SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 769
durante o tempo já apontado, é a vossa commissão de parecer que os requerimentos devem ser deferidos, a exemplo do que já succedeu com as filhas de dois outros empregados fallecidos, uma filha de um continuo, que recebe o subsidio diario de 400 réis, e outra de um guarda, que recebe o de 300 réis diarios.
A vossa commissão, attendendo ás circumstancias da dotação da camara, propõe apenas a modesta pensão mensal de 6$000 réis a cada uma das requerentes.
Sala da commissão, em 5 de maio de 1896. = Conde de Thomar = A. Emilio de Sá Brandão = Conde de Bertiandos, relator. = Tem voto dos dignos pares: Carlos Augusto Palmeirim = Conde de Cabral.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei que tem por fim abolir o direito de portagem na ponte do Forno.
O sr. Presidente: - Este projecto, juntamente com outros, ficam dados para ordem do dia da sessão de amanhã.
O parecer vae a imprimir.
Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Começa por dizer que se cedesse agora da palavra com a mesma facilidade com que hontem a acceitou, pouparia uma desillusão aos seus collegas e até ao publico pouco habituado a assistir ás sessões parlamentares. Não é um orador eloquente. A verdadeira eloquencia queima, abraza, e d'isso é desgraçadamente exemplo o que tem acontecido com tantos oradores notaveis d'esta camara: Rebello da Silva, Latino Coelho e Pinheiro Chagas, que infelizmente tão cedo morreram para o paiz. Mas, ao menos, dirá o que sente, com verdade e franqueza, a respeito de alguns projectos que já foram approvados. A camara ha de permittir-lh'o de certo.
Votou-se hoje o projecto creando nas provincias ultramarinas colonias militares-agricolo-commerciaes.
As colonias militares são um meio seguro de exploração, o caso é que não fiquem apenas no papel, que é o costume do paiz.
Pela lei de 1867 tinhamos ou deviamos ter penitenciarias districtaes e comarcas. O que é feito d'ellas? Onde estão? No papel, apenas. As colonias agricolas onde é que estão na metropole? Somos um paiz essencialmente agricola, temos muitos hectares de terreno por cultivar, uma extensissima área onde podiamos estabelecer colonias agricolas, mas não possuimos nenhuma.
Póde ser que sejamos mais felizes com os navios, para os quaes foram votados 2:800 contos de réis. Mas, quem sabe? As difficuldades levantam-se debaixo dos pés, e uma d'ellas bem póde ser que seja não termos marinheiros, não termos homens.
Já na sessão anterior se lhe proporcionou occasião de dizer que tendo nós a perspectiva de um anno de fome, não tinhamos braços. E o proprio governo declarara haver um deficit de recrutamento. Não ha soldados; não haverá marinheiros.
Falla no recrutamento, por estar presente o sr. ministro da guerra, que é muito intelligente e illustrado para bem tratar das questões que lhe estão affectas. Saíu, e d'isso tem sincera pena, o sr. Pimentel Pinto; saíu sem se saber por que.
Uma vez, aqui na camara, elle orador, dissera que era preciso entrar em vida nova.
O sr. presidente do conselho olhara-o de um modo sobranceiro, que não é orgulho, mas gesto proprio da sua alta posição e exclamara:
"Eu desejava que o digno par me dissesse o que é vida nova."
Respondêra que estava prompto, mas haviam de estar presentes todos os ministros.
"Olhe que está aqui o governo para lhe responder" replicara o sr. presidente do conselho.
Por essa occasião levantou-se o sr. Pimentel Pinto para responder ao sr. Camara Leme, que sente não ver presente, o que de certo não é por espirito faccioso, porque a camara está constituida segundo a indicação das suas idéas e das suas doutrinas.
Ora o sr. Camara Leme, que é um distincto general, havia dito que a lei do recrutamento não se cumpria. E o sr. ministro da guerra respondera:
"Não é exacto."
Elle orador, fallando em seguida, ratificara o que o sr. Camara Leme dissera: que a lei do recrutamento não se cumpria, mas que, se o governo quizesse, lhe lembraria um meio de fazel-a cumprir.
O melhor de tudo, para haver soldados, seria ainda não haver recrutamento. Parece um contrasenso, mas é uma idéa, um alvitre. Aproveitem-no se quizerem. Fosse soldado quem o quizesse ser; não havendo coacção, não haveria repugnancia.
O sr. conde do Bomfim fallára da festa do juramento das bandeiras como elemento de educação militar. Desfralde no Minho quantas bandeiras quizer, ao som de musicas marciaes, e veja se essa festa consegue combater a repugnancia dos mancebos pelo recrutamento.
Quando os governos não souberem onde hão de ir buscar soldados, declarem que não acceitarão senão aquelles que voluntariamente se apresentarem, e hão de tel-os então.
A vida do trabalho nos campos é dura e miseravel, cheia de privações. São essas condições de desgraça que determinam a saída, em grupos, de familias inteiras. Abandonam a sua terra, custa-lhes isso muito, porque não sabem se tornarão mais a ver as suas montanhas e o céu portuguez. Mas é a fome, é a desgraça que os expatria.
Se, n'estas circumstancias, disserem aos homens que, pungidos de saudade, íam emigrar, se lhes disserem que lhes dão aqui um emprego honroso e seguro, com garantias, e que esse emprego o podem encontrar no exercito, ficarão contentes, porque se livram de dois pesadelos: a fome e a emigração.
É uma idéa; estudem-na os srs. ministros.
Não sabe se está cansando a paciencia da camara. Se assim for, pede ao sr. presidente que o avise, porque deixará para ámanhã o resto do seu discurso. Tem ainda muito que dizer.
A seu respeito havia já muito quem aventasse:
- Elle não vem cá. Anda acabrunhado com os desgostos que caíram sobre a sua velhice; com o mal-estar da lavoura; com as doenças das vinhas; com as questões do alcool e do vinho, sobre as quaes o parlamento não tomou resolução alguma, o que ha de prejudicar gravissimamente a agricultura, e collocal-a n'uma posição difficil.
Enganaram-se. Cá está, e, se Deus lhe der vida, continuará a estar e a usar da palavra, porque se sente com coragem para isso.
Cá virá para aconselhar o illustre presidente do conselho a que entre em vida nova.
Mas lembra-se agora de que estava fallando de navios, e lembra-se tambem de que as nossas esquadras se fazem com facilidade, e passam depressa.
N'uma hora attribulada da patria, em que a anciedade do publico foi immensa, appareceu de um dia para o outro, no Diario do governo, uma esquadra tão brilhante e veloz como aquelle bonito caminho de ferro que tem na sua região, da Merceana a Dois Portos... no papel.
Pois bem! Permitta Deus que a nova esquadra já esteja no Tejo quando se fizer a festa commemorativa, não do descobrimento do caminho maritimo para a India; mas da partida de Vasco da Gama.