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692 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O que importa é traduzir essa idéa em factos; é levantar-lhe em cada escola um templo, e em cada templo erigir-lhe altares onde se preste culto á regeneração moral e social dos povos, e onde brilhe a lampada do progresso e da verdadeira civilisação.

Mas não basta que o templo material se levante; é mister que o sacerdote d'aquella religião saiba manter na ara santa da escola o fogo sagrado da instrucção; saiba formar o pensar e o sentir das crianças de hoje, que hão de ser a geração de ámanhã.

É, portanto, primeira condição para o desenvolvimento da instrucção primaria a escolha do professorado. Para isso é mister melhorar as condições da sua situação, sem o que não é licito exigir-lhes nem habilitações mais solidas, nem o mais escrupuloso cumprimento do seu dever.

O pensamento das leis de 2 de maio de 1878 e 11 de junho de 1880, que, no intuito de descentralisar serviços e despezas, commetteu ás camaras municipaes o encargo e direcção immediata das escolas, não tinha produzido o melhor resultado.

É preciso o auxilio das corporações locaes; deve impender-lhes a maior parte das despezas com a instrucção primaria. Poderão mesmo ter alguma parte na fiscalisação das escolas, mas a direcção immediata do serviço escolar, pela sua propria natureza, não póde deixar de ser uma lunação do estado.

N'outros paizes, com outros costumes, com uma iniciativa mais accentuada nos individuos e nas collectividades, com uma educação, diversa da nossa, poderá a descentralisação do serviço escolar não ter inconvenientes.

Entre nós a experiencia não produziu bons fructos.

A opportunidade do decreto de 6 de maio de 1892, que restituiu ao estado aquelle tão importante serviço, foi reconhecida por todos.

Mas tendo ainda ficado em vigor algumas das disposições das leis de 1878 e 1880, que obedeciam a outra orientação, tornava-se urgente a decretação de uma reforma, que estabelecesse as bases em que assentasse um plano harmonico e methodico, para a organisação do ensino primario.

Esta reforma, decretada em 1894, obedece a essa necessidade, sem, todavia, alterar a reforma do ensino, nem estabelecer novos processos. Não é, portanto, uma reforma radical, que veiu operar uma transformação completa no modo de ser da nossa instrucção primaria.

Modesta nas suas aspirações procurou melhorar o existente, consoante as indicações da experiencia, dando mais connexão e mais amplitude aquelle serviço, que pelas condições em que se encontrava se resentia de confusão e deficiencia.

Não quiz o governo com a sua reforma alargar o inventario das materias que constituem o patrimonio litterario da instrucção primaria.

No seu duplo fim de roubar á ignorancia as classes populares, e de abrir os áditos da sciencia aos que n'ella hão de proseguir, entendeu a reforma, e muito bem, que o primeiro não podia ser sacrificado ao segundo.

Acima de tudo está o dever de arrancar ás trevas do analphabetismo os quatro milhões de habitantes n'um paiz que pouco mais, tem de cinco.

Dos que querem a instrucção primaria como preparatorio para mais subidos estudos, poucos vão procural-a ás escolas officiaes.

Para o povo, pois, é que ella é; ao seu ensino se deve principalmente attender.

No ambito do ensino do 1.º grau abrange-se pela reforma o minimo indispensavel de conhecimentos para todo o cidadão.

No seu programma em pouco se alterou o fixado para o ensino elementar na lei de 2 de maio de 1878. Eliminou-se o ensino dos elementos de grammatica portugueza, e accresceram os trabalhos manuaes e os exercicios de gymnastica.

A gymnastica, que era facultativa por aquella lei, e só passados tres annos depois do estabelecimento das escoas normaes, torna-se agora obrigatoria.

Tem sido entre nós muito descurada a educação physica, a que n'outros paizes, e com rasão, se tem prestado o maior cuidado.

No estado actual da degeneração das raças, por motivos que não vem para aqui agora apreciar, o desenvolvimento do organismo por meio de exercicios physicos impõe-se como primeira necessidade nesta lucta pela vida.

As creanças, fructo morbido d'essa degeneração, apresentam-se geralmente enfezadas rachiticas, com o sangue depauperado e o organismo enfraquecido.

Os exercicios physicos, convenientemente dirigidos, são um poderoso elemento para corrigir até certo ponto as deficiencias do corpo, que tem uma relação directa com a fraqueza do espirito.

"Aquelles, diz Spencer, que na avidez de cultivarem o espirito dos seus discipulos, não tratam dos seus corpos, esquecem-se de que o bom exito no mundo depende mais da energia do que do estudo!"

Por exercicios gymnasticos não devem entender-se unicamente aquelles movimentos musculares que se fazem no trapézio, ou nas parallelas, pautados pelas regras d'aquella arte; mas sim tambem os jogos, proprios para movimentar as creanças, que garantem uma distribuição de acção mais proporcional e mais equitativa por todas as partes do corpo.

A lei de 1878 dividiu o ensino primario em elementar e complementar; esta reforma subdivide ainda aquelle em ensino de 1.º e 2.º grau.

Este, mais desenvolvido e mais completo, constitue preparatorios para admissão nos institutos de instrucção secundaria ou especial dependentes do ministerio do reino.

A reforma dá menos importancia ao ensino complementar, do que lhe dava a lei de 1878; emquanto esta tornava obrigatorio aquelle ensino n'uma das escolas primarias em todas as sedes dos concelhos, aquella só os manda estabelecer nas povoações de mais de 4:000 almas, e nas sedes dos lyceus.

Tambem ella cria escolas ou cursos destinados ao ensino dos cegos e surdos-mudos. Os nossos applausos.

Não ha maior desventura que a dos que vivem nas trevas constantes da cegueira, ou a d'aquelle que vê no mundo os encantos que os olhos contemplam, mas não póde ouvir a voz dos homens, o canto das aves, o murmurio das fontes, a harmonia da musica.

Falla a natureza na linguagem mysteriosa mas eloquente dos seus primores; elle vê-a, contempla-a, admira-a, mas não a escuta; tem um coração para sentir, mas não tem voz para expressar o que na alma lhe vae.

É assim o surdo-mudo!

"Que admiração lhe não deve ser, dizia D. Antonio da Costa, quando em pequeno, ao acordar-lhe o anceio de ouvir e de fallar, não poder fallar nem ouvir! Como se lhe não contrahirá o coração quando sentir a necessidade de amar, e não poder ouvir a palavra mais doce da vida: Amo-te? Que tristeza lhe não será quando comprehender que todos são felizes em roda d'elle, e que só elle o não é? Como não perguntará á Providencia, com a linguagem triste da sua alma: - Senhor, porque me fizeste surdo-mudo? "

O sr. ministro do reino com os olhos da sua sentimentalidade viu aquella desventura, e restabeleceu o ensino official dos surdos-mudos de que já tiveramos um instituto na casa pia de Lisboa, extincto em 1844 a titulo de economia.

O ensino dos surdos-mudos estabeleceu-se em Hespanha no seculo XVI, posto que alguns o façam remontar ao seculo vil, apontando o facto de S. João de Beverley, ar-