770 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Até o sr, Thomás Ribeiro ha de então arrepender-se de alo ter querido que os estrangeiros fossem convidados.
Elles têem muito que ver, os estrangeiros.
Logo ali á beira do Tejo poderão admirar o lazareto e o nosso regimen quarentenario. É uma especie de prologo convidativo.
Como é de esperar que entre os viajantes venham alguns homens de sciencia, hão de perguntar de certo: - Que tal vae isto de instrucção por cá? - Muito bem, responderemos, mostrando um papel.
Temos escolas organisadas como nos mais adiantados paizes da Europa. Nem sequer nos falta o estudo das linguas orientaes; temos uma cadeira de sanskrito. - E para que servo isso? perguntarão os nossos visitantes. - Serve para educarmos á moderna, fóra das antigas peias e dos Velhos moldes da educação classica. D'antes tudo era classico os estudos, os costumes, as tradições. Até havia o homem classico, que era aquelle que abandonava a sua terra e a sua casa, para ir navegar mares desconhecidos ou bater-se em combate, arriscando sua fazenda e vida, suas commodidades e regalos, tudo pela patria; era aquelle que por cumprir sua palavra era até capaz de pôr as mãos no fogo. Hoje temos outra educação e outra instrucção muito mais vantajosas. Temos não já as primeiras letras antigas, mas instrucção primaria elementar e complementar. Temos escolas industriaes, cadeiras de desenho de ornato e de figura, até temos tambem aulas de gymnastica. E, alem de tudo isto, temos ainda uma cadeira de sanskrito, que não serve nem para a gente se sentar sobre ella.
A gymnastica era uma das cousas que estavam sendo muito precisas, porque os rapazes de aldeia de todo a ignoravam quando saltavam riachos e lameiros, e corriam pulando por montes e valles, e se penduravam nas arvores, e trepavam aos rochedos e marinhavam por escarpas e paredes. Elles faziam tudo isto, mas não sabiam gymnastica. Era preciso ensinar-lh'a.
E os estrangeiros, admirados, hão de pedir-nos dados estatisticos, numeros redondos a respeito do florescimento da nossa instrucção publica.
Tambem se lhes podem dar, por que constam de varios documentos, entre os quaes um que tem a assignatura do nobre estadista que foi seu presidente do conselho. E a proposito dirá que recebeu d'esse illustre estadista uma demonstração de estima, que muito o penhorou.
Mas pelo documento a que se está referindo se poderá ver que a percentagem dos analphabetos é de 75 por cento.
Os estrangeiros porão as mãos na cabeça, e irão logo dar noticia do facto ás academias de que forem correspondentes.
A nossa instrucção publica, primaria, media e superior faz lembrar um homem garbosamente fardado com uma lata de sardinhas de Nantes na mão.
Não quer fazer a critica da instrucção nacional, mas sempre dirá que se fosse agora fazer exame de instrucção elementar, de certo ficaria reprovado; porém na instrucção superior, o resultado havia de ser outro, o reprovado seria provavelmente quem o examinasse.
E a respeito das nossas relações commerciaes, que outr'ora abrangeram o mundo todo, o que nos perguntarão os estrangeiros? E o que lhes na vemos nós de dizer? Apontar-lhes-hemos para os navios da Mala Real, que, por uma questão de 200 contos de réis, ahi estão apodrecendo no Tejo. Pois nós podemos ter colonias sem ter marinha mercante? Já que fallou n'este assumpto, quer saber o que respondeu o sr. ministro da fazenda ás representações que lhe dirigiram os armadores de navios de Lisboa e Porto.
Por que se não estabelecem carreiras de navegação directa para o Brazil?
O sr. ministro da fazenda não, soube tirar partido das vantajosas condições politicas que lhe preparou o seu collega do reino, para iniciar uma profunda remodelação economica e financeira.
Faz justiça aos talentos e faculdades de trabalho que possue o sr. Hintze Ribeiro. Mas se não tem tempo para tudo, nem energia para administrar, largue a pasta da fazenda. Falta por acaso um financeiro que o substitua?
N'este caso, faça-se o que já se fez em relação á pasta da marinha, n'outro tempo. Foi-se buscar um homem que carecia incompetente, mas não era: um padre. E foi um habil, um grande ministro. Repita-se a experiencia: vá o sr. ministro da fazenda procurar um padre, que o substitua.
Reconhece que já está fallando ha muito tempo, mas tem ainda muito que dizer.
Não quer deixar de referir-se á tabella, já approvada, dos emolumentos judiciaes. Não a confrontará com as anteriores; mas, permittir-se-ha dar um conselho ao illustre ministro da justiça, para o caso muito provavel de uma proxima revisão da tabella, porque as leis em Portugal costumam viver o que vivem as rosas.
Um artigo da lei respectiva diz que, apesar da tabella ser feita para tornar mais suaves os inventarios, os emolumentos judiciaes não poderão ir alem de 11 por cento.
Quer isto dizer que quem herdar 100 contos de réis póde arriscar-se a ter que pagar 11 contos de réis, e assim proporcionalmente.
Os calculos estão tão bem feitos que ainda outro dia dizia uma auctoridade do fôro que, em relação a uma herança de 2:000 contos de réis, o escrivão do inventario poderia receber á sua parte 30 contos de réis de emolumentos.
Isto é atroz; isto não póde ser.
Para evitar esta calamidade é preciso que os interessados descubram algum meio efficaz.
Ora, se ha tantas companhias de seguros contra incendios e naufragios, porque não ha de haver tambem companhias de seguros contra os emolumentos judiciaes? Um pae-de-familia, previdente, que toda a sua vida trabalha preoccupado com o futuro dos filhos, deve querer segurar-se contra esta praga e flagello, que é peior que os incendios e os naufragios.
É ou não é uma idéa?
Assim podesse encontrar-se tão facilmente qualquer meio de remediar os males que affligem a agricultura nacional. Mas os governos não têem idéas para valer á desgraça dos nossos campos; nem se importam com isso.
Diga o digno par o sr. José Maria dos Santos, - que é um grande lavrador do Alemtejo, e que tem um bello titulo de nobreza no exemplo que a todos dá da sua incansavel iniciativa, - se as nossas escolas agricolas, os nossos engenheiros hydraulicos e toda a mais cohorte de funccionarios ruraes têem feito alguma cousa que dê maiores e melhores resultados que a energia, a vontade, o impulso de um só homem.
Os campos estão precisando de chuva fertilisadora. É mais uma desgraça sobre tantas outras, mas Deus não quer dar a chuva, apesar das procissões de penitencia. E talvez o faça para emenda de todos, para castigar a imprevidencia de governos que, n'um paiz de tantos rios, deixam morrer á sede as searas, consentindo que a agua dos rios corra inutil e que as searas fiquem sedentas.
Ha leis agricolas, leis hydraulicas, muitas leis, muitissimas, mas não se cumprem ou não podem ser cumpridas. De modo que ninguem sabe a lei em que vive. São ou não lei do paiz os decretos dictatoriaes do sr. Dias Ferreira?
(O orador, interrompendo se, pergunta ao sr. presidente se ainda póde continuar.)
O sr. Presidente: - Acamara resolveu que n'estes dias a sessão se encerrasse ás seis horas da tarde.
O Orador (continuando): - Diz que esta informação da mesa lhe, dá alegria; mas, lembra-se que poderá dar