambem n’este momento de admirar igualmente os inglezes, que, havendo perdido na lucta com os boers um valente general e intrepidos soldados, mandaram equipar, para satisfação do seu orgulho offendido, uma poderosissima frota, que mostrando ao inimigo a impossibilidade de resistir, lhe foi levar, em vez da guerra, as condições da paz! Admiro a generosidade dos que sabem deixar-se vencer pela rasão, e que, ainda mesmo que sejam muito poderosos, entregam á opinião publica, quando ella é sensata, a victoria sobre a força!

Mas, se amo os boers no modo por que se batem e defendem, se amo os boers no modo como cultivam a terra como descobrem a agua para a agricultura, e rasgam o solo para estabelecer canaes, conheço igualmente os defeitos d’elles, e não posso elogial-os na sua administração. Bem sei que os boers têem desculpa se não são bons administradores. Muitos povos da Europa, antiquissimos na historia e com outra civilisação, que data de muitos seculos, não se administram melhor; no entanto é certo que para o nosso caminho de ferro de Lourenço Marques, este defeito de maus administradores é um periga serio.

A colonia do Natal, fazendo-se o caminho de ferro de Durban para Pretoria, continuará a receber sobre as mercadorias em transito para aquella republica o tributo actual de 15 por cento do seu valor, ou talvez, ainda eleve este tributo. E como a republica do Transvaal precisa das rendimentos da alfandega para inspirar confiança aos capitalistas, que duvidam do seu credito, cujo estado é bem precario, qualquer empreza com os boers, estando contra elles ou contra nós os inglezes, será uma empreza de difficil realisação.

A salvação do caminho de ferro de Lourenço Marques está então unicamente em que a colonia do Natal não construa o seu caminho de Durban, para que os boers possam passar a alfandega, de que nada recebem, donde está para a fronteira dos dominios portuguezes, levantando com o rendimento d’ella os capitães de que carecem.

Qualquer pessoa que se de um pouco ao estudo d’esta questão comprehenderá immediatamente as circumstancias e o meu pesar é que não seja possivel discutir o tratado da Lourenço Marques sob o ponto de vista financeiro, sendo certo que até agora não houve ninguem que debaixo d’este aspecto o encarasse.

Foram sempre as finanças dos boers pouco prosperas e

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agora principalmente, aggravadas com as consequencias da guerra.

Nos documentos officiaes sobre este assumpto. vê-se que a divida do Transvaal em 1378 era de £ 286,524, na qual se inclue o emprestimo hollandez de 1876 na importancia de £89,851.

Foi levantado este emprestimo peio presidente Burgers, para construir o caminho de ferro de Lourenço Marques, segundo o tratado que fizeramos com elle em 1875; porém, nada mais se praticou em relação a esta obra, alem da compra de uma parte do material, que ficou desde então abandonado em Flushing e Lourenço Marques! e que por deterioração diminuiu bastante do valor primitivo como é natural.

Do emprestimo, na importancia de £89:851, despenderam tão sómente no material £ 71:813, sendo a differença absorvida em commissões e outras despezas! isto é, 20 por cento da quantia realisada perdeu-se!!

Foi este emprestimo emittido era obrigações de 1:000 florins cada uma e ao juro de 5 por cento, para serem amortisadas em tiragens annuaes, que deviam terminar em 1901. O credito dos boers era tão mau, que depois de gasto um anno em se realisar a operação, só 1:976 obrigações foram, tomadas. Em vez de £300:000, valor total do emprestimo, só obtiveram a quantia que ficou indicada. As obrigações foram passadas com 12 por cento abaixo do par, e esta taxa ainda assim sustentou-se em virtude de operações pouco regulares, que não preciso descrever para provar o que pretendo. Emfim, os negociadores do emprestimo, não tendo dinheiro para o pagamento do juro do primeiro coupon, foram levantar uma nova quantia, a qual realisaram vendendo mais 50 obrigações a 52 ½ por cento do seu valor nominal! Para fazerem o pagamento de £2:260 contrahiu a republica uma divida de £ 4:580!

Isto pelo que respeita ao credito dos boers.

Mas, qual será a despeza do caminho de ferro desde os montes Libombos, que formam a fronteira portugueza, até Pretoria? A despeza, diz mr. Farrell que será de £ 2.105:000, apesar de todas as condições do terreno que o caminho atravessa serem o mais favoraveis possivel.

Do trafico calculado por este engenheiro e de iodo o ponto favoravel para animar os capitalistas, se abatermos as despezas de exploração, que Farrell apenas computa era 50 por cento, mas que eu, fundado em muito serias auctoridades, farei subir ainda acima de 60, e o juro do capital a 6 por cento, ficará um déficit superior a £ 56:000, o qual só poderá ser coberto quando o Transvaal receba na sua alfandega as £ 119:000 que o Natal hoje arrecada, e continuará arrecadando naturalmente, se se fizer o caminho de ferro de Durban, sobre a mais baixa avaliação das importações do Transvaal na importancia de £ 850:000.

Só os espiritos obsecados é que deixarão de comprehender esta precaria situação, e o nobre ministro dos negocios estrangeiros ha de reconhecer as rasões que eu tenho para lhe pedir que aproveite as cordialissimas relações em que está com a Inglaterra para reclamar d’ella, roto o tratado de Lourenço Marques, que não se construa o caminho de ferro de Durban a Pretoria.

De nós não fallarei. Suo precisos 1.330:030$000 réis para se assentar a linha de Lourenço Marques aos, Libombos, segundo o projecto do engenheiro Machado. E ao governo portuguez que compete vir dizer-nos d’onde é que sairá esta quantia, e os dinheiros para as obras de porto, cuja despeza não está calculada.

Sr. presidente: Diga-mo v. exa. na realidade se não foi um grande triumpho para nós o adiamento do tratado de Lourenço Marques, principalmente depois que ficámos sabendo que os boers, precisando levantar antes da guerra £ 300:000, apenas alcançaram 71:813; e agora, depois da guerra, para fazerem comnosco o caminho de ferro, carecem possuir para cima de dois milhões de libras esterlinas, sem poderem contar com a alfandega do Natal, que perderão infalivelmente, se os inglezes construirem n’este ultimo ponto o caminho de forro do Durban.

E nós, sr. presidente, não devemos exultar, que fique a bahia de Lourenço Marques como estava até aqui? Não será de grande proveito que permaneça esta colonia, no estado em que se encontrava outra, que cedemos á Inglaterra pelo tratado de 23 de junho de 1661, em dote da nossa infante D. Catharina que desposou Carlos II? Dirão que sim os desvairados. Eu, porém, sustentarei o contrario.

Bombaim, que hoje é uma cidade de um milhão de habitantes, tinha, quando isto succedeu, uma população de 10:000 almas unicamente! Hoje é a cidade mais commercial do novo imperio das indias, e para o homem estudioso tão interessante, se não mais que a de Paris, porque ali se encontram redivivos os restos venerandos das grandes civilisações do passado. Vem a proposito dizermos duas palavras sobre aquella formosissima ilha, quando a ella apportou lord Marlborough em 1662 com uma frota, de cinco vasos de guerra e quinhentos soldados sob o cominando de sir Abraham Shipman.

Iam os inglezes tomar possa da ilha, a qual posse se não póde logo realisar, por ter recusado o governador portuguez fazer a entrega de Salsete e Caranjá.

Lord Marlborough regressou a Inglaterra, mas Sir Abraham e com elle muitos soldados que se acolheram á ilha de Angediva, emquanto se resolvia a contenda, morreram ali. Carlos II recusou firmar a convenção que Mr. Cooke, secretario de Shipman, assignara na india, acceitando sómente a ilha de Bombaim, e pediu-nos cem mil libras de indemnisação pelas perdas eme a expedição soffrêra.

Por fim nós cedemos Bombaim, Salsete e Tanná, mas o rei, que pelo tratado de aliança e casamento, promettêra trazer no coração as cousas e conveniencias de Portugal e de todos os seus dominios, e defendel-os com as suas maiores forças assim, por mar como por terra, como a mesma Inglaterra, julgando Bombaim uma possessão sem utilidade — Bombaim, que saía das nossas mãos — entregou-a em 1608 á companhia das indias, pela renda annual de 10 libras em oiro! Tambem as rendas de Bombaim nessa epocha, não passavam de 75:000 serafins!

Lourenço Marques, que será a Bombaim da Africa oriental, está ainda em nosso poder, e nós cuidamos que perder o ensejo de tornar aquella bahia o primeiro emporio africano é um acto patriotico que nos ennobrece.

Estava compromettida a soberania de Portugal com o presente tratado! Pois eu sustento que só a decadencia e a miseria podem esbulhar os portuguezes das suas heróicas conquistas.

A independencia do Transvaal, fallemos com toda a franqueza, não me assegure, inteiramente a construcção do caminho de ferro de Lourenço Marques. Bem sei o que podem responder-me os adversarios do tratado com a Inglaterra.

O conhecimento que hoje ha do paiz dos boers, a sympathia da Hollanda por elles e outras circumstancias politicas e economicas, virão auxiliar a republica Notae, porém, que o credito se não transforma de repente, assim como se não reformam de repente o caracter e os costumes de um povo. O egoismo do capital é por tal modo barbaro, que se não deixa enternecer com promessas. O caminho de ferro de sociedade com os boers é possivel que só muito tarde se consiga realisar, embora elles comprehendam que o porto natural do Transvaal é Lourenço Marques.

Aconselha a prudencia, que, depois do adiamente do tratado com os inglezes, nos asseguremos, se estes, vistas as boas relações em que estão comnosco, se promptificam a não construir o caminho de ferro de Durban. Desprezando-se este conselho, ficámos expostos a perder & questão com os boers e com os inglezes.

Se o adiamento foi ajustado com a Inglaterra n’estes termos, nada tenho que observar. Mas, se o adiamento

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não foi feito com esta promessa, o adiamento, sr. presidente, poderá dar durante algum tempo popularidade ao governo. Mais tarde, porém, se reconhecerá que foi uma grande desgraça.

Eu não estou discutindo o tratado de Lourenço Marques, e por isso limitar-me hei a estas singelissimas considerações.

Agora, antes de concluir a minha exposição, desejo significar á camara o que penso ácerca das allianças que nós podemos contrahir com os paizes estrangeiros, ponto que prende intimamente com o que fica dito.

E Portugal uma nação pobre e pequena, mas que ainda_ tem grande importancia no mundo. Merece-a pelo seu brilhante passado, e no futuro esta importancia não póde diminuir pelas colonias que por emquanto possue.

Depois da separação do Brazil, deixou Portugal de ser uma nação colonial de primeira ordem, mas com as colonias que ainda hoje lhe restam, Portugal poderá em futuro proximo, que seja presenceado pela actual geração, tornar-se uma. nação respeitada e prospera.

Pelos processos empregados até aqui — escusamos de declamações — está provado que não conseguem os portuguezes acompanhar os outros povos na civilisacão e desenvolvimento rapido das colonias. Se não possuimos capitães sufficientes para os emprehendimentos da metropole, como quereis obtel-os para as colonias, isolando-vos das nações ricas e poderosas?

E mais que sabido. É-nos indispensavel procurar nas. allianças com as nações estrangeiras os meios de auxilio que nos faltam, de modo que não comprometiamos o nosso futuro. Mas para isto é mister escolher bem as allianças, com o maior sangue frio, sem pensamento reservado nem desconfiança, e effectual-as com a maxima lealdade. As allianças não podem ser um assumpto de moda. E moda hoje dizer mal de tal povo, alliemo-nos com outro. Assim arriscamos tudo.

Os espiritos, que estudarem sem paixão e com conhecimento do passado esta questão importante para os portuguezes, hão de forçosamente concluir que a melhor alliança para nós é até hoje a da Inglaterra. É a Inglaterra onde a liberdade floresce como em parte alguma. Quem visitou uma vez na sua vida aquelle povo, volta depois ao seu paiz, qualquer que elle seja, completamente maravilhado.

N’aquella nação, incomparavel debaixo d’este ponto de vista, nascem todas ás idéas como nas campinas mais ferteis brotam todas as plantas; mas, a opinião publica não aproveita senão as idéas sensatas, como o bom cultivador não tira da terra senão os fructos aproveitaveis.

A liberdade ingleza não teme nem o jesuita nem o communista. É igual para todos. Todos pregam as suas doutrinas dentro da lei, á qual tudo obedece em honra da liberdade.

Nos momentos mais solemnes da nossa historia temos sempre recorrido á Inglaterra com bom exito. Se consultamos a historia com frieza, ahi acharemos em muitas paginas d’ella os bons serviços que nos tem prestado. Precisamos desculpar á Inglaterra de vez em quando algumas pequenas ingratidões, é verdade, ou antes o seu frio raciocinio, que lhe não permitte empenhar-se senão nas luctas em que mais anda interessada, porque se ligam a um grande principio humanitario ou politico. Aquelles que clamam constantemente que ella se costuma fazer pagar com usura ^los seus serviços, não reflectem por que preço ficariam esses mesmos serviços se outras nações nol-os viessem prestar. Os inglezes não têem unicamente trazido a este paiz os capitães com que realisamos as obras de maior alcance, tambem têem deixado correr aqui ao lado dos nossos soldados o seu sangue generoso.

Ha cinco seculos já o Mestre de Aviz se honrava de pedir soccorros militares á Inglaterra. O marquez de Pombal, que por tanto tempo esteve em Londres, antes do seu nome passar á historia, sabe-se o que, pensava da Inglaterra, e aprendeu talvez com ella as cousas boas que nos fez. Conhecia o marquez de Pombal perfeitamente os inglezes, tinha vivido e estudado as suas instituições, e nunca esqueceu quanto valo o auxilio d’este povo. Todos os povos têem defeitos, mas poucos possuem as boas qualidades do povo inglez. O que outrora perdemos nas colonias, sem fallar de Tanger nem de Bombaim, que foram doação espontanea dos portuguezes, devemol-o aos hespanhoes. Foi da mão dos hollandezes que houveram os inglezes o que de melhor talvez nos pertencia n’esse vasto territorio, cuja estrada maritima sulcámos os primeiros, nas grandes epochas da nossa epopea nacional.

A nossa historia politica e economica, quando se faça pelo methodo scientifico em relação á Inglaterra, não nos deixa unicamente damnos e perdas. A intervenção da Inglaterra poz termo á guerra chamada dos vinte e sete annos. No pacto de familia celebrado quasi um seculo depois fornos obrigados, por não querermos acceitar um dono só para a peninsula, a preparar nos para a guerra com a Hespanha. Chegaram ainda a tempo as tropas inglezas, e todos os territorios que haviamos perdido na Europa e nas colonias, nos foram restituidos.

Os soldados portuguezes na batalha do Bussaco brilham tanto na historia da Inglaterra, como as hostes inglezas resplandecem pelo seu valor na historia de Portugal.

Nenhum ministro portuguez de cunho, em momentos de afflicção, se tem esquecido de recorrer á Inglaterra para nos apoiar. Tem havido inglezes, que, em instantes de orgulho e de vaidade, vexaram Portugal; mas a injustiça de alguns não basta para que sejam esquecidos os grandes beneficios. Como quereis condemnar os outros povos pelas faltas que vós mesmos praticastes? Um povo forte é sempre orgulhoso e muitas vezes cruel. Tambem nós fomos crueis, quando dispunhamos da força.

O imperio africano está hoje nas mãos dos portuguezes e dos inglezes. É preciso que não passe a outras mãos. Só a alliança com a Inglaterra leal e sincera o poderá conseguir. Façamos aos inglezes todas as concessões compativeis com a dignidade nacional, para podermos caminhar no desenvolvimento das colonias sem receio de ninguem.

A alliança ingleza para o meu paiz é como a fogueira que o viajante accendeno sertão, quando quer dormir tranquillo. Até onde chega o clarão do fogo contem o viajante os inimigos em respeito. Não apaguemos a fogueira que nos póde dar a nós — a paz e a felicidade.

Não confundaes o procedimento de alguns funccionarios ambiciosos da Gran-Bretanha com o procedimento sempre digno do povo inglez; assim como não quereremos de certo .que elle confunda a seriedade de Portugal com o procedimento de alguns dos nossos funccionarios coloniaes. Sempre que eu tenha do meu lado a rasão e o direito, estou prompto a combater com a Inglaterra.

E, quantas nações, sr. presidente, ha na actualidade de que possamos dizer, que se curvem a estas ultimas armas que os fracos possuem? A Grecia, a Roumania, a Turquia e até as. grandes potencias, todos os povos do globo se julgam felizes quando dispõem da alliança ingleza. Porque havemos nós desprezal-a, indicando nol-a as circumstancias? Cimentemol-a quanto caiba em nossas forças, para cumprir na historia o papel que nos está reservado.

Eu não desprezo as allianças de quaesquer outros paizes. Se me fallardes da França, dirvos-hei, que respeito por tal modo os francezes, que desejaria associar-mo com elles na heróica solução dos problemas modernos da humanidade. Tenho sido tratado pelos francezes com a mesma amisade que sempre encontrei entre os meus compatriotas. Tenho sido applaudido por elles com benevolencia igual á que vós tendes por mim.

No tempo de Richelieu foi a nação que melhor contribuiu para a independencia de Portugal. E quando os conjurados de 1640 encontraram difficuldade em o duque de

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Bragança adherir á restauração, Richelieu os animava com estes palavras:

«Se o duque de Bragança não está resolvido a entrai-ma lucta, outro principe portuguez se encontrará para libertar o povo.»

Foi a França que chamada a dirimir no pleito do Lourenço Marques, o decidiu a nosso favor.

E da França que bebemos quasi toda a litteratura e sciencia que possuimos. Os nossos costumes são francezes. A nossa lingua, enfeitada de gallicismos, parece muitas vezes franceza. Mas, quando se trata de questões gravissimas, taes como o futuro da patria e o seu progressivo caminhar, não consulto o coração. Penso friamente e reconheço que a França não está ligada com Portugal por meio de interesses permanentes, que entre as duas nações não podem existir laços indissoluveis como os que nos prendem á Inglaterra; não me esqueço que na África o nosso vizinho é unicamente o povo inglez, e que este vizinho póde ser, com vantagem reciproca, o nosso amigo mais poderoso e mais dilecto. Mudam as idéas dos francezes com as epochas e com os governantes, emquanto na Gran-Bretanha todos os governos nas questões relativas a Portugal hão de sempre seguir a mesma politica. Carlos I em 1642 e o dictador Cromwell em 1654 são de certo um bom exemplo.

O povo inglez é um alliado severo e exigente, mas seguro. Sempre que estivermos presos a elle por tratados, sei que não faltará á sua palavra, e sei mais, que amanhã se lhe formos pedir auxilio contra um inimigo qualquer, que ponha em risco a nossa existencia como nação, invocando o tratado perpetuo do 1661, a Inglaterra, apesar das idéas modernas que não admittem a perpetuidade dos tratados; não ha de certo recusar-se a defender-nos. É esse o seu interesse, dirão os inimigos d’ella. Talvez; mas tambem é o nosso. Interesse perpetuo para ambos, e portanto eterna base de alliança para os dois.

A sentimentalidade em relações internacionaes é uma fonte perenne de perigos e de erros gravissimos.

Se a Italia depois da guerra contra a Austria, feita em commum com os francezes, recusasse a alliança da Prussia, talvez não fosse a estas horas e imperio italiano. A alliança ingleza bem sei que não satisfaz os amantes da federação das raças latinas, mas emquanto estas raças não modificarem os seus actuaes processos, eu antes me quero com os inglezes. É uma grande idéa a federação entre os povos que possuem uma origem commum, mas na pratica o que temos visto? Que as raças latinas se alimentam principalmente de paixões e de ambições, e a ambição applicada ao nosso solo deu 1640!

Desde o Mestre de Aviz até o Pombal e desde o Pombal até o grande historiador Alexandre Herculano, todos os homens de cunho n’este paiz proclamam a alliança ingleza. Alisto-me sem remorsos n’esta escola, e pena é que o meu nome não seja tão grande n’este paiz, que leve atrás de si por esta estrada todos os portuguezes.

Resta-nos unicamente a Inglaterra, apesar dos exemplos historicos que possam apresentar-me em contrario. Esses exemplos são erros. E os erros não provam nada. O que precisámos é collocar-nos na situação do imperio britannico carecer sempre dos nossos serviços.

Os fracos e os pequenos têem tambem definido o seu papel na historia, principalmente quando forem os portuguezes, estes bravos que se ufanam de haver sido os primeiros navegadores do globo, estes heroes que levaram adiante de todos os povos com a espada e com a cruz a civilisação da Europa ao Oriente. Podemos, pois, lançar-nos sem escrupulos nem falso patriotismo nos braços da alliança ingleza; alliança fraternal, que não nos impede do sustentar até a morte os brios de nação independente. Tratando-se da África, em especial, não póde encontrar-se outra solução rasoavel. Para, não corrermos o risco de perder stultamente as nossas colonias africanas, é a politica de cooperação com esta grande potencia a unica que nos cumpre seguir.

Não é permittido a nenhum povo, por maior que seja o bom conceito que haja alcançado entre as nações civilisadas, conservar ermos e selváticos os dominios que lhe pertencem, emquanto os povos vizinhos, para maior contraste povoam, enriquecem e civilisam o que possuem. A politica de cooperação, repito, é a nossa unica politica racional e patriotica. Se o paiz todo podesse fazer viagens, e andar como eu tenho feito pelas outras nações, vendo o mundo como elle é, e não como aqui se imagina, seria inutil a affirmação d’estes principios. Se o paiz fosse mais instruido, e tivesse lido com attenção as publicações que correm mundo sobre estas questões, não teria ouvidos para escutar os maus conselheiros.

A nação saberia que mesmo entre os individuos que ainda respeitam as divisões da carta geographica, mas que visam igualmente mais alto, ao bem estar da humanidade, já temos hoje pequeno numero de defensores, e para que os não percamos de todo, é preciso que nos amparemos ao braço potente de um amigo que nos auxilie.

Falla-se muito por toda a parte e com bastante injustiça não poucas vezes da influencia nefasta dos portuguezes na Africa, não falta quem espere o momento em que a nossa inercia justifique a espoliação violenta do que possuimos. Pois é preciso calar todas as bôcas.

Houve no anno de 1878 em Paris um congresso de geographia commercial. Não assisti a este congresso, mas na sessão de 27 de setembro, cuja acta ha pouco saiu a lume, um distincto viajante allemão, secundado por individuos de outras nacionalidades, julgou opportuno apresentar uma moção em que se pedia ás nações representadas ali, que se interessassem pelo desenvolvimento do territorio do Zaire, pondo cobro ao estado anarchico que impede as transacções commerciaes n’aquellas paragens e a marcha da civilisação.

Levantou-se o sr. Luciano Cordeiro para protestar com aquelle fogo que o amor patrio inspira quando estamos em paiz estrangeiro, e por tal modo se houve, que, conseguindo se retirasse a moção, nos poupou a um vexame.

A questão do Zaire é de tão grande momento que exige prompto remedio. Devassam aquelle territorio viajantes de todas as nações. Belgas, allemães, francezes e americanos se empenham na lucta com um ardor cujos fins ninguem póde ignorar, mas que muita gente aqui ainda não percebeu. Trata-se de um territorio que é nosso, mas para o ser realmente depois do que se tem passado, precisamos de um documento internacional em que a Inglaterra ponha o seu nome. Testemunho authentico de que as potencias não possam jamais duvidar.

Reconheçamos pela força das circumstancias a necessidade dos tratados com a Gran-Bretanha. Não tenho duvida em aconselhar que os celebremos. Sei o que ella é capaz de fazer havendo tratados, mas não imagino o que nos poderá succeder, se os não tivermos.

Para chegar a esta conclusão pergunto a mim mesmo:

O que somos hoje?

Que fazemos sosinhos?

Que póde a civilisação esperar de nós no futuro?

O que somos nós! Um povo heroico em decadencia, mas possuindo por felicidade grandes elementos de regeneração social. Houve uma epocha na historia para as pequenas nações valorosas que jamais poderá repetir-se. Tivemol-a como ninguem. Os grandes descobrimentos e as maravilhas da industria mudaram a scena. Hoje a epocha é differente e pertence ás nações ricas. Os montantes, os pelouros e as lanças foram substituidas pelas armas de precisão. Os galeões por couraçados. As velas pelo vapor. Os pequenos pelos grandes.

O que podemos fazer sosinhos? O que póde fazer sosinho um paiz com quatro milhões de habitantes, que não conseguiu por emquanto colonisar o Alemtejo, e que tem de colonisar milhares e milhares de milhas quadradas nos sertões da Africa?!

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O que póde fazer um povo pobre que nunca foi economico, pelo contrario sempre foi perdulario, e este é o seu defeito, um povo sem capitães accumulados para estabelecer a civilisação na Africa, se não tiver ao lado de si um braço potente que lhe sirva de amparo?

O rei da Belgica preside a uma sociedade de civilisação africana. Congregou os homens ricos de todas as nações, associou os interesses de todos os povos para levar e desenvolver o commercio e a civilisação ao seio da Africa. O rei da Bélgica faz aquillo que nós não podemos nem saberemos fazer, se desprezarmos a alliança ingleza.

Será crivei que Portugal não comprehenda os factos que se estão passando? Nós abrimos tambem agora uma subscripção para estabelecer em varios pontos da Africa centros de propaganda commercial religiosa e civilisadora — estações onde os nossos irmãos encontrem protecção e auxilio. Com 4:000$000 réis que nos dá o Porto, com outros tantos que se juntarão em Lisboa e com mais alguns que virão das provincias, póde-se fazer face ás necessidades do nosso territorio africano? Ora, realmente, senhores, acreditaes na efficacia de similhantes meios?

Se o rei da Belgica, para ver coroados os seus. esforços philanthropicos, julga necessario rodear-se de todos os homens ricos sem distincção de nacionalidade, o que vamos nós fazer á Africa sosinhos com estes nossos modestos contos de reis?!

Que estações de commercio e de propaganda conseguiremos fundar?!

Como as sustentaremos, se lograrmos fundal-as?

Que colonias agricolas nascerão d’ahi? Colonias agricolas! quando o governo que é o governo, e n’esta terra depois do governo eu não conheço ninguem, não póde até hoje realisal-as! Colonias agricolas! onde o mais«energico e activo colono está arriscado a perder em uma noite os fructos do seu trabalho pelos roubos dos cafres, em sitios onde não chega a acção das auctoridades portuguezas e o nosso dominio é puramente theorico!

Que póde a civilisação esperar de nós no futuro?

Resumo com profunda tristeza n’uma curta phrase a minha resposta:

— Nada, se nos isolarmos.

Poderemos esperar simplesmente a vergonha de perder tudo. E n’esse dia memoravel, ao qual eu não desejarei assistir, Portugal reconhecerá quaes eram ou podiam ser os seus verdadeiros amigos.

Entre as nações uma alliança é una pacto similhante aos que fazem todos os dias os particulares, que se congregam para fundar uma industria ou explorar um processo. Juntam-se dois ou mais homens para abrir uma fabrica, e um póde dar o trabalho, dar o outro o capital e um terceiro a intelligencia. A empreza, que não chegaria a existir se estes homens se isolassem, realisa-se pela associação. Pois muito bem. Nós estamos no mesmo caso, em relação á Inglaterra.

. Falta-nos o capital e a iniciativa. Entremos como parceiros na sociedade para melhorar o que possuimos, mas conservando cada um o que lhe pertence. Façamos um contrato bem claro, e cumpramol-o lealmente sem desconfiança. Não imite a nação os seus antigos morgados, que perderam os bens por os não quererem nem saberem gerir. A absorpção dos nossos dominios será tanto mais rapida quanto maior for o seu abandono, porque daremos ás nações o direito de expropriação por utilidade publica.

Com auctoridades justas e intelligentes nas colonias não receio conflictos com os inglezes. Estando as nossas colonias florescentes, não me assusto que a Gran-Bretanha se atreva nunca a apoderar-se d’ellas.

A Inglaterra é um paiz que dispõe de quarenta colonias com 254 milhões de habitantes, um sexto de toda a raça humana. Tem as suas colonias 9 milhões de milhas quadradas, um sétimo da superficie da terra habitada. Que lhe importa a ella a posse de mais algumas centenas de milhas de superficie que estejam nas mãos de um povo amigo! O que ella quer é a estrada desembaraçada para alargar a sua esphera de acção no interior da Africa, e talvez impedir que outros vão adiante tornar-lhe o passo. Nós possuimos na Africa essas estradas. Os portos principaes em toda a costa, e os melhores rios para o interior, que não servem a ninguem, são nossos. Abramos todas as portas que podem facilitar a civilisação, do continente negro. A humanidade nol-o agradecerá reconhecida. E nós teremos feito da grande herança, que nos deixaram os portuguezes conquistadores, o uso patriotico e unico a que elles a destinaram. Os inglezes são homens frios, calculadores e eminentemente praticos. Assocismo nos a elles n’esta grande obra do futuro com idéas iguaes.

São solidos amigos e escravos da sua palavra. O descobrimento da hulha e da navegação por vapor deu-lhes no seculo em que vivemos o dominio dos mares e o commercio universal. Juntem-se em fraternal amplexo as duas. grandes nações maritimas da historia.

Conquistemos assim a nossa antiga preponderancia, e ponhamos indirectamente a hulha que nos falta e as esquadras que não possuimos agora ao nosso serviço. O nosso antigo logar de piloto ninguem nol-o disputa. Que ninguem nos roube o quinhão a que temos direito nos progressos da Africa. E que o futuro possa dizer que a civilisação africana foi principalmente devida ás duas nações amigas.

Independentemente da questão colonial, tenho ainda, a acrescentar, que os povos prudentes e modestos costumam preparar-se durante a paz para os momentos de adversidade e provação, cuidando dos exercitos e escolhendo as boas allianças.

O verdadeiro homem d’estado é aquelle que prevê de mais longe, mais cedo e mais depressa os acontecimentos, e quem tiver a pretensão n’esta terra de merecer este nome não póde esquecer-se da alliança ingleza. Que importa que uma falsa opinião publica, filha da ignorancia ou da maldade o não acompanhe?! O homem d’estado deve sempre luctar, e luctar ainda mesmo que seja ultrajado. O futuro que não tem paixões vingará as offensas.

Podia citar, sr. presidente, dezenas de exemplos da historia para demonstração do que digo, mas basta que traga á lembrança de v. exa. um de entre tantos que me occorrem n’este momento.

Ha onze annos, a cidade de Paris n’um tumulto indescriptivel, e em odio accesa contra a Prussia, atroava os ares com esta orgulhosa ameaça—a Berlim! a Berlim!

Na camara franceza onde se apresentara a declaração de guerra, um ministro das velhas monarchias tentava impedil-a, com a maior sagacidade politica dos tempos modernos, e com a logica irresistivel dos factos.

Elle só, sem se arreceiar dos seus contrarios, no meio de uma assembléa exaltada — um contra todos — tinha a coragem de proclamar á nação que evitasse a guerra, porque não estava preparada para a lucta. O nome de traidor assomou insensivelmente a todos os labios, e o echo do seu discurso, dividido em palavras soltas e ás vezes até em monosyllabos pelas interrupções dos adversarios, trouxe para a rua o mesmo epitheto, que o povo repetiu raivoso no delirio de uma febre patriotica mas perniciosa.

A onda popular, tremenda e ameaçadora, pouco tempo depois, invadia a praça de. S. Jorge, onde era a casa do traidor. Tentando forçar- as portas que gemiam sobre os gonzos prestes a ceder, e fazendo os vidros das janellas em hastilhas que tiniam no ar, soltava rugidos de colera que amedrontariam leões.

Como se não bastara o ultraje de lhe chamarem traidor, outro epitheto igualmente affrontoso, e o mais affrontoso que se póde lançar em rosto a um francez dos nossos dias, tinha ainda de ouvir o patriota.

Todos os populares, bramindo irados, repetiam em coro: abaixo o prussiano! Morra o prussiano!

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Fez-se a guerra, e não infeliz ella foi para os francezes, que contaram depois as derrotas pelas batalhas.

A opinião publica allucinada sempre, quando os allemaes batiam ás portas de Paris, exclamava ainda: nem uma pedra das nossas fortalezas, nem um palmo de chão do nosso territorio!

A Allemanha, porém, implacavel apertara o cerco, o de hora em hora exigia mais.

Foi então que a nação arrependida se lembrou de ir buscar o prussiano.

Acudiu-lhe o prussiano. Salvou a patria. E hoje o prussiano é na historia, segundo a phrase de Gambetta, o libertador da França! (Profunda sensação.)

O sr. Ministro das Obras Publicas e interino dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): — Não venho responder ao notavel discurso do digno par, o sr. Aguiar, mas simplesmente dizer a s. exa. que as notas a que s. exa. se referiu, existentes na secretaria dos negocios estrangeiros, têem o caracter de confidenciaes, e por isso só de accordo com o governo inglez eu lhes poderia dar publicidade.

Pelo que respeita á questão de Lourenço Marques já tive occasião de declarar que o adiamento do tratado fôra accordado com o governo inglez, não estando ainda ao presente definitivamente regulada a situação politica do Transvaal.

Nos preliminares da paz entre a Inglaterra e o Transvaal, estipulou-se que a este seria garantida a sua autonomia, cabendo á Inglaterra o direito de suzerania e de fiscalisação nos negocios externos do Transvaal.

N’esse sentido expediu o governo inglez as suas instrucções aos commissarios que nomeou.

Mas como se deva entender praticamente o direito de suzerania que cabe á Inglaterra e até que ponto se possa estender a autonomia garantida ao Transvaal, questões são essas que não estão ainda definitivamente resolvidas. Por isso, como disse, a regularização da situação do Transvaal póde trazer comsigo a necessidade de modificações no tratado, e pois de novas negociações com o governo inglez. Foi no interesse d’essas negociações que eu tive a honra de dizer que não julgava conveniente entrar por emquanto em mais amplas explicações; mas o que posso dizer á camara é que não chegou ao conhecimento do governo que a Inglaterra tivesse o proposito de lavar o caminho de ferro do Durban até Pretoria, preterindo o caminho de ferro que era uma das vantagens que se podiam auferir do tratado de Lourenço Marques.

Quanto ao mais, asseguro ao digno par que está plenamente no modo de pensar do governo o conservar e estreitar as amigaveis relações que prendem Portugal com a nação ingleza; e que elle deseja manter essas boas relações em tudo o que for compativel com os nossos proprios interesses.

Creio ter respondido á unica pergunta directa que me dirigiu o digno par, o sr. Antonio Augusto de Aguiar, a quem muito sinceramente felicito pelas considerações esplendidamente formuladas que apresentou á camara.

O sr. Mendonça Cortes: — Applaudo me de ter provocado ainda que indirectamente as observações que nós todos admirámos, e que eu. como toda a camara, acho sensatissimas, do digno par o sr. Aguiar.

Quanto ao que disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros, não tenho mais senão agradecer a s. exa. as explicações que teve a bondade de dar e que eu creio que são o mais sinceras e francas, como s. exa. assegurou.

O sr. A. de Aguiar: — Duas palavras unicamente. Desejo que fique bem consignado o que o nobre ministro dos negocios estrangeiros acaba de responder. Em primeiro logar que ha documentos de caracter confidencial com relação á questão do Zaire.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): — Esses documentos são anteriores á formação do actual gabinete, como disse.

O sr. A. de Aguiar: — Perfeitamente. Em segundo logar desejo tambem que se registe a outra declaração do illustre ministro; isto é, que ao conhecimento de governo não chegou noticia alguma official de que a Inglaterra vá fazer o caminho de ferro de Durban a Pretoria. Espero que o governo portuguez se não esqueça de empregar toda a sua influencia para que tal facto não succeda.

Ha muita gente que receia a hydra da reacção, outros temem o meteoro politico que ahi appareceu, e cujo nome não está bem conhecido; a mim, porém, o que seriamente me preoccupa, é que nos affastemos demasiado das nossas antigas relações de amizade com a Inglaterra.

O sr. Marquez de Vallada: — Chamou a attenção da commissao de fazenda para um requerimento apresentado por varios industriaes com relação ao projecto vindo da camara dos senhores deputados e que trata de direitos sobre o aço.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.)

O sr. Presidente: — Os membros da commissão de fazenda ouviram as observações feitas pelo digno par, e de certo as tomarão na devida consideração.

Vae-se entrar na ordem do dia. Está sobre a mesa o parecer n.° 104. O auctor do projecto, a que elle se refere, não está presente, e o digno par, que era relator da commissão de fazenda, faz hoje parte do ministerio; por consequencia, não sei se a camara quererá discutir hoje este parecer.

O sr. Ministro da Guerra (Sanches de Castro): — Sr. presidente, o governo está de accordo com as idéas expendidas no additamento que se fez ao projecto relativo ao bill de indemnidade, comtudo parece-lhe mais conveniente não continuar agora a discussão d’esse projecto, porque tenciona, na proxima sessão legislativa, apresentar uma proposta de lei regulando mais claramente o assumpto.

O sr. Presidente: — Pelo que me pareceu ouvir, o sr. ministro da guerra é de opinião que a discussão do projecto não póde ter seguimento, porque s. exa. deseja habilitar-se a fim de poder apresentar opportunamente uma proposta de lei que consigne as suas idéas.

Creio que a camara, em vista da declaração do sr. ministro da guerra, e da circumstancia de não se achar presente o auctor do projecto, convirá em que se adie esta discussão.

O sr. Mendonça Cortez: — Ás condições acusticas d’esta casa são taes que por mais esforços que fiz não pude ouvir o que disse o sr. ministro da guerra. Por consequencia peço a v. exa. que me esclareça sobre este ponto, dizendo-me a que assumpto se referiu o sr. ministro da guerra, se foi ao projecto chamado vulgarmente dos coroneis.

O sr. Presidente: — Exactamente.

O sr. Mendonça Côrtez: — Tambem não sei qual foi a opinião apresentada pelo sr. ministro da guerra, e peço a v. exa. que tenha a bondade de me informar egualmente a este respeito.

O sr. Presidente: — O sr. ministro da guerra disse que desejava apresentar sobre o assumpto uma proposta na proxima sessão legislativa, e por consequencia pedia que se sobrestivesse na discussão, porque não se conformava inteiramente com o projecto.

O sr. Mendonça Cortez: — O que eu vejo é que, apesar da solidariedade ministerial que deve existir entre os membros do gabinete, o sr. ministro da guerra não está perfeitamente de accordo na questão dos coroneis com o sr. ministro da justiça, e não querendo entrar agora n’esta questão, registo o facto para o discutir a seu tempo.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.° 163 sobre o projecto de lei n.° 147.

O sr. Secretario: — Leu.

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É do teor seguinte:

PARECER N.° 163

Senhores. — A vossa commissão de fazenda examinou attentamente o projecto de lei n.° 148, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por objecto isentar dos direitos de nacionalisação, até 31 de dezembro de 1882, os navios de vela, de ferro ou madeira, e de tonelagem não inferior a 400 metros cubicos, que forem adquiridos por subditos portuguezes ou por companhias competentemente auctorisadas pelo governo, e que navegarem na conformidade das leis do reino; e a vossa commissão

Considerando que uma das causas da decadencia da nossa marinha mercante de vela é, sem duvida, o elevado direito pautai que actualmente onera o embandeiramento dos navios de origem estrangeira;

Considerando que é indispensavel e urgente prover de remedio a este mal, sem todavia prejudicar a industria nacional de construcção de navios;

Considerando, porém, que da estatistica official das embarcações construidas nos ultimos cinco annos, nos tres departamentos maritimos do reino, resulta, não só que os navios fabricados foram, na maior parte, de pequena lotação e sempre inferior a 400 metros cubicos, como tambem ser quasi nulla entre nós a construcção de navios de ferro; e

Considerando mais, que pelas disposições d’este projecto se conciliam inteiramente os interesses d’essa industria com as impreteriveis necessidades da navegação e do commercio, não menos attendiveis, porquanto se limita a isenção do direito aos navios de véla de tonelagem superior á d’aquelles que são construidos no paiz:

É, n’estes termos, a vossa commissao de parecer, de accordo com o governo, que approveis este projecto de lei, a fim de ser submettido á real sancção.

Sala dá commissao, 20 de fevereiro de 1881. = Carlos, Bento da Silva = Antonio de Serpa Pimentel = Barros e Sá = Fernandes Vaz = H. de Macedo = J. J. de Mendonça Cortez = Conde de Castro, relator.

Projecto de lei n.° 148

Artigo 1.° É livre de direitos de nacionalisação, até 31 de dezembro de 1882, a importação de navios de vela, de ferro ou de madeira, cuja tonelagem não seja inferior a 400 metros cubicos, quando sejam propriedade de subditos portuguezes ou de companhias auctorisadas por decreto do governo portuguez, e que navegarem na conformidade das leis do reino.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 24 de janeiro de 1881. = José Joaquim Fernandes Faz, presidente = Th ornas Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d’Avila, deputado secretario.

Mappa das embarcações construidas durante os cinco annos decorridos de 1876 a 1880 nos departamentos maritimos

[Ver valores da tabela na imagem]

Norte (1876 1877 1878 1879 1880) Centro (1876 1877 1878 1879 1880) Sul (1876 1877 1878 1879 1880)

As embarcações constantes d’este mappa têem a seguinte tonelagem:

Com mais de 100 metros cubicos............. 94

Com mais de 200 metros cubicos............. 19

Com mais de 300 metros cubicos..............10
123

Secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, 24 de fevereiro de 1881. = Visconde da Praia Grande, director geral.

O sr. Presidente: — Está em discussão o projecto de lei n.° 148 na sua generalidade e especialidade, porque contem um só artigo.

O sr. Mendonça Côrtez: — Eu desejava que v. exa. me dissesse se houve algum motivo especial para entrar em discussão este parecer, que não estava, creio eu, dado para ordem do dia.

Este parecer foi apresentado .em 4 de marco, e desde então até hoje não se encontrou nenhum motivo para que fosse dado para a discussão de preferencia a outros.

O sr. Presidente: — Eu achei dado para ordem do

dia este parecer com outros, e creio que n’estas circumstancias a mesa podia pol-o em discussão. Alem d’isso houve o pedido do sr. conde de Castro para esse parecer entrar em discussão, pedido que foi approvado pela camara.

O sr. Conde de Castro: — Fui prevenido por v. exa. quando pedi a palavra.

O que tinha a dizer era exactamente o que v. exa. acaba de enunciar.

Fiz até um requerimento, que foi approvado pela camara, para que este .projecto se discutisse, porque o julgo de incontestavel vantagem publica.

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358 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Presidenta: — Os dignos pares que approvam o projecto de lei na sua generalidade e especialidade tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Todos os outros projectos que estão dados para ordem do dia carecem, para poderem entrar em discussão, da presença de alguns dos srs. ministros. Creio que a camara n’este caso não quererá continuar Com a ordem do dia, e, portanto, vou levantar a sessão.

A sessão amanha começará ás tres horas da tarde, sendo a ordem do dia a que estava já dada e os pareceres n.os 176, 182, 181, 183, 184 e 185. Serão publicados no Diario do governo os numeros dos pareceres dados para ordem do dia para que todos os dignos pares possam ter conhecimento d’elles:

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 1 de junho de 1881 Exmos. srs.: Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Penafiel, de Vallada, de Vianna, de Sabugosa; Condes, do Casal Ribeiro, de Castro, de Fonte Nova, de Paraty, de Podentes, da Ribeira Grande, do Gouveia, das Alcáçovas, de Valbom; Bispos, de Lamego, eleito do Algarve; Viscondes, do Alves de Sá, de S. Januario, da Praia Grande, de Soares Franco, do Villa Maior, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, da Praia; Ornellas, Augusto de Aguiar, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Xavier da Silva, Palmeirim, Basilio Cabral, Cairos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Francisco Cunha, Margiochi, Henrique de Macedo, Maldonado de Eça, Moraes Pessanha, Andrade Corvo, Cau da Costa, Abreu e Sousa, Ferreira Lapa, Mendonça Côrtez, Gusmão, Braamcamp, Castro, Fernandes Vaz, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Ponte e Horta, Mello e Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Daun e Lorena, Pires de Lima, Barjona de Freitas, Pereira Dias, Franzini, Placido de Abreu, Calheiros, Pinto Bastos, Costa Lobo.

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