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N.º 46

SESSÃO DE 9 DE JULHO DE 187

Presidencia ao exmo. Sr. Antonio José de Barros e Sá

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia.-É introduzido na sala e toma posse do seu logar o digno par electivo o sr. visconde de Alemquer. - O digno par o sr. marquez de Rio Maior chama a attenção do governo para os feitos gloriosos praticados no Tungue pelo sr. Palma Velho. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O digno par o sr. visconde de Benalcanfor participa achar-se constituida a commissão de redacção. - O digno par o sr. Thomás Ribeiro justifica as suas faltas ás sessões, declara que se estivesse presente teria votado contra a auctorisação ao governo para celebrar o tratado com a China e interroga o sr. ministro da fazenda ácerca das christandades de Ceylão. Responde-lhe o sr. ministro. - O digno par o sr. Candido de Moraes manda para a mesa um requerimento. Depois de algumas observações é expedido. - Ordem do dia: discussão do parecer u.° 69. - O digno par o sr. conde da Folgosa manda para a mesa uma proposta. - Em nome da commissão de fazenda o digno par o sr. Francisco de Albuquerque diz que a acceita. É admittida á discussão. - Tambem o digno par o sr. Pinheiro Borges manda outra proposta. - O sr. ministro da fazenda faz sobre ella varias considerações e reputa-a ociosa, e o digno par proponente pede licença para a retirar. A camara annue. - Procede-se á votação do parecer n.° 69. - Lêem-se na mesa as propostas do digno par o sr. Vaz Preto, e são rejeitadas. - Approva-se a do sr. conde da Folgosa com um additamento do sr. ministro da fazenda, e por ultimo é tambem approvado o projecto. - Segue-se a discussão do parecer n.° 68. - Discreteia sobre elle o digno par o sr. Hintze Ribeiro. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Os dois oradores alternam-se ainda mais de uma vez no uso da palavra. - Submette-se o parecer á votação e é approvado. - Em vista do adiantado da hora, o sr. presidente levanta a sessão, designa a immediata e a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 25 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio da junta promotora de melhoramentos agricolas de Santarem, convidando o sr. presidente da camara e respectivos dignos pares a assistirem á abertura da exposição pecuaria, que ali deverá ter logar no proximo dia 10 do corrente, e. enviando para esse fim cincoenta e um bilhetes de admissão.

A camara ficou inteirada.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.}

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares, srs. conde de Castro e Mendonça Cortez a introduzirem na sala o sr. visconde de Alemquer, que se acha no edificio da camara para tomar assento.

Introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento o digno par, o sr. visconde de Alemquer.

O sr. Marquez de Rio Maior: - Pedia a palavra, porque tencionando retirar-me para fora de Lisboa muito breve, quiz antes d'isso participai-o á camara, informando-a que o motivo de eu faltar ao cumprimento dos meus deveres parlamentares provem da necessidade de tratar da minha saude. A camara, na sua benevolencia, me desculpará.

Aproveito o ensejo de ter a palavra para unir o meu voto ao d'aquelles que instam com o governo para que se não demore a recompensa official devida aos relevantes serviços prestados na bahia de Tungue, pelo valente coronel de cavallaria, Palma Velho. Este benemerito official e as forcas do seu cominando já foram louvados por esta camara na resposta, ao discurso da corôa; porém é necessario não parar aqui. N'uma das sessões passadas já o meu bom amigo e collega, o digno par Vaz Preto, chamou a attenção do governo para este ponto; eu pedi tambem a palavra, não usando d'ella por ter dado a hora de se entrar na ordem do dia. Senti não ter tido o ensejo de prestar à homenagem do meu respeito e consideração ao illustre soldado; mas faça-o hoje.

É certo, sr. presidente, que á actividade do sr. Palma Velho, á pressa com que elle desembarcou em Tungue e tomou posse d'esta parte da costa africana, muito se deve. O sr. ministro sabe, melhor que ninguem, que se tivesse havido demora, talvez a occupação se não tivesse effectuado; quando outras potencias interessadas reclamaram era tarde, e o facto consummado argumentava a nosso favor. Muito podia dizer sobre o assumpto, faltam-me, todavia, os documentos, que não trouxe, e n'este momento, infelizmente, não os tenho presentes.

Não foi ferido o commandante da expedição, dizem, mas está rasão em nada colhe; generaes distinctissimos têem havido, que tendo arriscado a vida em muitos combates e batalhas, tão bem fadados foram que as balas sempre os respeitaram. Não é pelo numero dos feridos e dos mortos que se avaliam sempre os resultados de uma campanha; ás consequencias moraes cumpre primeiro attender; á rapidez da estrategia e dos movimentos das forças belligerantes se devem muitas vezes importantissimas victorias, muito embora as vidas fossem poupadas, e o sangue não chegasse a ser derramado. O arrojo, a decisão prompta do commando triumpharam por esta fórma das meticulosas conspirações diplomaticas!

O sr. Palma Velho conseguiu tudo isto, e o sr. ministro bem o sabe. Comtudo faz amanhã um mez que elle chegou a Lisboa, e até hoje não foi favorecido pela graça real. Quando alguem encontra este illustre cavalheiro, pergunta-lhe: - " Que faz o governo?" - Infelizmente elle vê-se obrigado a responder:-"Até agora, nada!"

Isto não póde continuar. O sr. ministro sabe que eu sou seu amigo particular e politico, não tenho a menor idéa de o aggredir, as armas offensivas contra o ministerio não as empregarei eu, por certo; mas nem por isso faltarei ao dever de lembrar o que é justo, e recordar ao poder executivo os assignalados serviços d'aquelle que honrou o nome portuguez.

Tomaram-se bandeiras ao sultão de Zanzibar, e alguns canhões, conquistaram se 70 kilometros, creio eu, de costa, e isto, quando os nossos direitos historicos nos eram contestados. Julga alguem que foi pouca cousa? Era com anciã que o governo esperava as noticias da tomada da posse da bahio de Tungue? e felizmente o telegrapho trou-

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xe-nos a grata novidade, que os soldados portuguezes mais uma vez tinham honrado as cinzas dos seus maiores.

O sr. Palma Velho foi proposto, segundo me consta, pelo sr. Castilho, governador de Moçambique, para commendador da Torre e Espada, e o ministro apenas o condecorou com a commenda da Conceição. O motivo d'esta substituição na graça proposta ignoro-o eu; provavelmente couve rasão grave para isto, mas custa a admittil-a e percebel-a; depois foi tambem exonerado do governo de Cabo-Delgado, e hoje o sr. Palma Velho está em Lisboa semi as responsabilidades do seu governo, collocado na disponibilidade. Não pergunto os motivos, só peço que este valente official seja considerado com as distincções que muito bem merece.

O sr. Palma Velho é meu particular amigo e antigo conhecido; sei avaliar as suas altas qualidades, como bem as avaliava o benemerito general Folque, que o tinha como um dos seus melhores collaboradores na commissão geodesica, onde elle durante vinte e dois annos prestou excellentes serviços.

Nada mais digo. Concluo, fazendo votos para que o estado encontre sempre servidores tão honestos e zelosos.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Pedi a palavra, sr. presidente, para affirmar ao digno par que o governo tem no maior apreço os serviços prestados pelo official a quem s. exa. se referiu, e que, se ainda o não galardoou devidamente, é porque na verdade o excesso do serviço publico lhe tolhem o tempo e o tem inhibido de o fazer.

De dia, as sessões parlamentares, e á noite, as reuniões das commissões, não dão ensejo ao governo para mais que o estrictamente necessario, vendo-se por isso forçado a deixar para mais tarde negocios que hão de comtudo ser resolvidos. E este um d'elles.

Agora, quanto á allusão feita pelo digno par relativamente á substituição da mercê proposta para aquelle official, eu julgo poder affirmar a s. exa. que a commenda da Conceição, com que o sr. Palma Velho foi agraciado, é justamente a que o governador de Moçambique propoz se lhe desse.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Marquez de Rio Maior: - Agradeço ao nobre ministro as explicações que acaba de dar-me, e fico certo que o governo não deixará sem premio condigno os feitos do official a quem me referi.

O sr. Visconde de Benalcanfor: - Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão de redacção, tendo escolhido para seu presidente o digno par õ sr. Jayme Moniz, e a mim para secretario.

O sr. Thomás Ribeiro: - Pedi a palavra sr. presidente, para em primeiro logar declarar a v. exa. e á camara, que, por motivo justificado, não me foi possivel assistir a algumas das ultimas sessões, e que se estivesse presente n'aquella em que se votou o tratado com a China, teria votado contra elle, e até usaria da palavra para o combater.

Tambem pedi a palavra, apesar de não estar presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, para dirigir ao sr. ministro da fazenda uma pergunta.

Essa pergunta não diz respeito propriamente a assumpto que corra pela pasta do sr. ministro da fazenda; mas, se s. exa. não se julgar habilitado a responder-me, eu espero dever a s. exa. o favor de a transmittir ao seu collega dos negocios estrangeiros, para que eu tenha resposta.

V. exa. deve estar lembrado que a camara dos pares, quando aqui se discutiu a concordata, se empenhou manifestamente para que o governo obtivesse da Santa Sé que os catholicos de Ceylão ficassem sob á jurisdicção do nosso padroado no oriente, e que, tendo o governo declarado não poder naquella occasião, reabrir as negociações com a curia romana, depoz a camara nas maus do mesmo ministro
dos negocios estrangeiros uma petição, a fim de que s. exa. a fizesse chegar até ao Santo Padre.

Por essa occasião, se me não engano, igual manifestação se fez na camara dos deputados; mas são passados muitissimos dias, não me recorda agora a data exacta de quando terminou esta questão na camara dos pares, mas de certo ha muito tempo já, e como as distancias estão abolidas, porque o telegrapho tornou vizinhos os mais distantes povos, parece-me que já poderia ter chegado a Roma a petição do parlamento portuguez, bem como a respectiva resposta a Lisboa, e eu desejava muito o prazer de ouvir uma resposta affirmativa da bôca do nobre ministro da fazenda.

Sabe-se que os catholicos de Ceylão fizeram subscripções para aqui mandarem um delegado seu consta-me que esse delegado tem necessidade de se pôr em breve a caminho para Bombaim, e seria conveniente que elle levasse áquelles povos alguma resposta.

Não é que eu subscrevesse a petição dos dignos pares, e não por minguarem-me desejos de ver realisados os votos d'aquellas christandades, e satisfeito o pedido da camara; mas por motivos particulares e muito especiaes, não assignei essa petição.

Entretanto quizera dever ao sr. ministro da fazenda o favor de uma qualquer resposta.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda: - Não podem nunca incommodar-me nenhuns dos dignos pares, e menos ainda o sr. conselheiro Thomás Ribeiro, que me dá a honra de ser meu amigo; e comquanto não tenha nenhuma informação official nem particular ácerca do negocio a que s. exa. se referiu, porque não estava presente n'esta camara quando o meu collega, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, usou da palavra sobre elle, comtudo não deixo de dizer ao digno par que me recordo de que o meu collega declarara, que, em virtude da posição especial em que se achava collocado, não podia abrir novas negociações com a Santa Sé, mas que communicaria para Roma os votos das duas camaras, da dos dignos pares e dos senhores deputados, e que faria o que podesse para se desempenhar do que lhe cumpria.

Não perguntei ao meu collega se satisfez ao que devia, mas é tal a confiança que tenho no seu zêlo pelo serviço publico, no bom desempenho da missão que lhe está confiada, que creio poder dizer que s. exa. deu cumprimento, de certo, ao que prometteu. Qual terá sido a resposta da Santa Sé, não o posso dizer, e embora se tenham feito as communicações immediatamente, este assumpto é tão importante que não me parece que em tão pouco tempo se haja obtido já uma solução.

Repito, supponho que o sr. Barros Gomes já cumpriu a promessa que fez ao parlamento, e quando este negocio venha a ter solução, estou convencido que, se s. exa. não poder comparecer aqui e dar as devidas informações, me encarregará a ruim ou a algum dos meus collegas de as communicar á camara.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, é para cumprir um dever de cortezia para com o nobre ministro da fazenda.

Eu não tenho a menor duvida de que s. exa. nos daria as devidas explicações, se tivesse conhecimento da resposta da Santa Só; estou certo que o nobre ministro dos negocios estrangeiros terá já feito chegar ás mãos do Santo Padre o voto das duas camaras portuguezas; não ponho, tambem, n'isso a menor duvida; mas como se trata de um assumpto que interessa a todos os portuguezes, não deve o sr. ministro da fazenda estranhar a anciedade em que todos estamos e o desejo bem natural de saber qual foi o resultado obtido pela significação do nosso voto.

O sr. Candido de Moraes: - Mando para a mesa um requerimento que peço licença para ler.

(Leu.}

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Como não está presente o sr. ministro das obras, publicas, nem o digno par o sr. Hintze Ribeiro, eu deixo por agora de fazer quaesquer considerações sobre o motivo do meu requerimento, comquanto não tenha cousa alguma a dizer que possa sor desagradavel a nenhum d'aquelles cavalheiros. Todavia eu desejo fallar quando s. exas. estejam presentes.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada a esta camara copia dos contratos celebrados com a firma Bensaude &. C.a, ou quaesquer documentos para aluguer de quaesquer porções, de molhe do porto artificial de Ponta Delgada.

Sala das sessões, em 9 de julho de 1887. = Candido de Moraes.

O sr. Ministro da Fazenda: - Por um incidente da discussão eu conheço os documentos a que o digno par se refere no seu requerimento, e posso dizer a s. exa. que não ha contrato algum feito com a casa Bensaude. É simplesmente uma advertencia que faço, para que o digno par, querendo, altere a redacção do seu requerimento, por isso que não ha nenhum contrato, e podia succeder que, tendo s. exa. requerido copia de um documento que não existe, e deixando de a receber, poderia persuadir-se de que o seu pedido fora tomado em menos conta.

O que ha, são requerimentos da casa Bensaude, informações do director das obras do porto artificial de Ponta Delgada e despachos do ministro. Não ha nenhum contrato.

O sr. Candido de Moraes: - Eu agradeço ao sr. ministro da fazenda as explicações que s. exa. acaba de me dar.

Eu julguei que houvesse algum contrato, visto que se tratou de uma importante concessão de terreno no molhe de Ponta Delgada. Porem como não ha contrato, mas varios documentos, se v. exa. e a camara me permittem, eu alterarei o meu requerimento n'este sentido.

A camara annuiu e leu-se na mesa e foi expedido o requerimento assim alterado.

O sr. Presidente: - Vae ser expedido o requerimento do digno par com a clausula, "se não houver impedimento".

Não havendo mais quem peça a palavra, passa-se á

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.° 69

O sr. Conde da Folgosa: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta que se refere ao n.° 4.° do artigo 5.° do projecto que está em discussão.

Pela doutrina d'este numero 4.°, todas as cavalgaduras destinadas ao serviço da agricultura ficavam comprehendidas e obrigadas ao pagamento da contribuição, e no entretanto todos sabem que em muitos pontos do nosso paiz se emprega o gado muar no serviço agricola. Succede isto principalmente no Alemtejo, e é de toda a equidade que as referidas cavalgaduras fiquem manifestamente isentas da contribuição.

Mando portanto para a mesa a seguinte proposta.

(Leu.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que no n.° 4.° do artigo 5.°, onde se le: "As cavalgaduras destinadas ao serviço da agricultura e eguas de creação, quando tanto estas como aquellas se conservem em manadas e não prestem commodo pessoal" se se substitua:

"As cavalgaduras exclusivamente ao serviço da agricultura e as eguas que forem exclusivamente de creação, quando não prestem commodo pessoal."

Camara dos dignos pares do reino, em 9 de julho de 1887.= Conde da Folgosa.

Consultada a camara foi admittida á discussão.

O sr. Francisco de Albuquerque (relator): - Declaro- a v. exa. e á camara que a commissão de fazenda, de accordo com o governo, não tem duvida em acceitar a proposta mandada para a mesa pelo sr. conde da Folgosa, salva a redacção.

O sr. Pinheiro Borges: - Sr. presidente, começo por declarar a v. exa. que dou o meu voto a este projecto, assim como o darei a todos os mais que se apresentarem em harmonia com o plano do illustrado ministro da fazenda, e que tenham por fim estabelecer o equilibrio entre as contas da receita e despeza do estado, por isso que considero o deficit como a peior de todas as contribuições, por ser causa puramente de augmento da conta da despeza, e por consequencia da necessidade de novos impostos, que por fim hão de exceder os recursos dos contribuintes e conduzir a uma solução desastrosa para o credito do paiz. Trata-se, porém, de uma lei tributaria que abrange á parte mais importante da população, e por isso julgo necessario que nas suas disposições, alem dos sacrificios que se pedem ao contribuinte, se não encontrem preceitos que dêem logar a arbitrios por parte dos funccionarios a quem competir a Cobrança dos impostos.

A base n.° 4 d'este projecto diz:

"Pela falta, inexactidão, ou insufficiencia das declarações a que, conforme os preceitos regulamentares, os senhorios são obrigados, ficam estes solidariamente responsaveis com os arrendatarios pelo pagamento das contribuições de renda por um espaço de um anno, desde que as mesmas contribuições forem exigiveis."

Nas declarações que actualmente se entregam nas repartições de fazenda para se calcularem as contribuições sumptuaaria e de renda de casas, e especialmente nas que são apresentadas pelos proprietarios: encontram-se duas ordens de esclarecimentos; uns de que o declarante tem conhecimento exacto, e são os que me persuado necessarios para determinar o quantum da contribuição, e ainda para facilitar a cobrança; outros ha que os senhorios indicam por informação e que pouca ou nenhuma importancia têem para o calculo do imposto, mas que podem servir para que os empregados de fazenda, por abuso ou ignorancia, tomem como pretexto para julgar inexactas ou insufficientes as declarações.

Nas actuaes declarações encontram-se os seguintes pedidos: nome e morada do directo senhorio dos predios, quando estes paguem fôro, indicação dos empregos ou profissões dos inquilinos, etc., etc. Como exemplo, tenho aqui presente uma d'estas relações, e que é relativa a uma propriedade que paga de fôro a um individuo que reside fóra do reino; a declaração está completa, diz mesmo que o directo senhor reside em Paris, na avenida Villars, e só lhe falta indicar, o numero da casa da residencia. Não poderá servir esta falta para o escrivão de fazenda julgar a declaração como insuficiente?...

Eu sei que o sr. ministro da fazenda, com quem desde muitos annos tenho mantido as mais amigaveis relações, e conversado muitas vazes sobre assumptos que interessam á administração do estado, é inteiramente contrario a que os empregados de fazenda entrevenham na politica, mas nem todos pensam como s. exa., e s. exa. sabe quantas vezes por causa da politica se abusa e se exercem vinganças, e por isso desejava que as leis tributarias fossem sempre redigidas de modo que nunca se podessem encontrar n'ellas pretextos para vexames, e que a falta de um numero, sem importancia para o lançamento e imposto da contribuição, possa ser motivo para tornar os proprietarios responsaveis por omissões d'esta natureza.

A indicação, por parte dos proprietarios, dos empregos

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ou profissões dos inquilinos, não é um esclarecimento tão facil de obter como á primeira vista parece; o proprietario declara o nome e a profissão que o inquilino lhe indica; e não me parece que possa ser responsavel pela inexactidão, nem pela circunstancia que muitas vezes se dá, de mudança de emprego ou profissão.

Julgo, portanto, conveniente que estas duvidas fiquem resalvadas, ou no regulamento, ou por declaração do illustre ministro, ou por uma modificação na redacção do artigo, conforme a proposta que vou ler:

"Art. 4.° Pela falta, inexactidão ou insufficiencia das declarações a que os senhorios são obrigados pelos preceitos regulamentares, mas tão sómente na parte de que póde depender a determinação e cobrança das contribuições de renda, ficam os proprietarios solidariamente responsaveis com os arrendatarios pelo pagamento das respectivas contribuições, pelo espaço de um anno, desde que as mesmas forem exigiveis. = Pinheiro Borges.

Como se vê, desejo que a lei fique redigida de modo que cada contribuinte fique responsavel na parte que lhe compete responder.

O sr. Ministro da Fazenda: - O digno par manifestou receio da palavra insufficiencia contida no artigo. A insufficiencia não é absoluta, mas tão sómente para os fins da lei. É isso o que o regulamento ha de explicar. Pretende-se conseguir que uma grande parte dos contribuintes não desappareçam sem deixarem vestigios.

Acontece haver proprietarios que são negligentes em dar as relações. O inquilino muda-se no meio do semestre ou no fim d'elle e passa o arrendamento para nome d'outrem; o marido, para o da mulher, o irmão, para o da irmã, etc. O que se ha de exigir aos proprietarios é que todas as vezes que houver mudança na situação do inquilino, ou seja por que põe o arrendamento em outro nome, ou porque elle muda effectivamente de arrendatario, sejam obrigados a dar essa declaração, e a insufficiencia d'ella refere-se unicamente ao cumprimento da lei.

Digo, pois, a s. exa., que é perfeitamente indifferente ficar ou não essa palavra; mas se o digno par deseja que eu concorde com a sua proposta, não tenho duvida em acceder aos seus desejos; repito, porem, que é perfeitamente indifferente que o projecto fique tal qual está, ou que soffra a modificação por s. exa. proposta.

(S. ex. não reviu.}

O sr. Pinheiro Borges: - Agradeço ao sr. ministro da fazenda as explicações que acaba de expor, e pela minha parte julgo satisfeito o fim que tinha em vista conseguir, porque as declarações feitas durante a discussão das leis servem muitas vezes para explicar pontos duvidosos, e preencher omissões, e as declarações de s. exa. satisfazem completam ente. Vejo que s. exa. se não oppõe á minha proposta de substituição do artigo, mas tambem não desejo que por este motivo tenha o projecto de voltar á outra casa do parlamento.

O sr. Ministro da Fazenda: - Não me opponho, mas repito que é perfeitamente indifferente que fique ou não essa palavra, porque ella refere-se unicamente aos fins da lei.

O sr. Pinheiro Borges: - N'esse caso peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu retire a minha substituição.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Esse projecto tem só um artigo, portanto uma unica votação e vae votar-se.

Lido na mesa foi approvado, e em seguida rejeitadas as propostas, do sr. Vaz Preto.

O sr. Presidente: - Resta agora a proposta do sr. conde da Folgosa, com a qual o sr. relator da commissão diz; que concorda.

O sr. Ministro da Fazenda: - O digno relator da com missão disse que acceitava a proposta; mas eu desejava que ás palavras "eguas de creação", se acrescentassem as seguintes "quando não prestem commodo pessoal".

Votando-se a proposta n'este sentido, parece-me que fica percebido que essa parte das bases se refere a todos os animaes que não prestem commodo pessoal.

Desejo, pois, que v. exa. consulte a camara, sobre se consente que a proposta seja redigida no sentido que eu indico.

O sr. Conde da Folgosa: - Parece-me que a minha proposta é bem clara.

Refiro-me ás éguas de creação e ás cavalgaduras no serviço da agricultura exclusivamente.

O sr. Ministro da Fazenda: - V. exa. dá-me licença?

O sr. Conde da Folgosa: - Pois não...

O sr. Ministro da Fazenda: - V. exa. tinha rasão se houvesse um só artigo; mas o n.° 3.° refere-se aos cavallos destinados a padreação, quando não prestem commodo pessoal.

Se n'este artigo, se não dissesse o mesmo, podia a lei ser falsamente interpretada, e isto dar logar a abusos.

O sr. Conde da Folgosa: - O artigo antecedente refere-se effectivamente aos cavallos de padreação e aos poldros de quatro annos, quando não prestem commodo pessoal.

Ora os cavallos de padreação podem prestar commodo pessoal, mas os poldros ou as mulas de dois annos, não o prestam.

O sr. Pereira Dias: - Fica a lei mais clava...

O sr. Conde da Folgosa: - Dizendo que são exclusivamente as cavalgaduras destinadas ao serviço da agricultura e as éguas de creação, parece-me não ser precisa qualquer outra explicação.

Em todo o caso, como o sr. ministro da fazenda deseja que se acrescentem as palavras "e não prestem commodo pessoal" não tenho duvida em acceitar a indicação de s. exa.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - O digno par, antes da proposta, concorda que a ella se acrescentem as palavras indicadas pelo sr. ministro da fazenda e a commissão a acceita, salva a redacção; vou, portanto, pol-a á votação.

Consultada a camara sobre a proposta do sr. conde da Folgosa, foi esta approvada.

Approvado o parecer n.° 69, passou-se á leitura do parecer n.° 68, sobre o projecto de lei n.° 24, que é do teor seguinte:

Senhores.- A vossa commissão de fazenda examinou devidamente o projecto de lei n.° 24, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim introduzir algumas modificações na lei da contribuição industrial.

Sendo as modificações propostas destinadas a aperfeiçoar aquella lei; já para evitar duvidas, já para attender a considerações de equidade e ainda para occorrer a casos omissos e mesmo para assegurar a cobrança em algumas cir-cumstancias, a vossa commissão entende que deve merecer a vossa approvação o mencionado processo para poder subir á sancção regia.

Sala da commissão de fazenda, em 4 de julho de 1887.= A. de Serpa (com declarações) = Henrique de Macedo = Augusto José da Cunha = Manuel Antonio de Seixas = Hintze Ribeiro (com declarações) = Conde de Magalhães = Francisco de Albuquerque = Conde de ( Castro = Frederico Ressano Garcia = Pereira de Miranda, relator.

Projecto de lei n.° 24

Artigo 1.° As tabellas A e B das industrias, profissões, artes e officios, organisadas por virtude da carta de lei de 31 de março de 1880, e approvadas por decreto de 3 de junho do mesmo anno, são modificadas e addicionadas nos termos da tabella que faz parte d'esta lei e a ella vae annexa.

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Art. 2.° Os empregados, caixeiros, mestres de officios e artistas de espectaculos publicos, estabelecimentos fabris ou commerciaes e de companhias commerciaes ou industriaes, serão collectadas em contribuição industrial no local onde exercerem as suas industrias profissões, artes ou officios.

Art. 3.° Como official de qualquer profissão, arte ou officio, não poderá ser considerada, para os effeitos da contribuição industrial, a pessoa que 5 exercer em officina propria. Tambem não poderá ser considerado como exercendo agencia indeterminada a pessoa que exercer a sua industria em estabelecimento proprio de venda de quaesquer objectos ou generos.

Art. 4.° É o governo auctorisado a estabelecer o lançamento e cobrança da contribuição industrial por meio de licenças, podendo applicar este systema a todas ou só a algumas terras, industrias profissões, artes ou officios, e bem assim estabelecer novos prasos para a cobrança da mesma contribuição, ficando sempre resalvada a liberdade do trabalho e da industria.

Art. 5.° Ficam extinctas as auctorisações concedidas ao governo pelos artigos 4.° da lei de 30 de julho de 1860 e 4.° da lei de 10 de abril de 1875.

Art. 6.° Ficam por esta fórma modificadas e addicionadas as tabellas A e B esclarecidas ou modificadas algumas disposições que regem o lançamento da contribuição industrial e revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 2 de julho de 1887 .= Francisco de Sarros Coelho e Campos, vice-presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario;

Tabellas a que se refere ã lei d'esta data

Tabella A

Carros ou carroças (alugador de) puxados a bois ou cavalgaduras, incluindo o imposto d'estas.

Directores, gerentes, conselheiros fiscaes e thesoureiros do companhias anonymas de qualquer especie, 10 por cento dos respectivos vencimentos.

Addiciona-se a seguinte industria, nos termos do artigo 3.° da carta de lei de 23 de junho de 1879:

Polvora ou dynamite (fabrica de):

Tendo até cinco operarios, 20$000 réis.

Por cada operario a mais, 2$000 réis.

Tendo um só operario e fabricando sómente polvora de minas ou bombarda e polvora de caça, 2$000 réis. Tendo um só operario e fabricando sómente polvora de minas
ou bombarda, 1$000 réis.

Asphalto, inclue-se em o n.° 24.

Ladrilhos de mosaico, por cada operario, 1$120 réis.

Fabrica a vapor de telha, por cada cavallo de vapor, 3$000 réis, alem do imposto respectivo dos operarios.

Carro ou carroça (dono de)

Para venda ambulante de vinhos, cerveja, ou quaesquer outros generos ou objectos em que se faça commercio.

Sendo puxado por uma cavalgadura, incluindo o imposto d'esta, 8$000 réis.

Sendo puxado por duas cavalgaduras, incluindo o imposto d'estas, 10$000 réis. Para simples conducção e entrega em casa dos compradores:

Sendo puxado por uma cavalgadura, incluindo o imposto d'esta, 4$000 réis.

Sendo puxado por duas cavalgaduras, incluindo o imposto d'estas, 5$000 réis. Sem prejuizo do imposto das respectivas industrias:

Moinhos de vento, 5 por cento da respectiva renda.

Tabella B

São addicionadas por omissas as industrias seguintes:

Alfaias e instrumentos agricolas, como machinas de debulhar, charruas e outros similhantes (mercador de). - Parte 3.ª, taxa 30$000 réis.

Bengalas (fabricante ou mercador de). - Parte l.ª, classe 6.ª Bronze, cobre, ferro ou outros metaes não preciosos (mercador de objectos de phantasia e ornamentação de). - Parte l.ª, classe 4.ª Exploradores de predios urbanos, considerando-se como taes os que alugam casas para as sub-arrendar por sua conta, com ou sem mobilia. - Parte l.ª, classe 5.ª

Machinas de costura (mercador de). - Parte l.ª, classe 5.ª

Machinas de debulhar (o que as tem para debulhar cereaes por aluguer). - Parte 3.ª - Cada uma 20$000 réis.

Caixas de papellão (fabricante de). - 6.ª classe.

Louzeiro. - 8.ª classe.

Passamaneria. - 6.ª classe.

Sabão (mercador por grosso). - 8.ª classe.

Sarro (negociante de). -8.ª classe.

Supprime-se a verba 296 - lagareiro.

Palacio das côrtes, em 2 de julho de 1887. = Francisco de Sarros Coelho e Campos, vice-presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está o projecto em discussão na sua generalidade.

O sr. Hintze Ribeiro (S. exa. não reviu): - Sr. presidente, pouco tenho a dizer propriamente sobre o assumpto d'este projecto, porque elle reduz-se quasi a disposições de expediente.

Pelo que toca a lançamento e cobrança, o que o sr. ministro da fazenda teve em vista foi simplesmente tornar esta contribuição mais productiva, e não faz alterações profundas.

No emtanto desejo pedir algumas explicações ao illustre ministro. Por exemplo:

Diz-se no artigo 4.°:

"É o governo auctorisado a estabelecer o lançamento e cobrança da contribuição industrial por meio de licenças, podendo applicar este systema a todas ou só a algumas terras, industrias, profissões, artes ou officios, e bem as-assim estabelecer novos prasos para a cobrança da mesm-contribuição, ficando sempre resalvada a liberdade do trabalho e da industrial"

Não sei para que seja necessario declarar aqui resalvada a liberdade do trabalho e da industria.

O imposto póde ser cobrado por meio de licenças e em prasos mais ou menos dilatados, sem que com isso se fira a liberdade do trabalho.

Diz-se no parecer da outra casa do parlamento:

"A este artigo acrescentou-se a clausula de que a sancção d'estas licenças não podesse conter penalidade que offendesse a liberdade do trabalho e da industria, garantida no § 23.° do artigo 145.° da carta constitucional."

Ora, eu respeito a opinião do sr. relator deste parecer, mas o facto é que isto não está no projecto; portanto, desejava ver este ponto mais esclarecido.

No que diz respeito ainda ao projecto, ahi se estabelece o seguinte:

"Ficam extinctas as auctorisações concedidas ao governo pelos artigos 4.° da lei de 30 de julho de 1860 e 4.° da lei de 10 de abril de 1875."

E isto dizia respeito ás ordens de terras; o governo podia fazer baixar ou subir o imposto, conforme a modificação na ordem de terras que estava auctorisado a effectuar.

Ora, eu não sei como o governo acceita este artigo, sem primeiro ter feito uma revisão na classificação actual.

Quanto ás tabellas, s. exa. faz aqui restricções desnessarias; por exemplo, em relação aos moinhos de vento, industria que está em condições muito precarias.

O sr. Ministro da Fazenda: - O que faz essa confusão é um erro de pontuação que ahi está, e em que só agora reparei.

O Orador: - V. exa. vê muito bem a confusão que causa esse erro.

Em todo o caso o que eu julgava conveniente era que estas duas verbas se fundissem e ficasse um imposto unico.

No que diz respeito ás fabricas de moagens, é claro que se não póde ir buscar á contribuição industrial uma larga fonte de receita; a questão das moagens prende-se princi-

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palmente com os ditos direitos de importação dos trigos estrangeiros e das farinhas. Mas ainda assim, não via eu inconveniente em que se augmentasse o imposto estabelecido na tabella da contribuição industrial. Isto é claro, em termos rascaveis.

N'este projecto vejo eu a suppressão d'uma proposta que está no projecto primitivo do sr. ministro da fazenda; s. exa. propunha que se supprimisse da tabella A a collecta que respeita ás fabricas de aguardente, situadas dentro de Lisboa e Porto, a qual em Lisboa é de dezesete vezes a taxa da contribuição industrial, e no Porto de treze vezes e meia, como compensação do imposto do consumo ou do real de agua, de que eram isentas.

A par d'isto, uma outra proposta que formulava o sr. ministro da fazenda no seu relatorio, pela qual todas as fabricas, ou estivessem dentro de portas ou não, seriam obrigadas a pagar o imposto do consumo ou o real de agua respectivo; e é exactamente isto o que se supprime.

Sobre este ponto já tive occasião de fallar quando se discutiu o orçamento rectificado. O pensamento d'esta proposta foi assumpto de um projecto de lei meu.

Eu já tive occasião de dizer que, em principio, não me parecia justo que as fabricas, só pelo motivo de estarem dentro Lisboa ou do Porto, sob qualquer fundamento, pagassem uma collecta inferior ás outras.

Mas comquanto eu reconheça que isso é justo em principio, praticamente reconheço tambem que tem inconvenientes sob o ponto de vista da concorrencia com as fabricas das ilhas, porque estas têem a materia prima de casa, que é a batata doce, e as do continente têem de importar a sua materia prima, que é geralmente o milho.

Por isso, muito embora reconheça que aquelles preceitos; seriam justos em principio, praticamente vejo que, quanto mais pesado se tornar no continente a collecta da contribuição industrial, mais difficil e desigual será a concorrencia das fabricas de cá com as das ilhas.

Portanto, supprimida, como vejo, do projecto actualmente em discussão, a proposta primitiva do sr. ministro da fazenda, igualmente fica de parte o projecto que se referia á collecta das fabricas de Lisboa e Porto; e isto por se não ter ainda adoptado uma medida e resolução definitiva.

Eu não faço opposição ao projecto que se discute. Estou de accordo em que não é azado o momento de regular o imposto no que diz respeito á concorrencia interna das nossas fabricas, e em que a par d'isso, todavia, urge resguardar os interesses da industria nacional nas suas relações com os interesses do estado.

Era sobre este ponto que eu desejava fazer algumas perguntas ao sr. ministro da fazenda, e algumas considerações á camara.

O assumpto é grave e importante. O sr. ministro da fazenda já hontem a elle se referiu n'uma resposta que deu ao digno par, o sr. Manuel Vaz.

A Allemanha adoptou ultimamente uma medida que beneficia a exportação do alcool produzido n'aquelle imperio para os outros paizes da Europa.

A fim de que a camara possa ter uma verdadeira idéa do alcance d'esta questão, é necessario, em primeiro logar, lembrar que nós temos n'este problema differentes cousas a attender: os interesses do thesouro, os da industria e os da agricultura.

Quando fui ministro da fazenda e que se tratou desta questão, já a receita proveniente da importação do alcool estrangeiro, que fora elevadissima até alguns annos, baixara rapidamente a uma quantia insignificante, baixa proveniente do desenvolvimento da industria da fabricação do alcool em Portugal, e por consequencia representava uma perda avultada para o thesouro.

Por outro lado, temos que attender tambem aos interesses da agricultura do continente e das ilhas, que não são iguaes, porque os do continente dizem sobretudo respeito á vinicultura, questão esta que se acha hoje no ponto de se julgar e entender que, para o fabrico dos vinhos brancos, de que se necessita é de ter alcool barato, para não sobrecarregar o seu preço.

Assim, collocada a questão da agricultura e da fabricação dos vinhos em Portugal n'este terreno, e desde o momento que o fim é tornar mais baixo o preço, tanto com relação ao alcool produzido no paiz, como relativamente ao importado do estrangeiro, succede, comtudo, que nas ilhas os interesses agricolas, comparativamente com os do continente, são muito diversos.

Nas ilhas o elemento de riqueza tem desapparecido successivamente, e hoje póde-se dizer que o unico sustentaculo da sua agricultura é a cultura da batata doce, que serve de materia prima para o fabrico do alcool, e, se esta industria deperece alli, a agricultura resente-se e póde tomar proporções que se tornem sobremaneira desagradaveis.

Alem d'isso, encarada a questão debaixo de outro ponto de vista, dá-se que tendo nós fabricas montadas tanto no continente como nas ilhas, parece-me que em taes circumstancias não póde o governo deixar correr á revelia uma questão d'esta natureza, e muito menos depois da medida adoptada pela Allemanha.

É este um problema sobremaneira complexo, porque diz respeito a interesses muito differentes, e torna-se instante uma providencia qualquer, sob pena de ir-se prejudicar a nossa industria e em grande parte a cultura vinicola, e tudo isto por causa da medida ultimamente tomada, repito, pelo governo allemão.

Eu li n'um jornal, habitualmente bem informado, que a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados se tinha na sua sessão de hontem abstido de tomar conhecimento da proposta que alterava os direitos sobre a aguardente e que figurava no projecto da nova pauta, por causa da medida adoptada pelo parlamento allemão.

Mas é necessario acudir de prompto a isto com uma providencia qualquer, porque a sessão vae adiantada, e se nós acordarmos tarde, dar-se-ha uma grande calamidade, pois que será invadido o nosso mercado pelo alcool allemão.

A primeira pergunta que eu vou dirigir ao sr. ministro da fazenda é a seguinte:

O facto da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados ter procedido pela fórma que acabo de mencionar á camara, acaso significa um adiamento, o que aliás, seria sobre modo prejudicial, ou é unicamente devido ao desejo de que o sr. ministro da fazenda receba da Allemanha informações mais particularisadas sobre o que se passou no parlamento allemão?

Em todo o caso eu devo dizer ao sr. ministro que os governos devem tomar immediatas providencias, e que a França não hesitou e foi prompta em decretar o alvitre que mais conveniente lhe pareceu nesta conjunctura.

Os jornaes estrangeiros, que todos os dias nos chegam, prestam informações que bastam para justificar qualquer providencia de momento, e, segundo um telegramma da agencia Havas, em França, como já disse, não houve delongas em tomar-se uma resolução.

O ministro da agricultura foi interpellado por um deputado sobre a attitude do governo, em face da medida adoptada pelo parlamento allemão, e logo propoz um alvitre, que não encontrou a menor demora na approvação.

Qual é a decisão do governo allemão?

Sufficientes informações,, como já disse, nos fornecem os jornaes que do estrangeiro quotidianamente nos chegam, e até num jornal que se publica n'esta capital eu encontro transcripta a representação que foi dirigida ao ministro da agricultura em França, e na qual se diz logo na primeira parte:

Ao sr. ministro da agricultura, em Paris:

"Sr. ministro. - O governo allemão acaba de submetter ao reichstag um projecto de lei relativo ao imposto sobre os alcols, projecto que comprehende um direito de fabri-

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cação muito inferior ao actual e um imposto de consumo creado de novo. O conjuncto d'estes direitos dará ao orçamento allemão um supplemento de uns 100 a ll5 milhões de francos, sobre a anterior legislação.

"Este projecto de lei foi admittido em terceira leitura; só lhe falta portanto ser homologado pelo conselho federal e pelo imperador: póde dizer-se que está votado de facto.

"A lei será mui brevemente promulgada, talvez antes de principios de julho; mas só em 1 de outubro proximo será posta em execução.

"Acresce que o reichstag adoptou disposições transitorias que constituirão o regimen dos alcols durante o periodo comprehendido entre a data da promulgação da lei (provavelmente 1 de julho) e aquella em que for posta em execução (l de outubro).

"Taes disposições transitorias criam para a distillação um enorme perigo. Durante esse periodo o direito de fabricação será triplicado, e todos os alcols destinados á exportação receberão um drawback de 60 francos (10$800 reis) por hectolitro de alcool.

"Assim, todo o alcool fabricado sob o antigo regimen, e que exista em ser (stock) na Allemanha, não tendo a receber, segundo esse regimen, senão 20 francos de drawback, receberá agora 60 francos; cada hectolitro de alcool será portanto beneficiado á saída com o premio extraordinario de 40 francos.

"Os alcools fabricados durante o periodo transitorio pagarão, é certo, um direito triplo do antigo; mas lacrarão o beneficio de um drawback igualmente triplicado; de modo que o premio real de saída actualmente em vigor será triplicado tambem.

"Temos, pois, a honra de observar a v. exa., sr. ministro, que estas disposições novas, tendentes a desembaraçar o mercado allemão do seu deposito (stock) antes da applicação da lei definitiva, darão logar aos exportadores inundarem de alcool o nosso paiz; podendo esse alcool ser vendido por todo o preço, graças ao premio real de 44 a 45 francos (cerca de 8i$000 reis) por hectolitro de alcool. Se actualmente, com o drawback de 20 francos o estrangeiro nos fornece tanto alcool, o que succederá quando elle subir a 60 francos? Será por muitos annos a ruina das nossas industrias agricolas.

"Não nos é facil conhecer mesmo toda a extensão dos prejuizos que podem advir-nos, porque o conselho federal foi auctorisado a applicar, por meio de decretos, todas as providencias excepcionaes, tendentes a ampliar a efficacia da lei transitoria. Sabemos tambem pelo texto das disposições transitorias que não se farão os recenseamentos senão no 1.° de outubro.

"O direito aduaneiro, que actualmente nos protege, é apenas de 30 francos por hectolitro; e nenhum outro meio efficaz se nos antolha para salvaguardar as nossas industrias, senão a applicação de um direito aduaneiro extraordinario, correspondente ao valor do drawback extraordinario allemão. Esta sobretaxa de 40 francos, addicionada ao actual direito de 30 francos, (ou um total de 70 francos), seria imposta desde o 1.° de julho até ao fim. do anno, isto é, emquanto durasse a lei transitoria allemã e as consequencias d'ella.

"O alcool não está comprehendido nos tratados de commercio; por uma desastrosa inadvertencia foi a aguardente comprehendida no tratado franco-hespanhol, mas só a aguardente.

"Alem de que, o tratado de Franckfort (artigo 11.°) estipula que as vantagens concedidas por uma das partes contratantes por meio de tratados de commercio, a estados que não sejam Inglaterra, Belgica, Paizes Baixos, Suissa, Austria e Russia, não serão garantidas á Allemanha. É pois o nosso tratado franco-hespanhol particular á Hespanha e não nos obriga a applicar á Allemanha a clausula da nação mais favorecida.

"Confiâmos, portanto, sr. ministro, que v, exa. se dignará tomar a defeza da agricultura, que tão ameaçada está, conseguindo obter do governo e das camaras o direito de applicar aos alcools estrangeiros entrados em França, a datar de 1 de julho a 31 de dezembro, a taxa aduaneira de 70 francos por hectolitro.

"É urgente esta providencia; a agricultura e a industria confiam que, vivendo sob o regimen de leis, de tratados de commercio de um valor estrictamente estabelecido e claramente reconhecido, publicados nos archivos e documentos officiaes, o governo não deixará baldados, por quaesquer considerações, os direitos que assistem ao paiz, e não subordinará a vida e a prosperidade da nossa agricultura e das nossas industrias, á apreciação interessada dos nossos concorrentes commerciaes estrangeiros.

"Digne-se acceitar, sr. ministro, os protestos do nosso respeito e consideração. = O presidente da associação, E. Porion."

A primeira parte da representação dirigida ao sr. ministro de agricultura em França, está exposta com muita clareza e conta resumidamente a medida legislativa allemã.

Aqui está, pois, a resolução que o governo allemão tomou.

O governo allemão elevou de 20 a 60 francos, isto é, estabeleceu uma differença de 40 francos, differença sobremaneira importante, e que representa justamente 1$080 réis por cada decalitro de alcool, quando o nosso direito é de 1$100 réis o decalitro. O resultado equivale á depressão do nosso direito.

Eu creio que actualmente o direito estabelecido na nova pauta é de l$200 réis o decalitro.

Ora, recebendo o alcool allemão o drawback de 1$080 réis, segue-se que a differença é apenas de 120 réis.

Esta questão vem ainda mais claramente exposta no seu alcance financeiro pelo jornal Havre, que hoje em casa li. A exposição que faz aquelle jornal a respeito do facto, é clara.

O drawback estabelecido pela Allemanha estende-se não só ao alcool que se fabricar durante o periodo transitorio, mas n'aquelle já existente.

A França não hesitou em elevar o seu direito. Um telegramma da agencia Havas diz o seguinte:

"Paris 6.-A camara dos deputados approvou sem discussão, por. 527 contra 5 votos, a proposta da sua commissão das alfandegas, que eleva o direito de entrada do alcool estrangeiro, de 30 a 70 francos, até 30 de novembro de 1887, a fim de proteger o mercado francez contra a concorrencia allemã."

A França, logo que soube que a Allemanha tinha elevado o drawback em 40 francos, elevou proporcionalmente o seu direito em 40 francos. Não hesitou, repito.

A medida que o governo francez tomou foi votada pelo parlamento sem discussão e quasi por unanimidade de votos. O parlamento francez julgou necessaria a medida para proteger qualquer invasão de alcool estrangeiro.

E sobre este ponto exactamente que eu desejava ouvir o sr. ministro da fazenda, e que s. exa. me desse alguns esclarecimentos. Em primeiro logar, quizera que s. exa. me assegurasse se, antes de terminar esta sessão parlamentar, tomaria qualquer providencia no sentido de defender a industria portugueza de qualquer invasão do alcool allemão, por meio da elevação do nosso direito, a exemplo da França, ou por outra qualquer providencia que não prejudique os interesses da nossa agricultura.

O problema é complexo, e por isso precisa de ser pensado antes de resolvido; e s. exa. comprehende tambem que qualquer resolução deve ser prompta, sob pena de não produzir effeito algum.

O sr. Ministro da Fazenda,: - Diz que vae responder rapidamente ás observações que sobre o projecto em discussão fizera o sr. Hintze Ribeiro, promettendo comtudo dilatar-se um pouco mais n'aquelle ponto, para o qual

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s. exa. chamava principalmente a sua attenção, isto é, para a questão do alcool.

Justifica depois o preceituado nos artigos 4.° e 5.° de projecto, visto que pelo 1.°- á ninguem se tolhe á liberdade de industria, e pelo 2.° se evitam, graves difficuldades, que de certo surgiriam, se porventura a classificação das terras fosso alterada agora, que á cidade se encorporaram varias povoações que faziam parte de differentes municipios.

Entende que é necessaria uma lei especial que ali regule o modo de ser dos diversos impostos.

Em seguida allude ao imposto sobre os moinhos de vento, e acha boa a reducção d'esse imposto, por ser esta uma industria decadente.

Quanto á questão das moagens, declara que a commissão de fazenda da camara dos senhores, deputados já dera a este assumpto uma solução provisoria, em virtude da qual se póde elevar o direito do trigo, sem que as fabricas fiquem prejudicadas.

Relativamente ás ponderações que o sr. Hintze Ribeiro fez tambem ácerca do alcool, confessa que se esta questão difficilmente se resolveria até aqui, recrudesceriam agora as difficuldades com as providencias adoptada; pelo governo allemão.

Crê que ha n'ella, evidentemente, muitos interesses e alguns contrapostos. Ha os do fabricante, os quaes se cifram em vender pelo mais alto preço; os do lavrador, que se resumem em comprar pelo preço mais baixo, e a final tambem ha que attender aos interesses do thesouro, que, infelizmente, n'estes ultimos tempos, bem pouco tem auferido do imposto sobre a aguardente. Reconhece que a aguardente que se fabrica em Portugal não dá lucros ao thesouro, senão ao distillador. D'ahi o ter que ir buscar-se a outras fontes a receita que devera proceder d'este genero.

Quaes os projectos do governo allemão referentemente ao alcool do seu paiz, declara não poder devidamente precisal-os, a despeito da activa correspondencia em que está com o nosso ministro em Berlim.

O que de certo lhe parece é que esse governo elevou os direitos sobre o alcool de 20 a 60 francos.

Lastima que entre nós esta industria, á similhança de quantas são nossas, não consiga desenvolver-se pela sua propria iniciativa, senão pela protecção do governo. Tem por justo concedel-a, com tanto que se não vá lesar o thesouro.

Mas que elevarmos o direito do alcool, tanto quanto bastante a evitar a concorrencia estrangeira, póde tal medida ir prejudicar sensivelmente o commercio dos nossos vinhos.

Conclue por affirmar que este assumpto é muito para reflectir e ser resolvido com a maxima prudencia, tencionando apresentar em breve á camara, talvez nos primeiros dias da proxima semana, um proposta, a fim de obviar ao que parece imminente e agora se receia.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Hintze Ribeiro (S. exa. não reviu.}: -Sr. presidente, eu agradeço ao sr. ministro da fazenda as explicações que teve a bondade de me dar.

S. exa. reconhece que o assumpto é grave e urgente.

Diz s. exa. que espera informações directas que pediu ao nosso representante em Berlim, e que num praso curto, isto é, na proxima semana, apresentará ás cortes uma proposta de lei relativa a um assumpto tão importante, como este de que se trata.

Eu não tenho senão a aguardar a proposta de s. exa., e discutil-a-hei consoante a maneira como ella for redigida e consoante as suas disposições.

Como informação, eu direi a s. exa. que vi n'um jornal francez que a Allemanha tinha augmentado o drawback com 40 francos, isto é, de 20 francos elevou-o a 60 francos.

Ainda a este respeito desejo fazer uma ponderação ao sr. ministro da fazenda.

S. exa. affirmou ser verdade que a Allemanha tinha elevado o seu direito sobre o álcool em 40 francos, e que o direito de exportação aduaneira estabelecido em França excedia o nosso, que actualmente é muito limitado.

Ora, se nós não podemos viver com esse direito, devemos eleval-o na proporção do drawback que a Allemanha estabeleceu.

Com respeito á conclusão que s. exa. tirou, referentemente á nossa industria não ter attingido ao grau de prosperidade a que chegou em França, eu devo dizer a s. exa. com toda a franqueza que no continente a nossa industria da aguardente é uma industria puramente artificial.

É verdade que ha vantagem em proteger todas as industrias; mas esta é uma industria que não affecta os interesses do paiz no continente. Para o estado produz ella uma exigua receita de que o thesouro póde compensar-se com o augmento dos direitos de importação sobre o alcool estrangeiro.

Nas ilhas, sim; a industria deve ser protegida, porque lhe não falta ali a materia prima, isto é, a batata doce e os cereaes, que são producções proprias do seu torrão, e matando-se-lhe essa industria, simultaneamente definhará a agricultura, se não morrer de todo.

No continente, porém, repito, a extincção dessa industria não destruiria nenhum elemento de riqueza natural, porquanto o que se supprimia fóra uma industria artificial.

Para o thesouro reduzia-se a questão a uma substituição de receitas.

Ora, nas ilhas, como já disse, esta industria não é artificial, porque aproveita elementos proprios da terra, e, finalmente, essa industria abrange em si a prosperidade da agricultura.

Comprehendo que, quando surgem interesses contrarios, oppostos, é muito difficil n'uma só resolução concilial-os.

A questão é seria e sobre ella póde-se pôr um dilemma. Supponha o sr. ministro que s. exa. entende, como eu, que esta industria no continente é uma industria ficticia, e que a receita que ella produz para o estado é facil de substituir com os direitos sobre o alcool estrangeiro; podia por este motivo deixar tambem de existir a industria nas ilhas. Porque tudo isto se reduz a uma questão economica, visto que se o alcool allemão com transporte, direitos e tudo vier aqui por um preço inferior ao das ilhas, desde esse momento os consumidores buscarão mais barato, e nós nunca mais importaremos da ilha, nem um decalitro de aguardente.

Passariamos a ter uma receita importante, proveniente da importação do alcool estrangeiro, porem matavamos a industria nacional.

Se, pelo contrario, o preço pelo qual se póde importar a aguardente allemã, attendendo á modificação que o sr. mitro da fazenda estabelecer, for superior ao preço por que se póde vender o alcool insulano, então desde esse momento o estado não lucrará. O dilemma está posto.

Póde v. exa. querer harmonisar os interesses diversos; mas se tenciona propor um imposto de modo que chame a concorrencia estrangeira e facilite a venda do álcool nacional, acredite que isso é impossivel. V. exa. pensará sobre este ponto.

Não faço mais reflexões, pois v. exa. se compromette a trazer, nos primeiros dias da proxima semana, uma proposta de lei a tal fim.

Chamei a attenção de s. exa. para este problema, que julgo importante, esperando que s. exa. considere antes de apresentar ao parlamento a sua proposta de lei.

Tenho concluido.

O sr. Ministro da Fazenda: - Redargue ao orador antecedente que as suas palavras tinham vindo confirmar absolutamente as difficuldades que elle proprio attribuíra a esta momentosa questão.

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Comprehende perfeitamente que se o direito a estabelecer for de natureza a permittir que o alcool estrangeiro se venda em Portugal mais barato que a aguardente insulana, provirá d'ahi o aniquilamento dessa nossa industria. Se, pelo opposto, haverá então resultados negativos para o thesouro.

Julga, portanto, muito difficil fixar ao álcool nacional um direito protector, por carecer de dados seguros para bem o aferir.

Donde, naturalmente, a necessidade de um inquerito, e, até lá, uma medida provisoria.

No emtanto, não póde ainda emittir uma opinião definitiva sobre este assumpto, o qual é certo occupar muito a attenção do governo.

(Publicar-se-ha este discurso na integra, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.}

O s. Hintze Ribeiro (s. exa. não reviu): -Sr. presidente, eu tambem não farei questão politica d'este problema, tão importante nas suas consequencias e de tão largo alcance para o paiz. O que desejo só, é accentuar; a ultima parte do discurso do nobre ministro.

S. exa. disse, e disse muito bem, que é difficil ordenar a suppressão da industria do continente, e deixar subsistir em condições de desenvolvimento a industria das ilhas. Que é difficil marcar ao álcool um direito protector, porque não temos dados seguros para proceder, e que talvez seja necessario fazer-se um inquerito. Mas nós sabemos o que são os inqueritos, sempre morosos e dilatados, e no emtanto, o tempo passa, e o alcool allemão entra-nos no mercado, com summo detrimento da nossa industria.

Eu vou ler á camara o que, relativamente a este assumpto, diz a folha franceza-Journal du Havre, á qual inspiraram iguaes receios para com a França:

"O governo allemão, consoante uma lei votada no reichstag, em 18 de junho, aggravou, em largas proporções, o imposto sobre o alcool consumido no seu paiz. Todavia, como corollario, e no intuito de não prejudicar a exportação, simultaneamente elevou de 16 a 48 marcos, ou de 20 a 60 francos, o drawback, o premio de saída referente ao alludido alcool, isto, é, triplicou-o.

"Ora, actualmente existem na Prussia uns 500:000 ou 600:000 hectolitros de alcool, em stock, que apenas aguardam ensejo de exportação. Por mercê especial deu-se a essa nova lei um effeito retractivo em virtude do qual os taes 500:000 ou 600:000 hectolitros de alcool, que tão sómente custaram aos productores 40 ou 50 francos, lograrão um premio de saída bem superior ao seu valor real. Imaginae, pois, se a Allemanha aproveitará ou não esta opportunidade para inundar de alcool seu toda a França."

Ao mesmo proposito diz tambem mr. Aglave em uma carta, dirigida a outro jornal francez Le Temps:

"A producção actual da Allemanha excede muito o seu consumo. Esse excesso é pelo menos de 1.000:000:000 do hectolitros... Com esse 1.000:000:000 de hectolitros o governo allemão tem um seguro meio de arruinar em seis semanas as nossas fabricas de distillação. O monopolio dar-lhe-ha um beneficio de 800.000:000 de francos. Attento este enorme capital, que importancia póde ter que o governo o reduza de antemão ou se prive de 20.000:000 ou 25.000:000 de francos, por isso que venderá, com um prejuizo de 25 francos em hectolitro, o referido milhão d'elles que deve exportar? Certamente consentirá em tal prejuizo, referentemente ao alcool que comprar, e vir-nos-ha depois vendel-o por menos 25 francos que o preço corrente do nosso, isto é, por metade do custo do seu fabrico.

"De feito, não o venderá elle directamente, se não que realisará a sua venda por intermediarios. Ora, desde o dia em que seja facultado comprar em França alcool estrangeiro por menos 25 francos que o nacional, nunca mais d'este se venderá nem um unico hectolitro, por lhe ser impossivel a competencia com similhante preço, visto o fabrico do seu alcool custar-lhe o dobro e vender-se actualmente por mais do que isso.

"No entanto acudireis: A camara se apressará em levantar os direitos aduaneiros, para que obste a esta nova invasão prussiana". Attentae, porém, em que lhe não é licito fazel-o, ponderado que os tratados de commercio vedam á França tal solução até 1892. Assim, ver-nos-hemos obrigados, e sem remedio, a deixar entrar o alcool allemão ou esse 1.000:000 de hectolitros por 25 francos a menos do que o respectivo, custeamento do nosso. Mas acaso crereis que esta industria possa entre nós manter-se por mais de seis semanas, sem que se effectue venda alguma?

"Nesse dia tal industria desapparecerá, e quando já d'ella não existir o menor vestigio, então o governo de Berlim poderá levantar o preço do seu alcool, e de maneira que após haver-nol-o vendido por 25 francos a menos, vender-nol-ha por outros tantos a mais.

"Talvez com isto agora imagineis que as fabricas nacionaes se reanimarão e se restabelecerá a nossa industria?

"Puro engano! Ao reconhecerem todos que um ukase de Berlim póde a seu talante derribar as nossas fabricas de distillação, todos igualmente e para sempre se esquivarão a esta amaldiçoada industria, que a final se esvaecerá de vez, sem que jamais forças humanas lhe tenham mão ou consigam fazel-a resurgir."

Ora, é exactamente o inquerito que não póde dar bons resultados no caso presente, porque, emquanto elle se faz, o alcool allemão invade o mercado, o que equivale á ruina das nossas fabricas.

E é completamente uma illusão a idéa de que, mesmo succedendo isto, mais tarde as fabricas prosperarão, se um direito protector favorecer a industria nacional.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sustenta que não se referiu ao inquerito no intuito de aguardar que elle se concluisse, para sómente depois tomar qualquer providencia. Ao contrario, entende que desde já se alvitre uma medida provisoria, ficando o governo auctorisado a conver-tel-a em definitiva, segundo o resultado d'esse inquerito.

Que estabelecer immediatamente e ao acaso um direito definitivo, póde resultar em que ou sobrecarregue demasiadamente as nossas fabricas e ao ponto de se não manterem, eu em que as proteja ao extremo de attribuir-lhes regalias que redundem em abusos e prejuizo do thesouro.

Portanto, sem o inquerito, julga impossivel qualquer solução peremptoria e acertada.

(Este discurso de s. exa. será tambem publicado na integra quando naja revisto as notas tachygraphicas.)

Q sr. Costa Lobo: - (Aparte que se não ouviu.)

O sr. Hintze Ribeiro: - Vejo-me forcado, sr. presidente, por um aparte do sr. Costa Lobo, a entrar n'uma nova ordem de idéas.

O sr. Costa Lobo: - O meu aparte era unicamente uma manifestação minha, contra o proteccionismo exagerado, e a proposito de um negocio de tão difficil desenlace, que nem v. exa., nem o sr. ministro sabem o que de melhor ha a fazer.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Hintze Ribeiro (S. exa. não reviu.): - Eu não sou contra o proteccionismo, quando é subordinado a manter uma industria que tem raizes no paiz.

Sou contra o proteccionismo quando elle interessa a uma industria que não tem recursos, que vive só da protecção que lhe dispensam os governos.

N'este caso comprehendo que o proteccionismo não seja conveniente, mas quando elle tem por fim alimentar uma industria cujo desenvolvimento se traduz na prosperidade geral, então o proteccionismo tem a sua rasão de ser.

Porque não lembra o digno par ao sr. ministro da fazenda qualquer alvitre que resolva a questão?

Nós estamos conversando apenas, e certamente o sr. ministro da fazenda estimaria que qualquer alvitre fosse apresentado, e do qual se podessem tirar bons resultados.

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646 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O problemma é difficil de resolver, e eu estou ponderando as dificuldades, e ao mesmo tempo pedindo que não se arruine uma industria, que é a principal nas ilhas.

Esta questão póde dividir-se em duas partes.

Uma, é a que diz respeito ao periodo provisorio, e a outra, a que se refere ao periodo definitivo.

Ora, nós não temos os elementos necessarios pelo que toca á producção insulana e ás condições de vida das fabricas das ilhas.

Isto é difficil saber-se em pouco tempo.

Emquanto se não sabe, emquanto não ha as informações precisas, proteja s. exa. a industria insulana, como acaba de se fazer em França em relação áquelle paiz.

Mais tarde, colhidos todos os esclarecimentos e informações que se julgarem necessarias para resolver o problema, tome s. exa. uma decisão definitiva e a mais conveniente que ser possa para os interesses do thesouro e da agricultura.

Mas por agora, durante o periodo provisorio, se o pensamento de s. exa. é defender a industria das ilhas, defenda-a, elevando os direitos na proporção do drawback allemão.

Tenho concluido.

O sr. Presidente: - Como não ha mais ninguem inscripto, vae votar-se o projecto na generalidade.

Posto a votação foi approvado o projecto na generalidade e em seguida na especialidade, sem discussão.

O sr. Presidente: - Devia entrar em discussão o pareces n.° 71, mas como este parecer é importante e a hora está adiantada, ficará para a ordem do dia da proxima sessão, que será na segunda feira, conjunctamente com o parecer n.° 73.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas menos um quarto.

Dignos pares presentes na sessão de 9 de julho de 1887

Exmos. srs.: Antonio José Barros e Sá; Marquez de Rio Maior; Condes, de Alte, do Bomfim, de Castro, da Folgosa, de Paraty; Viscondes, de Alemquer, de Arriaga, de Benalcanfor, de Borges de Castro, de Carnide, da Silva Carvalho, d'Asseca; Barão do Salgueiro; Agostinho Lourenço, Aguiar, Pereira de Miranda, Quaresma, Silva e Cunha, Henriques Secco, Arrobas, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Bento, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Cardoso de Albuquerque, Francisco Cunha, Van Zeller, Ressano Garcia, Henrique de Macedo, Jayme Moniz, Candido de Moraes, Ferreira Lapa, Holbeche, Mendonça Cortez, Valladas, Vasco Leão, Gusmão, Braamcamp, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ayres de Gouveia, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, Lobo d'Avila, Ponte Horta, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bocage, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, D. Miguel Coutinho, Gonçalves de Freitas, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás Ribeiro, Antunes Guerreiro, Fernando Palha, Costa e Silva, Coelho de Carvalho, Serra e Moura.

Redactor = Ulpio Veiga.

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