O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 689

N.º 46

SESSÃO DE 8 BE MAIO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

Summario

Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O digno par Antonio de Serpa requer que entrem de preferencia em discussão, depois dos projectos que já estavam em ordem do dia, aquelles a que se referem os pareceres n.ºs 95, 109, 97, 93, 103, 94, 110, 98, 101, 108, 105, 102, 99, 107, 106, 100, 104, 90, 89 e 15, devendo conservar-se a ordem por que os indica. Assim se resolve.

Ordem do dia: é approvado o projecto n.° 80 (parecer n.º 82), creando colonias militares-agricolo-commerciaes; e seguidamente são approvados, sem discussão, os seguintes projectos de lei: n.º 71 (parecer n.º 81), adoptando providencias de caracter transitorio com relação ao julgamento e execução de penas impostas a réu" sujeitos á justiça militar, n.º 88 (parecer n.º 88), que elimina do artigo 149 da pauta da importação das alfandegas do continente e ilhas adjacentes as palavras "parafina purificada", que serão incluidas no artigo 99 da mesma pauta, ficando assim a pagar o direito de importação de 2 réis cada kilogramma a parafina purificada, ou não, pedida a despacho depois da publicação d'esta lei; n.º 95 (parecer n.º 91), prohibindo a venda do leite que não seja puro e em perfeito estado de conservação. - O digno par conde de Bertiandos requer que se consulte a camara sobre se consente que entre em discussão, depois de approvados os projectos que estão dados para ordem do dia, o parecer que se refere a umas pensões a viuvas de empregados desta camara. Este requerimento é approvado. - Entra em discussão o projecto n.° 92 (parecer n.° 95), reformando a instrucção primaria. O digno par arcebispo de Évora apresenta uma proposta de emenda ao n.° 1.º do artigo 17.º, e justifica-a. Responde-lhe o digno par Jeronymo Pimentel (relator). De novo usam da palavra sobre o assumpto os mesmos dois dignos pares. - O digno par Thomás Ribeiro pede que o lyceu de Vizeu seja classificado central. Responde-lhe o sr. presidente do conselho. - É approvado o projecto, e rejeitada a proposta do digno par arcebispo de Évora. - São approvados, sem discussão, os projectos de lei: n.º 93 (reforma da instrucção secundaria) e n.º 94 (fixando a gratificação dos vogaes do conselho superior de instrucção publica), a que tambem diz respeito o parecer n.° 95. - São approvados os projectos: n.º 84 (parecer n.° 109), que auctorisa o governo a contratar com o banco de Portugal um emprestimo complementar de 25 contos de réis, com juros não excedentes a 6 por cento, applicados a melhoramentos na escola polytechnica, e n.° 97 (parecer n.° 97), approvando o codigo do processo commercial. - É posto em discussão o projecto n.ºs 101 (parecer n.° 93), que auctorisa o governo a applicar á acquisião de navios de guerra até á quantia de 2:800 contos de réis, do producto da emissão complementar das obrigações dos tabacos. Sobre este projecto trocam explicações o digno par conde de Lagoaça e o sr. presidente do conselho. É approvado o projecto. - O digno par Carlos Palmeirim manda para a mesa o parecer da commissão de guerra, sobre o projecto de lei que tem por fim applicar ao primeiro tenente de artilheria Luiz Pinto de Almeida o expresso na lei de 12 de abril de 1892 e no § 1.º do artigo 44.º do decreto de 28 de outubro de 1891, que reorganisou a escola do exercito. - O sr. presidente declara ter chegado á mesa a carta regia que nomeia par do reino o sr. Antonio d'Azevedo Castello Branco. - Entra em discussão o projecto de lei n.º 104 (parecer n.° 103), auctorisando o governo a mandar cunhar, e fazer emittir, até á quantia de 500 contos de réis de moeda de prata especial e commemorativa da celebração do quarto centenario da partida de D. Vasco da Gama para o descobrimento da India, e a mandar fabricar e emittir estampilhas postaes commemorativas do mesmo centenario. O digno par Thomás Ribeiro manda para a mesa uma proposta, que justifica. Responde-lhe o sr. presidente do conselho de ministros. O digno par Thomás Ribeiro replica. É approvado o projecto e rejeitada a proposta. - Lê-se na mesa um orneio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim fixar a força naval para o anno economico de 1896-1897. - O digno par visconde da Silva Carvalho requer que se consulte a camara sobre se permitte que a commissão de marinha se reuna para elaborar o parecer sobre o projecto que consta do officio que foi lido na mesa. O sr. presidente explica que não precisa de consultar a camara, porque ella, na sessão de hontem, já deu a auctorisação a que o digno par se refere. - São em seguida approvados, sem discussão, os seguintes projectos de lei n.º 94 (parecer n.° 94), que trata da caixa de aposentações para trabalhadores assalariados, monte de piedade nacional, caixa geral de depositos e instituições de previdencia; 11.º 105 (parecer n.º 110), auctorisando o governo a despender até á quantia de I:500j5000 réis com soccorros ás familias que foram reduzidas á indigencia, pelo incendio occorrido em Montalegre, em 12 de abril de 1896; n.ºs 103 (parecer n.° 98), approvando, para reger nestes reinos e seus dominios, o codigo de justiça militar. - Tambem é approvado, sem discussão, o parecer n.º 90, que julga comprehendidos na lei das incompatibilidades, e, portanto, impedidos de tomar parte nas discussões da camara, e de votar, os dignos pares conde de Ficalho, Barjona de Freitas e Julio de Vilhena. - O digno par visconde da Silva Carvalho manda para a mesa o parecer n.° 112 da commissão de marinha, sobre o projecto de lei fixando a força naval parado anno economico de 1896-1897, e requer que, dispensado o regimento, entre o projecto desde logo em discussão. É approvado o requerimento e seguidamente o projecto. - São approvados, sem discussão, os seguintes projectos de lei: n.º 113 (parecer n.º 101), que tem por fim applicar ás forças ultramarinas e mandar pôr em vigor, na parte exequivel, com algumas modificações, as disposições contidas nos livros 2.º, 3.º e 4.º do codigo de justiça militar: n.° 112 (parecer n.° 108), que trata da navegação para os Açores e Madeira; n.° 108 (parecer n.° 105), que auctorisa o governo a adjudicar em concurso publico a construcção e exploração das levadas de agua de irrigação da Madeira, pertencentes ao estado, e bem assim a construcção e exploração de novas levadas; n.º55 (parecer n.º 102), que approva, para ser ratificada pelo poder executivo, a nova convenção para a extradição de criminosos, celebrada entre Sua Magestade El-Rei de Portugal e Sua Magestade a Rainha Regente dos Paizes Baixos; n.º 109 (parecer n.º 99), que determina que os contra-almirantes em commissões especiaes têem direito á reforma que lhes pertenceria se houvessem sido promovidos a vice-almirantes na epocha em que lhes competiria por antiguidade, como se fossem officiaes do quadro effectivo; n.º 114 (parecer n.º 107), que torna extensiva á camara municipal do concelho do Funchal a faculdade conferida pelo n.º 2.º do artigo 133.° do codigo administrativo á camera municipal de Lisboa, para a cobrança das taxas pelas licenças que conceder, e o producto integral das mesmas taxas será exclusivamente applicado ao abastecimento e canalisação geral de agua potavel, e a canalisação de esgotos da cidade do Funchal. - É approvado o parecer n.° 89, concedendo pensões a tres viuvas de empregados d'esta camara. - O digno par Arthur Hintze Ribeiro manda para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei que tem por fim abolir o direito de portagem na ponte do Forno. - O digno par visconde de Chancelleiros faz considerações sobre diversos assumptos, e fica com a palavra reservada. - O digno par conde de Lagoaça pergunta se o governo recebeu algum protesto do estrangeiro contra a emissão do emprestimo dos tabacos. O sr. presidente do conselho responde que recebêra apenas um pedido de esclarecimentos. - É lida na mesa a carta regia nomeando par do reino o sr. Luiz Augusto Pimentel Pinto. - O sr. presidente levanta a sessão, dando para ordem do dia da seguinte a discussão dos projectos de lei a que dizem respeito os pareceres n.ºs 100, 104,106, 111 e 113.

Abertura da sessão ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 23 dignos pares.

Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.

(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho e ministro da, guerra.)

Leu-se o seguinte expediente:

47

Página 690

690 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando a proposição de lei que tem por fim applicar ao primeiro tenente de artilheria, Luiz Pinto de Almeida, o disposto na lei de 12 de abril de 1892 e no § 1.° do artigo 44.° do decreto de 28 de outubro de 1891.

Para a commissão de guerra.

O sr. Presidente: - Não ha mais expediente.

Vae passar-se á ordem do dia.

O sr. Antonio de Serpa: - Pedi a palavra para submetter á consideração da camara o seguinte requerimento:

"Requeiro que entrem em discussão, depois dos projectos que já estavam na ordem do dia da sessão de hontem, e por esta ordem de preferencia a qualquer outra, os seguintes projectos:

"N.ºs 95, 109, 97, 93, 103, 94, 110, 98, 101, 108, 105, 102, 99, 107, 106, 100, 104, 90, 89 e ll5. = Antonio de Serpa.

Todos estes projectos são de interesse publico, e o meu requerimento foi feito de accordo com o governo.

Lido na mesa o requerimento, foi approvado.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão sobre o projecto de lei n.º 80

(parecer n.º 82) creando colonias militares agricolo-commerciaes

O sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade e na especialidade o projecto n.º 80. O sr. visconde de Chancelleiros ficou com a palavra reservada da sessão de hontem, mas parece-me que s. exa. só d'ella póde usar, em vista da resolução da camara n'uma das anteriores sessões, depois da ordem do dia. Será esta tambem a opinião do digno par?

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Se v. exa. entende que devo usar da palavra antes de se encerrar a sessão, nada tenho a objectar.

O sr. Presidente: - Tinha ainda a palavra o sr. conde de Lagoaça. Como, porém, s. exa. não está presente, e ninguem mais se acha inscripto, vae votar-se este projecto.

Foi approvado o projecto.

Leu-se na mesa o projecto de lei n.º 71, parecer n.º 81.

É do teor seguinte:

PARECER N.º 81

Senhores: - O projecto de lei submettido á apreciação das vossas commissões de marinha e ultramar, contem providencias de caracter transitorio com relação ao julgamento e execução de penas impostas a réus sujeitos á justiça militar.

Pelo artigo 21.º do codigo de justiça militar devem aquelles réus cumprir a pena que lhes for imposta em estabelecimentos especiaes dependentes daquelle ministerio. Mas não os havendo ainda, era forçoso providenciar para que a pena de presidio militar, a que aquelle artigo se refere, fosse cumprida em alternativa, impondo-se para isso, conjunctamente com aquella pena, a de encorporação em deposito disciplinar, ou a de prisão militar.

Determina o projecto como ha de ser executada a pena em alternativa imposta aos condemnados, emquanto a outra pena não poder ser cumprida.

São tão necessarias, e mesmo urgentes, as providencias contidas n'este projecto, que as vossas commissões julgam que nenhuma duvida podeis ter em o approvar.

É este o parecer que ellas offerecem á vossa consideração, para que, approvando este projecto, o façaes subir á regia sancção.

Sala das sessões das commissões de marinha e ultramar, 4 de maio de 1896. = Visconde da Silva Carvalho = Conde do Bomfim = José Baptista de Andrade = Conde da Azarujinha = Arthur Hintze Ribeiro = Francisco Costa = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator. I

Projecto de lei n.º 71

Artigo l.º Emquanto no ministerio da marinha e ultramar não houver os precisos estabelecimentos para ser cumprida a pena de presidio militar, a que se refere o artigo 21.º do codigo de justiça militar, os tribunaes tanto no reino como nas provincias ultramarinas, applicarão esta pena e conjunctamente, em alternativa, a de encorporação em deposito disciplinar ou a de prisão militar, a que se refere o mesmo codigo, nos termos dos artigos seguintes.

Art. 2.º Quando a pena applicavel for a de tres annos e um dia a seis annos, ou de seis annos e um dia a nove annos, de presidio militar, a alternativa será de igual tempo de deportação militar.

Art. 3.º Quando a pena applicavel for o presidio militar de seis mezes a tres annos, a alternativa será de igual tempo e mais cinco decimos de encorporação em deposito disciplinar ou de prisão militar.

Art. 4.º Nas provincias ultramarinas, emquanto não houver estabelecimentos proprios para execução da pena de encorporação em deposito disciplinar, os tribunaes applicarão esta pena, e em alternativa, por igual tempo, a prisão militar.

Art. 5.º As disposições d'esta lei são applicaveis a todos os processos pendentes em que não haja sentença passada em julgado.

Art. 6.º Os réus já condemnados por sentença passada em julgado na pena de presidio militar ou de encorporação em deposito disciplinar, e que não possam cumprir a pena em estabelecimento proprio, ou que tenham de ser removidos d'aquelle em que se acharem, serão internados pelo tempo que ainda lhes faltar, segundo a mesma sentença, n'uma praça de guerra, fortaleza ou prisão militar.

Art. 7.º A auctoridade a quem compete mandar executar as sentenças, nos termos dos artigos 515.° e seguintes do codigo de justiça militar, é a competente para determinar qual das penas applicadas alternativamente ha de, ser cumprida, e para dar execução ao disposto no artigo 6.º

Art. 8.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 28 de abril de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Em consequencia de algumas reclamações apresentadas na sessão de hontem, este projecto e todos os mais que se apresentarem, têem, dispensando-se o regimento, uma só discussão, se a camara não tomar resolução em contrario.

O projecto foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae entrar em dissussão o projecto de lei n.° 88, a que diz respeito o parecer n.° 88.

Leu se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.º 88

Senhores: - Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.º 88, vindo da camara dos senhores deputados, que modifica o direito actual da parafina purificada de 65 réis para 2 réis em kilogramma.

Apreciou devidamente esta commissão os fundamentos que determinaram a outra casa do parlamento a votar o referido projecto de lei, o qual tem por base dar á industria das velas de illuminação uma compensação da baixa que o direito da vela soffreu devido ao tratado com a Hollanda, compensação esta que em parte attenua os sacrificios que por aquelle tratado foram impostos á referida industria.

Trata-se, pois, de uma providencia legislativa de urgencia immediata, porquanto o tratado com a Hollanda que a motiva entra immediatamente em vigor, e, nos termos expostos, a reducção do direito sobre a parafina tem de

Página 691

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 691

acompanhar a reducção do direito sobre a véla fina no já citado tratado de commercio.

Entende, portanto, a vossa commissão que approveis o referido projecto de lei para subir á real sancção.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 5 de maio de 1896. = Conde da Azarujinha = Arthur Hintze Ribeiro = José Antonio Gomes Lages = A. de Serpa Pimentel = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator.

Projecto de lei n.º 88

Artigo 1.º São eliminadas do artigo 149 da pauta da importação das alfandegas do continente e ilhas adjacentes as palavras "parafina purificada", que serão incluidas no artigo 99 da mesma pauta, ficando assim a pagar o direito de importação de 2 réis cada kilogramma a parafina purificada, ou não, pedida a despacho depois da publicação d'esta lei.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 2 de maio de 1896. = Antonio da costa Santos,
presidente = Amandio Eduardo Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto de lei n.º 95, a, que diz respeito o parecer n.º 91. Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.º 91

Senhores: - As vossas commissões de agricultura e fazenda foi enviado 5 projecto de lei n.° 95, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por fim evitar a venda de leite que não seja puro e em perfeito estado de conservação.

Tudo quanto seja legislado no sentido de reprimir as fraudes na venda dos productos, tanto para acautelar os legitimos interesses dos productores honestos, como tambem para não lesar os consumidores que; pagando os productos pelo seu rasoavel valor, não devem receber senão aquelles que satisfaçam completa e integralmente a todas as condições de pureza e de boa conservação, tudo quanto for legislado n'esse sentido é um bom serviço que se presta.

As vossas commissões de agricultura e fazenda são, pois, de parecer que o projecto de lei n.° 95 seja approvado e submettido á real sancção.

Sala das sessões das commissões de agricultura e fazenda, em 5 de maio de 1896.= Conde de Bertiandos = Conde de Carnide = José Antonio Gomes Lages = José Maria dos Santos = Conde da Azarujinha = Visconde de Athouguia = Visconde de Chancelleiros = Jeronymo da Cunha Pimentel = Arthur Hintze Ribeiro = Francisco Simões Margiochi, relator.

Projecto de lei n.º 95

Artigo. 1.º Seja qual for a forma da offerta, é prohibida a venda de leite que não seja puro e em perfeito estado de conservação.

§ unico. Consideram-se adulteração de leite: 1.º, a addição de agua; 2.º, a desnatação; 3.º, a addição de quaesquer substancias estranhas; 4.º, o mau estado de conservação.

Art. 2.º Aos vendedores de leite, que transgredirem os preceitos d'esta lei, serão impostas correccionalmente multas que irão de 5$000 réis a 20$000 réis, conforme a gravidade da transgressão.

§ 1.º Para assegurar, perante o tribunal competente, a reciprocidade dos direitos e obrigações do comprador e vendedor, será este obrigado, no acto de entregar o leite, a receber do comprador um cremometro, no qual se lançará uma amostra do mesmo leite, sendo em seguida fechado e sellado convenientemente. Igualmente o comprador ficará com um outro cremometro identico ao primeiro, com o mesmo numero de ordem, no qual terá sido recolhida uma segunda amostra do leite, exactamente nas mesmas condições da primeira. O vendedor terá o direito de impor, querendo, o seu carimbo privativo no sêllo do cremometro que ficar em poder do comprador.

§ 2.º Quando a transgressão não seja proveniente da addição de agua e da desnatação do leite, serão as duas amostras, de que falla o paragrapho anterior, remettidas ao laboratorio chimico official, que o tribunal escolher, para ali serem sujeitas a uma rigorosa analyse.

§ 3.° Os cremometros e sellos são da conta do comprador, ficando, comtudo, o vendedor do leite responsavel pelo seu valor até os restituir ao primeiro.

§ 4.° Nenhum comprador de leite poderá usar de cremometro que não tenha previamente sido verificado e numerado, em dupla serie para cada indiduo, na estação technica competente, que fará tambem a distribuição das marcas dos sellos, e terá um registo especial d'este serviço.

Art. 3,° O que denunciar em juizo qualquer adulteração do leite, tem obrigação de apresentar, no acto da denuncia cremometro com a amostra respectiva, intacto tanto no seu obturador, como no sêllo.

O vendedor tem igualmente obrigação de apresentar, ao acto da intimação judicial, o cremometro que tenha recebido do comprador, exactamente nas mesmas condições de authenticidade exigidas ao denunciante.

§ 1.º Reconhecida a authenticidade dos dois cromometros, relativos a cada denuncia, a comparação das duas amostras é prova bastante para o julgamento e imposição das multas. Não accusações o cremometro do vendedor a fraude incriminada, não terá logar a multa e pagará o denunciante as custas.

§ 2.º As multas impostas nos termos desta lei constituem receita do estado e são cobradas executivamente.

Art. 4.º O governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 5 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Motta Veiga, deputado secretario = Baião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Conde de Bertiandos: - Sr. presidente, por parte da commissão de petições, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que na sessão de hoje entre em discussão um parecer que já foi distribuido, e diz respeito a umas pensões concedidas a viuvas de empregados d'esta camara.

Este requerimento foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 95, que diz respeito a tres projectos de lei n.ºs 92, 93 e 94.

Leu-se na mesa o parecer e seguidamente os tres projectos de lei.

É do teor seguinte:

PARECER N.º 95

Senhores: - A vossa commissão de instrucção publica, ao apreciar as medidas decretadas em 22 de dezembro da 1894, reformando a instrucção primaria e secundaria, e que constituem hoje a materia d'este projecto de lei, não pôde, sem offender a vossa subida illustração, vir encarecer-vos as vantagens da instrucção em qualquer dos seus graus.

São tão frisantes e tão manifestas as rasões politicas, economicas e sociaes em que se estriba a necessidade de derramar a instrucção em todas as classes, que dariamos de nós um triste documento, se estivessemos a evangelisar uma idéa, que está hoje no espirito e no coração da humanidade.

Página 692

692 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O que importa é traduzir essa idéa em factos; é levantar-lhe em cada escola um templo, e em cada templo erigir-lhe altares onde se preste culto á regeneração moral e social dos povos, e onde brilhe a lampada do progresso e da verdadeira civilisação.

Mas não basta que o templo material se levante; é mister que o sacerdote d'aquella religião saiba manter na ara santa da escola o fogo sagrado da instrucção; saiba formar o pensar e o sentir das crianças de hoje, que hão de ser a geração de ámanhã.

É, portanto, primeira condição para o desenvolvimento da instrucção primaria a escolha do professorado. Para isso é mister melhorar as condições da sua situação, sem o que não é licito exigir-lhes nem habilitações mais solidas, nem o mais escrupuloso cumprimento do seu dever.

O pensamento das leis de 2 de maio de 1878 e 11 de junho de 1880, que, no intuito de descentralisar serviços e despezas, commetteu ás camaras municipaes o encargo e direcção immediata das escolas, não tinha produzido o melhor resultado.

É preciso o auxilio das corporações locaes; deve impender-lhes a maior parte das despezas com a instrucção primaria. Poderão mesmo ter alguma parte na fiscalisação das escolas, mas a direcção immediata do serviço escolar, pela sua propria natureza, não póde deixar de ser uma lunação do estado.

N'outros paizes, com outros costumes, com uma iniciativa mais accentuada nos individuos e nas collectividades, com uma educação, diversa da nossa, poderá a descentralisação do serviço escolar não ter inconvenientes.

Entre nós a experiencia não produziu bons fructos.

A opportunidade do decreto de 6 de maio de 1892, que restituiu ao estado aquelle tão importante serviço, foi reconhecida por todos.

Mas tendo ainda ficado em vigor algumas das disposições das leis de 1878 e 1880, que obedeciam a outra orientação, tornava-se urgente a decretação de uma reforma, que estabelecesse as bases em que assentasse um plano harmonico e methodico, para a organisação do ensino primario.

Esta reforma, decretada em 1894, obedece a essa necessidade, sem, todavia, alterar a reforma do ensino, nem estabelecer novos processos. Não é, portanto, uma reforma radical, que veiu operar uma transformação completa no modo de ser da nossa instrucção primaria.

Modesta nas suas aspirações procurou melhorar o existente, consoante as indicações da experiencia, dando mais connexão e mais amplitude aquelle serviço, que pelas condições em que se encontrava se resentia de confusão e deficiencia.

Não quiz o governo com a sua reforma alargar o inventario das materias que constituem o patrimonio litterario da instrucção primaria.

No seu duplo fim de roubar á ignorancia as classes populares, e de abrir os áditos da sciencia aos que n'ella hão de proseguir, entendeu a reforma, e muito bem, que o primeiro não podia ser sacrificado ao segundo.

Acima de tudo está o dever de arrancar ás trevas do analphabetismo os quatro milhões de habitantes n'um paiz que pouco mais, tem de cinco.

Dos que querem a instrucção primaria como preparatorio para mais subidos estudos, poucos vão procural-a ás escolas officiaes.

Para o povo, pois, é que ella é; ao seu ensino se deve principalmente attender.

No ambito do ensino do 1.º grau abrange-se pela reforma o minimo indispensavel de conhecimentos para todo o cidadão.

No seu programma em pouco se alterou o fixado para o ensino elementar na lei de 2 de maio de 1878. Eliminou-se o ensino dos elementos de grammatica portugueza, e accresceram os trabalhos manuaes e os exercicios de gymnastica.

A gymnastica, que era facultativa por aquella lei, e só passados tres annos depois do estabelecimento das escoas normaes, torna-se agora obrigatoria.

Tem sido entre nós muito descurada a educação physica, a que n'outros paizes, e com rasão, se tem prestado o maior cuidado.

No estado actual da degeneração das raças, por motivos que não vem para aqui agora apreciar, o desenvolvimento do organismo por meio de exercicios physicos impõe-se como primeira necessidade nesta lucta pela vida.

As creanças, fructo morbido d'essa degeneração, apresentam-se geralmente enfezadas rachiticas, com o sangue depauperado e o organismo enfraquecido.

Os exercicios physicos, convenientemente dirigidos, são um poderoso elemento para corrigir até certo ponto as deficiencias do corpo, que tem uma relação directa com a fraqueza do espirito.

"Aquelles, diz Spencer, que na avidez de cultivarem o espirito dos seus discipulos, não tratam dos seus corpos, esquecem-se de que o bom exito no mundo depende mais da energia do que do estudo!"

Por exercicios gymnasticos não devem entender-se unicamente aquelles movimentos musculares que se fazem no trapézio, ou nas parallelas, pautados pelas regras d'aquella arte; mas sim tambem os jogos, proprios para movimentar as creanças, que garantem uma distribuição de acção mais proporcional e mais equitativa por todas as partes do corpo.

A lei de 1878 dividiu o ensino primario em elementar e complementar; esta reforma subdivide ainda aquelle em ensino de 1.º e 2.º grau.

Este, mais desenvolvido e mais completo, constitue preparatorios para admissão nos institutos de instrucção secundaria ou especial dependentes do ministerio do reino.

A reforma dá menos importancia ao ensino complementar, do que lhe dava a lei de 1878; emquanto esta tornava obrigatorio aquelle ensino n'uma das escolas primarias em todas as sedes dos concelhos, aquella só os manda estabelecer nas povoações de mais de 4:000 almas, e nas sedes dos lyceus.

Tambem ella cria escolas ou cursos destinados ao ensino dos cegos e surdos-mudos. Os nossos applausos.

Não ha maior desventura que a dos que vivem nas trevas constantes da cegueira, ou a d'aquelle que vê no mundo os encantos que os olhos contemplam, mas não póde ouvir a voz dos homens, o canto das aves, o murmurio das fontes, a harmonia da musica.

Falla a natureza na linguagem mysteriosa mas eloquente dos seus primores; elle vê-a, contempla-a, admira-a, mas não a escuta; tem um coração para sentir, mas não tem voz para expressar o que na alma lhe vae.

É assim o surdo-mudo!

"Que admiração lhe não deve ser, dizia D. Antonio da Costa, quando em pequeno, ao acordar-lhe o anceio de ouvir e de fallar, não poder fallar nem ouvir! Como se lhe não contrahirá o coração quando sentir a necessidade de amar, e não poder ouvir a palavra mais doce da vida: Amo-te? Que tristeza lhe não será quando comprehender que todos são felizes em roda d'elle, e que só elle o não é? Como não perguntará á Providencia, com a linguagem triste da sua alma: - Senhor, porque me fizeste surdo-mudo? "

O sr. ministro do reino com os olhos da sua sentimentalidade viu aquella desventura, e restabeleceu o ensino official dos surdos-mudos de que já tiveramos um instituto na casa pia de Lisboa, extincto em 1844 a titulo de economia.

O ensino dos surdos-mudos estabeleceu-se em Hespanha no seculo XVI, posto que alguns o façam remontar ao seculo vil, apontando o facto de S. João de Beverley, ar-

Página 693

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 693

cebispo de York, haver ensinado um, que por caridade recolhêra. Da Hespanha passou a Inglaterra e á Hollanda, e mais tarde á culta Allemanha, onde se enraizou e robusteceu.

Na França, que por muito tempo desprezou as tentativas para o estabelecer, foi um compatriota nosso, o judeu portuguez, Jacob Rodrigues Pereira, natural de Peniche, que foi em Bordéus fundar uma escola para abrir aos desventurados surdos-mudos o convivio social.

Ha n’aquella nação, pelo menos, quatro institutos de surdos-mudos e cegos a expensas do governo; dois em Paris, um em Bordéus, e outro em Chambéry, alem do de Besançon, sustentado pelo departamento, e quarenta e tres collegios, na maior parte subsidiados ou pela republica ou pelas communas.

Ali, como na Belgica, na Allemanha, na Inglaterra e n’outros paizes, ha associações para soccorros aos surdos-mudos.

Na Hespanha, que se gloria de ser berço d’aquelle humanitario ensino, ha cinco institutos: o de Madrid, sustentado pelo estado; o de Barcelona, pela municipalidade; o de Santiago e o de Burgos, pelas deputações e ainda outro.

Na Austria, alem do de Vienna, pago pela coroa, ha muitos sustentados por particulares.

Na Saxonia, na Baviera, na Russia, na Turquia, nos Estados Unidos, no Brazil, em toda a parte, emfim, do velho e novo mundo, a sorte d’aquelles desgraçados tem inspirado a compaixão de todos.

Em Portugal, onde quasi sempre chega tarde o reflexo dá luz que allumia as grandes conquistas da humanidade, fundou-se um instituto para surdos-mudos em 1823, no palacio do conde de Mesquitella, á Luz, sob a direcção de Pedro Aron Borg, director do instituto de Stockolmo.

Acabou, e por um modo bem triste.

O ensino dos surdos-mudos tambem muito deve á cidade de Gruimarães, que dispensou todo o auxilio possivel ao professor Pedro Maria de Aguilar, que com um methodo seu, e com um tino especial, ali teve um collegio. A camara de Lisboa aproveitou-se d’esse methodo e do ensino d’aquelle professor, e fundou aqui um asylo.

Agora estabelece-se o ensino official dos surdos-mudos e dos cegos; bem foi.

Escasseia-nos o tempo para vos apresentar, com maior desenvolvimento, as disposições do projecto. Mas da simples leitura d’ellas resalta a convicção do melhoramento que ellas trazem para a instrucção primaria.

A classificação dos professores, segundo o tempo e a qualidade do serviço, como base da sua retribuição, o modo do seu provimento, o accesso dos ajudantes á categoria de professores, a creação dos monitores e muitas outras disposições, constituem um aperfeiçoamento na organisação d’este professorado.

Melhora-se a situação financeira dos professores, augmentando-lhes os ordenados, divididos em vencimentos de categoria e de exercicio, e fixados conforme a sua classe. Cessa a habilitação para o magisterio, feita perante as commissões districtaes.

A inspecção ás escolas não é permanente; é extraordinaria, quando o governo o entender.

Talvez que a fiscalisação directa, constante, assidua, de funccionarios d’ella exclusivamente incumbidos, d’esse melhor resultado; á questão economica no estado actual da fazenda publica sacrifica-se esta utilidade.

Decreta-se n’esta reforma uma providencia, que merece a nossa sympathia, e para a qual chamâmos a vossa attenção; queremos referir-nos ao estabelecimento de caixas oconomicas escolares.

Em julho de 1883 principiaram a funccionar estas instituições em quatro escolas centraes do municipio de Lisboa, e em oito mais no mez de outubro do mesmo anno.

Desde logo os seus resultados foram lisonjeiros.

No fim do primeiro anno o numero total dos depositos

elevou-se a 6:962, na importancia de 1:127$940 réis. O seu resultado depois, por circumstancias que ignorâmos, não correspondeu ás esperanças dos primeiros tempos.

Em toda a parte estas instituições florescem, e são de um elevado alcance social.

«O estabelecimento das caixas economicas escolares, diz A. de Malarce, tem por fim ensinar a economia, como se ensina uma virtude.»

Esta idéa não póde ser nem mais bem concebida, nem mais previsora. E ir instillando gota a gota no animo infantil da creança o sentimento e o habito da economia.

A parte regulamentar completará o pensamento d’esta reforma, que por todos os titulos é merecedora da nossa approvação.

Reclamada dos poderes publicos ha muito, e com urgencia, era uma reforma da instrucção secundaria.

Não havia providencia, cuja necessidade, e para logo, fosse reconhecida por maior numero, nem por mais repetidas instancias, nem por auctoridades mais illustradas.

De merecimentos distinctos e assim reconhecidos têem havido e encontram-se muitos professores em nossos lyceus.

Perseverante e incontestavel tem sido em quasi todos, e justo é affirmar, a mais dedicada vontade no proficuo e recto exercicio da sua elevada missão.

E, todavia, é triste observar os fructos de tantos e tão relevantes serviços. Não lhes correspondia pelo menos a fé publica.

Os professores de instrucção superior em todas as nossas escolas, queixavam-se constantemente da deficiente instrucção com que se apresentava o maior numero dos seus discipulos.

Por seu lado os pães dos alumnos queixavam-se da multiplicidade de exames, a que os filhos eram obrigados para a primeira matricula num curso superior. E estes reconheciam, embora tardiamente, a necessidade de repararem essa enorme falta á custa de esforços no estudo.

Mas de todos os queixumes os mais justificados seriam os d’aquelles, que não pretendessem a instrucção secundaria unicamente como preparatorio, que d’esse ingresso nas escolas superiores, mas como elemento para illustração do seu espirito, ou para a sua educação civica.

É que a instrucção secundaria no nosso paiz, força é confessal-o, nunca foi comprehendida por este lado, o que nos collocava n’uma situação pouco lisonjeira em face da prganisação dos estudos nas nações cultas.

Aquelle mal e a esta necessidade procurou o governo acudir pela publicação do decreto n.° 2, de 22 de dezembro de 1894, que não era outra cousa mais que a proposta de lei apresentada ao parlamento na sessão de 19 de dezembro do mesmo anno,

Esse decreto, traduzido n’este projecto de lei com pequenas alterações que lhe introduziu a camara dos senhores deputados, sem lhe alterar o pensamento fundamental, nem a contextura scientifica, faz o assumpto do parecer que vamos sujeitar á vossa illustrada consideração.

Quatro são os pontos principaes desta reforma, e cada um de tão elevado e manifesto alcance, que por si só póde bem dizer-se uma sensata reforma: a unidade da instrucção secundaria, a uniformidade, sob escolha em concurso, dos livros adoptados para textos das lições, a extensão da lingua latina e a exigencia do estudo da lingua allemã.

Á instrucção secundaria não cabe só a missão, aliás fundamental, de preparar e habilitar alumnos para a superior. Não póde conceber-se esta sem aquella, é certo, como ninguem póde conceber a circumferencia sem centro. Mas tambem como o centro, nas concepções da intelligencia humana subsiste só por si, assim a instrucção secundaria deve ter existencia independente, e dotada de prompta e larga fecundidade.

Página 694

694 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

A instrucção secundaria se é um meio de valor que sempre lhe tem sido reconhecido,, tambem é um fim como elemeno indispensavel de educação social.

Ha direitos e funcções nos serviços do estado e na organisação de povo culto que só ella póde outorgar e manter. Diga-se tudo. O estado, entre nós, ainda não lhe tem garantido toda a importancia que lhe deve. Emfim, se a instrucção primaria se impõe como o baptismo, a secundaria é a confirmação nos sacramentos sociaes.

Mas ainda como habilitação ou preparatorio para a instrucção superior, a secundaria não é susceptivel de dupla organisação. E a mesma para as sciencias e para as lettras; é uma só. Dividil-a como preparatorio, conforme o curso de instrucção superior que se pretenda, é um violento artificio, que a destroe. É destinada só para estudo elementar; só para o ensino de disciplinas, que não podem ter categoria já differenciada de sciencias ou letras.

Não póde chegar a desenvolvimentos que alcancem, nem nos methodos, nem nos objectos, concepções elevadas, nem profundas investigações, nem primores de fórma. Um exemplo ao alcance de todos. Compete-lhe o ensino de desenho: ninguem lh’o contesta. Mas não é n’elle nem por elle que se prepara um pintor.

Tem a instrucção secundaria limites naturalmente fixados pela sua indole. Longe d’elles é que a sciencia encontra estradas diversas para a sua expansão; bem longe é que se abre a amplidão para as conquistas.

Custa a comprehender como tanto tem durado esta distincção, esta differença na exigencia dos estudos de instrucção secundaria, consoante o alumno se destinava ás sciencias positivas ou naturaes, usando da phrase vulgar. Esta distincção é falsa, como estas mesmas denominações o são. É falsa por carencia de base. Com similhante distincção, íam subindo ás cadeiras de theologia, direito e litteratura, professores sem uma noção de trigonometria e com ligeiros conhecimentos de physica e de historia natural. E assim tambem, sem nunca terem feito estes elementares estudos, íam tantos chegando aos mais altos cargos da igreja ou ás supremas funcções da magistratura!

Sem nunca terem lido obras de Cicero e Virgilio, sem conhecimento seguro de grammatica latina, eminentemente philosophica, poderoso meio para o desenvolvimento do espirito lógico, tambem se podia chegar, entre nós, a ensinar medicina, mathematica, physica, chimica e historia natural nas escolas de mais elevada categoria!

Estes factos, singelamente indicados, até mesmo a lembrança da sua possibilidade, valem profundas reflexões para provar o absurdo que resultava do rompimento da unidade na instrucção secundaria.

Ora consequencia e manifestação d’esta unidade é a uniformidade de compendios adoptados para textos das lições. São os compendios para os alumnos guias constantes; e, quando não, são o mesmo para os professores, é certo que lhes prestam poderoso auxilio.

Um bom livro vale um mestre excellente.

Mas se não póde admittir-se pessoal docente sem concurso em provas publicas, é evidente que de igual modo tem de ser feita a escolha dos compendios.

N’este ponto o absurdo tinha excedido- os limites até da brandura de costumes, que ultimamente tem sido reconhecida e condemnada; e, é preciso fazer-se justiça a todos, o abuso tinha sido principalmente dos editores. É tão fundo tinha ido, que bem provavel é que o governo tenha de recorrer a outras providencias mais rigorosas ainda.

Se alguma duvida podesse ainda subsistir em espirito seduzido pela liberdade da industria, teria de ceder diante das garantias prescriptas para este concurso, feito perante uma commissão numerosa, talvez em excesso, de lentes de instrucção superior e professores de instrucção secundaria; e depois ainda sujeito ao exame do conselho superior de instrucção publica, cujo voto afirmativo é mesmo indispensavel (artigo 28.°), e ainda com o remedio indicado no artigo 30.°

Não será necessario talvez levar esta uniformidade até um compendio unico para cada disciplina em todo o reino. Talvez fosse mais conveniente a adopção de alguns compendios de auctores differentes, e que podessem ser com a mesma vantagem adoptados no ensino. Mas a experiencia mostrará, pela sua ininterrupta energia, que alterações sejam de necessidade ou provavel conveniencia na appli-cação d’este principio.

A vossa commissão entende que deve particularmente recommendar aos vossos applausos esta prudente reforma.

A lingua latina, com a sua opulenta litteratura, não é só uma necessidade para a erudição.

É necessidade mais extensa. Não ha, sem ella, conhecimento seguro da lingua patria; é forçoso reconhecer e proclamar esta verdade, que tem a consagração de tantas gerações pelas suas mais eruditas intelligencias. Mas o estudo da grammatica latina ainda vale muitissimo pela harmonia logica que n’ella se observa constantemente, tanto nas regras, como até nas variadas excepções.

A nossa lingua, embora tenha uma indole propria, que lhe affirma na linguistica a sua independencia e os seus fóros de autonomia, tem a sua filiação na lingua latina.

Dizia Camões:

«E na lingua, na qual quando imagina
«Com pouca corrupção crê que é latina.»

Considerada como a lingua mãe, e que na infancia da geração, que vae já no seu declinar, constituia um dos mais importantes elementos da nossa educação litteraria, a lingua latina tem para nós o respeito das tradições, e dá-nos o convencimento do seu valor real para o estudo da nossa lingua e da nossa litteratura.

A vossa commissão não ficaria satisfeita de si mesma sem ter rendido esta homenagem á sublime e eterna lingua do Lacio, reconhecendo aliás que o governo á mesma lingua consagrou os mais eloquentes periodos do relatorio da sua reforma.

Para o presente e mais ainda para o futuro, e proximo, a lingua allemã é indispensavel, não só para os que tenham de acompanhar a sciencia no seu constante progredir, mas tambem para os que se appliquem ás industrias e artes. Como gymnastica do orgão da voz, maravilhoso complemento do cerebro, não ha lingua que tanto valha, o que só fôra bastante para dar-lhe logar no quadro das disciplinas da instrucção secundaria.

Não occulta a vossa commissão o seu sincero pezar pela exclusão das linguas gregas e ingleza, e faz votos para que uma e outra sejam reclamadas pelas auctoridades que tenham de informar o governo ácerca do resultado da experiencia. Quanto á lingua grega, a vossa commissão declara peremptoriamente que acompanha o governo nos seus votos para que venham, e breve, melhores dias para ella.

Nem se diga que com estas duas linguas teria de abranger mais um anno o curso de instrucção secundaria.

Todos reconhecem o tempo que, para cada disciplina, absorve a fixação da nomenclatura propria, quasi toda de origem grega. Se ha exagero em dizer-se que o conhecimento da lingua grega, por este motivo, vale metade de cada disciplina, é certo que o tempo destinado para o seu estudo teria compensação suficiente no auxilio prestado para a comprehensão da nomenclatura privativa de tantas disciplinas, sem esforços materiaes de memoria, que por estes mesmos esforços em tantos alumnos é gravemente prejudicada.

Mas, excluida mesmo do quadro proprio da instrucção secundaria, sente a vossa commissão que não lhe tenha sido conservado o seu logar, já de tantos annos, nos lyceus, para que, fóra de Lisboa e Coimbra, podesse estudal-a quem pretendesse consagrar-lhe algumas horas, em troca de importantissimas vantagens para a sua illustruação. E sente isto principalmente, porque assim terá de ser

Página 695

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 695

retirada da categoria das linguas dos exames de preferencia na universidade, onde lhe tinha sido consagrado o primeiro logar, visto ser condição indispensavel para estes exames a previa approvação da respectiva disciplina em lyceu (decreto de 20 de setembro de 1844, artigos 129.° e 130.°, regulamento de 23 de maio de 1862, artigo 10.°)

A lingua ingleza é reclamada pelas necessidades do commercio e das nossas colonias. Aqui não póde ser substituida pela allemã. Demais, sendo exigida, como é, e deve ser, a allemã, pouco tempo seria necessario para o seu estudo, facilitado pelo conhecimento anterior d’aquella lingua.

É certo que a lingua ingleza tem logar no curso geral em alternativa com a aliem!. Não o tendo, porém, no curso complementar, e sendo este curso exigido, tanto para a primeirra matricula na instrucção superior, como para o diploma do curso completo da secundaria, claro é que a lingua ingleza ha de ser abandonada, ficando sem effeito, portanto, a concessão da alternativa.

Muito é para desejar que as condições do thesouro publico permittam o curso complementar em todos os lyceus do reino.

Não póde a vossa commissão satisfazer-se com qualquer outra rasão. Acceita esta, a dos minguados recursos da fazenda publica, como força maior; acceita-a como uma necessidade de privação.

O governo, na sua reforma, não obstante o que vem ponderado no seu relatorio, não se afasta d’este sentir.

É eloquente, na sua singeleza e na precisão dos numeros n’elle determinados, o artigo 21.° Em cada anno do curso complementar, e na mesma classe, não póde haver mais de quarenta alumnos. Teria ficado ainda melhor este artigo, se tivesse reduzido este numero a trinta; mas é justo reconhecer que, assim mesmo, o governo prestou um alto serviço.

Pois bem Desde que, no curso complementar, não podo haver mais de quarenta alumnos na mesma classe, evidente é que pouco se aggravariam as despezas, distribuindo-se por lyceus diversos esses alumnos. Pelo menos fique registado que, para cada lyceu, a sua elevação a central isto é a concessão do curso complementar, não custa a despeza toda determinada para o pessoal docente; tem de abater-se o que haja de despender-se nos lyceus centraes estabelecidos, com o desdobramento dos cursos em turmas.

Póde merecer reparo ainda o § unico do artigo 1.°

Com o rigor das provas de concurso, parece á vossa commissão que não haverá necessidade de mais a precaução de um tirocinio de tres annos, tirocinio aliás pouco compativel com a independencia que ao professor devem os poderes publicos manter, logo desde que lhe tenham sido confiadas funcções de tão grave responsabilidade.

N’um paiz que tem um largo dominio colonial em Africa, justificada é a creação de duas cadeiras para ensino das linguas principaes da costa oriental e Occidental d’aquella região.

A vossa commissão reconhece que devemos esperar as continuas lições da experiencia, as quaes hão de ser cuidadosamente archivadas, attentamente meditadas e commentadas com elevado criterio pelos professores, pelos reitores dos lyceus, pela direcção geral e pelo conselho superior de instrucção publica.

O projecto de lei n.° 107 é de incontestavel justiça, pelas variadas e importantes attribuições do conselho superior de instrucção publica. Competem-lhe processos disciplinares e os de premios, tanto para os professores como para os alumnos; os de creação de cadeiras; os dos concursos; a organisação dos programmas, e a consulta em todas as questões, pelo menos nas mais importantes, que o governo haja de resolver sobre assumptos de instrucção publica.

Esta mesma reforma augmentou-lhe consideravelmente as attribuições, quanto ao serviço, que lhe determinou no concurso dos livros, como segunda instancia.

É de observação constante e até da natureza humana, mesmo nos animos mais dedicados ao bem publico, que não ha peior serviço que o gratuito. Mas, embora seja assim, não é justo invocar esta consideração de facto, para justificar a remuneração consignada n’este projecto.

Se o merecimento e o zêlo comprovados em constante e superior serviço valem para mais alguma cousa do que para satisfação da consciencia, não haverá muitas occasiões em que possamos prestar-lhes homenagem de publico e justo reconhecimento com tão boas rasões como estas. No modo por que têem exercido as mais elevadas funcções os illustres vogaes do conselho superior de instrucção publica, tem este projecto o seu principal fundamento, que, para todos mui grato é reconhecer.

Havia uma lacuna n’esta parte, que a camara dos senhores deputados preencheu com uma proposta, restabelecendo a gratificação ao secretario do conselho, funccio-nario tão illustrado, como sollicito e modesto.

Terminando aqui o nosso exame a estes projectos, somos de parecer que elles devem merecer a vossa approvação.

Sala das sessões da commissão de instrucção publica, 6 de maio de 1 896. = A. de Serpa Pimentel = Antonio Emilio C. de Sá Brandão = A. A. de Moraes Carvalho = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator = Tem o voto do digno par: F. Arouca.

A vossa commissão de fazenda nada tem que oppor a este projecto.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 6 de maio de 1896. = A. de Serpa Pimentel = A. A. de Moraes Carvalho = Arthur Hintze Ribeiro = Gomes Lages = Conde da Azarujinha = Jeronymo da Cunha Pimentel = Tem o voto do digno par: F. Arouca.

Projecto de lei n.° 92 Instrucção primaria

Artigo 1.° O ensino primario é elementar ou complementar.

Art. 2.° O ensino elementar divide-se em dois graus:

a) O primeiro grau, que é obrigatorio para todas as creanças desde os seis aos doze annos comprehende:

1.° Leitura;

2.° Escripta;

3.° Operações fundamentaes de arithmetica e noções do systema legal de pesos e medidas;

4.° Doutrina christã e preceitos de moral;

6.° Elementos de desenho;

6.° Trabalhos manuaes;

7.° Exercicios gymnasticos;

8.° Nas escolas de meninas, prendas proprias do sexo feminino.

§ unico. Nos exercicios de leitura e escripta ter-se-ha em vista ministrar aos alumnos noticia de cousas uteis, de chorographia e historia pratica, e de factos, monumentos e homens notaveis do paiz.

b) O segundo grau, que é obrigatorio pata admissão nos institutos de instrucção secundaria ou especial dependentes do ministerio do reino, comprehende, alem do ensino do primeiro:

1.° Lingua portugueza:

2.° Elementos de chronologia, de geographia e de historia patria;

3.° Arithmetica e geometria elementares;

4.° Moral;

5.° Desenho linear.

Art. 3.° O ensino complementar abrange:

1.° Lingua portugueza; exercicios desenvolvidos e descripta, redacção, leitura e recitação;

Página 696

696 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

2.° Arithmetica e geometria elementares e suas applicações;

3.° Direitos e deveres dos cidadãos;

4.° Noções de economia e de contabilidade e escripturação;

5.° Noções de physica, de chimica e de historia natural, applicaveis á agricultura, á industria e á hygiene;

6.° Chronologia, geographia e historia patria;

7.° Moral e historia sagrada;

8.° Desenho linear e de ornato;

9.° Grymnastica e musica; natação quando seja possivel.

Art. 4.° As escolas primarias dividem-se em elementares e complementares.

Art. 5.° A escola elementar comprehende o ensino dos dois graus; a complementar só o ensino complementar.

Art. 6.° Em cada freguezia ha, em regra, uma escola elementar para cada sexo.

§ 1.° Se a area da freguezia for muito extensa e a população pouco densa, haverá sómente uma escola mixta para os dois sexos.

§2.° Duas freguezias limitrophes com população muito diminuta e area pouco extensa, podem reunir-se para o effeito escolar determinado n'este artigo.

§ 3.° Havendo professores de ensino livre nas freguezias e localidades onde devam estabelecer-se escolas officiaes, póde o governo conceder subsidios aos mesmos professores, quando as suas escolas possuam as condições necessarias, e elles tenham habilitação legal para o magisterio, e se obriguem a ministrar gratuitamente aos alumnos pobres o ensino elementar, nos termos do artigo 2.°

§ 4.° Esta concessão não póde ir alem do praso fixado no artigo 10.°, e será sempre feita depois de ouvido o conselho superior de instrucção publica.

As escolas subsidiadas ficam, para todos os effeitos, sujeitas á inspecção das auctoridades e funccionarios officiaes.

Art. 7.° Nas capitaes dos districtos administrativos ou em outras povoações, onde em virtude da densidade da população haja necessidade de duas ou mais escolas officiaes para cada sexo, podem estabelecer-se escolas centraes.

§ 1.° O numero dos professores proprietarios d'estas escolas não deve exceder a quatro.

§ 2.° Um d'estes professores será nomeado pelo governo para exercer as funcções de regente, com a gratificação de 60$000 réis.

Art. 8.° Nas cidades de Lisboa e Porto e em outras povoações importantes podem ser estabelecidas escolas para educação e ensino das classes infantis, segundo os systemas mais proveitosamente seguidos.

§ unico. Os cursos d'estas escolas não constituem grau de ensino.

Art. 9.° Nas povoações, onde as circumstancias de população e outras assim o exijam, podem ser estabelecidos cursos nocturnos ou dominicaes, destinados com especialidade para o ensino de adultos.

Art. 10,° Quando por qualquer motivo não possam estabelecer-se ein algumas freguezias escolas permanentes, nos termos do artigo 6.0,instituir-se-hão cursos temporarios ou moveis, para ensino da leitura e da escripta, da doutrina christã e das quatro operações fundamentaes da arithmetica, por fórma que dentro do periodo de dois annos, a contar do começo da execução d'este decreto, todas as freguezias estejam dotadas com escolas ou cursos de instrucção primaria,

Art. 11.° Serão estabelecidas escolas de ensino complementar em todas as sédes dos lyceus, nas cidades, e nas povoações cuja população exceda a 4:000 almas.

Art. 12.° Haverá escolas ou cursos destinados ao ensino de cegos e surdos-mudos.

§ unico. As disposições do § 3.° de artigo 6.° e do artigo 10.° são applicaveis ao estabelecimento d'estas escolas ou cursos.

Art. 13.° O ensino nas escolas officiaes de instrucção primaria é gratuito.

§ unico. O exame de instrucção primaria, que serve para admissão aos institutos de instrucção secundaria ou especial, continua sujeito á propina actual emquanto outra não for exigida. Ficam dispensados do pagamento de propina os alumnos pertencentes aos asylos e a quaesquer outros estabelecimentos de beneficencia publica ou particular.

Art. 14.° Os edificios, a mobilia e os utensilios e mais fornecimentos escolares, e bem assim as casas para habitação dos professores, constituem encargo obrigatorio das camaras municipaes, nos termos dos artigos 57.° e 58.°

Art. 15.° Nas camaras municipaes deve sempre haver pelouro de instrucção publica. A corporação municipal exerce, por intermedio do respectivo vereador, a inspecção do material das escolas existentes no concelho.

§ unico. O vereador do pelouro de instrucção póde nomear um delegado na localidade de cada escola, incumbido de vigiar pela conservação do material escolar.

Art. 16.° As receitas destinadas ao material escolar darão entrada no fundo especial da instrucção primaria e as despezas serão pagas por meio de folhas processadas na administração do concelho, mediante as notas e requisições da camara municipal, pela fórma preceituada nos regulamentos.

Art. 17.° Constituem habilitação para o exercicio do magisterio primario complementar:

1.° Approvação em qualquer curso de instrucção superior;

2.° Approvação no curso complementar das escolas normaes;

3.° Approvação nos cursos de instrucção secundaria professados nos lyceus.

Constituem habilitação para o magisterio primario elementar, alem das habilitações mencionadas nos numeros antecedentes:

4.° Approvação nos cursos elementares das escolas normaes;

5.° Approvação nos cursos a que se refere o artigo 42.°

Art. 18.° As escolas de instrucção primaria são providas por despacho do governo, precedendo concurso documental por espaço de trinta dias, annunciado pela direcção geral da instrucção publica.

Art. 19.° É facultado o provimento por transferencia, quando seja requerido antes de aberto o concurso e as cadeiras sejam da mesma categoria.

Art. 20.° Póde tambem o governo fazer transferencias em vantagem do serviço publico, mas sempre ouvido o interessado, e com voto affirmativo do conselho superior de instrucção publica.

Art. 21.° Não havendo candidatos ao concurso de qualquer escola o governo confiará a respectiva regencia a professor habilitado como pensionista, que ainda se ache sujeito á obrigação do serviço no magisterio primario.

Art. 22.° Quando em dois concursos consecutivos não haja concorrentes a alguma cadeira, o governo poderá provel-a em individuo devidamente habilitado que a pretenda, e de preferencia em candidato que se tenha habilitado como pensionista do estado.

Art. 23.° É fixado o praso de trinta dias, a contar da publicação do despacho de provimento na folha official, para os individuos providos tomarem posse das respectivas cadeiras.

§ 1.° Este praso será de sessenta dias quando as cadeiras pertençam ás ilhas adjacentes.

§ 2.° O individuo nomeado que sem auctorisação superior deixe de tomar posse dentro do praso legal, será

Página 697

SESSÃO N.0 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 697

siderado como havendo renunciado o provimento, ficando a respectiva cadeira vaga para todos os effeitos.

Art. 24.° A primeira nomeação para e magisterio primario é por tres annos, e só póde converter-se em definitiva depois d'este periodo de bom e effectivo serviço.

§ unico. Logo que se verifique que o serviço prestado é mau, considera-se findo o provimento, ficando a cadeira vaga, ouvido previamente o professor e com voto affirmativo do conselho superior de instrucção publica.

Art. 25.° O professor provido por transferencia não poderá transitar para outra escola senão passados dois annos depois do despacho.

§ unico. Exceptua-se a transferencia por virtude de concurso ou em vantagem do serviço publico nos termos do artigo 20.°

Art. 26.° Os professores das escolas tanto elementares como complementares constituem tres classes:

Pertencem á 3.ª classe os professores desde a sua nomeação até que completem oito annos de bom e effectivo serviço; pertencem a 2.ª classe os professores que tenham satisfeito á indicada condição até que completem mais sete annos de serviço igualmente bom e effectivo; pertencem á 1.º classe os professores que hajam completado os dois mencionados periodos de bom e effectivo serviço.

Art. 27.° Os vencimentos dos professores de instrucção primaria são de categoria e de exercicio, fixados nos termos seguintes, independentemente das cadeiras e em relação ás classes do professorado.

Professor de ensino elementar

3.ª Classe:
De categoria 120$000
De exercicio 30$000

2.ª Classe:
De categoria 140$000
De exercicio 40$000

l.ª Classe:
De categoria 150$000
De exercicio 60$000 220$000

Professores de ensino complementar

3.ª Classe:
De categoria 180$000
De exercicio 40$000 200$000

De 2.ª Classe:
De categoria 200$000
De exercicio 60$000 260$000

1.ª Classe:
De categoria 260$000
De exercicio 80$000 340$000

§ unico. Em Lisboa e Porto ha ainda o vencimento de residencia na importancia de 54$000 réis para os professores do ensino elementar e de 72$000 réis para os de ensino complementar.

Art. 28.° Cessam os augmentos de vencimento por diuturnidade de serviço, o vencimento do exercicio estabelecido pela carta de lei de 9 de agosto de 1888, e as gratificações de frequencia e de approvação de alumnos em exames finaes, com excepção das que devam ser pagas pelos exames mencionados no artigo 40.°

§ unico. A gratificação por alumno approvado nos exames mencionados no referido artigo será de 3$000 réis.

Art. 29.° Nas escolas de instrucção primaria que tenham frequencia regular de mais de sessenta alumnos poderá ser collocado um professor ajudante se o numero excedente for superior a vinte.

Art. 30.° Os professores ajudantes devem ter habilitação para o magisterio, nos termos do artigo 17.°, e podem ser nomeados pelo governo sem exigencia de concurso.

Art. 31.° Estes professores são nomeados para o quadro respectivo, e podem ser mudados de cadeira, quando seja inferior a sessenta a frequencia de alumnos.

§ unico. Se a transferencia se effectuar para cadeira de concelho differente terão os referidos professores direito a um subsidio de transporte.

Art. 32. Os professores ajudantes que tenham prestado bom serviço durante tres annos n'uma escola, podem ser providos na mesma escola sem exigencia de concurso, e em igualdade de circumstancias têem preferencia nos concursos abertos para provimento das escolas a que possam concorrer.

Art. 33.° Os professores ajudantes têem vencimento de categoria e de exercicio, nos termos seguintes:

Professores ajudantes de ensino elementar:

De categoria 72$000

De exercicio 30$000 102$000

Professores ajudantes de ensino complementar:

De categoria 100$000
De exercicio 60$000 160$000

§ unico. Em Lisboa e Porto têem mais um subsidio de residencia na importancia de 30 por cento dos seus vencimentos.

Art. 34.° Em nenhuma escola, com excepção das escoas centraes e das infantis, poderá haver mais de um professor ajudante.

Art. 35.° Quando a frequencia da escola, embora superior a sessenta alumnos, não chegue ao numero fixado no artigo 29.°, ou quando, na escola que tenha professor ajudante, seja superior a 100 alumnos, poderá o governo, sob proposta do commissario da instrucção primaria, auctorisar a nomeação de um monitor retribuido.

§ unico. Os monitores devem ter idade superior a quinze annos, e, pelo menos, exame de instrucção primaria elementar do 2.° grau ou o antigo exame de admissão aos lyceus.

Art. 36.° O vencimento dos monitores será de 72$000 réis em Lisboa e Porto e de 48$000 réis nas outras localidades.

Art. 37.° Os professores de instrucção primaria com previmento definitivo têem direito a aposentação ordinaria ou extraordinario nos termos do decreto n.° 1 de 17 de julho de 1896. A aposentação é concedida pelo governo e as pensões dos aposentados são pagas pela caixa das aposentações.

§ unico. Para a aposentação dos professores será contodo o tempo de serviço que tiverem prestado como ajudantes.

Art. 38.° Os professores e os ajudantes de instrucção primaria ficam sujeitos ao desconto nos seus vencimentos para a caixa de aposentações: de 1 por cento nos vencimentos até 150$000 réis, 2 por cento até 220$000 réis, 3 por cento até 300$000 réis, e 5 por cento nos vencimentos superiores a 300$000 réis.

Art. 39.° Alem do producto dos descontos mencionados no artigo antecedente, constituem dotação da caixa de aposentações, para o encargo das pensões dos professores de instrucção primaria aposentados:

a) A quantia annual de 5:000$000 réis e metade do vencimento dos professores aposentados, sendo estas duas verbas pagas pelo fundo da instrucção primaria;

b) A importancia integral das vacaturas dos actuaes titulos de renda vitalicia dos professores de instrucção primaria;

c) Quaesquer dotações que annualmente forem fixadas

Página 698

698 DIARIO DA CAMAEA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pelas côrtes no orçamento do estado para supprir a insufficiencia das verbas designadas.

Art. 40.° Nas sédes de todos os lyceus e em todas as cidades do continente do reino e ilhas adjacentes haverá annualmente exames de instrucção primaria elementar do 2.° grau.

§ unico. Da instrucção primaria elementar do 1.° grau não ha exames; serão, porem, passados certificados d'esta habilitação.

Art. 41.° Continuam funccionando as quatro escolas normaes existentes em Lisboa e Porto, e podem ser creadas em Coimbra mais duas, uma destinada a cada sexo, para habilitação de professores de instrucção primaria.

Art. 42.° Nas sédes dos outros districtos serão tambem estabelecidos, nas escolas complementares, cursos de habilitação para o magisterio.

Art. 43.° As referidas escolas serão organisadas como centraes, nos termos do artigo 7.°, com classes dos differentes graus do ensino e com uma cadeira para o ensino de pedagogia.

§ unico. Os exercicios práticos da cadeira de pedagogia serão feitos nas respectivas classes da escola.

Art. 44.° Nas escolas a que se referem os artigos 41.° e 42.° serão admittidos annualmente a exame alumnos estranhos aos respectivos cursos.

Art. 45.° Cessa a habilitação para o magisterio feita perante as commissões districtaes.

§ unico. Os candidatos que tiverem sido approvados perante estas commissões com a classificação de muito bom ou de bom manteem, para todos os effeitos, a sua habilitação; e os que apenas obtiveram a classificação de sufficiente conservam a habilitação sómente durante o praso de dois annos, nos termos da legislação actualmente em vigor.

Art. 46.° Nas escolas normaes haverá quatro professores ou professoras. O vencimento annual dos professores é de 400$000 réis; o das professoras é de 300$000 reis.

Art. 47.° Póde haver para qualquer d'estas escolas tres professores auxiliares, com direito a dois terços dos vencimentos estabelecimentos para os effectivos.

Art. 48.° Cada escola normal terá um director, um secretario e um bibliothecario, escolhidos de entre o pessoal docente da escola, e bem assim o pessoal menor que for indispensavel.

Art. 49.° Quando o governo julgar conveniente, poderá haver um só funccionario para a direcção das duas escolas da mesma localidade, o qual n'este caso será estranho ao pessoal docente dos dois quadros.

§ 1.° Os logares de director, secretario e bibliothecario são de commissão e retribuidos com gratificações não excedentes ás que se acham estabelecidas para taes cargos nas escolas normaes do sexo masculino.

§ 2.° Na hypothese d'este artigo póde o director accumular as gratificações dos respectivos cargos.

Art. 50.° Os professores de pedagogia que forem nomeados para as escolas complementares centraes terão o vencimento annual de 360$000 réis, e serão nomeados nas mesmas condições e com as mesmas garantias dos professores das escolas normaes.

Art. 51.° Os professores effectivos das escolas normaes e os das cadeiras de pedagogia das escolas complementares centraes têem direito a aposentação, na conformidade do decreto n.° 1 de 17 de julho de 1886.

Art. 52.° A fiscalisação dos serviços da instrucção primaria, subordinados á direcção geral da instrucção publica, ficará a cargo dos governadores civis, dos commissarios da instrucção primaria, dos administradores de concelho e das camaras municipaes.

§ 1.° Os governadores civis e administradores de concelho são encarregados da superintendencia na parte administrativa e economica das escolas, competindo especialmente ao administrador do concelho a fiscalisação da frequencia escolar, tanto por parte dos alumnos como por parte dos professores.

§ 2.° Aos commissarios da instrucção primaria incumbem em especial a inspecção do ensino no districto, a preparação dos processos e propostas para o provimento e funccionamento das escolas, e para as providencias sobre matriculas e horarios de aulas, concessão de premios a professores e alumnos, e serviço de exames.

§ 3.° As camaras municipaes competem, nos termos dos artigos 14.° e 15.°, a inspecção e a vigilancia pela conservação do material escolar e das residencias dos professores.

§ 4.° Em Lisboa a fiscalisação de que trata este artigo, continuará tambem a cargo dos funccionarios actualmente incumbidos da inspecção escolar.

Art. 53.° As funcções de commissarios da instrucção primaria serão exercidas pelos reitores dos lyceus das sédes dos districtos, sem direito a outro vencimento, alem do que lhes compete como reitores.

Art. 54.° O governo poderá, quando assim o julgar conveniente, ordenar a visita ás escolas e a inspecção directa dos serviços proprios do ensino.

§ unico. Destas visitas e inspecções poderão ser incumbidos os funccionarios da extincta inspecção da instrucção primaria ou professores com bons serviços e reconhecida aptidão.

Art. 55.° O governo determinará em regulamento a organisação d'este serviço extraordinario, e fixará a sua retribuição.

Art. 56.° As despezas com os serviços da instrucção primaria de que trata a presente lei serão pagas pelo fundo da instrucção primaria.

Art. 57.° O fundo da instrucção primaria é constituido:

1.° Pelas quantias que as camaras municipaes devem votar annualmente para as despezas da instrucção primaria, e que não podem ser inferiores á somma das que foram votadas e auctorisadas nos orçamentos municipaes do anno de 1879, com as que resultarem de deliberações definitivas posteriores a esta data e com a importancia equivalente ao producto de 15 por cento addicionaes ás contribuições geraes directas do estado.

Nos antigos concelhos autonomos as camaras votarão mais 3 por cento equivalentes ao encargo districtal.

Na importancia do imposto addicional ás contribuições geraes directas do estado serão descontadas as quantias que tiverem sido votadas das receitas geraes do municipio como compensação ou equivalencia do referido imposto.

2.° Pela verba de 96:000$000 réis com que o estado contribuirá, por conta do municipio de Lisboa, a deduzir da parte que pertence ao mesmo municipio em virtude das leis de 18 de julho de 1885 e de 19 de julho de 1889,

O pagamento da referida verba dispensa este municipio dos outros encargos para as despezas da instrucção primaria.

3.° Pelo producto de 3 por cento addicionaes ás contribuições geraes directas do estado com que os districtos são obrigados a concorrer para as despezas da instrucção.

Exceptua-se a parte relativa aos antigos concelhos autonomos, que vae incluida nos respectivos orçamentos municipaes.

4.° Pelo rendimento de heranças, doações ou legados, com applicação aos serviços do ensino primario official.

5.° Pelo producto de quaesquer outros donativos destinados ás escolas officiaes de instrucção primaria.

6.° Pelas receitas da instrucção primaria concernentes a gerencias anteriores e que de futuro forem cobradas.

7.° Pelo producto de descontos feitos nos vencimentos dos professores, pela fórma estabelecida nos regulamentos.

8.° Pelo producto de contribuições extraordinarias legalmente auctorisadas para este fim.

9.° Pelas receitas de qualquer natureza, relativas á instrucção primaria, que pertenciam ás juntas de parochia

Página 699

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 99

e hoje se acham transferidas para as camaras municipaes nos termos do decreto de 6 de agosto de 1892.

10.° Pelo producto das receitas votadas para casas e material, nos termos do artigo 14.°

11.° Pela verba com que o governo annualmente contribuir, e que não poderá ser inferior ás designadas nos orçamentos em vigor, para dotação dos serviços a que se refere a presente lei.

§ unico. Os addicionaes, a que se refere este artigo, são cobrados conjunctamente com as contribuições directas do estado.

Art. 58.° Se as receitas mencionadas no artigo antecedente não forem sufficientes para os encargos da instrucção primaria, são as camaras municipaes obrigadas a concorrer com o que faltar para as despezas nos seus concelhos, quando tiverem receita disponivel.

Art. 59.° O governo, alem da verba descripta no n.° 11.° do artigo 57.°, concorrerá com o que ainda faltar, ou providenciará por qualquer fórma para occorrer á deficiencia das receitas d'este ramo da instrucção publica.

Art. 60.° Os orçamentos da instrucção primaria comprehenderão a totalidade das despezas com os serviços auctorisados, embora alguns d'estes serviços se não realisem, ou por qualquer circumstancia haja diminuição temporaria nas mesmas despezas.

Art. 61.° Fica estabelecida a uniformidade de livros em todas as escolas e cursos a que se refere este decreto.

Art. 62.° A adopção dos livros, de que trata o artigo antecedente é decretada pelo governo, em virtude de concurso geral, de cinco em cinco annos.

Art. 63.° Os livros apresentados em concurso serão submettidos ao exame de uma commissão nomeada para este effeito a qual proporá ao governo, em parecer fundamentado, os que devem ser adoptados. Ácerca d'este parecer é indispensavel o voto affirmativo do conselho superior, de instrucção publica.

Art. 64.° O governo fixa o preço da venda dos livros e póde adquirir por meio de compra ou qualquer outro contrato as obras adoptadas, mandai-as imprimir e fornecel-as directamente por conta do estado. N'este caso as obras serão vendidas pelo custo.

Art. 65.° Aos professores das escolas ou cursos de que trata este decreto e aos directores ou professores de quaesquer institutos de instrucção primaria particular é expressamente prohibido que obriguem os seus alumnos á compra de outros livros que não sejam os adoptados pelo governo, e bem assim ensinem ou interroguem nos exames sobre pontos que não estejam nos mesmos livros. Tambem lhes é defeso promoverem directa ou indirectamente a venda aos referidos alumnos de lições ou explicações impressas ou lithographadas.

§ 1.° Os professores officiaes que infringirem as disposições d'este artigo serão punidos com a pena de demissão.

§ 2.° Os directores e professores de quaesquer institutos de instrucção primaria particular serão punidos na primeira transgressão com a pena de encerramento do respectivo instituto ou com a de suspensão do exercicio do magisterio por um anno. Nas reincidencias serão estas penalidades elevadas a tres annos.

Art. 66.° Os funccionarios da extincta inspecção da instrucção primaria podem ser collocados, sem dependencia de concurso, quando tenham capacidade legal, nos logares de professores effectivos ou auxiliares das escolas normaes, nos logares de professores dos cursos de habilitação para o magisterio estabelecidos nas escolas complementares e nas cadeiras de ensino primario.

§ unico. Quando sejam providos em logar a que pertença ordenado inferior ao que lhes competia na extincta inspecção, receberão a differença a titulo de compensação de ordenado, e terão direito á aposentação, nos termos legaes, com este vencimento, quando lhes não venha a pertencer outro maior.

Art. 67.° Aos actuaes professores de ensino elementar e complementar, com exercicio em localidades onde não fiquem escolas complementares, incumbirá só o ensino dos dois graus da instrucção elementar. Estes professores continuam a receber os actuaes vencimentos, e têem preferencia no provimento das cadeiras complementares.

§ unico. Os professores e ajudantes actualmente existentes, com provimento definitivo, e que não tenham habilitação para o magisterio, serão collocados na qualidade de monitores, nos termos d'esta lei, e ficam com o seu actual vencimento.

Art. 68.° O pessoal docente das escolas do concelho de Lisboa será distribuido por doze escolas centraes, oito para o sexo masculino e quatro para o feminino, e por sessenta escolas parochiaes.

§ unico. O numero dos professores proprietarios das escolas centraes fica limitado a quatro, nos termos do § 1.° do artigo 7.° d'este decreto.

Art. 69.° Preenchidos os quadros com professores das escolas actuaes, poderá o pessoal excedente ser collocado em escolas que sejam creadas de novo ou se achem vagas fóra do concelho de Lisboa.

§ l.° Os professores que se recusarem a servir fora de Lisboa serão licenciados nos termos dos artigos 10.° e seguintes do decreto de 15 de dezembro corrente.

§ 2.° O pessoal pertencente a classes já dispensadas do serviço da instrucção primaria, ou que venham a ser dispensadas pela nova organisação, poderá ser empregado em outras commissões de serviço para que tenha competencia, e emquanto não obtiver collocação será licenciado nos termos do citado artigo 10.°

Art. 70.° Nas escolas de instrucção primaria serão estabelecidas "caixas economicas escolares", relacionadas, quanto possivel, com a "caixa economica portugueza", e nas condições que forem prescriptas pelos regulamentos.

Art. 71.° São objecto de disposições regulamentares: a organisação dos cursos; os programmas, methodos e processos de ensino; as condições da fundação das escolas e cursos; a acquisição de casas para as escolas e para a residencia dos professores, e de mobilias, utensilios e fornecimentos escolares, o processo de provimento das differentes escolas e cursos e da nomeação dos professores-ajudantes, monitores e mais pessoal auxiliar e menor; as condições de verificação para effectividade e qualidade do serviço; as regras para supprimento das interrupções de exercicio ou das irregularidades que possam influir nas promoções dos professores; as licenças; os premios e penas disciplinares relativos aos professores e mais pessoal; os subsidios a professores por serviço prestado fora das residencias officiaes; o recenseamento, as matriculas e a frequencia escolar; os premios aos alumnos e a disciplina das escolas; os jurys, systemas e provas de exames; as condições de admissão a exame para os alumnos estranhos ás escolas officiaes; os certificados de habilitação no grau da instrucção em que não ha exames; a admissão aos cursos de habilitação para o magisterio e os exames, pensões e premios relativos aos alumnos d'estes cursos; o processo para a adopção dos livros destinados ao ensino; as providencias necessarias para a arrecadação das receitas e a sua applicação ás despezas da instrucção primaria, e emfim as resoluções que forem indispensaveis durante o periodo transitorio.

Art. 72.° O governo mandará proceder á codificação das disposições em vigor, relativas á instrucção primaria, e, ouvidas as estações competentes, decretará os regulamentos e programmas para a execução d'este decreto.

Art. 73.° O governo dará annualmente conta ás côrtes do estado em que se encontra a instrucção primaria.

Art. 74.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 4 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da

Página 700

700 DIARIO DOS JDIGNÔS PARES DO REINO

Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado

Projecto de lei n.° 93

Instrucção secundaria

Artigo 1 .° A instrucção secundaria do estado é professada em institutos de duas categorias: lyceus nacionaes centraes e lyceus nacionaes:

Art. 2.° Haverá um lyceu na sede de cada districto administrativo, e fica o governo auctorisado a designar em decreto especial as sédes de districto onde devem estabelecer-se lyceus centraes.

§ 1.° Não póde ser superior a cinco o numero de lyceus centraes no continente do reino e ilhas adjacentes.

§ 2.° Em nenhum districto, exceptuados Lisboa, Porto e Coimbra, poderão ser creados lyceus centraes, senão quando as camaras municipaes do districto corram com o augmento de despeza que essa creação importa, caso sejam insufficientes os rendimentos proprios do lyceu.

§ 3.° Os lyceus de Lamego e Amarante são considerados nacionaes, tornando-se de effeito permanente para o lyceu de Amarante os subsidios concedidos no artigo 13.° do orçamento de despeza do ministerio do reino para 1896-1897; e fica o governo auctorisado a transformar em lyceu nacional o pequeno seminario de Guimarães, correndo por conta da camara daquelle concelho o augmento de despeza que de ahi resulte, e não podendo, em caso algum, o ensino secundario ministrado n'esse lyceu ter uma organisação differente d'aquella que tiverem os demais estabelecimentos de igual categoria.

Art. 3.° A instrucção secundaria reparte-se por dois cursos: um geral e outro complementar. O curso geral verifica-se em todos os lyceus; o curso complementar é privativo dos lyceus centraes.

Art. 4.° O curso geral abrange cinco annos ou classes; e comprehende as seguintes disciplinas:

1 .ª Lingua e litteratura portugueza;

2.ª Lingua latina;

3.ª Lingua franceza;

4.ª Lingua allemã ou ingleza;

5.ª Geographia e historia, com especialidade a de Portugal;

6.ª Arithmetica, algebra elementar e geometria plana.

7.ª Elementos de historia natural, de physica e de chimica;

8.ª Desenho.

Art. 5.° O curso complementar abrange dois annos ou classes, e comprehende as seguintes disciplinas:

1 .ª Lingua e litteratura portugueza;

2.ª Lingua latina;

3.ª Lingua allemã;

4.ª Geographia e historia;

5.ª Algebra, geometria no espaço, trigonometria e cosmographia elementar;

6.ª Physica, chimica e historia natural;

7.ª Philosophia.

Art. 6.° A lingua grega é professada ena duas cadeiras: uma no curso superior de letras, e outra annexa á faculdade de theologia.

Art. 7.° Ha quatorze professores nos lyceus centraes e nove nos lyceus nacionaes, incluindo o professor de desenho.

§ unico. Ficam supprimidos os legares de professores aggregados.

Art. 8.° Os professores do lyceu são de nomeação regia, em virtude de concurso publico. A nomeação dos jurys para julgamento dos candidatos pertence ao governo.

Os jurys compõem-se com professores de instrucção superior e professores dos lyceus centraes.

§ unico. Decorridos tres annos depois de feita a nomeação dos professores para os lyceus, será essa nomeação tornada definitiva sob parecer favoravel do conselho superior de instrucção publica.

Art. 9.° Logo que occorra vacatura em qualquer lyceu abre-se concurso, para a preencher, por um praso que não póde prolongar-se a mais de trinta dias. Se não for possivel preencher a vaga no primeiro concurso, abrir-se-ha para logo segundo, e, se ainda se tornar necessario, repetir-se-ha o concurso dentro de iguaes e successivos prasos, até que se realise o provimento.

Art. 10.° Ao reitor do lyceu, ouvido o conselho, cabe nomear para emquanto não se preenche a vacatura, pessoa com habilitação legal, que exerça a regencia interina. O reitor dará immediata conta da nomeação ao governo.

Art. 11.° Os vencimentos dos professores dos lyceus constam de duas partes: uma permanente ou de categoria, outra eventual ou de exercicio, e vão designados na tabella n.° 1 annexa.

§ unico. O vencimento eventual ou de exercicio é pago unica e exclusivamente aos lentes e professores que exercem o effectivo serviço de exames ou regencia, de disciplinas. Nenhum outro serviço publico, de qualquer natureza, dá direito a este vencimento, para cuja contagem as faltas dos professores não podem ser abonadas, nem ainda por doença.

Art. 12.° Os individuos chamados a exercer a regencia interina têem direito ao vencimento de exercicio e a metade do ordenado dos professores. Nenhuma outra vantagem lhes é conferida.

Art. 13.° Em cada lyceu ha um reitor nomeado pelo governo de entre professores de instrucção superior ou secundaria, estranhos ao respectivo corpo docente, ou de entre pessoas habilitadas com um curso superior.

O logar de reitor é de commissão, e tem a gratificação annual estabelecida na tabella n.° 1 annexa.

§ unico. Se o reitor é professor em actividade, a gratificação não póde ir alem de dois terços da importancia designada na referida tabella.

Art. 14.° Ha em cada lyceu um secretario de nomeação do governo. No lyceu central o secretario é uma pessoa estranha ao magisterio effectivo, mas habilitada, pelo menos, com um curso de instrucção secundaria: no lyceu nacional é sempre um professor do quadro.

§ unico. O secretario não tem vencimento fixo; recebe os emolumentos incluidos na tabella n.° 2, annexa, salvo o disposto no artigo seguinte.

Art. 15.° São extinctos os logares de chefes de secretaria nos lyceus centraes. Os vencimentos d'estes funccionarios constituirão receita do estado.

§ unico. Os actuaes chefes de secretaria continuam a servir com o direito estabelecido pelo § unico do artigo 16.° do decreto de 29 de julho de 1886.

Art. 16.° Em cada lyceu nacional ha dois guardas: da bibliotheca e do museu.

Em cada lyceu central ha um porteiro, dois guardas e um continuo.

§ 1.° Nos lyceus nacionaes um dos guardas accumula o serviço de porteiro, o outro accumula o serviço de continuo.

§ 2.° Se o regular expediente do serviço assim o exigir, poderá permittir-se nos lyceus centraes a nomeação de mais um empregado menor, com a classificação de amanuense de secretaria e vencimento igual ao dos guardas.

§ 3.° Os empregados a que se refere este artigo têem os vencimentos constantes da tabella n.° 1 annexa.

Art. 17.° Todo o professor do instrucção secundaria póde ser obrigado a reger duas disciplinas ou duas partes de uma disciplina, ou a ensinar a mesma disciplina a duas turmas de alumnos.

Nenhum, porem, será compellido a qualquer numero de horas de lição semanal que exceda a vinte e quatro.

Art. 18.º O serviço de exames de instrucção secundaria é obrigatorio para todos os professores d'esta instruc-

Página 701

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 701

cão, e bem assim para todos os professores de instrucção superior, que pertençam a institutos dependentes do ministerio do reino.

§ 1.° Os professores de instrucção superior vencem, pelo serviço de exames nos lyceus, uma gratificação de exercicio correspondente á sua classe, accumulavel com a que lhes pertença pelo serviço nas suas escolas.

§ 2.° Os professores de instrucção superior e secundaria que forem obrigados a serviço de exame fora da sua residencia vencem a gratificação que for estatuida pelo governo nos regulamentos.

Art. 19.° As propinas de matricula e exames serão fixadas de modo que não excedam as actuaes nem causem diminuição nas receitas do estado provenientes d'estes serviços.

Art. 20.° O anno escolar principia no primeiro dia de outubro e finda no dia 31 de julho. O anno lectivo começa no dia 16 de outubro e termina no dia 30 de julho. Ha em cada anno escolar um só periodo de exames.

Art. 21.° O numero de alumnos de uma classe não póde ser superior a 50 nos tres primeiros annos do curso geral, a 45 nos restantes annos do mesmo curso, e a 40 nos dois annos do curso complementar. Se o numero de alumnos é maior, a classe em que se dá o excesso divide-se em turmas ou cursos parallelos.

Art. 22.° Fóra do caso de exame por effeito de transferencia de matricula, transferencia que só poderá effectuar-se quando solicitada, com fundamento justo, até tres mezes antes do encerramento das aulas, a nenhum alumno de um lyceu se consentirá admissão ás provas em outro lyceu.

Art. 23.° Concluidos os exames dos alumnos internos verifica-se o exame dos alumnos estranhos. As provas instituidas para estes examinandos devem ter a organisação indispensavel para o julgamento com exacto conhecimento de causa.

Art. 24.° Os exames de instrucção secundaria feitos no real collegio militar serão considerados equivalentes aos exames feitos nos lyceus, se a organisação do ensino no mesmo collegio e a adopção dos livros ali destinados ao mencionado ensino forem estabelecidas de conformidade com as disposições da presente lei e dos regulamentos para a sua execução.

Art. 25.° Fica expressamente prohibida ao governo a concessão de quaesquer dispensas contra as disposições que forem decretadas em objecto de preparatorios para a entrada ao primeiro anno dos institutos secundarios ou superiores sujeitos ao ministerio do reino, ou em assumptos de habilitação para frequencia nos demais annos, ou para os exames em todos estes estabelecimentos.

Art. 26.° Os livros destinados ao ensino secundario são os mesmos em todos os lyceus, escolas, collegios e institutos d'esta instrucção.

Art. 27.° A adopção dos livros de que trata o artigo antecedente é decretada pelo governo, em virtude de concurso geral, de cinco em cinco annos.

Art. 28.° Os livros apresentados em concurso serão submettidos ao exame de uma commissão nomeada para este effeito, a qual proporá ao governo, em parecer fundamentado, os que devam ser adoptados. Ácerca d'este parecer é indispensavel o voto affirmativo do conselho superior de instrucção publica.

Art. 29.° O governo fixa o preço da venda dos livros e póde adquirir, por meio de compra ou qualquer outro con trato, as obras adoptadas, mandal-as imprimir e fornecel-as directamente por conta do estado. N'este caso ai obras serão vendidas pelo custo.

Art. 30.° Tres annos depois de decretada a adopção dos livros, podem os professores de qualquer lyceu representar ao conselho escolar ácerca da necessidade de substituir alguns dos livros adoptados. O conselho, se a por fundada a representação, a fará subir, em parecer motivado, ao governo, que resolverá nos termos do artigo 27.°

Art. 31.° É expressamente prohibido que os professores dos lyceus e os directores e professores de quaesquer institutos de instrucção secundaria particular obriguem os alumnos á compra ou á lição de livros não adoptados elo governo, e promovam directa ou indirectamente a venda aos mesmos alumnos de lições ou explicações impressas ou lithographadas. Tambem fica expressamente prohibido aos professores officiaes que interroguem nos exames sobre pontos que não estejam contidos nos livros adoptados.

§ 1.° Os professores officiaes que infringirem as disposições d'este artigo serão punidos com a demissão.

§ 2.° Os directores e professores de quaesquer institutos de instrucção secundaria particular serão punidos na primeira transgressão com a pena de encerramento do respectivo instituto ou com a de suspensão do exercicio do magisterio por um anno. Nas reincidencias serão estas penalidades elevadas a tres annos.

Art. 32.° Haverá nos lyceus salas de estudo que serão presididas, por turno, pelos professores.

Art. 33.° São creadas, annexas ao lyceu central de Lisboa, duas cadeiras: uma para ensino das linguas principaes da costa oriental africana; outra para o ensino das linguas principaes da costa occidental.

Art. 34.° São objecto de disposições regulamentares: o processo que é mister seguir durante o estado transitorio; a divisão do paiz em quaesquer circumscripções para s serviços de instrucção secundaria; as habilitações para,
magisterio dos lyceus, e o processo do concurso; a fórma ie nomeação dos professores da lingua grega e das africanas; is habilitações para a regencia interina; a organisação dos cursos, a distribuição das disciplinas e o regimen interno dos annos ou classes; os programmas dos estudos e os methodos e processos de ensino; os systemas e provas d(c) exames; as habilitações para a matricula em todos os institutos dependentes do ministerio do reino; o processo para a adopção dos livros; as penas disciplinares applicaveis aos alumnos e aos professores, e o processo correspondente; os premios aos estudantes internos; a policia escolar e o governo interno dos lyceus; as condições em que podem estabelecer-se escolas, collegios ou outros institutos particulares de ensino secundario, e as obrigações em que ficam estes estabelecimentos para que seus alumnos sejam admittidos a exame nos lyceus; as habilitações litterarias e mais condições que os directores dos referidos collegios, escolas ou institutos, e bem assim os professores de ensino particular, devem possuir para o exercicio de sua profissão; e, finalmente, o processo para a applicação das penas estabelecidas no artigo 31.ª § 2.°

Art. 35.° O governo mandará proceder á codificação das disposições em vigor relativas á instrucção secundaria, e, ouvidas as estações competentes, decretará os regulamentos e programmas para a execução d'esta lei.

Disposições transitorias

Art. 36.° Os professores aggregados e os actuaes professores proprietarios que ficarem sem cadeira por effeito da nova organisação do ensino, serão collocados nos lyceus a que pertencerem, ou em outros institutos, na regencia de disciplinas para que possuam habilitação legal. Na hypothese de impossibilidade contra esta collocação, ficam addidos até que haja vagas em que sejam providos.

§ unico. Emquanto existirem professores addidos não se abrirá concurso, nem se fará nomeação interina para disciplinas de sua competencia.

Art. 37.° Logo depois de publicados os regulamentos e programmas a que allude o artigo 35.°, e de feita a collocação a que se refere o artigo 36.°, o governo mandará

Página 702

702 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

abrir concurso para o provimento das vacaturas que occorrerem e para a adopção dos livros de texto.

Art. 38.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 4 de maio de 1896.= Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Tabella a que se refere a lei d'esta data

TABELLA N.º 1

Vencimentos dos reitores, professores e empregados dos lyceus centraes e nacionaes

Reitor de lyceu central - gratificação 500$000

Reitor de lyceu nacional - gratificação 40$000

Professor de lyceu central-vencimento de categoria 600$000

Professor de lyceu nacional-vencimento de categoria 500$000

Professor de desenho, de lyceu central - gratificação 400$000

Professor de desenho, de lyceu nacional - gratificação 300$000

Professores das linguas grega e africanas 600$000

Porteiro de lyceu central 200$000

Continuo de lyceu central 200$000

Guarda de lyceu central 200$000

Amanuense de lyceu central 200$000

Guarda de lyceu nacional 150$000

Os professores dos lyceus e os professores da lingua grega e das linguas africanas, têem direito ao vencimento de exercicio pelo serviço effectivo na rasão de um terço dos seus vencimentos fixos.

TABELLA N.° 2

Emolumentos das secretarias dos lyceus

Pela matricula de alumnos dos lyceus:

Termo de abertura $150

Termo de encerramento $150

Pela matricula para exame de alumno estranho $300

Cada certidão de exame ou de frequencia $200

ada certidão que não seja de exame nem de frequencia, por cada lauda $300

Palacio das côrtes, em 4 de maio de 1896.== Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario =José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Projecto de lei n.° 94

Artigo 1.° Os vogaes do conselho superior de instrucção publica, quando em exercicio, vencem a gratificação mensal de 30$000 réis. O vogal vice-presidente receberá a mais, n'esta qualidade, a gratificação marcada no decreto de 10 de setembro de 1890.

§ unico. Estas gratificações accumulam-se com os vencimentos a que os vogaes tenham direito por qualquer emprego que exerçam ou por inactividade.

Art. 2.° É restabelecida a gratificação ao secretario do conselho superior de instrucção publica.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 4 de maio de 1896. == Antonio José da Costa Santos, presidente =Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Saião, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está por agora em discussão o projecto n.° 92, reforma de instrucção primaria.

O sr. Arcebispo de Evora: - Sr. presidente, não estranhará v. exa. nem a camara que eu volte hoje novamente a usar da palavra. Não se admirará de ouvir de novo um advogado propugnando, como o grande orador romano, embora sem a eloquencia d'elle, pró domo sua. Uso de um direito e cumpro um dever. Desde o decreto de 30 de abril de 1826, têem sempre as nossas leis constitucionaes reconhecido aos prelados do reino o direito de, como membros d'esta camara, tomarem parte em todas as deliberações d'ella, sem duvida com o fim especial de podermos defender os legitimos interesses da classe ecclesiastica.

Não farei largas considerações sobre o projecto que acaba de ser lido na mesa. Faço justiça ao elevado pensamento e louvavel intuito com que o nobre ministro do reino (que sinto não ver presente), procura com esta reforma levantar o nivel da instrucção publica. Não vou apreciar o projecto, aguardemos que a experiencia mostre se elle é vantajoso ou nocivo. N'estas questões de administração é difficil fazer com acerto juizos a priori. Pelos fructos se conhece a arvore. Oxalá que esta arvore produza bons fructos! Oxalá que a pratica confirme os desejos e esperanças de s. exa. o sr. ministro do reino!

Referir-me-hei agora sómente ás habilitações para o exercicio do magisterio.

Lendo o artigo 17.° do projecto de lei n.° 92, assaltou-me uma duvida, e para a esclarecer desejava fazer uma pergunta ao sr. ministro do reino, mas como s. exa. não está presente, peço licença para a dirigir ao illustre presidente do conselho ou ao digno relator.

Diz o artigo 17.°:

"Constituem habilitação para o exercicio do magisterio primario complementar:

"1.° Approvação em qualquer curso de instrucção superior;

"2.° Approvação no curso complementar das escolas normaes;

"3.° Approvação no curso de instrucção secundaria professado nos lyceus.

"Constituem habilitação para o magisterio primario elementar, alem das habilitações mencionadas nos numero" antecedentes:

"4.° Approvação nos cursos elementares das escolas normaes;

"5.° Approvação nos cursos a que se refere o artigo 42.°"

Surprehendeu-me não ver comprehendido entre as habilitações para o magisterio primario o curso de theologia dos seminarios diocesanos. É possivel que esteja este curso implicitamente incluido nos cursos superiores a que o n.° 1.° do artigo se refere, mas para que fique bem definido este ponto, eu vou mandar para a mesa a seguinte proposta:

"Proponho que ao n.° 1.° do artigo 17.° do projecto de lei n.° 92 se acrescente o seguinte: "considerando-se para este effeito como curso superior o curso triennal de theologia de qualquer seminario diocesano d'este reino".

"Sala das sessões, 8 de maio de 1896. = O par do reino, Arcebispo de Evora."

Afigura-se-me de toda a justiça esta proposta, porque a habilitação que resulta do curso theologico dos seminarios, não é de certo inferior á de outros cursos exigidos por este artigo, por exemplo, o curso dos lyceus.

Nos seminarios, sr. presidente, como v. exa. e os dignos pares sabem de certo, professam-se dois cursos: o de theologia e o preparatorio.

As disciplinas deste ultimo são quasi todas as do curso dos lycus, e pelo menos as seguintes: portuguez, francez, latim, arithmetica e geometria, geographia e historia, litteratura nacional e clássica, philosophia racional.

Disse pelo menos, porque em alguns seminarios estudam-se tambem as sciencias naturaes, o desenho, a archeologia, etc.

Ora, comquanto este curso preparatorio não seja ainda tão completo como o dos lyceus, essa deficiencia, a meu ver, fica supprida, amplamente supprida pelo estudo das disciplinas theologicas, do dogma, da historia sagrada e ecclesiastica, do direito natural e canonico, da moral e ás vezes da hermeneutica biblica, etc. Parece-me inquestionavel que estes estudos desenvolvem, cultivam a intelligencia e facultam uma somma de conhecimentos que deveria haver-se por mais que sufficiente para que um individuo se julgue habilitado ao menos para o ensino primario. Pois é crivel que nem para o ensino primario sirvam os cursos dos seminarios diocesanos?!

Os prelados, todos, sr. presidente, empenham-se de dia

Página 703

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 703

para dia em melhorar os seminarios sob todos os pontos de vista, para formarem um clero digno e illustrado.

Eu, por minha parte, sou talvez o que menos tenho podido fazer n'este sentido, não porque me falleça a vontade, mas porque me escasseiam os meios. E hão de ser desprezados os seminarios, a ponto de os individuos que d'elles saem serem reputados incapazes até de ensinarem as primeiras letras?!

Nos seminarios, sr. presidente, se não se estudam tantas disciplinas de instrucção secundaria, estuda-se mais e melhor que nos lyceus, quer dizer, ha mais applicação ao estudo; é a rasão principal é obvia: é porque nos seminarios ha o internato, e nos lyceus não o ha, e por isso ha n'aquelles mais disciplina e vigilancia para que os alumnos se dediquem ao estudo.

Não posso comprehender, sr. presidente, não posso acreditar que se pretenda excluir os ecclesiasticos do magisterio, desconhecendo-se a perfeita analogia que existe entre a missão do padre e a do professor. O magisterio é um sacerdocio, que se liga muito bem com o sacerdocio propriamente dito. Ensinar é funcção essencial do clero.

Permitta-se-me abrir aqui um parenthesis para dirigir um pedido ao governo. Não está ainda em discussão o projecto n.° 93, que diz respeito á instrucção secundaria, todavia, para não ter de usar novamente da palavra e antecipando o que tenho a dizer sobre esse assumpto, peço desde já ao governo que, quando houver de determinar quaes as habilitações para o concurso ao magisterio nos lyceus (visto que este assumpto, segundo o artigo 34.°, é objecto de regulamentação), considere como habilitados para concorrerem os individuos que tiverem approvação no curso theologico dos seminarios.

Aqui, posso invocar uma rasão especial: para o magisterio nos lyceus ha concurso por provas publicas, ao passo que para o magisterio primario ha concurso documental, Por isso, se alguem poder ter duvida se os cursos dos seminarios habilitam sufficientemente para o magisterio secundario, responderei: as provas do concurso, a que elles têem de sujeitar-se, mostrarão se estão ou não habilitados.

Eu não quero, sr. presidente, pedir preferencias em favor do clero. Talvez podesse pedil-as, mas peço sómente igualdade.

Talvez podesse affirmar, sem me fallecerem motivos para fundamentar esta asserção, que o clero deve ser preferido para o exercicio do magisterio, e sobretudo do magisterio primario.

Temos dedicado muitas attenção, muitos desvelos á cultura intellectual, mas pouca á cultura moral da infancia e da adolescencia. E a cultura moral, a educação do coração, sr. presidente, é sem duvida a mais necessaria, a mais essencial. (Apoiados.}

O clero tem sempre sido notavel como educador. Muitos dos homens mais illustres tiveram sacerdotes por mestres. Occorrem-me agora os nomes de Garrett e Rebello da Silva.

Quem não leu os bellos versos em que um grande poeta francez retrata o sacerdote venerando, que foi o primeiro preceptor da sua infancia?

Repito, não posso crer que haja o proposito de excluir do ensino o clero, especialmente o clero parochial. Ainda posso adduzir outra rasão, secundaria, mas tambem importante, uma rasão de conveniencia pratica, em reforço ás minhas ponderações.

Diminutas, ás vezes irrisorias são, sr. presidente, as congruas de muitos parochos ruraes, escassa é tambem a retribuição do professor official, comquanto este projecto lhes melhore um pouco a sorte. Pois bem, juntem-se essas migalhas, dê-se ao parocho a cadeira primaria, e ter-se-ha assegurada a decente subsistencia de um servidor da igreja, que é tambem servidor do estado e da nação.

Não será o parocho o mais competente para ensinar a doutrina, a moral, a historia sagrada, que fazem parte (e muito juntamente) do programma do ensino primario, segundo este projecto? Não será o parocho o mais proprio para educar as novas gerações, para velar pelos interesses moraes?

Entendo, entendemos todos de certo que os interesses moraes devem ser postos acima de todos os outros no ensino, na educação. Hoje mais que nunca. Hoje mais que nunca, porque é cada vez mais sensivel, mais desoladora, mais temerosa, a tendencia da sociedade moderna para a degradação, para a immoralidade, que tudo corrempe, que tudo arruina.

E a proposito, eu chamo a attenção do nobre ministro do reino para a necessidade de cohibir a acção deleteria de um da principaes factores d'esta dissolução moral, que todos lamentam: é o espectaculo de certa imprensa desbragada, que não comprehende a sua missão, que atraiçoa o seu sacerdocio augusto.

Eu comprehendo e amo, sr. presidente, a liberdade do bem, a liberdade de todas as manisfestações legitimas da actividade humana. Comprehendo ainda a tolerancia do menos bom, quando a repressão absoluta possa trazer á sociedade males maiores. Comprehendo a liberdade da imprensa, em certos limites. Comprehendo a discussão das idéas, respeitando-se as pessoas. Mas o que não comprehendo, o que não posso comprehender, sr. presidente, é essa desvergonha licenciosa, esse cynico impudor de certa imprensa, que faz do sambenito gala, que só se emprega em açular, em incitar, em acirrar os vicios mais ignobeis, as paixões mais grosseiras. Chamo a attenção do sr. ministro do reino para a necessidade de reprimir os escandalos da imprensa pornographica, digâmos a palavra propria. A sua energia está bem demonstrada, consagre-a s. exa. a este assumpto, e terá: bem merecido da sociedade. Tenho dito.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. arcebispo de Evora.

Len-se na mesa, e foi admittida á discussão.

sr. Presidente: - A proposta fica em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Jeronymo Pimentel (relator): - Sr. presidente, respondendo ao digno par direi a s. exa. o que se passou no seio da commissão a este respeito.

Quando ali se discutiu este projecto, eu manifestei os mesmos desejos, e sustentei a mesma opinião, que acaba de defender com a sua palavra tão eloquente e tão auctorisada o venerando prelado de Evora.

Eu queria tambem que os estudos theologicos cursados nos seminarios diocesanos fossem considerados como estudos superiores, constituindo assim habilitação não só para o exercicio do magisterio primario complementar, nos termos do artigo 17.° deste projecto, mas ainda para o exercicio das funcções de professor particular de ensino secundario.

Parecia-me isto não só justo, mas conveniente; justo pela extensão que tem já os estudos theologicos na maior parte dos seminarios diocesanos, como mostrou o digno par; conveniente, porque o padre com a illustração que hoje lhe dão esses estudos, e com a moralidade que felizmente está mostrando o sacerdote modernamente ordenado, era uma garantia mais segura para a boa educação da mocidade.

Tive, porém, de ceder da minha opinião diante das considerações que foram feitas no seio da commissão.

Allegava-se que dar ao curso theologico o caracter de superior, era equiparal-o ao da faculdade de theologia na universidade de Coimbra.

Ora isto não podia ser, porque como s. exa. sabe muito melhor que eu, os estudos n'aquella faculdade tem outro desenvolvimento e outra extensão, muito maior que em qualquer dois seminarios, mesmo dos mais providos de disciplinas.

Basta dizer, sem fazer a sua enumeração, que ellas ali

Página 704

704 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

são cursadas em cinco annos, emquanto que nos seminarios apenas em tres.

Acresce ainda uma outra circumstancia; não ha igualdade nos estudos que se cursam nos differentes seminarios; quer nos estudos preparatorios, quer nos que constituem o curso triennal, ou curso theologico.

N'uns existem muito mais cadeiras que noutros, não havendo assim entre os seminarios uma perfeita igualdade.

Se porventura a organisação d'esses estudos fosse igual, quer no curso preparatorio, quer no outro, se os exames das disciplinas preparatorias ali feitos, fossem reconhecidos como validos para dar ingresso nas differentes escolas de ensino superior, então mais algum motivo havia para que o curso theologico dos seminarios diocesanos devesse ser classificado como superior.

O pensamento da reforma da instrucção secundaria foi estabelecer a igualdade e a unidade no ensino, e tanto assim é que apesar do real collegio militar ser um estabelecimento da immediata direcção do governo, e os exames ali feitos serem preparatorio para ingresso nas escolas superiores dependentes do ministerio da guerra, esses exames só serão considerados equivalentes aos exames feitos nos lyceus, quando a organisação do ensino n'aquelle collegio, e adopção dos compendios for de conformidade com as disposições d'este projecto de lei, e dos regulamentos que lhe derem execução.

Por estas e outras considerações, que foram apresentadas quando se discutiu na commissão este projecto, eu tive de ceder da minha opinião, e sacrificar os meus desejos acceitando a doutrina n'elle expressa.

O sr. Arcebispo de Evora: - Sr. presidente, eu agradeço ao nobre relator da commissão as explicações que acaba de me, dar sobre o assumpto; mas peço licença para insistir na minha idéa.

Ha effectivamente differença de estudos preparatorios de seminario para seminario; parece-me, porém, que o minimo d'esses estudos devia ser julgado sufficiente para habilitar ao menos para o ensino primario elementar.

Eu conheço, e provavelmente muitos dignos pares conhecem tambem, professores distinctissimos, não só primarios, mas dos lyceus de ensino, em Lisboa, em Santarem, em Vianna do Castello e em outras cidades, que não são formados nem normalistas, e que têem apenas o curso theologico.

Ora, excluir do ensino primario e secundario os individuos que têem como habilitação este curso, não me parece liberal nem justo.

Eu espero que, por occasião de se regulamentar a lei, o governo attenda a estas minhas considerações.

Mantenho, pois, a minha proposta.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, eu não quero deixar de dizer ao digno par, o sr. arcebispo de Evora, que effectivamente ha professores muito distinctos nos diversos lyceus do reino, e que eu perfeitamente conheço, mas esses professores foram nomeados porque passaram por um concurso de provas publicas e satisfizeram a todas as exigencias legaes, mostrando assim que tinham a aptidão necessaria para o ensino a que iam dedicar-se.

O sr. Thomás Ribeiro: - Direi apenas duas palavras, ácerca d'esta lei.

Na camara dos senhores deputados, um patricio meu, muito distincto e illustre, o sr. visconde do Banho, pediu que o lyceu de Vizeu fosse considerado lyceu central.

Não ha, no projecto que se discute, nenhum obice a que isto se possa fazer; e creio, até, que fica dependente do sr. ministro do reino fazel-o ou não.

Pedi, portanto, a palavra, unicamente para juntar a minha voz á d'aquelle illustre deputado e dizer que a capital da Beira Alta tem tanto direito a este beneficio, como g têem aquellas capitães de districto ou de provincia, que
o têem pedido. E que tem mais que muitas, não o digo só, posso proval-o.

Vizeu fica muito distante dos centros de instrucção publica, e portanto muito distanciada do que, commodamente, se póde proporcionar a quem quer estudar.

Peço, portanto, ao sr. presidente do conselho, na ausencia do seu collega do reino, que tome para si esta minha indicação e a considere como um pedido de justiça.

Alem d'isso (e isto desejo que fique bem na memoria do governo e da camara, para se ver que não venho pedir um favor ou uma graça, mas sim um acto de justiça); alem disso, dizia eu, a camara municipal do districto de Vizeu auctorisou-me a declarar ao governo que, no caso de ser isso condição sine que non, tudo quanto for de maior despeza, alem da votada para o estado actual do lyceu, ella está prompta a satisfazer.

N'estas circumstancias, parece-me que rejeitar este pedido seria uma descaridade, para não dizer uma iniquidade.

Peço, pois, ao sr. presidente do conselho, e espero-o da sua justiça, attenda esta reclamação, e defira ao meu pedido.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Na conformidade da proposta de lei que se discute, é fixado em cinco o numero de lyceus centraes, estando incluidos n'este numero os de Lisboa, Porto e Coimbra.

Pelo § 2.° do artigo 2.° vê-se, porém, que para a creação dos restantes lyceus centraes se estabelecem condições, que ao governo cabe apreciar, depois de colhidas todas as informações, e attendendo todas as circumstancias como for de justiça.

Communicarei ao sr. ministro do reino as observações do digno par, sr. Thomás Ribeiro, podendo s. exa. estar certo de que o governo ha de ter o maior cuidado e escrupulo na designação das sédes dos lyceus centraes.

(S. exa. não reviu.)

Esgotada a inscripção, foi lido e approvado o projecto n.° 92, sobre instrucção primaria, e rejeitada a proposta apresentada pelo sr. arcebispo de Evora.

Foram de novo lidos na mesa e approvados sem discussão o projecto n.° 93, sobre a reforma da instrucção secundaria, e o projecto n.° 94, estabelecendo a gratificação dos vogaes do conselho superior de instrucção publica, projectos a que tambem dizia respeito o parecer n.º 95.

O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa o projecto de lei n.° 84, a que diz respeito o parecer n.° 109.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte;

PARECER N.° 109

Senhores: - Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei que tem por fim auctorisar com o banco de Portugal um emprestimo complementar de 25:000$000 réis, a juro que não exceda 6 por cento, hypothecando para isso os bens e fundos que a escola polytechnica administra.

O fim a que é destinado aquelle emprestimo vem designado n'este projecto; é para a construcção de um observatorio astronomico de estudo, e para a acquisição de instrumentos, apparelhos e mobilia para o mesmo observatorio e para differentes aulas.

Com o mesmo banco estão contrahidos outros emprestimos para obras n'aquella escola, achando-se votada no orçamento geral do estado para os seus encargos a verba de 16:000$000 réis. Para esses, e para os que resultam d'esta nova operação, fica o governo auctorisado a despender aquella verba, e para garantia d'este emprestimo complementar, quando não sejam sufficientes os bens e fundos da escola polytechnica, fica ainda o governo auctorisado a caucionar titulos da divida consolidada interna na posse da fazenda,

Página 705

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 705

Esta é em toda a sua simplicidade a economia do projecto, cuja conveniencia se justifica pelo fim a que é destinado o emprestimo, que elle auctorisa.

Nenhumas outras rasões adduz a vossa commissão em abono do projecto, em que foi convertida a proposta de lei do governo.

Julga, porém, que o exposto é sufficiente para em seu parecer vos aconselhar a que lhe deis a vossa approvação para ser levado á regia assignatura.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 7 de maio de 1896.= A. A. de Moraes Carvalho = Arthur Hintze Ribeiro = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator = Tem o voto dos dignos pares: F. Arouca = J. A. Gomes Lages.

Parecer n. 109-A

A commissão de administração publica, attento o fim d'este projecto, não duvida emittir o seu parecer conforme com o da illustrada commissão de fazenda.

Sala das sessões da commissão de administração, 7 de maio de 1896.= Conde do Rostello = Conde de Carnide - A. A. de Moraes Carvalho = Augusto Ferreira Novaes = Jeronymo da Cunha Pimentel =Tem o voto do digno par: F. Arouca.

Projecto de lei n.° 84

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contratar com o banco de Portugal um emprestimo complementar de 25 contos de réis com juros que não excedam 6 por cento, hypothecando para isso os bens e fundos que a escola polytechnica administra.

Art. 2.° O producto deste emprestimo será exclusivamente applicado á construcção de um observatorio astronomico de estudo e á acquisição de instrumentos, apparelhos, collecções e mobilia para o mesmo observatorio e para as aulas de zoologia, mineralogia e physica, conforme as mais urgentes necessidades, e tanto quanto o permittam a indispensavel construcção e a adaptação do observatorio astronomico ao ensino pratico dos alumnos e a observações de espectroscopia e photographia dos corpos celestes.

Art. 3.° A importancia d'este emprestimo complementar, addicionada ao saldo em divida ao banco de Portugal pelos anteriores emprestimos, contrahidos com o mesmo banco, formam um capital, a cujos juros e amortisação é o governo auctorisado a applicar a verba de 16 contos de réis, para esse fim já consignada no orçamento do estado.

§ unico. Se os bens e fundos que a escola polytechnica administra não forem sufficientes para a hypotheca a que se refere o artigo 1.°, fica o governo igualmente auctorisado a completar a necessaria caução com titulos de divida consolidada interna na posse da fazenda nacional.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 30 de abril de 1896.== Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei n.° 97, a que diz respeito o parecer n,° 97.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 97

Senhores:- A commissão de legislação vem dar-vos o seu parecer sobre o projecto já approvado na camara dos senhores deputados, que confirmou com pequenas modificações o decreto que pozera em vigor o novo codigo de processo commercial,

Este codigo, de ha muito reclamado e que se tornava ainda mais necessario depois que em 1889 começou vigorando o novo codigo commercial, hoje vigente, satisfaz
assim a essa exigencia, e a pratica de quasi um anno tem demonstrado, que se de algumas modificações elle carecia, tem elle, comtudo, melhorado o anterior estado do processo, representando assim um verdadeiro progresso.

As modificações que o referido codigo recebeu na camara dos senhores deputados, parece á vossa commissão que não só remediaram difficuldades que na pratica se faziam sentir, como melhoraram em alguns pontos o mesmo codigo.

Duas disposições tambem importantes foram introduzidas na camara dos senhores deputados no projecto de lei approvando o referido codigo; são ellas a de auctorisar o governo a estatuir o processo a seguir em materia de fallencias, e a de reorganisar os serviços dos tribunaes commerciaes nas cidades de Lisboa e Porto,

É imperiosa a necessidade de melhorar as disposições relativas a materia de fallencias, sendo claro que a auctorisação a estatuir sobre este assumpto envolve a de alterar as disposições do codigo commercial vigente, poisque n'esta materia é de sua natureza inseparavel o que costuma chamar-se-direito substantivo - da parte propriamente de processo, e de processo são muitas das disposições relativas a fallencias contidas no codigo commercial.

E imperiosa é a necessidade de melhorar este assumpto como sendo reclamada por todos a quem elle interessa, e por fórma alguma póde admirar que o codigo commercial de 1888 já neste ponto careça de ser modificado.

Quanto á remodelação de serviços nos tribunaes commerciaes das cidades de Lisboa e Porto, tambem á vossa commissão se afigura de necessidade prover a este assumpto, augmentando, como tem augmentado muitissimo, o serviço n'estes tribunaes, já porque ao maior incremento nas relações commerciaes corresponde maior numero de causas, já porque o codigo commercial vigente, e ainda o codigo de processo commercial sobre que recáe este parecer, estendeu a um muito maior numero de causas a competencia destes tribunaes.

Por todos estes motivos é a vossa commissão de legislação de parecer, conformando-se inteiramente com este projecto, que o deveis approvar para ser convertido em lei.

Sala da commissão de legislação, em 6 de maio de 1896.= Antonio Emilio Correia de Sá Brandão = D. A. Corrêa de Sequeira Pinto = Jeronymo da Cunha Pimentel = Conde de Bertiandos (com declarações) = A. A. de Moraes Carvalho =Carlos Augusto Vellez Caldeira Castello Branco, relator.

Projecto de lei n. 97

Artigo 1.° É approvado, para ter força de lei no continente do reino e ilhas adjacentes, o codigo do processo commercial que faz parte da presente lei.

Art. 2.° Toda a modificação que de futuro se fizer sobre materia contida no codigo do processo commercial será considerada como fazendo parte d'elle e inserida no logar proprio, quer seja por meia de substituição de artigos alterados, quer pela suppressão de artigos inuteis ou pelo addicionamento dos que forem necessarios.

Art. 3.° A commissão de jurisconsultos e commerciantes, creada pelo artigo 5.° da lei de 28 de junho de 1888 e prorogada por decreto de 11 de janeiro de 1894, será encarregada pelo governo, durante os cinco primeiros annos da execução do codigo do processo commercial, de receber todas as representações e observações relativas ao melhoramento do mesmo codigo e á solução das difficuldades que possam dar-se na sua execução. Esta commissão proporá ao governo quaesquer providencias que para o indicado fim, lhe pareçam convenientes e necessarias.

Art. 4.° É o governo auctorisado a tornar extensivo o codigo do processo commercial ás provincias ultramarinas, fazendo-lhe as modificações que as circumstancias especiaes das mesmas provincias exigirem.

Art. 5.° É o governo auctorisado a estatuir o processo a seguir nos casos de fallencia, e outrosim a organisar os

Página 706

706 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

serviços dos tribunaes commerciaes nas cidades de Lisboa e do Porto.

Art 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 5 de maio de 1896.= Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Moita, Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião deputado secretario.

Codigo do processo commercial

LIVRO I

Do processo em geral

TITULO UNICO

CAPITULO I

Disposições geraes

Artigo 1.° O processo commercial será regulado pelo presente codigo, e pelo do. processo civil em tudo quanto n'elle não for prevenido.

Art. 2.° O juizo commercial é essencialmente juizo de equidade.

CAPITULO II

Da competencia

SECÇÃO I

Da competencia em geral

Art. 3.° São da exclusiva competencia do juizo commercial todas as causas emergentes de actos de commercio, sobre marcas de fabrica ou de commercio, respectivas indemnisações de perdas ou damnos, e bem assim todas aquellas que as leis expressamente sujeitarem á jurisdicção do mesmo juizo.

§ 1.° Embora o acto seja mercantil só com relação a uma das partes, as causas a que der origem serão sujeitas á jurisdicção commercial.

§ 2.° Se o juiz perante o qual correr a acção tiver competencia civel e mercantil, o erro na distribuição não importa nullidade; e o emprego de processo civil em vez do correspondente processo commercial não induz nunca a nullidade de todo o processado, a não haver questões de facto da competencia do jury, caso em que a nullidade será restricta aos actos em que este devesse ter intervindo.

Art. 4.° O domicilio dos commerciantes e _o das suas succursaes para os effeitos da competencia, no caso de haver matricula, é o que d'esta constar,

Art. õ.° As acções das emprezas de espectaculos publicos contra os artistas por ellas escripturados, bem como as destes contra aquellas, resultantes dos respectivos contratos, serão propostas no juizo commercial da situação do edificio destinado aos espectaculos ou no da séde da empreza,

§ unico. Se o juizo da séde da empreza não coincidir com o da situação mencionada n'este artigo, applicar-se-ha, para o effeito da acção poder correr n'aquelle juizo, ao representante da empreza, e na sua falta ao director dos espectaculos, o disposto no artigo 254.° do codigo commercial.

Art. 6.° As acções emergentes do contrato de transporte poderão ser propostas no juizo do domicilio do representante do transportador, onde tiver de fazer-se a expedição ou a entrega.

§ unico. Se no caso deste artigo o transporte houver sido feito por caminho de ferro, o juizo competente será o da estação da expedição ou da recepção, applicando-se para tal effeito ao respectivo chefe o disposto no artigo 254.° do codigo commercial.

Art. 7.°- Os portuguezes que entre si ou com estrangeiros contrahirem obrigações commerciaes fóra do reino, e os estrangeiros que entre si ou com portuguezes no reino as contrahirem, podem ser demandados perante os competentes tribunaes do reino pelos nacionaes ou estrangeiros com quem as hajam contrahido, se n'elle tiverem domicilio ou forem encontrados.

Art. 8.° O juizo commercial do porto onde for entregue a carga de um navio que soffreu avaria grossa é competente para a regular e repartir.

Art. 9.° O juizo commercial do logar onde se der abalroação, o do domicilio do dono do navio abalroador e o do logar a que pertencer ou em que for encontrado esse navio, tem competencia para conhecer da acção por perdas e damnos resultantes da abalroação.

Art. 10.° O juizo commercial do tribunal em cuja jurisdicção se verificar o evento de salvação ou assistencia, o do domicilio do dono dos objectos salvos e o do logar a que pertencer ou onde for encontrado o navio soccorrido, tem competencia para conhecer da respectiva reclamação sobre salarios devidos por salvação ou assistencia.

Art. 11.° O juizo commercial da circumscripção onde se achar qualquer succursal ou representação constituida n'este reino de commerciante estabelecido em paiz estrangeiro, tem competencia para declarar a quebra d'esse commerciante, sendo, porém, restricta a liquidação aos bens existentes em territorio portuguez.

Art. 12.° Todas as disposições deste codigo serão applicaveis a questões commerciaes com estrangeiros, excepto no caso em que a lei expressamente determine o contrario, ou se existir tratado ou convenção especial que de outra fórma as determine e regule.

SECÇÃO II

Da competencia dos diversos juizes e tribunaes

Art. 13.° Aos juizes de paz compete exercer as funcções que o juiz do commercio n'elles delegar, nos casos em que tal delegação for permittida.

Art. 14.° Os tribunaes de commercio conhecerão em l.ª instancia das causas da competencia do juizo commercial nos termos dos paragraphos seguintes.

§ 1.° Ao juiz competirá exclusivamente:

1.° Preparar todas as acções;

2.° Presidir ao tribunal;

3.° Resolver todas as questões de direito, e as de facto cuja resolução não dependa da intervenção do jury;

4.° Escrever, datar e assignar todos os despachos e sentenças;

5.° Auctorisar depositos e vendas nos casos em que a lei commercial faculta ou prescreve estes actos;

6.° Proceder a nomeações de arbitros, peritos, liquidatarios, administradores, consignatarios, repartidores de avarias e outras similhantes, nos termos legaes;

7.° Mandar dar posse de generos, mercadorias, lojas, armazens, estabelecimentos commerciaes e navios, quando o acto que lhes servir de fundamento for commercial, e se mostre feito o registo nos casos em que elle houver logar;

8.° Julgar da idoneidade das cauções prestadas pelos corretores ao bom desempenho das suas funcções;

9.° Ordenar a venda facultativa ou obrigatoria de penhores;

10.° Decretar arrestos e ordenar penhoras de navios, sua carga e frete;

11.° Decretar arresto em quaesquer outros casos nos termos d'este codigo;

12.° Proceder a exames e vistorias;

13.° Ordenar, nos casos do artigo 712,° do codigo com-

Página 707

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 707

mercial, a prisão ao fallido ou de quaesquer outros agentes do crime de quebra culposa ou fraudulenta, e admittil-os á caução ou á prestação do termo de identidade, quando haja logar;

14.° Levantar a interdicção do fallido nos casos previstos no artigo 743.° do codigo commercial e decretar-lhe a rehabilitação, sempre que haja logar;

15.° Exercer, finalmente, todas as mais attribuições que lhe forem designadas na lei, em especial n'este e no codigo commercial, e as commettidas aos juizes de direito no codigo do processo civil no que forem applicaveis em commercio, e na legislação do processo penal na acção a que se refere o § unico do artigo 97.° do presente codigo.

§ 2.° Ao juiz do tribunal do commercio de Lisboa competirá privativamente o julgamento de todas as causas de presas.

§ 3.° Aos jurados competirá exclusivamente resolver todas as questões de facto ácerca das quaes não houver confissão ou accordo das partes, ou que se não acharem provadas por documentos authenticos, salvo o caso de falsidade.

§ 4.° Ao jury, sob a presidencia do juiz, competem as attribuições especiaes que lhe são commettidas na parte administrativa do processo de fallencias.

Art. 15.° Compete ás relações conhecer, por meio de recurso, nos termos da lei, dos despachos e das sentenças proferidas pelos juizes do commercio nas causas que excederem as suas alçadas, e exercer todas as demais attribuições que lhes pertencem em materia civel, nos termos que forem applicaveis em commercio.

§ unico. Em todos os casos em que no processo tiver havido materia de facto resolvida pelo jury, a relação julgará só de direito havendo como provado o facto com a decisão dos jurados.

Art. 16.° Ao supremo tribunal de justiça competem as mesmas attribuições que em materia civel nos termos applicaveis em commercio.

Art. 17.° Aos secretarios dos tribunaes do commercio compete representar o ministerio publico em primeira instancia, intervindo em todas as causas em que a sua intervenção for exigida por lei, n'aquellas em que for invocada legislação estrangeira e nos processos de fallencia.

§ unico. Os secretarios dos tribunaes do commercio serão substituidos pela fórma preceituada no § 1.° do artigo 14.° do, codigo do processo civil, nos processos de fallencia quanto á parte em que o estado tiver de reclamar algum credito, e nos de uso illegal de marcas de fabrica ou de commercio, quando o estado seja réu.

Art. 18.° Aos procuradores regios e ao procurador geral da corôa e fazenda e seus ajudantes compete, respectivamente, perante as relações e o supremo tribunal de justiça, representar o ministerio publico nos recursos em que se verifique algum dos casos referidos no artigo antecedente.

CAPITULO III

Dos actos e termos judiciaes

Art. 19.° Os actos judiciaes poderão praticar-se em qualquer dia, excepto nos que forem santificados, feriados ou de ferias, em que só se poderão praticar as arrematações, os actos urgentes e os indispensaveis para interromper a prescripção.

§ unico. São de ferias só os dias que decorrerem desde domingo de Ramos até domingo de Paschoela e desde a vespera de Natal até dia de Reis.

Art. 20.° Quando a lei ou a convenção fixar para termo de qualquer praso o dia ou a hora da bolsa ou praça, entender-se-hão só os dias e as horas em que nos termos legaes as bolsas houverem de estar abertas.

LIVRO II

Do processo nos tribunaes de 1.º instancia

TITULO I

Disposições communs

CAPITULO I

Do começo da causa

SECÇÃO I

Da audiencia

Art. 21.° Os juizes do commercio farão audiencia duas vezes por semana para o expediente ordinario.

§ 1.° Estas audiencias effectuar-se-hão ás segundas e quintas feiras.

§ 2.° Nas comarcas fóra de Lisboa e Porto, em que as audiencias civeis se façam noutros dias, poderá o juiz destinar a mesma audiencia para o expediente civel e commercial.

§ 3.° Estas audiencias começarão ás onze horas e durarão pelo menos uma hora.

§ 4.° Os requerimentos feitos em audiencia serão lançados por cota nos respectivos processos sem necessidade de serem transcriptos em protocollo.

Art. 22.° As sessões ordinarias de jurados serão as indispensaveis á prompta resolução dos actos da sua competencia, sendo com a necessaria antecedencia fixadas em tabella pelo juiz, e alem d'estas as que este mandar convocar extraordinariamente.

§ unico. As sessões a que se refere este artigo serão aproveitadas para o expediente de quaesquer causas em que haja intervenção do jury.

SECÇÃO II

Da distribuição

Art. 23.º A distribuição terá por fim igualar o serviço commercial entre os escrivães do juizo.

Art. 24.° Para o effeito da distribuição commercial haverá as seguintes classes:

l.ª Acções com processo ordinario;

2.ª Acções com processo especial e execuções hypothecarias sobre navios;

3.ª Acções em que for parte a fazenda nacional;

4.ª Recursos de secretarios do tribunal do commercio e reclamações sobre reforma dos respectivos livros;

5.ª Concordatas e moratorias não dependentes de processo de fallencia;

6.ª Fallencias;

7.ª Cartas de ordem ou precatorias que não sejam para simples citação ou intimação, cartas rogatorias e quaesquer outros papeis não classificados.

CAPITULO II

Das provas

Art. 25.° Os documentos escriptos em lingua estrangeira serão admittidos em juizo, independentemente de traducção, podendo, porém, o juiz mandar traduzil-os por perito de sua escolha ex officio, a requerimento de parte ou por indicação de algum jurado, se assim o julgar necessario.

Art. 26.° A exhibição e o exame dos livros de escripturação commercial e o depoimento da parte só poderão ser requeridos até á segunda audiencia depois da ultima facultada á impugnação, podendo todavia ser ordenados

Página 708

708 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

aquelles actos até final, se o tribunal entender que são necessarios.

Art. 27.° Os depoimentos perante o jury não serio escriptos.

Art. 28.° Se forem nomeadas testemunhas de fóra do continente, ou da ilha onde correr a causa, recusará o juiz carta para a sua inquirição, se o jury entender que este meio de prova é impertinente ou dilatorio.

§ unico. Esta disposição é extensiva ao depoimento da parte, salvo o preceituado no artigo 2:435.° do codigo civil.

Art. 29.° Os depoimentos das partes, ou das testemmunhas, quando tirados fóra do tribunal ou por carta, serão prestados perante o juiz sem intervenção do jury.

§ unico. Esta disposição é applicavel nos casos previstos nos artigos 220.° § 2.° e 270.° do codigo do processo civil.

CAPITULO III

Do julgamento

Art. 30.° Quando o juiz julgar procedente a excepção de incompetencia em rasão da materia, ficará, apesar d'isso, valido todo o processado até á audiencia do julgamento.

§ 1.° Para os effeitos d'este artigo serão os autos remettidos ao juizo onde tiver de seguir a causa.

§ 2.° Da causa poderá ficar traslado á custa da parte que o requerer.

TITULO II

Dos incidentes das causas em geral

CAPITULO I

Da incompetencia

Art. 31.° A excepção de incompetencia em rasão das pessoas, emquanto não julgada procedente, não suspende o andamento da causa.

CAPITULO II

Da reconvenção

Art. 32.° A reconvenção será deduzida na contestação, podendo o auctor no praso de duas audiencias responder por articulados á treplica do réu, mas só no ponto restricto da reconvenção.

CAPITULO III

Da falsidade

Art. 33.° A falsidade póde ser arguida nos articulados ou em qualquer estado da causa, mas deverá ser julgada na sentença final, sempre que seja deduzida em primeira instancia.

§ unico. Se a falsidade for deduzida no ultimo articulado poderá ser contestada até á segunda audiencia posterior; e, se não for deduzida no articulado, será ouvida a parte contraria no praso de duas audiencias.

Art. 34.° O incidente de falsidade só suspende os termos da causa pelo tempo indispensavel para poder ser julgado conjunctamente com ella.

Art. 35.° A falsidade, não tendo sido arguida até á sentença final, póde ser deduzida depois, mas o incidente não suspende a execução da sentença que tiver sido proferida.

TITULO III

Dos actos preventivos e preparatorios para algumas causas

CAPITULO I

Da conciliação

Art. 36.º São exceptuadas de conciliação todas as causas commerciaes,

CAPITULO II

Do embargo on arresto

Art. 37.° O embargo ou arresto para segurança de dividas commerciaes poderá ser ordenado sómente pelo juiz do commercio, e se o credor que o requerer justificar, alem dos outros requisitos legaes, que a divida para cuja segurança o requer é commercial, e que o devedor não é commerciante matriculado.

Art. 38.° Nos casos especiaes em que o codigo commercial auctorisa embargo ou arresto em navio, sua carga ou frete, é dispensada a prova de qualquer dos factos previstos no artigo antecedente e no n.° 2.° do artigo 364.° do codigo do processo civil.

Art. 39.° Nos casos previstos neste capitulo os prasos fixados no artigo 368.° do codigo do processo civil são reduzidos a metade.

CAPITULO III

Dos protestos

Art. 40.° Os protestos auctorisados pelo codigo commercial poderão ser feitos verbalmente na presença dos interessados, devendo ser reduzidos a termo por tabellião ou escrivão do juizo, sem dependencia de despacho, logo que possivel for, e por copia remettidos áquelles pelo correio, devidamente registados.

§ unico. A disposição deste artigo não é applicavel aos protestos para que a lei prescrever termos especiaes.

TITULO IV

Do processo em especial

CAPITULO I

Disposições geraes

SECÇÃO I

Disposições communs a todos os processos

Art. 41.° Os autos nunca serão continuados ás partes ou seus advogados, podendo proceder ao exame do processo no cartorio do escrivão, nos dias não santificados, durante as horas de serviço.

§ 1.° Antes da discussão o juiz, mandando deslacrar os depoimentos escriptos, quando os houver, designará o praso que concede a cada uma das partes para exame do processo, que nunca será superior ao fixado no artigo 400.° do codigo do processo civil.

§ 2.° As disposições d'este artigo não são applicaveis ao secretario, excepto quando representar como parte o estado ou os incertos.

Art. 42.° Os despachos e sentenças proferidos em processo contencioso não serão intimados, mas far-se-ha d'elles publicação em audiencia, sem o juiz os poder dar por publicados em mão do escrivão.

§ 1.° Exceptuam-se do disposto n'este artigo os despachos proferidos em processos de arresto antes deste se effectuar, e nos de fallencia emquanto o fallido não for ouvido.

§ 2.° A disposição d'este artigo não é applicavel, quando a lei exigir intimação pessoal.

Art. 43.° De toda a publicação feita em cada audiencia será formada pelo escrivão de serviço uma tabeliã, a qual será assignada pelo juiz, lida pelo mesmo escrivão em voz alta e seguidamente affixada á porta do tribunal pelo official.

§ 1 .º A tabella designará os nomes das partes, a causa a que pertencem, os despachos e sentenças, a sua natureza e objecto, e o numero das folhas do processo em que o juiz tiver assignado a decisão assim publicada.

Página 709

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 709

§ 2.° O escrivão transcreverá, em acto continuo, n'um livro para isso destinado, a tabella organisada nos termos referidos, e portará por fé como todas as formalidades prescriptas foram cumpridas, lançando logo n'ella o juiz o visto de estar conforme.

§ 3.° O livro de registo das. tabellas de que trata o paragrapho antecedente, finda a audiencia, ficará patente aos interessados, em Lisboa e no Porto na secretaria do tribunal, e nas outras comarcas no cartorio do primeiro officio, podendo respectivamente o secretario e o escrivão passar d'elle certidões.

Art. 44.° Preparado o processo para julgamento, o juiz convocará os advogados das partes a uma conferencia na sua presença, a fim de fixarem os factos em que concordam, reduzindo-se a auto o resultado d'essa conferencia.

§ unico. A falta de comparencia importa a presumpção de má fé para o litigante revel n'esse acto, devendo em todo o caso o juiz na audiencia de julgamento formular quesito a tal respeito.

Art. 45.° As discussões, intervindo o jury, serão sempre oraes, podendo ser por escripto, quando não haja tal intervenção.

SECÇÃO II

Especialidades do processo em que intervem jurados

Art. 46.° Haverá intervenção de jurados, nos termos do § 3.° do artigo 14.°, se as partes, até á audiencia da discussão e julgamento, não tiverem concordado em desistir do jury.

§ 1.° A desistencia do jury não é admissivel nos processos de fallencia.

§ 2.° O sorteio do jury far-se-ha no principio da audiencia, e os jurados sorteados funccionarão em todas as causas d'essa audiencia, salvo aquelles que n'algumas forem recusados.

§ 3.° O jury será composto de sete jurados e um supplente.

§ 4.° O numero de recusas é limitado a duas para cada uma das partes.

§ 5.° Terminados os debates, o juiz formulará os quesitos ao jury sobre os factos articulados, pertinentes á causa e necessarios para a resolver, escrevendo-os e lendo-os depois em voz alta.

§ 6.° Os advogados das partes poderão reclamar sobre os quesitos formulados pelo juiz, o qual attenderá, ou não, as reclamações, conforme for de justiça.

§ 7.° Fora de Lisboa e Porto serão os jurados intimados previamente para comparecerem nas audiencias de julgamento, ou em quaesquer outras sessões para que se torne necessaria a sua convocação. As intimações far-se-hão pela fórma estatuida para o processo criminal e serão gratuitas.

Art. 47.° Depois da decisão do jury o processo irá logo concluso para o juiz proferir a sentença até á terceira audiencia.

CAPITULO II

Do processo ordinario

Art. 48.° Em todos os casos em que se não achar estabelecido processo especial, ficarão as acções sujeitas ás disposições geraes que no codigo do processo civil regulam o processo ordinario, nos termos do artigo 1.° do presente codigo.

CAPITULO III

Dos processos especiaes

SECÇÃO I

Dos processos emergentes do commercio em geral

SUB-SECÇÃO I

Do recenseamento e eleição do Jury

Art. 49.° O recenseamento do jury será organisado pelo secretario do tribunal do commercio até ao dia 15 de outubro de cada anno.

Art. 50.° Serão recenseados como eleitores todos os commerciantes matriculados ha mais de um anno, que tenham pago a respectiva contribuição industrial, os socios de responsabilidade illimitada de quaesquer sociedades commerciaes com mais de um anno de existencia, e que tenham pago a respectiva contribuição, e os directores de bancos e companhias nas mesmas circumstancias.

Art. 51.° Serão recenseados como elegiveis os eleitores que, tendo capacidade para jurados eiveis, estiverem nas condições seguintes:

1.° Commerciantes matriculados com cinco annos de profissão habitual de commercio, e que não sejam collectados em contribuição industriai inferior ás taxas que no artigo 19.° da lei de 31 de março de 1896 se acham designadas para a classe 5.ª da tabella B, qualquer que seja a classe em que sejam tributados;

2.° Socios de responsabilidade iliimitada de quaesquer sociedades commerciaes com mais de cinco annos de existencia, collectados na fórma do numero antecedente;

3.° Directores de bancos e de companhias existentes ha mais de cinco annos.

§ unico. Se os individuos indicados neste artigo não perfizerem numero igual, pelo menos, ao dobro dos jurados que houver a eleger, completar-se-ha com cidadãos escolhidos nas classes seguintes, e pela ordem da classificação:

l.ª Commerciantes matriculados com cinco annos de profissão habitual de commercio, socios das sociedades a que se refere o n.° 2.° deste artigo, e directores de bancos e companhias, uma vez que as mesmas sociedades, bancos e companhias tenham de existencia aquelle numero de annos, embora a collecta de contribuição industrial seja inferior á fixada n'este artigo, preferindo-se os que pagarem maior collecta;

2.ª Commerciantes matriculados, recenseados como eleitores, socios das sociedades a que se refere o mesmo n.° 2.°, e directores de bancos e companhias, seja qual for o tempo da sua duração, devendo ser inscriptos de preferencia os que pagarem maior collecta;

3.ª Bachareis formados em direito, preferindo-se os mais velhos;

4.ª Quarenta maiores contribuintes das contribuições geraes do estado, preferindo-se os de maior collecta.

Art. 52.° Os secretarios dos tribunaes do commercio officiarão ás repartições e funccionarios competentes, para obterem os elementos necessarios á elaboração do recenseamento, e todos a quem se dirigirem são obrigados a executar opportunamente o que para tal effeito lhes for solicitado.

Art. 53.° Elaborado que seja o recenseamento nos termos dos artigos anteriores, extrahir-se-ha d'elle um mappa com os nomes e domicilios dos eleitores e elegiveis, o qual será impresso e affixado na bolsa, onde a houver, e na porta do tribunal até ao ultimo dia de outubro.

Art. 54.° Até ao dia 10 de novembro poderá todo o commerciante matriculado recorrer para o tribunal de commercio contra a inclusão ou exclusão de qualquer nome no recenseamento, e poderá toda a pessoa n'elle incluida reclamar contra a inclusão do seu nome ou indicação do seu domicilio.

Art. 55.° A reclamação será interposta na competente secretaria por meio de um simples requerimento, acompanhado dos documentos justificativos ou de indicação de testemunhas que houver a inquirir até ao numero de tres.

Art. 56.° O tribunal examinará os documentos, ouvirá as testemunhas e resolverá todos os recursos até ao dia 20 de novembro.

§ unico. Da resolução do tribunal não haverá recurso, ficando, porém, salva aos prejudicados qualquer acção de indemnização por perdas e damnos.

Art. 57.° Organisado o recenseamento definitivamente nos termos do artigo anterior, se n'elle se acharem inscri-

Página 710

710 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ptos dez commerciantes matriculados, proceder-se-ha á eleição do jury, na fórma prescripta nos artigos seguintes.

Art. 58.° O numero de jurados a eleger será em Lisboa e Porto de sessenta e tres, nas outras comarcas de l.ª classe de quarenta e dois, e nas restantes de vinte e um.

§ unico. Nas comarcas de Lisboa e Porto haverá tres pautas de jurados, nas outras comarcas de l.ª classe duas pautas e nas restantes comarcas uma só, sendo composta cada pauta de vinte e um jurados.

Art. 59.° No dia 25 de novembro de cada anno, ou, sendo este santificado, no primeiro dia util depois d'elle, reunir-se-hão os eleitores no edificio do tribunal do commercio, pelas onze horas da manhã, sob a presidencia do respectivo juiz, com assistencia do secretario, a fim de se proceder á eleição do jury.

Art. 60.° A eleição verificar-se-ha por escrutinio de lista para cada pauta, á pluralidade de votos, não se contando as listas brancas.

§ 1.° Cada lista conterá os nomes dos jurados que houver a eleger para cada pauta, não se attendendo aos nomes a mais que em cada uma houver e contando-se todos os das listas incompletas.

§ 2.ª Nas comarcas de Lisboa e Porto, e nas outras de l.ª classe, a eleição far-se-ha successivamente para cada pauta.

Art. 61.° Se no primeiro escrutinio não houver maioria absoluta para todos os nomes ou para alguns d'elles, proceder-se-ha a nova eleição total no primeiro caso, e limitada aos jurados que faltarem no outro caso, havendo-se então como eleitos os que obtiverem maioria relativa.

Art. 62.° O juiz escolherá os escrutinadores, tomará as mais providencias necessarias para a eleição, proclamará os jurados eleitos, resolvendo quaesquer duvidas que se levantarem, ouvindo sempre n'este caso o secretario.

Art. 63.° Da eleição far-se-ha logo a respectiva acta, que será lançada num livro para isso destinado, assignada pelo juiz, secretario e escrutinadores.

§ unico. Este livro será legalisado nos termos prescriptos no codigo commercial, artigo 32.°, e será confiado á guarda do respectivo secretario, que d'elle passará quaesquer certidões que lhe sejam pedidas.

Art. 64.° Se no dia fixado para a eleição se não reunirem até á uma hora da tarde dez eleitores, procederá Q juiz a sorteio nos termos prescriptos para á formação das pautas do jury eivei.

Art. 65.° A disposição do artigo anterior será igualmente applicavel nas comarcas em que não se houverem recenseado, pelo menos, dez commerciantes, como eleitores.

Art. 66.° Todo o jurado prestará por uma vez juramento nas mãos do juiz, de guardar a lei e administrar a justiça segundo a sua consciencia.

Art. 67.° O serviço de jurado começará no principio do anno seguinte á eleição e durará por todo elle.

§ unico. O serviço do tribunal será organisado nas comarcas de l.ª classe, de modo que as pautas de jurados se alternem.

Art. 68.° Serão dispensados do serviço do jury pelo juiz, se assim for requerido:

1.° Os que tiverem completado setenta annos de idade;

2.° Os que tiverem funccionado no anno anterior;

3.° Os que tiverem impedimento physico, moral ou legal, que os inhiba de exercer as funcções de jurado.

§ 1.° As dispensas fundadas nos n.ºs 1.° e 2.° só poderão ser requeridas pelo proprio.

§ 2.° Nos casos previstos em primeiro e segundo logar do n.° 3.°, o juiz poderá mandar proceder a exame medico-legal.

Art, 69.° Quaesquer reclamações que venham a levantar-se sobre a validade da eleição, ou sobre a legalidade da concessão ou denegação das dispensas do serviço do jury, serão apresentadas ao juiz no praso improrogavel de cinco dias, e serão a final decididas até á primeira audiencia posterior ao termo d'este praso.

§ unico. Estas reclamações e os recursos d'ellas interpostos não têem effeito suspensivo.

Art. 70.° Sobrevindo a interdicção, morte ou exclusão de algum jurado, o juiz fará immediatamente proceder a nova eleição para preenchimento da vaga, com todas as formalidades que ficam prescriptas, mandando fazer os annuncios necessarios com a conveniente antecedencia.

Art. 71.° O jurado que faltar será multado em 10$000 réis pelo juiz, logo que se verifique a falta, mas a multa será pelo mesmo juiz levantada, se a falta for justificada até á seguinte sessão do jury.

§ 1.° O producto d'estas multas será applicado ás despezas do respectivo tribunal.

§ 2.° Os jurados commerciaes em Lisboa e Porto serão isentos do serviço do jury criminal nos mezes em que servirem no tribunal do commercio.

SUB-SECÇÃO II

Do uso illegal de firma de commercio

Art. 72.° O commerciante matriculado que quizer exigir a prohibição do uso illegal de firma devidamente lançada no registo commercial, requererá intimação d'aquelle ou d'aquelles contra quem pretender tornar effectiva a prohibição, a fim de se absterem de futuro do uso da mesma firma sob pena de desobediencia.

Art. 73.° A pessoa ou pessoas intimadas nos termos do artigo anterior poderão contestar até á primeira audiencia posterior á intimação.

Art. 74.° Se o réu não contestar nos termos do artigo anterior será logo condemnado; contestando, será a causa discutida e julgada a final sem mais articulados.

Art. 75.° O commerciante matriculado, que, alem de pretender tornar effectiva a prohibição de que trata o artigo 72.°, quizer exigir indemnisação por perdas e damnos, poderá exigil-a em execução de sentença por meio de liquidação.

Art. 76.° A absolvição do réu em qualquer acção criminal não inhibe o pedido de simples indemnisação civil, se a ella houver direito.

Art. 77.° São applicaveis as disposições da presente sub-secção ao uso illegal de denominação de sociedades anonymas.

SUB-SECÇÃO III

Do uso illegal de marcas de fabrica ou de commercio

Art. 78.° Os proprietarios de marcas de fabrica ou de commercio, e o estado com respeito a seus carimbos, quando pretenderem tornar effectivos quaesquer direitos que as leis lhes confiram ácerca da falsificação, imitação de marcas, ou carimbos, exposição á venda dos objectos assim marcados ou carimbados e de qualquer uso fraudulento d'elles, apresentarão sua petição sem dependencia de artigos.

Art. 79.° O réu será citado para oppor o que tiver, tambem sem dependencia de artigos, até á terceira audiencia seguinte á citação, que será accusada na segunda.

Art. 80.° O auctor deduzirá a acção fundamentando o seu direito, indicando o quantitativo liquido da indemnisação, e requerendo qualquer providencia a bem da sua propriedade e credito, concluindo por pedir a citação do réu e do ministerio publico para os fins designados nos artigos seguintes.

Art. 81.° Com a petição do auctor e a opposição do réu serão logo juntos todos os documentos a que se referirem, o rol de testemunhas, se as partes as quizerem produzir, e será logo requerido o depoimento da parte contraria, quando se pretenda, sob pena de se perder a faculdade d'esses meios de prova.

Art. 82.° Até final permittir-se-ha a juncção de outros documentos que não sejam dos mencionados no artigo an-

Página 711

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1890 711

tecedente, mas não haverá praso de vista que motive o adiamento da decisão final; ás partes deverá todavia na audiencia de discussão ser concedido examinal-os no praso de quarenta e oito horas.

Art. 83.° É prohibida a prova de depoimento de parte, ou de testemunhas, quando tenha de produzir-se por deprecada ou rogatoria.

Art. 84.° As testemunhas não serão intimadas, se as partes se obrigarem a apresental-as no tribunal.

Art. 85.° é prohibida a prova de arbitramento, excepto quando allegada a falsidade de documentos exhibidos; sendo licito, porém, apresentar peritos como testemunhas, e proceder-se na audiencia de discussão da causa ao inquerito simultaneo de taes testemunhas, embora do auctor e do réu.

Art. 86.° O arbitramento para prova de falsidade de documentos póde ser requerido peio ministerio publico, ou por qualquer das partes, mas sómente até á audiencia de discussão e julgamento.

Art. 87.° É prohibido o segundo arbitramento.

Art. 88.° O ministerio publico poderá juntar ao processo quaesquer documentos originaes até final, salvo sempre ás partes o direito a arguil-os de falsos.

Art. 89.° A discussão e julgamento da causa será na segunda audiencia depois da competente para a opposição do réu sem dependencia de avisos, nem intimações especiaes.

Art. 90.° A audiencia de discussão e julgamento da causa não poderá ser adiada, excepto se for requerido exame sobre falsidade de documentos e o tribunal o admittir, ou se o proprio tribunal o decretar, sendo, porém, n'este caso, o adiamento apenas pelo tempo indispensavel para se proceder ao exame.

Art. 91.° Na audiencia de discussão e julgamento, produzida a prova oral e dada a palavra aos advogados, serio propostas e lidas as theses ao jury, nos termos geraes dos processos mercantis, mas serão sempre obrigatorias as seguintes, quer se allegue só falsidade, quer só imitação: - Está provada a falsidade, ou a imitação? Está provado o uso fraudulento? Por que modo se realisou o uso fraudulento? Houve prejuizo material ou moral? Havendo-o, emquanto arbitram as perdas e damnos?

Art. 92.° Embora se allegue só a falsidade, ou só a imitação, o jury poderá responder sobre uma ou sobre a outra, e a sentença julgar, pela mesma forma, segundo as provas.

Art. 93.° Publicadas as respostas do jury, será lavrada e publicada a sentença nessa ou na seguinte audiencia.

Art. 94.e A sentença fixará a indemnisação, quando haja direito a ella, mas sempre liquida, e deverá, ainda que não seja pedido, determinar completamente todos os actos consequentes do julgado, ou este seja absolutorio, ou condemnatorio, tanto com respeito á inutilisação dos instrumentos e productos da fraude, como relativamente á inserção do julgado, ou de qualquer outra declaração, na imprensa, e em geral qualquer providencia ou procedimento, que, conforme as circumstancias, se julguem necessarios á protecção e defeza da propriedade e do credito das partes.

Art. 95.° Qualquer recurso, interposto antes da sentença final, subirá em separado, e será interposto, instruido e expedido, sem que, por modo algum, interrompa a ordem do processo aqui estabelecida.

Art. 96.° Em qualquer estado do processo, a requerimento da parte auctora ou do ministerio publico, o tribunal poderá prohibir provisoriamente o uso da marca ou carimbo, a venda de objectos marcados ou carimbados, mandar proceder á apprehensão judicial dos instrumentos e productos da fraude arguida, decretando, simultanea ou singularmente, estas providencias.

Art. 97.° Por falsificação ou imitação de marcas e carimbos, uso fraudulento, ou exposição á venda, a acção mercantil é independente da acção criminal,

§ unico. A acção criminal, que couber nos termos deste artigo, correrá perante o competente juizo commercial na fórma da legislação do processo penal,

SUB-SECÇÃO IV

Da reforma dos livros de registo commercial e dos livros dos corretores

Art. 98.° Ás reclamações sobre reforma dos livros do registo commercial serão applicaveis as disposições que regulam a reforma dos livros do registo predial, sendo as funcções do conservador exercidas pelo secretario do tribunal.

Art. 99.° Na reforma dos livros dos corretores obser-var-se-hão os termos do processo ordinario, devendo n'elles intervir sempre o respectivo secretario.

SECÇÃO II

Dos processos emergentes dos contratos especiaes de commercio

SUB-SECÇÃO I

Das obrigações commerciaes assignadas pelo réu

Art. 100.° Nas causas fundadas em obrigação commercial firmada pelo réu será este citado para vir na audiencia em que se accusar a citação, assignar termo de confissão ou negação da sua firma.

§ unico. O pedido para esta acção não carece de ser articulado.

Art. 101.° Se o réu comparecer na audiencia para que foi citado e confessar a firma, ou não comparecer, será logo condemnado verbalmente pelo juiz, lançando-se cota no processo, assignada pelo juiz, e ficando assim terminada a acção a respeito d'elle.

§ unico. Se o réu citado o tiver sido editalmente por se ter verificado legalmente a sua ausencia em parte incerta, não terá logar a condemnação de que trata este artigo por falta de comparencia do citado e seguir-se-hão os mais termos da acção como em processo ordinario.

Art. 102.° Se o réu, comparecendo, confessar a firma e negar a obrigação, será provisoriamente condemnado na fórma do artigo antecedente, podendo impugnar o pedido por meio de excepção ou contestação na terceira audiencia posterior áquella em que for accusada a citação e seguindo-se os mais termos e articulados do processo ordinario.

§ unico. A execução, porém, só terá logar depois de proferida a sentença definitiva, se o réu prestar a caução por algum dos meios estatuidos no artigo 509.° do codigo do processo civil. A idoneidade da caução será apreciada pelo juiz depois de ouvir o exequente, para o que lhe assignará praso não excedente a tres dias.

SUB-SECÇÃO II

Do exercicio de direitos sociaes

Divisão 1.ª - Da opposição a deliberações sociaes sobre redacção do capital social, fusão e prorogação da sociedade

Art. 103.° Todo o socio, accionista, ou credor de sociedade commercial que pretenda oppor-se á reducção do capital social, devera, justificando a sua qualidade, deduzir por artigos, a sua opposição no praso de trinta dias da data em que foi publicada a respectiva deliberação social, e requererá que esta deliberação seja suspensa e que a administração seja citada.

§ 1.° O tribunal, justificada a qualidade do oppoente, ordenará a suspensão requerida, mandando proceder no mesmo acto á citação.

§ 2.° A citação será accusada na primeira audiencia, podendo ser contestada até á segunda, e n'esta marcar-se-ha o praso de outras duas para a contestação, seguindo-se todos os mais termos do processo, ordinario.

Página 712

712 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

§ 3.° As opposições deduzidas e a suspensão ordenada nos termos deste artigo, serão averbadas á margem da inscripção provisoria da reducção, a que se haja procedido.

§ 4.° Se, durante o praso por que esta opposição é permitida, apparecerem mais opposições á reducção do capital, appensar-se-hão os processos a fim de serem todos julgados em uma só sentença.

§ 5.° A reducção do capital não poderá effectuar-se, salvo accordo expresso de todos os credores, sem que pelo balanço da sociedade se mostre que o capital effectivo restante excede em dois terços a importancia das dividas e obrigações da sociedade.

§ 6.° Para os effeitos do paragrapho antecedente será apresentado em juizo, com o projecto de reducção registado previamente, o respectivo inventario e balanço, sendo em seguida ordenadas as publicações legaes.

Art. 104.° Qualquer credor de sociedade commercial que quizer oppor-se á fusão da mesma com outra ou mais sociedades, deverá deduzir a sua opposição no praso fixado no artigo 125.° do codigo commercial, por meio de artigos, justificando a qualidade em que se oppozer, e requererá a suspensão da fusão deliberada e a citação da administração social.

§ unico. Observar-se-hão no caso previsto neste artigo todas as disposições applicaveis do artigo antecedente e seus paragraphos.

Art. 105.° Os credores particulares de quaesquer socios de responsabilidade illimitada, habilitados com sentença passada em julgado, que queiram oppor-se á prorogação da sociedade, fal-o-hão no praso fixado no § unico do artigo 129.° do codigo commercial, por meio de artigos, requerendo a citação da administração social.

§ unico. Ao caso previsto n'este artigo é applicavel a disposição do § unico do artigo antecedente.

Divisão 2.ª - Dos inqueritos sociaes

Art. 106.° Os accionistas de qualquer sociedade, possuidores da quinta parte das acções, que queiram usar da faculdade concedida no artigo 149.° do codigo commercial, assim o requererão ao juiz, justificando a sua qualidade, e indicando o fim para que pretendem o inquerito.

§ 1.° O juiz mandará ouvir os representantes da sociedade sobre o inquerito pedido, fixando um praso para a resposta, nunca inferior a tres dias nem superior a dez.

§ 2.° Em seguida á resposta da sociedade, o juiz mandará, ou não, em vista d'ella proceder ao inquerito.

§ 3.° O juiz mandará sempre proceder ao inquerito requerido, quando os representantes da sociedade no praso fixado nada tenham respondido.

Art. 107.° O juiz, ordenado o inquerito, designará os pontos de facto sobre que este deve versar.

Art. 108.° A nomeação dos peritos que hão de proceder ao inquerito, far-se-ha nos mesmos termos que para qualquer arbitramento.

Art. 109.° O juiz fixará praso rasoavel para o inquerito, o qual poderá, sob proposta dos peritos, ser prorogado, mas só por uma vez e por tempo que não exceda metade do que tivesse sido primitivamente marcado.

Art. 110.° Verificando-se pelo inquerito a verdade das arguições deduzidas, poderá o tribunal, sendo-lhe requerido, ordenar as providencias conservatorias que considerar necessarias á garantia dos accionistas e credores.

Divisão 3.ª - Da nomeação de administrador para inteirámos actos de gerencia das sociedades em nome collectivo

Art. 111.° O socio ou socios de sociedade em nome collectivo que pretenderem nomear administrador que intervenha nos actos sociaes no caso do socio administrador fazer mau uso da faculdade que lhe confere o contrato social, em requerimento feito ao juiz indicarão a pessoa que pretendam nomear para administrador, cumprindo-lhes demonstrar que o socio arguido abusou d'aquella faculdade, e que da sua gestão resulta prejuizo manifesto para o fundo social.

§ 1.° O juiz mandará ouvir o socio arguido, que responderá no praso de cinco dias, e poderá usar de todo o meio de prova.

§ 2.° Se este allegar factos que devam ser apreciados pelo jury, será a causa submettida a julgamento perante o tribunal, e, no caso contrario, o juiz desde logo confirmará, ou não, a nomeação.

§ 3.° Confirmada a nomeação, será o nomeado investido na posse judicialmente, se o requerer.

§ 4.° Investido o administrador na posse, nenhuma obrigação social produzirá effeito sem a sua intervenção.

Divisão 4.º - Das entradas de capital social

Art. 112.° Se um ou mais credores de qualquer sociedade quizerem promover a entrada do capital social que julguem necessario á conservação dos seus direitos, assim o requererão, justificando a sua qualidade e a necessidade de assim se proceder, e pedindo a citação da administração da sociedade.

§ 1.° A sociedade que queira elidir este pedido, poderá, até á audiencia em que deveria contestai-o, offerecer-se para satisfazer ao disposto no artigo 148.° § 2.° do codigo commercial.

§ 2.° Se assim o fizer, os autos irão á conta, e, feita ella, o juiz mandará effectuar o pagamento por termo nos autos, terminando assim o processo.

§ 3.° Se a sociedade não fizer o pagamento referido, seguirá a causa os termos ordinarios até final.

§ 4.° Embora a sentença final seja proferida a requerimento dos credores, é não só a estes mas tambem aos administradores da sociedade que incumbe promover o cumprimento das decisões do tribunal.

Divisão 5.ª - Da convocação de assembléas geraes

Art. 113.° Deixando de se fazer a convocação de assembléa geral ordinaria ou extraordinaria, nos prasos competentes, podem os interessados recorrer ao juiz para a mandar reunir, justificando a sua qualidade, por meio de simples petição instruida com copia do requerimento feito á mesa da assembléa geral e com os respectivos estatutos.

Art. 114.° O juiz resolverá no praso de tres dias, e, se deferir a petição, ordenará elle proprio as diligencias que competiriam á mesa da assembléa geral para se effectuar a reunião.

Divisão 6.ª - Da suspensão de deliberações sociaes

Art. 115.° Todo o accionista que houver protestado em assembléa geral contra deliberações n'ella tomadas, em opposição ás disposições expressas na lei e nos estatutos, e as queira fazer suspender, assim o deverá requerer no praso de cinco dias depois da reunião da assembléa geral, justificando a sua qualidade e instruindo o requerimento com a acta ou com o termo de protesto.

§ 1.° A mesa da assembléa geral em que o accionista houver protestado, nos termos deste artigo, deve entregar no praso de vinte e quatro horas copia da acta.

§ 2.° Se não se cumprir o prescripto no paragrapho antecedente, fará fé contra a sociedade o protesto do requerente, lavrado nos termos do artigo 40.° deste codigo, salva a prova contraria que a direcção da sociedade possa dar, nos termos do § 4.°

§ 3.° O juiz mandará notificar a direcção da sociedade para responder em tres dias o que se lhe offereça. Findo o praso dos tres dias, e com resposta ou sem ella, irão os autos immediatamente conclusos ao juiz para proferir sua decisão, como for de direito.

§ 4.° Desde a data da notificação não poderá a direcção executar a deliberação recorrida, e contra a prova re-

Página 713

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 718

sultante do termo de protesto só poderá offerecer a certidão da respectiva acta.

Art. 116.° A suspensão, quando ordenada nos termos do artigo antecedente, caducará, independentemente de despacho, se a acção com processo ordinario de que trata o artigo 146.° do codigo commercial, pedindo a annullação, das deliberações arguidas, não for distribuida no praso de vinte dias a contar d'aquelle em que se realisou a reunião da assembléa geral.

Divisão 7.ª - Da dissolução de sociedade"

Art. 117.° Qualquer interessado que pretenda a dissolução de sociedade nos casos em que a isso tiver direito, assim o requererá, comprovando a sua qualidade e o facto allegado, e pedindo a citação da administração da sociedade, se for por acções, e não o sendo, de todos os socios, para responderem na primeira audiencia depois de accusada a citação.

§ 1.° Se, o pedido não for contestado, será logo declarada dissolvida a sociedade, ordenando-se a liquidação e partilha.

§ 2.° Havendo contestação, o processo seguirá sem mais articulados os termos ordinarios até final.

Art. 118.° Se a dissolução for requerida por credores de sociedade por acções com fundamento na perda de metade do capital social, deverão os requerentes justificar, alem da sua qualidade e do facto allegado, o mais que exige o artigo 120.° § 4.° do codigo commercial.

§ 1.° Se a sociedade na audiencia de accusação de citação offerecer garantias de pagamento e forem acceitas, pôr-se-ha termo na causa.

§ 2.° Se, apesar da impugnação dos auctores, forem julgadas sufficientes as garantias offerecidas pela sociedade, poderá esta, desde que as houver prestado, continuar a funccionar.

Art. 119.° Estando requerida ou resolvida a dissolução de uma sociedade, póde qualquer socio ou accionista requerer imposição de sellos e arrolamento dos bens sociaes, justificando a necessidade d'este acto preventivo, e assignando termo de responsabilidade por perdas e damnos.

§ unico. Este arrolamento servirá para se fazer a entrega dos bens aos liquidatarios, quando haja de proceder-se á liquidação da sociedade.

Divisão 8.ª - Da nomeação de liquidatarios, liquidação e partilha .

Art. 120.° Quando houver de se proceder judicialmente á nomeação de liquidatarios, o juiz mandará convocar por editos de dez dias os socios para serem ouvidos na primeira audiencia, e n'ella fixará o numero dos liquidatarios, nomeando-os, determinará praso para a liquidação, e especificará as attribuições que lhes ficam competindo.

§ unico. Á intervenção do juiz será limitada, nos termos d'este artigo, á fixação do praso para a liquidação, se os socios houverem nomeado liquidatarios sem haverem determinado o praso para essa liquidação, verificando-se n'este caso a citação por editos de dez dias.

Art. 121.° As contas do liquidatario só podem ser apresentadas dentro do praso fixado para a liquidação, podendo cada um dos socios, impugnal-as por meio de embargos em cinco dias, que começarão a correr d'aquelle em que findar o praso designado para ser ultimada a liquidação.

§ 1.° Estes embargos poderão ser contestados por qualquer dos outros socios até á segunda audiencia posterior áquelle praso.

§ 2.° Apresentadas as contestações, o processo dos embargos correrá até final seus termos sem quaesquer outros articulados.

Art. 122.° Para ultimação da liquidação não, é de necessidade a venda de todos os haveres sociaes, nem a cobrança de todo o activo e pagamento do passivo.

§ 1.° N'este caso os liquidatarios apresentarão, como contas finaes, o balanço social com o estado em que a liquidação se acha e o projecto de partilha.

§ 2.° A estas contas poderão ser oppostos embargos, que seguirão os mesmos termos dos designados no artigo antecedente.

§ 3.° Quando nos embargos os socios insistirem na venda de todos os haveres sociaes e cobrança do activo, a sentença final julgará os outros fundamentos dos embargos, e ordenará que prosiga judicialmente a liquidação.

Art. 123.° Quando haja de proceder-se a liquidação judicial, o juiz nomeará um administrador que será simplesmente encarregado de tomar conta de todos os haveres sociaes e livros de escripturação e de apresentar o balanço da sociedade no praso que o juiz fixar, e que, por motivo justificado, poderá prorogar-se nos termos do § 2.° do artigo 135.° do codigo commercial.

§ unico. Ao administrador que no praso não apresentar o balanço será imposta multa de 20$000 a 100$000 réis, sendo logo destituido.

Art. 124.° Ao balanço apresentado pelo administrador poderão ser oppostos embargos, que seguirão os mesmos ermos designados nos paragraphos do artigo 121.°

Art. 125.° Proferida sentença sobre os embargos oppostos ao balanço, ou quando haja de continuar judicialmente a liquidação nos termos do § 3.° do artigo 122.°, o juiz convocará os socios a uma conferencia, e ahi, entre elles, e quando não haja accordo na partilha, se procederá á licitação dos haveres sociaes e do activo por cobrar.

§ unico. O licitante será obrigado a depositar o que exceder a sua parte na partilha no praso de tres dias, e, quando nesse praso não effectue o deposito, ficará sem effeito a sua licitação.

Art. 126.° Concluidas as licitações, se procederá em hasta publica á venda de todos os haveres sociaes, comprehendidas as dividas activas sobre que não tenha havido licitação.

§ unico. Os socios que arrematarem bens não serão obrigados a entrar em deposito senão com o que exceder a parte que lhes possa caber na partilha.

Art. 127.° O socio licitante, cuja licitação tenha sido considerada sem effeito, nos termos do § unico do artigo 125.°, será executado pela differença que a mais houver no valor dos bens licitados, comparado com o que em praça obtiverem.

§ unico. Esta execução correrá por appenso á liquidação, sem que comtudo possa suspender os subsequentes termos da partilha.

Art. 128.° Vendidos os bens, será pelo juiz determinada a partilha, separando-se as quantias necessarias para pagamento do passivo; formando-se depois da mesma o respectivo mappa, que será organisado pelo escrivão dentro de cinco dias a contar da publicação do despacho que a determinou.

Art. 129.° Contra o mappa poderão ser deduzidas reclamações pelos socios dentro do praso de cinco dias, findos os quaes, será proferida sentença que resolverá essas reclamações e julgará definitivamente a partilha.

Art. 130.° Ao administrador judicial será abonado 1 por cento do liquido a partilhar, salvo o direito a maior remuneração, quando requerida em dez dias da sentença que julgar a partilha, sendo ouvidos os socios e arbitrada pelo jury.

SUB-SECÇÃO III

Da prestação de contas de mandatarios

Art. 131. ° As acções que tiverem por fim exigir que algum mandatario commercial preste contas, quando a isso for obrigado, serão, qualquer que seja o seu valor, processadas pela fórma estabelecida nos artigos 611.° a 614.° do codigo do processo civil.

47 **

Página 714

714 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SUB-SECÇÃO IV

Das acções de letras, livranças e cheques

Art. 132.° Notificado o protesto de uma letra por falta de acceite, poderá o portador exigir de qualquer dos signatarios prestação de caução, nos termos do artigo 292.° do codigo commercial, até á primeira audiencia posterior á citação, sob pena de se tornar logo exigivel o pagamento.

§ unico. O portador poderá desde logo alternar com o pedido da caução o do pagamento para o caso do réu a não prestar.

Art. 133.° Só depois do portador da letra, protestada por falta de acceite, haver feito a notificação prescripta no artigo 337.° do codigo commercial, poderá usar das acções facultadas no artigo 338.° do mesmo codigo.

Art. 134.° A acção de letra correrá os termos prescriptos nos artigos 100.° a 102.° deste codigo contra os signatarios d'ella, seus herdeiros e representantes.

§ unico. Se o réu tiver sido citado na qualidade de herdeiro ou representante de algum dos firmantes e for ainda menor ou estiver judicialmente interdicto, bem como se tiver sido citado editalmente por se ter verificado legalmente a sua ausencia em parte incerta, não terá logar a condemnação de que trata o artigo 101.° d'este codigo por falta de comparencia do citado, e seguir-se-hão os mais termos da acção como em processo ordinario. O mesmo se observará se, citado o réu na qualidade de herdeiro ou representante de algum dos firmantes, vier á audiencia em que for accusada a citação e ahi negar aquella qualidade.

Art. 135.° Se o portador accionar collectivamente todos os signatarios, poderá a acção ser proposta no juizo do domicilio de qualquer d'elles, ou na do logar em que deveria effectuar-se o pagamento.

§ unico. Se o portador quizer accionar separadamente algum signatario da letra, poderá fazel-o no juizo do logar onde o mesmo signatario tenha contraindo a obrigação.

Art. 136.° Se o portador accionar algum dos signatarios, nem por isso perderá o seu direito contra qualquer dos outros; mas, tendo sido embolsado total ou parcialmente, será obrigado a fazer averbar logo na letra o respectivo pagamento, e a participar o facto em todas as acções que houver proposto, sob pena de restituir em dobro o que embolsar sem direito, respondendo em todo o caso por perdas e damnos.

§ unico. O portador não é obrigado a seguir na instauração das acções contra os signatarios da letra a ordem dos endossos.

Art. 137.° O endossado que houver pago a letra nos termos do artigo antecedente, será havido como cessionario em todas as causas intentadas contra os endossados anteriores e seus respectivos dadores de aval, logo que junte aos autos o respectivo titulo de pagamento, e que prove a sua identidade, se não for reconhecida no juizo.

Art. 138.° A opposição ao pagamento de uma letra, facultada no artigo 319.° do codigo commercial, só poderá ser deduzida por quem nisso tiver interesse, no praso fixado para a prescripção no artigo 339.° do mesmo codigo.

Art. 139.° O direito resalvado contra o sacador de uma letra pelo artigo 293.° do codigo commercial será exigido em processo ordinario.

Art. 140.° São applicaveis ás acções fundadas em livranças ou cheques todas as disposições da presente subsecção que não forem contrarias á natureza destes titulos.

SUB-SECÇÃO V

Da renda facultativa do penhor nos termos do artigo 401.° do codigo commercial

Art. 141.° No processo para a venda do penhor mercantil seguir-se-hão todos os termos prescriptos para a venda do penhor civil, com as modificações seguintes:

§ 1.° O praso para o réu pagar ou deduzir embargos será até á primeira audiencia depois de accusada a citação.

§ 2.° A venda do penhor poderá effectuar-se por meio de corretor, nos termos do artigo 401.° do codigo commercial, sendo n'este caso com as cautelas e nos termos preceituados no artigo 623.° do codigo do processo civil.

§ 3.° O saldo que ficar em divida poderá ser exigido por execução commum, baseada no despacho que auctorisar o pagamento da divida por não haver embargos, ou, havendo-os, baseada na sentença que os desattender.

§ 4.° A opposição levantada unicamente quanto ao quantitativo da divida não suspende a venda do penhor, devendo depositar-se a importancia do excesso questionado.

§ 5.° Os contratos de mutuo, incluindo os caucionados com penhor, quando feitos por sociedades anonymas, podem provar-se por escripto particular, seja qual for o valor da quantia mutuada, e ainda mesmo que a outra parte contratante não seja commerciante.

SUB-SECÇÃO VI

Da reforma de titulos de credito mercantil destruidos ou perdidos

Art. 142.° Aquelle que quizer proceder á reforma de titulos de credito mercantil destruidos, assim o requererá no tribunal do commercio que for competente, nos termos do artigo 484.° do codigo commercial, descrevendo os titulos e justificando o seu dominio e a destruição, pedindo citação pessoal das pessoas que, segundo o disposto nos §§ 1.° e 2.° do mesmo artigo, devem ser chamadas á acção e por editos a de quaesquer incertos.

Art. 143.° As pessoas que tiverem de intervir no processo serão citadas para, no dia que lhes for designado, comparecerem em juizo e conferenciarem com o requerente sobre a reforma, apresentando uns e outros n'essa occasião quaesquer escriptos que tiverem relativos aos titulos destruidos.

§ 1.° O praso para a citação edital poderá ser elevado a quatro mezes, quando os titulos houverem sido sacados ou subscriptos em paiz estrangeiro, na Europa, e até oito mezes fóra d'ella, sendo os editos affixados na bolsa, onde a houver.

§ 2.° Nos annuncios e editos será feita a transcripção ou, na falta desta, a descripção dos titulos destruidos, especificando-se todas as circumstancias necessarias ou convenientes á sua identificação.

§ 3.° A conferencia será presidida pelo juiz, lavrando-se auto no qual serão declarados os termos em que as partes concordarem.

Art. 144.° Havendo accordo, o juiz auctorisará a reforma do titulo destruido.

§ unico. Transitada em julgado esta sentença, as pessoas a quem cumprir, nos termos do artigo 484.° § 4.° do codigo commercial, serão citadas para entregarem ao auctor novo titulo no praso que lhes for fixado.

Art. 145.° Não tendo havido accordo, deverá qualquer opposição ser deduzida por embargos na audiencia seguinte:

§ 1.° Não se apresentando embargos, seguir-se-ha o julgamento.

§ 2.° Havendo embargos, serão contestados, e seguir-se-hão os mais termos ordinarios até final.

Art. 146.° O processo prescripto nos artigos antecedentes d'esta sub-secção é applicavel á reforma de titulos de credito mercantil perdidos, mas com as seguintes modificações:

§ 1.° Alem da citação edital publicar-se-hão avisos na folha, official e no boletim official a que pertencer a comarca onde a acção correr, convidando qualquer pessoa que tiver achado o titulo a vir apresental-o em juizo.

§ 2.° Se o titulo houver apparecido, e na conferencia

Página 715

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 715

todos os interessados concordarem na entrega d'elle ao auctor, d'isso se lavrará termo, findando o processo.

§ 3.° Se o titulo não apparecer durante a acção, o juiz, na sentença que ordenar a reforma, declarará inefficaz o titulo perdido, quando venha a apparecer.

Art. 147.° É applicavel, no caso da sentença ter de produzir effeito em paiz estrangeiro, a disposição do artigo 599.° do codigo do processo civil.

Art. 148.° Durante a pendencia do processo e depois d'elle findo, será licito aos interessados exercer os direitos que lhes concede o codigo commercial no titulo XX do livro II.

SUB-SECÇAO VII

Das acções executivas

Art. 149.° As sociedades anonymas que explorarem concessões feitas pelo estado ou por qualquer corporação administrativa, ou tiverem constituido em seu favor qualquer privilegio ou exclusivo e que queiram haver a importancia de prestações periodicas devidas pelos fornecimentos ou serviços geraes por ellas prestados, requererão no tribunal do commercio competente que se proceda a penhora em bens sufficientes para pagamento da divida, começando por aquelles em que porventura tiverem privilegio.

§ unico. A petição irá logo instruida com a conta e com o titulo da divida, havendo-o, ou com a obrigação geral em que se fundar.

Art. 150.° Feita a penhora, será o devedor ou quem o representar, nos termos geraes de direito ou nos especiaes do respectivo contrato, citado para os fins previstos no artigo 616.° e § unico do codigo do processo civil.

Art. 151.° Nos embargos só poderá allegar-se qualquer fundamento que extinga ou modifique a obrigação.

Art. 152.° Não se deduzindo embargos no devido praso, ou sendo elles julgados improcedentes, seguir-se-hão no mesmo processo os termos da execução posteriores á penhora.

§ unico. Para o effeito d'este artigo continuarão os autos, nas comarcas fora de Lisboa e Porto, no cartorio do escrivão da acção e ahi seguirá a execução; e nas duas referidas comarcas serão os autos remettidos ao juizo civel competente, sem ficar traslado, salvo se a parte á sua custa o requerer.

SECÇÃO III

Dos processos emergentes do commercio maritimo

SUB-SECÇÃO I

Das vistorias a navios ou sua carga

Art. 153.° O capitão deverá, no caso e para os effeitos previstos no artigo 505.° do codigo commercial, requerer ao juiz que mande proceder a vistoria com peritos por elle nomeados no porto em que o navio se achar surto.

§ 1.° O juiz, apresentando-se-lhe o inventario de bordo, nomeará, segundo as circumstancias, os peritos que julgar necessarios e competentes para a apreciação das diversas partes do navio.

§ 2.° Se o porto em que o navio se achar for séde de tribunal de commercio, será a vistoria presidida pelo juiz, e, não o sendo, presidirá á vistoria a competente auctoridade maritima, á vista do despacho do mesmo juiz que a auctorisar.

Art. 154.° Os mesmos termos se observarão em todos os casos em que se requeira vistoria em navios ou sua carga fóra de processo contencioso.

§ unico. A auctoridade maritima, verificando haver urgencia para a vistoria, poderá proceder a ella independentemente do despacho judicial.

Art. 155.° Se o navio a que se requerer vistoria for estrangeiro, deverá officiar-se ao agente consular da respectiva nação, havendo-o no porto em que o navio sé achar surto, avisando-o da diligencia e admittindo-o a requerer o que for de direito a bem dos seus nacionais.

SUB-SECÇAO II

Da venda por innavigabilidade

Art. 156.° Quando o navio não poder ser reparado, ou quando as despezas para a sua reparação excederem o seu valor, poderá o capitão requerer ao juiz que decrete a sua innavigabilidade para o effeito do artigo 513.° do codigo commercial.

Art. 157.° O juiz, ou o magistrado em quem elle delegar, verificando por meio de vistoria com citação dos interessados ou dos seus representantes, residentes na comarca, a existencia das condições legaes, decretará a innavigabilidade, e auctorisará a venda judicial do navio e seus pertences.

Art. 158.° É extensiva á hypothese prevista nesta subsecção a disposição do artigo 155.° d'este codigo.

SUB-SECÇAO II

Da extincção de privilegios por venda ou acquisição gratuita de navios

Art. 159.° Aquelle que quizer fazer julgar livre de privilegios o navio vendido voluntariamente, assim o requererá ao juiz presidente do tribunal do commercio do porto onde o navio se achasse surto na occasião da venda, indicando os nomes e domicilios de quaesquer credores privilegiados e declarando o preço da venda.

§ 1.° O juiz mandará citar os credores indicados, e quaesquer outros interessados incertos para no praso de tres mezes deduzirem os seus privilegios ou impugnarem o preço da venda, sendo publicados os respectivos annuncios no boletim districtal tanto do logar da venda como da matricula do navio.

§ 2.° Se, findos os tres mezes, não tiver apparecido credor a fazer valer o seu privilegio ou a impugnar o preço da venda, o juiz julgará o navio vendido livre de privilegios.

§ 3.° Apparecendo credores a fazer valer o privilegio por creditos que não excedam o preço da venda, o juiz, ouvindo o vendedor, conhecerá do direito dos requerentes; e, apparecendo credores por importancia superior ao preço da venda, seguir-se-hão os termos do processo de concurso de credores.

§ 4.° Apparecendo credores a impugnar o preço da venda, só será admittida impugnação, mostrando-se que o preço é inferior á importancia dos creditos privilegiados, observando-se n'este caso os termos applicaveis do processo de expurgação de hypothecas.

Art. 160.° O processo prescripto no artigo anterior é applicavel ao caso do navio ter sido adquirido por tituio gratuito, determinando-se n'este caso o valor pela fórma preceituada no codigo do processo civil, artigo 534.° § 1.°

SUB-SECÇAO IV

Da exigencia de creditos privilegiados

Art. 161.° Os creditos provenientes de contratos especiaes do commercio maritimo que tiverem qualquer privilegio poderio ser exigidos em acção executiva pela fórma prescripta nos artigos 149.° a 152.° d'este codigo.

§ unico. A disposição deste artigo não prejudica o direito do credor que tiver privilegio sobre o navio a haver o seu credito em qualquer execução hypothecaria.

SUB-SECÇÃO V

Do reforço, reducção e expurgação de hypothecas sobre navios

Art. 162.° Os processos para reforço, reducção e expurgação de quaesquer hypothecas sobre navios são da exclusiva competencia do juizo commercial.

Art. 163.° Estes processos serão instaurados no juizo commercial em cuja secretaria se achar matriculado o navio hypothecado.

§ unico. No caso da hypotheca abranger mais de um

Página 716

716 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

navio, matriculado em secretarias diversas, a acção será instaurada no juizo que, no caso de reforço, escolher o credor, no de reducção, o devedor, e no de expurgação, este, ou o novo adquirente, qual no caso couber.

Art. 164.° Estes processos seguirão todos os termos prescriptos no codigo do processo civil para o reforço, reducção e expurgação de hypothecas.

SUB-SECÇÃO VI

Da regulação e repartição de avarias

Art. 165.° O capitão de navio que pretenda fazer proceder á regulação e repartição de avarias, poderá apresentar ao juiz do commercio compromisso assignado por todos os interessados quanto á nomeação de repartidores, em numero impar não superior a cinco.

§ 1.° O juiz mandará entregar aos repartidores assim escolhidos, e depois de ajuramentados, o relatorio do mar, o protesto, todos os livros de bordo e mais documentos concernentes ao sinistro, ao navio e á carga, dando-se-lhes vista pelo praso previamente fixado no compromisso ou, não o havendo, pelo praso que julgar conveniente.

§ 2.° Justificando os repartidores a insufficiencia d'este praso, poderá o juiz prorogal-o.

§ 3.° Os repartidores exporão desenvolvidamente o seu parecer sobre a regulação das avarias n'um só acto assignado por todos.

§ 4.° Se as partes não houverem reservado expressimente no compromisso direito aos recursos, entender-se-ha haverem feito renuncia d'elles, e n'este caso, apresentado ao juiz o parecer dos repartidores, será por elle homologado.

§ 5.° Se, porém, as partes houverem reservado expressamente no compromisso direito aos recursos, o juiz, logo que haja recebido o parecer dos repartidores, mandal-o-ha publicar na primeira audiencia do juizo e, se até á segunda audiencia posterior não houver opposição, homologal-o-ha.

§ 6.° Qualquer opposição será deduzida por meio de embargos, que poderão ser contestados até á segunda audiencia, seguindo-se logo a de discussão e julgamento.

Art. 166.° Deixando o capitão de fazer as diligencias facultadas no artigo antecedente, poderão os proprietarios de navios ou de carga proceder a ellas.

Art. 167.° Na falta de accordo quanto á nomeação de repartidores, o capitão, ou na sua falta o representante do armador do navio, nomeará um, os interessados na respectiva carga nomearão outro, e o juiz nomeará um terceiro para desempate.

§ 1.° Para a nomeação de repartidores nos termos d'este artigo o capitão requererá ao juiz que mande convocar para dia certo, pelo menos por meio de correspondencia registada, as pessoas que a ella teem de proceder, e por editos de tres dias os incertos.

§ 2.° Feita a nomeação, seguir-se-hão os, mais termos applicaveis dos paragraphos do artigo 153.°

Art. 168.° É extensiva ao processo regulado nesta subsecção a disposição do artigo 152.°

Art. 169.° A acção de avarias grossas prescreve pelo praso de um anno contado da descarga completa do navio.

SUB-SECÇAO VII

Das presas

Art. 170.° Nas causas de presas será observada a fórma ordinaria do processo mercantil, competindo a instrucção ao juiz do commercio a que pertencer o porto a que o navio apresado for conduzido, mas o julgamento final será da exclusiva competencia do tribunal de commercio de Lisboa, nos termos do § 2.° do artigo 14.° d'este codigo.

SUB-SECÇÃO VIII

Da caução e da responsabilidade por abalroação, assistencia e salvação

Art. 171.º Aquelle que justificar ter direito a indemnisação por abalroação ou a salario de assistencia ou de salvação de navio ou de sua carga, poderá requerer que o dono, ou seu legitimo representante, preste caução, no praso de vinte e quatro horas da intimação, sob pena de se proceder a arresto.

§ 1.° Esta justificação terá por objecto à existencia do facto de que póde resultar a responsabilidade e do quantum approximado da respectiva importancia.

§ 2.° O juiz fixará a importancia da caução e conhecerá da sua idoneidade.-

TITULO V

Dos recursos dos secretarios dos tribunaes do commercio

Art. 172.° Ao processo de reclamação para o juiz e respectivo recurso, no caso do secretario duvidar ou recusar proceder a qualquer registo, são applicaveis as disposições do codigo do processo civil que regulam os recursos dos conservadores, com as modificações constantes do artigo 98.° d'este codigo.

TITULO VI

Das execuções

CAPITULO I

Especialidades das execuções hypothecarias sobre navios

Art. 173.° O processo para a exigencia dos creditos hypothecarios sobre navios é da exclusiva competencia do juizo commercial.

Art. 174.° Para estes processos é competente o juizo commercial em cuja secretaria se achar matriculado o navio hypothecado.

§ unico. Se os navios hypothecados estiverem matriculados em mais de uma secretaria, será competente o juizo de qualquer d'ellas á escolha do exequente.

Art. 175.° Apresentada a certidão do registo de hypotheca, seguir-se-hão todos os mais termos preceituados no codigo do processo civil para as execuções por creditos hypothecarios.

Art. 176.° Executados os navios hypothecados sem ficar integralmente paga a divida, será o processo remettido para o competente juizo eivei para ahi seguir como execução commum.

CAPITULO II

Dos incidentes das execuções

Art. 177.° Quando a sentença for illiquida e seja necessario proceder a liquidação judicial, será esta realisada no mesmo tribunal do commercio que proferiu a sentença exequenda, e deduzida sempre por artigos tendentes a fixar o valor da execução.

Art. 178.° Os embargos do executado serão remettidos ao tribunal que proferiu a sentença exequenda, sem ficar suspensa a execução, excepto no caso de se caucionar o seu valor.

TITULO VII

Dos recursos interpostos em primeira instancia

Art. 179.° Os recursos em primeira instancia nunca poderão ser interpostos depois de passado o praso para a sua interposição contado do ultimo dia do termo em que, conforme o § 2,° do artigo 983.° do codigo do processo civil, se devia fazer a intimação.

Art. 180.° A appellação nunca tem effeito suspensivo.

Art. 181.° Não terá cabimento nas causas commerciaes o aggravo de petição facultado no artigo 1:009.º do codigo do processo civil.

Página 717

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 717

Art. 182.° Em processo de fallencia os recursos do appellação subirão em traslado, e igualmente subirão em separado os aggravos, ainda quando tenham effeito suspensivo.

§ 1.° O traslado, no caso de appellação, conterá o que o juiz resolver, ouvidas as partes.

§ 2.° Alem das peças que, segundo resolução do juiz, foram mandadas trasladar, serão juntas as demais por que as partes insistirem, á sua custa, cabendo aggravo no auto do processo do despacho do juiz que tenha indeferido o traslado d'essas peças.

LIVRO III

Do processo nas relações

TITULO I

Do julgamento das appellações

Art. 183.° Os recursos de appellação serão julgados em conferencia, sendo os processos vistos por cinco juizes.

Art. 184.° Nos recursos de appellação nunca serão os autos continuados ás partes, ministerio publico ou advogados, podendo todos proceder ao exame do processo no cartorio do escrivão nos dias não santificados durante as horas de serviço.

§ unico. Para o effeito d'este artigo o juiz relator designará o praso que concede ás partes para exame do processo antes da discussão, o qual nunca será para cada uma superior ao fixado no artigo 1:049.° § 1.° do codigo do processo civil, devendo ser igualmente distribuido por todos, de modo que o recorrido, seja sempre o ultimo a ver os autos.

Art. 185.° Os processos, depois de vistos pelos cinco juizes, entrarão em tabeliã, marcando-se dia para discussão e julgamento, e fazendo-se avisos aos juizes competentes e aos advogados que tiverem procuração nos autos.

Art. 186.° Na sessão que for designada para se discutir e julgar a causa, estejam ou não presentes ou representadas as partes, o juiz relator fará o relatorio do processo, contendo fielmente a exposição dos fundamentos do pedido e da defeza, e os demais termos e circumstancias que o acompanharem, bem como a substancia das provas, quando ellas consistirem só em documentos ou depoimentos escriptos.

Art. 187.° Findo o relatorio, seguir-se-hão as allegações verbaes, fallando primeiro o advogado do appellante e depois o do appellado, cada um d'elles uma vez, salvo o caso de alguma explicação, sempre auctorisada pelo juiz presidente, que manterá a boa ordem da discussão, retirando-lhes a palavra nos termos do artigo 98.° do codigo do processo civil.

§ unico. As partes será permittido offerecer até á audiencia do julgamento quaesquer allegações escriptas em sustentação do seu direito.

Art. 188.° Concluida a discussão de que trata o artigo antecedente, o juiz relator, retirando-se com os adjuntos á casa das conferencias, ahi julgarão a causa por accordão, conforme o vencimento.

§ 1.° Se com os juizes que tiverem visto o processo, e que se acharem presentes, não poder haver vencimento, serão chamados a votar os que se seguirem ao ultimo d'aquelles até que haja vencimento.

§ 2.° Se algum d'estes juizes se não julgar habilitado a votar sem ver o processo, será a causa adiada para a sessão seguinte sem nova discussão, dando-se a cada um d'elles vista por quarenta e oito horas.

Art. 189.° O accordão será logo lido pelo relator, e a sua conclusão mandada affixar, de modo bem visivel, porta do tribunal, havendo-se, desde então e para todos os effeitos o accordão como publicado.

§ unico. Se o accordão não poder ser immediatamente redigido, o relator poderá adiar a sua publicação para a sessão seguinte, annunciando, todavia, desde logo a sua decisão.

TITULO II

Dos recursos

Art. 190.° Aos recursos em segunda instancia é extensiva a disposição do artigo 179.° d'este codigo.

Art. 191.° Do accordão sobre aggravos não haverá recurso algum.

Art. 192.° O praso para a interposição do recurso de revista é de dez dias.

LIVRO IV

Do processo no supremo tribunal de justiça

TITULO UNICO

Disposições geraes

Art. 193.° Nos recursos de revista interpostos para o supremo tribunal de justiça observar-se-hão as disposições especiaes prescriptas n'esta lei para os recursos de appellação, com as modificações constantes dos paragraphos seguintes.

§ 1.° Os processos, para os effeitos do artigo 184.°, serão examinados na secretaria do tribunal.

§ 2.° Os accordãos do supremo tribunal de justiça não admittem embargos.

Disposições transitorias

Artigo 1.° As disposições deste codigo são applicaveis a todos os processos que se instaurarem depois da promulgação d'elle, ainda que provenham de acto ou contrato com data anterior.

Art. 2.° As disposições d'este codigo são igualmente applicaveis a todos os processos pendentes, não se permittindo, depois da sua promulgação, outros termos alem dos que elle admitte, e todos os que se processarem serão regulados pelas disposições do mesmo codigo.

unico. Esta disposição não prejudica o exercicio de direitos facultado pela legislação anterior quanto á pratica de actos e meios de prova que por este codigo tenha sido restringido ou modificado.

Art. 3.° As causas pendentes que segundo este codigo tiverem processo especial, e que o não tinham pela lei anterior, seguirão como estavam propostas, sendo os termos ulteriores processados conforme as disposições deste codigo, e o mesmo se observará nas causas que, tendo processo especial segundo a lei anterior, deverem nos termos do codigo seguir o processo ordinario ou especial.

Art. 4.° Depois da promulgação d'este codigo não se permittirão outros recursos senão os que elle admitte.

Art. 5.° O disposto no artigo 23.° deste codigo não terá applicação nas comarcas em que haja tribunaes de commercio já constituidos, emquanto existirem os escrivães que, tendo sido nomeados para o serviço commercial, já houverem pago os direitos de mercê relativamente áquella nomeação, ou que os estejam pagando.

Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Moita Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei n.° 101, a que diz respeito o parecer n.° 93.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 93

Senhores: - Foi presente á vossa commissão de marinha o projecto de lei n.° 101, approvado pela camara dos

Página 718

718 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

senhores deputados, que auctorisa o governo a applicar á acquisição de navios de guerra até á quantia 2:800 contos de réis do producto da emissão complementar das obrigações dos tabacos.

Em vista das judiciosas considerações apresentadas pelo governo e pela illustre commissão de marinha da outra casa do parlamento, e reconhecendo todos que no estado de decadencia a que tem chegado a nossa marinha se torna impossivel satisfazer ás sempre crescentes necessidades do serviço das nossas colonias, julgámos desnecessarias mais considerações para concluir, que merece a vossa approvação este projecto de lei, para subir á sancção regia.

Sala das sessões, em 6 de maio de 1896.= Jeronymo Pimentel = Visconde da Silva Carvalho = Conde da Azarujinha = Francisco Costa = José Baptista de Andrade.

Parecer n.° 93-A

A vossa commissão de fazenda, na parte que lhe diz respeito, concorda com a illustre commissão de marinha.

Sala das sessões, 6 de maio de 1896. = Gomes Lages = Conde da Azarujinha = A. de Serpa Pimentel = Jeronymo da Cunha Pimentel = Tem o voto do digno par: Frederico Arouca.

Projecto de lei n.° 101

Artigo 1.° É o governo auctorisado a applicar á acquisição de navios de guerra até á quantia de 2:800 contos de réis do producto da emissão complementar das obrigações dos tabacos.

§ unico. O governo escolherá o typo dos navios a adquirir, depois de ouvir as estações officiaes e uma commissão de technicos para esse fim nomeada, e só fará a adjudicação em concurso.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 5 de maio de 1896.= Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Moita Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

O sr. Conde de Lagoaça: - Pedi a palavra simplesmente para dirigir uma pergunta ao governo.

O projecto que está em discussão auctorisa o governo a applicar á acquisição de navios de guerra até á quantia de 2:800 contos de réis, do producto da emissão complementar das obrigações dos tabacos.

Áparte a questão technica do projecto, porque não sou competente para entrar n'ella, e é possivel que os mais competentes tomem parte no debate, pergunto ao governo se já realisou o producto da emissão das obrigações do tabaco.

Como disse, nós vemos n'este projecto uma auctorisação ao governo para gastar até á quantia de 2:800 contos de réis, sem que saibamos se elle já realisou o producto da emissão das obrigações dos tabacos.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - O digna par comprehende bem que o governo não podia contar desde já com o producto da emissão complementar do emprestimo dos tabacos, quando, para realisar essa emissão, a camara votou uma proposta de lei que foi sanccionada, é certo, mas não está ainda publicada, no Diario do governo, e, por consequencia, eu não podia por emquanto fazer uso da auctorisação n'essa lei concedida.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Lagoaça: - A fórma por que está redigido o artigo 1.º do projecto, que é precisa, e categorica, parece dar a entender que o governo já realisou o producto da emissão do novo emprestimo ou que tem a certeza mathematica de o realisar.

É por isso que eu faço a pergunta.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Não estando ainda publicada a lei onde se consigna, a auctorisação para o governo realisar a emissão das obrigações dos tabacos, evidentemente, como já disse, não podia ainda o governo ter usado d'essa auctorisação, e devo acrescentar que não entrou em negociação alguma a respeito da realisação do emprestimo. Desde que não entrei n'essas negociações, é claro que não posso assegurar ao digno par nem os termos em que se ha de fazer a emissão nem mesmo quando ella haja de effectuar-se. Usando da auctorisação, procurarei que seja aproveitada da maneira mais vantajosa para o paiz. Sobre os factos é que eu poderei responder ao digno par; antes d'isso, não.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: - V. exa. sabe que accidentalmente me concedeu hontem por duas vezes a palavra sem eu a ter pedido. Póde ser tambem que accidentalmente eu seja privado de fazer uso d'ella no momento em que me couber. Portanto, desejo significar desde já o meu voto contra este projecto. Não digo as rasões em que me fundo, subordinando-me assim ao fundo proposito em que estou de não me converter n'um elemento de obstruccionismo parlamentar, que nunca fui.

Mas, como tenho de usar novamente da palavra d'aqui a poucos momentos, direi então, o mais rapidamente que poder, o que penso a respeito da situação economica e da administração financeira do paiz, e ainda de outros assumptos.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Como não ha mais nenhum digno par inscripto, vae votar-se o projecto.

Posto á votação, foi approvado.

O sr. Carlos Palmeirim: - Mando para a mesa, por parte da commissão de guerra, um parecer sobre um projecto de lei que tem por fim applicar ao primeiro -tenente de artilheria Luiz Pinto de Almeida o expresso na lei de 12 de abril de 1892 e no § 1.° do artigo 44.° do decreto de 28 de outubro de 1891, que reorganisou a escola do exercito.

Leu-se na mesa, e foi a imprimir.

O sr. presidente:-Devo participar á camara que está sobre a mesa a carta regia que elevou ao pariato o sr. ministro da justiça Antonio d'Azevedo Castello Branco.

Foi lida na mesa, e é do teor seguinte:

Carta regia

Antonio d'Azevedo Castello Branco, do meu conselho? ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, deputado da nação. - Amigo, eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos merecimentos e qualidades: hei por bem, tendo ouvido o conselho de estado, nomear-vos par do reino. O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço das Necessidades, em 4 de maio de 1896. = EL-REI. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Para Antonio d'Azevedo Castello Branco, do meu conselho, ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos (c) de justiça, deputado da nação.

A camara ficou inteirada.

O sr. Presidente: - Agora vae ler-se o projecto de lei n.° 104, a que diz repeito o parecer n.° 103.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 103

Senhores: - Foi presente á vossa commissão de fazenda o projecto de lei, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por fim auctorisar o governo a mandar cunhar e fazer emittir até á quantia de 500 contos de réis de moeda de prata especial, commemorativa da celebração do 4.° centenario da partida de D. Vasco da Gama para o descobrimento da India, e a mandar fabricar e emittir estampilhas postaes commemorativas do mesmo centenario.

Página 719

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 719

O intuito d'esta auctorisação é habilitar com osrecursos necessarios a grande commissão encarregada de preparar, organisar e dirigir essa commemoração patriotica de um dos factos mais notaveis da grande epopêa dos nossos descobrimentos maritimos, que tão grande influencia havia de exercer na historia do mundo, e que ainda hoje constitue a maior gloria da nossa historia nacional.

É com verdadeiro enthusiasmo que a vossa commissão se associa ao pensamento do governo, e propõe que seja approvado o referido projecto de lei.

Sala das sessões da commissão de fazenda, em 7 de maio de 1896.= José Antonio Gomes Lages = Conde da Azarujinha = Arthur Hintze Ribeiro = Jeronymo da Cunha Pimentel = A. A. de Moraes Carvalho, relator.

Projecto de lei n.° 104

Artigo 1.° É o governo auctorisado:

1.° A mandar cunhar e fazer emittir até á quantia de 500 contos de réis de moeda de prata especial e commemorativa da celebração do 4.° centenario da partida de E. Vasco da Grama para o descobrimento da India, applicando o producto liquido d'esta operação ás despezas a fazer com a solemnisação d'esta data gloriosa da historia portugueza;

2.° A mandar fabricar e emittir estampilhas postaes commemorativas do mesmo centenario, e cujo producto liquido, deduzida a parte correspondente á media do rendimento postal ordinario, nos ultimos cinco annos, em praso identico ao que for designado para a circulação dessas estanpilhas, igualmente se applicará á solemnisação a que se refere o n.° 1.° d'este artigo; e

.° A, por conta das receitas liquidas, que se apurarem nos termos dos n.ºs 1.° e 2.° d'este artigo, adiantar e entregar á commissão nomeada por decreto de 15 de maio de 1894 até á quantia de 50 contos de réis, a fim de occorrer ás despezas inherentes á missão que lhe foi incumbida.

§ unico. O governo regulará, por decreto, os termos em que usar d'esta auctorisação, e ás côrtes dará conta do uso que d'ella fizer.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contraria.

Palacio das côrtes, em 7 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, não ha nada mais triste n'este mundo do que ser desmancha-prazeres; nota discordante n'um concerto universal de bençãos e de alegrias!

Eu vejo que, repleta de enthusiasmo, a illustre commissão, que deu parecer sobre o projecto em discussão na camara dos senhores deputados, se associou encantada ao pensamento da festa centenaria; vejo que nesta camara os meus illustres collegas, membros da commissão respectiva, se lhes associaram tambem cheios de jubilo; e creio que o governo, não cheio de jubilo, mas submissamente levado na corrente da opinião, que n'este paiz gosta de divertir-se, e procura e acceita e inventa para isso todos os pretextos, accedeu a apresentar ao parlamento a respectiva proposta.

Sr. presidente, faltaria ao que devo á minha consciencia se não dissesse clara, positivamente, aos meus collegas e ao governo que, no estado de suspensão em que se encontram ainda os nossos compromissos financeiros, relativamente a algumas nações europêas, sou forçadamente contrario ao projecto em discussão.

Sou por todas as manifestações festivas, relativas aos nossos feitos épicos; sou por todas as manifestações de patriotismo; tenho d'isso dado provas durante a minha vida já longa.

No amor pela minha terra puz a minha honra; e porei, sendo preciso, a minha vida.

Eis a minha fidalguia, o meu brazão de portuguez.

Sr. presidente, n'esta occasião, n'este momento, ainda annuviado em casos de honra para um reino que se preza de fidalgo, quizera ver Portugal tratar da sua regeneração economica e financeira, unica e exclusivamente.

Levantar-se este desejo de se fazer a commemoração da nossa maxima gloria epica, convidando á festa os estrangeiros, sem termos casa bastante solida para os recebermos, parece-me pouco respeito por elles, e principalmente por nós.

Sem querer contrariar as manifestações unanimes da opinião, que acima de tudo quer festas, eu votaria ainda este projecto, se me acceitassem uma modificação.

A minha proposta verbal formulo-a em disjunctiva, e vem a ser que, ou a festa que se projecta seja exclusivamente nacional, ou que fique adiada até que, tendo honrado cabalmente os nossos compromissos financeiros, possamos dignamente convidar os nossos credores. N'este caso adia-se a festa dois ou tres annos, os que forem precisos, e não se lhe chama centenario, chama-se commemoração do descobrimento da India. É quanto basta; e nada perde, porque nada ao grande feito póde acrescentar o calendario.

Nós somos realmente um paiz pouco alegre, mas queremos dar demonstrações de que os portuguezes são sempre divertidos, segundo o dicterio francez.

A proposta que desejo mandar para a mesa é a seguinte:

"Proponho que as auctorisações que vão ser dadas ao governo para auxiliar os festejos do centenario da India sirvam só para a celebração de uma festa exclusivamente nacional.

"Sala das sessões, 8 de maio de 1896. = Thomás Ribeiro."

Já se vê, não podemos prohibir que qualquer estrangeiro venha a Portugal. Até a sua visita nos será agradavel; o que peço, e desejo do fundo do coração, é que não se façam convites a estrangeiros, por ora, e só quando os possamos receber condignamente.

Eu pediria, pois, ao governo e á illustre sociedade de geographia, que me parece ser a iniciadora d'esta festa, que a façam unicamente nacional, ou não lhe chamem centenario. Deixem passar alguns annos para refazermos as nossas forças financeiras e honrar os nossos compromissos. Então celebremos a festa da India em convivio internacional.

Peço aos srs. ministros que tomem este meu pedido, muito cordial e sentido, em consideração; e tambem o peço á illustre sociedade de geographia.

Provavelmente não é acceita a minha proposta; n'esse caso, que fique authenticado o meu protesto.

Foi lida na mesa, e, admittida á discussão, a proposta apresentada pelo digno par o sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o digno par chamou, e muito bem, á descoberta da India - a nossa maxima gloria epica - mas entende que a sua celebração basta que seja, por agora, uma festa nacional.

Eu devo, antes de tudo, dizer a s. exa. que o programma d'essa festa não está ainda approvado pelo governo.

Quanto ao mais, o governo tomará em consideração todas as circumstancias que ha a pesar; mas não me parece que se deva excluir o estrangeiro da commemoração de um facto historico, tão grandioso e tão universalmente conhecido. (Apoiados.) Não me parece isso justo. Tanto mais que talvez se reunam por essa occasião alguns congressos em Portugal, o que de certo dará lustre á festa e á nossa patria. (Apoiados.)

Devo acrescentar que ninguem melhor do que o minis-

Página 720

720 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tro da fazenda póde, e tem o dever de apreciar justamente as circumstancias financeiras.

E tanto se comprehende isto que, para habilitar a grande commissão com os recursos necessarios á celebração da festa, se tratou de crear receita especial; mas como essa receita se não póde realisar sem primeiramente se fazer despeza, por este projecto se auctorisa o governo a adiantar uma certa somma. E simplesmente um adiantamento.

Ora, a moeda especial e as estampilhas postaes commemorativas sem duvida darão lucro; mas certamente não se poderiam cunhar ou fabricar com as receitas que hão de vir.

Aqui tem o digno par a rasão d'este projecto, que não exigindo sacrificios por parte do governo, pois que se trata apenas de um adiantamento, recorda, perante nacionaes e estrangeiros, uma das paginas mais gloriosas da nossa historia.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, vejo que o nobre ministro procurou sair por uma tangente facil da difficil situação em que a minha proposta o collocou, acceitando-a, aliás, como já vejo, do fundo do seu coração.

Eu não fallei nos gastos que se querem fazer, ou vão fazer-se.

Vejo que se lança mão de meios que podem dar o necessario para occorrer ás despezas do centenario da India. Quero dizer: a um centenario nacional.

Para uma festa nacional, para uma festa em familia, os meios podem ser sufficientes; mas, se quizerem convidar o estrangeiro, para vir a Portugal, são insufficientissimos, visto que a festa tem de ser digna do facto que se procura festejar.

Eu estou prompto a dar desde já ao governo todo o meu auxilio, votando-lhe tudo, todos os sacrificios para que cumpramos os contratos que fizemos com aquelles que lá fóra esperam a satisfação do nosso compromisso. E depois da paga, a festa.

A minha questão não é sobre o que se vae gastar com o festejo, é saber se fazemos uma festa nacional ou uma festa internacional.

Que os estrangeiros venham aqui, sem convite, muito bem, mas por convite! só se o nobre ministro entende que as condições de Portugal são lisonjeiras por fórma que os possamos convidar certos de que saldaremos contas antes do convite.

Emquanto isto se não der, eu peço á sociedade de geographia, peço ao governo e espero que nos limitemos a fazer uma festa de familia. Ir alem, por ora, só por loucura nos poderá ser perdoado.

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae votar-se a proposta apresentada pelo digno par o sr. Thomás Ribeiro.

Posta á votação, foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Proponho agora á votação o projecto que acaba de ser discutido.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae dar-se conta á camara de uma mensagem vinda da outra casa do parlamento.

Foi lido na mesa um officio da presidencia da camara dos srs. deputados, acompanhando a proposição de lei que tem por fim fixar a força naval para o anno economico de 1896-1897.

Para a commissão de marinha.

O sr. Visconde da Silva Carvalho:-Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que a commissão de marinha se reuna para desde já dar parecer sobre a proposição de lei que acaba de ser lida na mesa.

O sr. Presidente: - Não é necessario consultar a camara, porque as commissões foram já auctorisadas na sessão de hontem a reunirem-se durante as sessões, a fim de darem parecer sobre os projectos que lhes forem enviados.

Vae ler-se na mesa o parecer n.° 90.

Foi lido, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 90

Senhores: - A vossa commissão de legislação foi presente o officio dos dignos pares do reino: conde de Fica-lho, Augusto Cesar Barjona de Freitas e Julio de Vilhena, em que pedem que a camara haja por bem decidir se estão ou não comprehendidos na disposição do decreto de 25 de setembro de 1890, hoje confirmado pela lei de 3 de abril do corrente anno, para o effeito de se julgarem incompativeis as suas funcções de pares do reino com as que exercem como membros do conselho de administração da companhia dos caminhos de ferro da Beira Alta.

A vossa commissão, tendo em consideração o disposto no artigo 3.° da referida lei, e visto que a companhia do caminho de ferro da Beira Alta foi constituida para o fim de explorar uma concessão especial do estado, e que ficou subrogada nos direitos e encargos da Société financiere que do estado tinha obtido, por contrato especial a concessão subsidiada da construcção e exploração do referido caminho de ferro, é de parecer que os signatarios do supramencionado officio não poderão ser admittidos a tomar par e nas discussões, nem a votar, emquanto não provarem que cessou o motivo da sua incompatibilidade.

Sala das sessões da commissão, em 5 de maio de 1896.= A. Emilio Correia de Sá Brandão = Jeronymo da Cunha Pimentel = Diogo A. C. de Sequeira Pinto = Conde de Bertiandos = Augusto Ferreira Novaes = A. A. de Moraes Carvalho, relator.

Illmo. e exmo. sr. - Devendo os abaixo assignados comparecer ás sessões da camara dos pares, e não o terdo feito até agora, cumpre-lhe justificar as suas faltas na conformidade do regimento.

São os abaixo assignados membros do conselho da administração da companhia dos caminhos de ferro da Bera Alta, e n'essa qualidade póde haver quem os julgue comprehendidos na disposição relativa ás incompatibilidades, creadas pelo ultimo decreto que reorganisou a camara dos pares.

Não foi a referida companhia constituida por contrito com o governo, poisque o contrato de 3 de agosto de 1S78 (Diario do governo n.° 173 do referido anno) foi feito em a Société financière, de Paris, entidade differente da actual companhia da Beira, e por isso não está ella nos ternos litteraes do preceito legal do artigo. Tambem não recebe a companhia subsidio ou garantia de rendimento, nem tem privilegio, sendo que a subvenção estabelecida para a construcção já foi paga ha muito tempo á referida Société financière, constructora da linha.

São estes os motivos por que os abaixo assignados têem faltado ás sessões anteriores; e, para que cesse esta indecisão, desejam que a camara haja por bem decidir se estão ou não comprehendidos na disposição do referido decreto, para assim se habilitarem a proceder como julgarem acertado.

Deus guarde a v. exa. Lisboa, 1 de fevereiro de 1896.- - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos dignos pares do reino. = Conde de Ficalho = Augusto César Barjona de Freitas = Julio M. de Vilhena.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler se o projecto de lei n.° 94, a que diz respeito o parecer n.° 94.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 94

Senhores: - As propostas de lei n.os 12, 13 e 14, inseridas no relatorio e propostas do sr. ministro da fazenda,

Página 721

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 721

foram reunidas n'um só projecto pela camara dos senhores deputados, sobre o qual vae a vossa commissão de fazenda emittir o seu parecer.

Referiam-se essas propostas á Caixa de aposentações para trabalhadores assalariados, Monte de piedade nacional, Caixa geral de depositos e Instituições de previdencia.

A simples enunciação do seu fim revela logo a alta importancia das providencias sujeitas á apreciação d'esta camara.

Justifica-se o facto de haverem sido incluidas agora n'um só projecto, attendendo á identidade de fins e harmonia de intuitos, e á direcção commum que preside á administração d'aquellas instituições.

A caixa geral de depositos, organisada por lei de 10 de abril de 1876, veiu satisfazer a uma necessidade, imposta pelas circumstancias anomalas em que se encontrava anteriormente este importante serviço, entregue, sem organisação definida e sem solidas garantias, aos antigos depositos de Lisboa e Porto, ás caixas dos orphãos e até ainda a simples depositarios particulares.

Os resultados da sua organisação e a importancia dos seus serviços fizeram-se desde logo sentir.

Reconheceu-se, porém, que era conveniente modificar a sua organisação, em que introduziu alterações o decreto de 15 de dezembro de 1887, alterações que a experiencia veiu mostrar não terem sido de grande vantagem. Ao contrario, prejudicando-a um pouco na sua independencia, tornando-a mais adstricta ás oscillações e contingencias do credito publico, diminuiu-lhe a confiança que o publico n'ella tinha.

Na reorganisação que se lhe pretende dar, restituindo-lhe os seus cofres e a sua racional autonomia, fica de molde a abranger na sua administração as novas instituições que se projecta crear.

Essa reorganisação facilmente se comprehende na simples exposição das disposições do projecto que lhe são respectivas.

Alem dos serviços relativos a depositos geraes, entram no ambito das suas attribuições a caixa economica, já ha muito creada e em pleno exercicio das suas operações organicas, a caixa de aposentações a trabalhadores assalariados e o monte de piedade nacional.

Estas duas ultimas instituições são do mais elevado alcance social e ha muito reclamadas por todos os que não são, nem podem ser indifferentes ás mais vitaes questões que interessam a humanidade.

A caixa de aposentações a trabalhadores assalariados tem, na sua mesma designação, a affirmação eloquente da sua grandissima utilidade.

Ella tem por fim abrir, ao que tem por unico patrimonio o trabalho, as portas de uma instituição que o ponha ao abrigo da miseria, quando o ultimo quartel da vida lhe deparava apenas o asylo como o mais confortativo amparo.

Não se veja na fundação projectada d'esta ou de outras instituições, inspiradas no mesmo pensamento, a manifestação de idéas, ou a realisação de intentos a que preside o chamado socialismo do estado.

E que fosse assim, aos poderes publicos assiste não só o dever, mas a inadiavel necessidade de contribuir por sua parte para a solução dos complexos problemas que constituem a questão social.

Os governos carecem de pautar o seu proceder pela indole do paiz a que pertencem.

N'um paiz como o nosso, em que a iniciativa individual fallece diante de emprezas de certa magnitude, ou se sente impotente para fundar instituições que não tragam em perspectiva a fundada esperança de conseguir em breve vantagens pessoaes, a realisação d'estas, que se propõe crear, não podia deixar de ficar dependente da acção do poder central.

Nas mesmas condições está a fundação do Monte de piedade nacional. Tendo por esphera de acção os emprestimos a juro modico, por praso não excedente a seis mezes, sob caução de objectos depositados, vem ser um terrivel concorrente á agiotagem das caixas penhoristas.

Vem enxugar muitas lagrimas, e roubar á especulação da ganancia torpe muita victima da miseria.

O modo da sua organisação e do seu funccionamento acha-se prescripto no projecto.

A escassez de tempo que nos põe limite ao desenvolvimento do nosso parecer, e a vossa reconhecida illustração dispensam-nos de proseguirmos n'este trabalho, que concluimos aconselhando-vos a approvar este projecto de lei para poder ser apresentado á sanção do Rei.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 6 de maio de 1896. = A. de Serpa Pimentel = A. A. de Moraes Carvalho = Frederico Arouca = Arthur Hintze Ribeiro = Gomes Lages = Conde da Azarujinha = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator.

Projecto de lei n.° 94

Caixa geral de depositos e instituições de previdencia

CAPITULO I

Organisação dos serviços da caixa geral de depositos e instituições de previdencia

Artigo 1.° A caixa geral de depositos e instituições de previdencia abrange os serviços relativos a:

Caixa geral de depositos;

Caixa economica portugueza;

Caixa de aposentações a trabalhadores assalariados;

Monte de piedade nacional.

Art. 2.° A administração superior da caixa geral de depositos e instituições de previdencia incumbe a um administrador geral, que superintenderá em todos os serviços que lhe são commettidos.

§ unico. O actual director da caixa geral de depositos e economica portugueza fica sendo o administrador geral da caixa geral de depositos e instituições de previdencia.

Art. 3.° Os serviços da caixa geral de depositos e instituições de previdencia serão divididos em quatro repartições:

Contabilidade;

Caixa geral de depositos;

Caixa economica portugueza;

Caixa de aposentações e monte de piedade.

Em cada repartição haverá um chefe de serviços, e o demais pessoal que vae designado na tabella annexa a, esta lei, com os vencimentos que ahi lhes são fixados.

§ unico. Os actuaes chefes de repartição da caixa geral de depositos e economica portugueza ficam sendo chefes dos serviços respectivos na caixa geral de depositos e instituições de previdencia.

Art. 4.° Os chefes de serviços, presididos pelo administrador geral, formarão o conselho de administração da caixa geral de depositos e instituições de previdencia. Este conselho funccionará mediante convocação do presidente, na qual se indicará o fim da reunião, devendo a convocação fazer-se quando o mesmo presidente a julgue necessaria, ou quando lhe for requerida por qualquer dos chefes de serviço; fará annualmente os relatorios dos actos de administração e contas da caixa; proporá ao governo as providencias que julgar convenientes, e poderá ser ouvido pelo governo ou pelo administrador geral sobre quaesquer assumptos referentes a essa instituição, especialmente sobre as modificações ou melhoramentos que pareça conveniente introduzir nos seus serviços.

Art. 5.° Haverá um conselho fiscal formado pelo presidente da junta do credito publico, que será o presidente, pelos directores geraes da contabilidade, da thesouraria e director da estatistica geral e commercio, e pelo presidente da camara de commercio e industria.

Página 722

722 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

§ 1.° O disposto n'este artigo só terá execução, quanto á presidencia, quando cessem as funcções do presidente que foi nomeado em virtude do decreto de 30 de dezembro de 1892 e que para todos os effeitos é mantido no exercicio do seu cargo.

§ 2.° O conselho fiscal terá as suas reuniões na sede da caixa geral de depositos e instituições de previdencia; assistirá o administrador geral ou chefe do serviço que for por elle designado; e fará as vezes de secretario o empregado da caixa que o mesmo administrador geral indicar.

Art. 6.° Ao conselho fiscal compete:

1.° Dar parecer sobre os relatorios dos actos de administração e contas da caixa, e bem assim sobre quaesquer providencias que o conselho de administração entenda dever propor ao governo;

2.° Propor, de sua propria iniciativa, as medidas que julgue convenientes para o melhor funccionamento da caixa;

3.° Dar parecer sobre todos os assumptos ácerca dos quaes o governo o queira ouvir.

§ unico. As funcções do conselho fiscal não dão direito a vencimento algum, salvo o disposto no § 1.° do artigo 5.°

Art. 7.° Na cidade do Porto haverá uma delegação especial da caixa geral de depositos e instituições de previdencia. Os serviços d'esta delegação ficarão a cargo de um chefe de serviços, e do demais pessoal do quadro que para ali for designado, nos termos dos regulamentos. Fora de Lisboa e Porto são delegações da caixa geral de depositos e instituições de previdencia os cofres ou delegações da thesouraria do ministerio da fazenda.

CAPITULO II

Caixa geral de depositos

Art. 8.° A caixa geral de depositos arrecadará nos seus cofres, ou nos das suas delegações, todos os depositos em dinheiro, valores de oiro, prata, pedras preciosas e papeis de credito, que pela legislação actual lhe pertence guardar.

Art. 9.° Todos os depositos entrarão na caixa por meio de guias, passadas pelas auctoridades judiciaes ou administrativas, ou pelos directores e chefes das repartições que os ordenarem, declarando-se n'ellas quem tem auctoridade para pedir o seu levantamento.

Art. 10.° O levantamento dos depositos effectuar-se-ha por meio de precatorio legal no praso de dez dias, a contar da sua apresentação na sede da caixa. Os precatorios que derem entrada nas delegações da caixa serão immediatamente remettidos á sua séde.

Art. 11.° O levantamento dos depositos só poderá ser reclamado nos cofres onde os mesmos depositos houverem sido effectuados. Quando, porém, não haja inconveniente para o serviço, o administrador da caixa poderá auctorisar o levantamento por cofre diverso d'aquelle onde se fez o deposito.

Art. 12.° A caixa geral de depositos abonará o juro de 2 por cento ao anno a todas as quantias em dinheiro que, em cumprimento do artigo 8.°, derem entrada nos seus cofres, ou nos das suas delegações, pelo tempo que n'elles se conservarem alem de sessenta dias. Esse juro será calculado desde aquelle praso até o dia, inclusive, em que se apresentar o precatorio legal de levantamento.

§ unico. Os depositos de dinheiro em oiro poderão ser considerados como depositos de objectos, se assim se declarar nas respectivas guias, e n'este caso não vencem juro algum.

Art. 13.° Deixam de ser exigiveis, e revertem a favor dos lucros da caixa, os juros em divida, existentes ou que venham a existir na mesma caixa, que não forem devidamente reclamados no praso de tres annos, a contar da data do levantamento total dos depositos.

Art. 14.° O estado assegura, contra todos os casos de força maior ou fortuitos, a restituição dos depositos, effetuados na caixa geral de depositos ou suas delegações, em conformidade com a presente lei.

§ unico. O thesouro proverá a caixa geral de depositos dos fundos necessarios para occorrer de prompto a todos os encargos da mesma caixa.

Art. 15.° Nenhum tribunal, auctoridade, repartição publica ou funccionario poderá ordenar ou auctorisar depositos nos termos do artigo 8.°, fora da caixa geral de depositos ou das suas delegações, sob pena de nullidade do deposito e de responsabilidade por perdas e damnos dos funccionarios que contravierem a esta disposição.

Art. 16.° São operações da caixa geral de depositos para applicação de fundos:

- adiantamentos de juros de quaesquer titulos de divida publica fundada que não estejam immobilisados perpetua ou temporariamente;

- emprestimos a curto praso sobre penhor dos mesmos titulos;

- emprestimos ao thesouro publico, nos termos e com as condições que regularem para a divida fluctuante do mesmo thesouro;

- emprestimos a corporações administrativas;

- compra de titulos da divida publica;

- desconto de letras de desamortisação e de marinha;

- adiantamentos de vencimentos a funccionarios publicos por conta do thesouro;

- emprestimo de fundos ao monte de piedade nacional;

- e as operações em conta de subsidios devidos por lei e descriptos no orçamento geral do estado como encargo regular e effectivo do thesouro, precedendo auctorisação especial do governo.

§ 1.° O juro, praso e demais condições das operações serão determinados segundo as circumstancias do mercado.

§ 2.° É auctorisada a caixa geral de depositos para reembolso dos seus creditos vencidos e não pagos, tanto de capital como de juros, e se assim convier aos seus interesses, não só a cobrar directamente, quando a pagamento, os juros dos titulos que garantam esses creditos, mas tambem a vender os proprios titulos.

Art. 17.° A caixa geral de depositos continuará a desempenhar os serviços relativos aos fundos de viação municipal, de instrucção primaria e desamortisação nos termos da legislação em vigor, e os demais, constantes desta lei ou que de futuro lhe forem encarregados.

Art. 18.° Fica auctorisada a mesma caixa a receber, em todas as suas delegações, depositos voluntarios, ainda mesmo de conta particular, destinados á compra de titulos de divida publica portugueza, acções e obrigações do banco de Portugal, acções e obrigações da companhia geral de credito predial portuguez, ou de outra qualquer sociedade anonyma de responsabilidade limitada, que tenham cotação na bolsa.

§ unico. Pelo encargo da compra, averbamento e remessa desses papeis de credito cobrará a caixa a commissão de 1 por cento sobre o valor do capital empregado.

Art. 19.° As misericordias, hospitaes, asylos e mais estabelecimentos de beneficencia, sobre cuja administração o governo exerce fiscalisação, poderão depositar na caixa geral de depositos os seus capitães, ou sejam em dinheiro, ou em papeis de credito. A caixa procederá, nas epochas respectivas, á cobrança dos juros ou dividendos dos papeis de credito depositados, lançando . a sua importancia em conta do depositante, e por este, e pelo das quantias depositadas em dinheiro, abonará a caixa aos depositantes o juro liquidado nos termos e pela taxa estabelecidos para os depositos feitos na caixa economica portugueza.

Art. 20.° Quando, por qualquer operação ou serviço a cargo da caixa, esta haja de comprar papeis de credito que, em virtude de outra operação ou serviço, tenha para

Página 723

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 723

vender, ou vice-versa, a caixa poderá realisar directamente a compra e venda pela cotação do dia, cobrando a respectiva corretagem. Em todos os demais casos, a compra ou a venda será sempre realisada em praça, por intermedio de corretores de numero.

Art. 21.° Dos lucros auferidos pela caixa geral de depositos sairão as despezas da administração da caixa geral de depositos e instituições de previdencia. O saldo constituirá fundo da caixa e será applicado ao desenvolvimento das suas operações.

CAPITULO III

Caixa economica portugueza

Art. 22.° A caixa economica portugueza continuará a reger-se pelos preceitos consignados na lei de 26 de abril de 1880 e na lei de 15 de julho de 1885, salvas as modificações estabelecidas na presente lei.

Art. 23.° A caixa economica portugueza continuará a abonar aos seus depositantes o juro de 3,6 por cento ao anno.

§ 1.° Fica, porém, auctorisado o governo, sobre proposta da administração da caixa geral de depositos e instituições de previdencia, ouvido o seu conselho fiscal, a alterar esta taxa de juro, entre os limites de 2 e 4 por cento ao anno, quando assim o reclame a justa conveniencia da instituição.

§ 2.° Qualquer alteração na taxa do juro será fixada pelo ministro da fazenda em decreto fundamentado.

§ 3.° A caixa economica portugueza poderá receber de cada depositante até um 1 conto de réis em cada anno economico, mas a totalidade do deposito não poderá exceder 3 contos de réis.

Art. 24.° A liquidação e capitalisação de juros é feita annualmente no dia 30 de junho de cada anno, e a respectiva escripturação dos juros capitalisados será tambem lançada annualmente por todo o mez de julho nas cadernetas dos depositantes, salvo impossibilidade justificada pelo chefe de serviço e reconhecida pelo administrador geral.

§ unico. As fracções de juros inferiores a 5 réis, encontradas, na liquidação annual de juros, em cada uma das contas correntes, revertem a favor dos lucros da caixa geral de depositos e instituições de previdencia.

Art. 25.° Os fundos da caixa economica portugueza não serão centralisados em cofre especial, nem geridos em separado dos da caixa geral de depositos e instituições de previdencia.

§ unico. Na escripturação da caixa geral de depositos e instituições de previdencia terão conta especial os depositos feitos na caixa economica portugueza, não havendo, comtudo, logar ao abono, que a caixa geral de depositos fazia á caixa economica, do juro de 5 por cento ao anno pelas quantias depositadas em conta d'este, nos termos do artigo 12.° da lei de 15 de julho de 1885.

Art. 26.° Nas freguezias pertencentes á area administrativa em que estiver installada alguma delegação da caixa economica portugueza ou da caixa de aposentações a assalariados, poderá essa delegação promover a propaganda em favor da pequena economia, organisando commissões de pessoas idóneas, ou dirigindo-se para esse fim ao parocho, regedor ou professor de instrucção primaria da respectiva localidade.

CAPITULO IV

Caixa de aposentações para trabalhadores assalariados

Art. 27.° É creada uma caixa de aposentações para os trabalhadores assalariados de ambos os sexos, a qual fica sob a administração da caixa geral de depositos e instituições de previdencia.

Art. 28.° Esta instituição tem por fim crear pensões para os trabalhadores que se inscreverem como pensionistas da caixa, nas condições previstas por esta lei e respectivos regulamentos.

Art. 29.° São admittidos a inscrever-se como pensionistas todos os que forem portuguezes, tenham mais de quinze annos deidade, adquiram meios de subsistencia trabalhando por conta de particulares, mediante ordenado, remuneração ou salario, e não hajam direito a outra aposentação concedida pelo estado, por corporação do estado, ou por estabelecimento particular que conceda aposentações reconhecidas e approvadas pelo estado.

Art. 30.° A inscripção na caixa de aposentações é facultativa. Todos os trabalhadores que quizerem inscrever-se terão que pedir na sede ou delegação da caixa a sua inscripção, acompanhando o pedido de documentos que provem estar nas condições do artigo anterior.

§ unico. A caixa de aposentações tem a sua sede em Lisboa, na caixa geral de depositos; as delegações desta são tambem delegações d'aquellas.

Art. 31.° A todos os trabalhadores que forem inscriptos será entregue uma caderneta nominativa, como titulo da sua admissão.

Art. 32.° O fundo da caixa de aposentações é constituido: pelas quotas mensaes dos pensionistas, e por uma equivalente importancia, saida dos lucros liquides do monte de piedade, e completada, quando estes não cheguem, por uma contribuição patronal, nos termos dos artigos 38.° e 39.° da presente lei.

Art. 33.° Os pensionistas entregarão na caixa, ou nas delegações da caixa, as suas quotas; cada pensionista poderá fazer entrega de uma quota por mez; se, porem, preferir entregar mais de uma quota ao mesmo tempo, poderá fazel-o por conta dos mezes seguintes. Cada quota será lançada na respectiva caderneta.

Art. 34.° Para que se torne effectivo o direito do pensionista á aposentação, é necessario: que tenha entrado com quatrocentas e vinte quotas; que tenham decorrido os mezes a que essas quotas respeitam; e que haja completado cincoenta e cinco annos de idade.

Art. 35.° As quotas com que houver contribuido o pensionista que fallecer, haja ou não entrado no goso da aposentação, revertem a favor da viuva, e dos seus filhos ou herdeiros legitimados.

§ unico. O direito d'estes herdeiros ás quotas prescreve, todavia, quando não seja reclamado dentro dos tres annos seguintes ao fallecimento do pensionista.

Art. 36.° Todo o pensionista que, antes ou depois de gosar da aposentação, adquirir meios que lhe permittam viver independentemente dos beneficios d'esta instituição, assim o deverá declarar á caixa que, verificando ser exacta a declaração, lhe restituirá as quotas com que houver contribuido, e o eliminará dá lista dos pensionistas.

§ 1.° O pensionista que não fizer aquella declaração dentro de um anno, a contar da data em que a devia fazer, perde o direito ás quotas.

§ 2.° Entende-se que se verifica a hypothese doeste artigo sempre que o pensionista venha a estar sujeito á contribuição patronal.

Art. 37.° Apurada, no fim de cada anno, a importancia das quotas entradas, e as dos lucros liquidos do monte de piedade, e verificando-se ser esta inferior, a administração da caixa enviaá á direcção geral das contribuições directas a indicação precisa da differença, a fim de ser lançada e cobrada como contribuição patronal.

Art. 38.° O estado garante a contribuição patronal. Recebida em qualquer anno a indicação a que se refere o artigo antecedente, o estado entrará logo com a sua importancia nos cofres da caixa, e desde que o seu desembolso attinja 1 por cento das contribuições predial, industrial e sumptuaria, ordenará o respectivo lançamento e cobrança, no anno seguinte, por addicionamento proporcionai ás mesmas contribuições.

Página 724

724 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

§ Unico. Sobre a contribuição patronal não recairá addicional algum.

Art. 39.° São isentos de contribuição patronal, pelos seus respectivos impostos, os contribuintes cuja collecta de contribuição predial, industrial ou de rendas de casas seja inferior a 5$000 réis; e bem assim aquelles que tenham constituido ou venham a constituir, em beneficio dos seus trabalhadores, nas condições do artigo 3.°, caixas de aposentação, comtanto que as subvenções que annualmente derem para essas caixas não sejam inferiores ás collectas de contribuição patronal, a que aliás estariam sujeitos.

Art. 40.° A caixa geral de depositos e de instituições de previdencia administrará os fundos da caixa de aposentações de fórma a tornai-os productivos, nos termos das operações que lhe são proprias. Poderá tambem fazer emprestimos a qualquer pensionista da caixa de aposentações, ao juro de 5 por cento ao anno, até o limite da somma das quotas com que o mesmo pensionista tenha entrado na caixa, se mostrar que por doença ou falta de trabalho está temporariamente privado de meios de subsistencia.

§ 1.° Estes contratos não serão feitos por praso superior a seis mezes, mas até ao dia do seu vencimento poderão ser reformados por igual ou menor praso, e assim successivamente, se o pensionista pagar os juros respectivos.

§ 2.° Quando o devedor até o dia do vencimento não pague ou não reforme o contrato, perde todos os direitos inherentes ás quotas, que lhe houverem sido abonadas por emprestimo.

Art. 41.° O pensionista que antes de entrar no goso da aposentação mostrar impossibilidade permanente de trabalhar terá direito ou á restituição das quotas com que houver contribuido, ou a uma pensão annual, equivalente ao dobro do juro do capital d'essas quotas, apurado nos termos da liquidação dos depositss da caixa economica portugueza.

§ unico. Verificada a primeira hypothese d'este artigo, cessam os direitos estabelecidos no artigo 35.°

Art. 42.° A quota mensal dos pensionistas é fixada na importancia de 250 réis, e a aposentação na importancia de 55$800 réis.

§ unico. As quotas e as pensões não podem ser penhoradas ou arrestadas.

Art. 43.° A quota fixada no artigo anterior vigorará por dez annos; no fim d'este praso, e só, posteriormente, em cada periodo de cinco annos, poderá ser alterada.

Art. 44.° Se em resultado das alterações previstas no artigo antecedente se estabelecer quota superior á fixada no artigo 42.°, os pensionistas da caixa de aposentações poderão pedir, no praso de tres mezes depois da alteração, a entrega das quotas com que hajam contribuido, acrescidas com os juros, liquidados pela fórma por que se liquidam os dos depositos da caixa economica. Igual direito terão os pensionistas, sempre que por outro motivo sejam alteradas as condições d'esta lei.

Art. 45.° As quotas e a contribuição patronal de que se trata não poderão em caso algum ser destinadas a fim diverso do estabelecido nesta lei. As despezas de administração e gerencia da caixa de aposentações ficarão a cargo da caixa geral de depositos e instituições de previdencia.

CAPITULO V

Monte de piedade nacional

Art. 46.° É estabelecido um monte de piedade nacional sob a administração da caixa geral de depositos e de instituições de previdencia.

Art. 47.° O monte de piedade nacional tem o seu estabelecimento central na sede da caixa geral de depositos e instituições de previdencia; e terá em Lisboa e nos centros mais populosos do paiz as succursaes que se mostrarem necessarias.

§ unico. As delegações especiaes da caixa geral de depositos e instituições de previdencia serão tambem delegações do monte de piedade nacional.

Art. 48.° As operações do monte de piedade nacional consistem unicamente em emprestimos a juro modico, sob caução de objectos depositados na mesma instituição, com excepção de quaesquer papeis de credito.

§ unico. Os contratos de emprestimo serão feitos pelo praso maximo de seis mezes; não poderão ser de quantia inferior a 100 réis, nem conter fracção d'esta quantia.

Art. 49.° A taxa dos juros é variavel para as diversas especies de penhores; será fixada pela administração da caixa geral de depositos e instituições de previdencia, e não poderá elevar-se a mais de 7 por cento ao anno, sem expressa auctorisação do governo.

Art. 50.° Quando o contrato não for distratado ou rearmado na data do seu vencimento poderá o penhor ser vendido em leilão publico, sem dependencia de aviso ou qualquer formalidade.

§ 1.° Se o producto dos objectos vendidos em leilão não for bastante para o pagamento do emprestimo a que serviam de penhor e bem assim dos respectivos juros e mais despezas, não poderá a differença ser, por outra fórma, exigida ao mutuario.

§ 2.° Se o producto do leilão exceder o que for devido por capital, juros e mais despezas, ficará em deposito o excedente para ser entregue ao mutuario ou ao seu representante legal.

§ 3.° Este excedente denomina-se bonus; não vencerá juros pelo tempo que estiver depositado, e, não sendo reclamado no praso de um anno, reverte a favor do monte de piedade.

Art. 51.° Os documentos que forem exigidos pelo monte de piedade para instruir as suas transacções serão isentos de sêllo.

§ unico. A correspondencia, marcada com o carimbo da administração do monte de piedade nacional, não é sujeita a sêllo postal.

Art. 52.° Nenhum emolumento, gratificação ou retribuição de qualquer natureza, poderá ser recebido do mutuario, alem do juro, premio de seguro e despezas previstas n'este decreto e nos regulamentos da instituição.

Art. 53.° Os empregados do monte de piedade nacional, que tiverem a seu cargo, directamente, os serviços de emprestimo, de avaliação e arrecadação de penhores, prestarão caução em dinheiro ou titulos da divida publica.

§ unico. A importancia das cauções a prestar será fixada pela administração do monte de piedade nacional, segundo a responsabilidade do respectivo serviço.

Art. 54.° O monte de piedade nacional terá os avaliadores necessarios para as differentes especies de penhores, e os fieis de armazens que forem indispensaveis.

§ 1.° Os avaliadores vencerão uma percentagem sobre a importancia da quantia mutuada, e que será paga quando o emprestimo se distratar.

§ 2.° Se os objectos vendidos em leilão não produzirem a importancia do emprestimo com os respectivos juros e mais despezas, responderá o avaliador pela differença que houver.

§ 3.° O serviço dos leilões e a percentagem devida por este serviço serão regulados pela administração.

Art. 55.° O capital necessario para o regular funccionamento do monte de piedade nacional será fornecido pela caixa geral de depositos e instituições de previdencia, nos termos que forem annualmente determinados pelo governo, sobre proposta fundamentada da mesma caixa.

Art. 56.° Os lucros liquidos das operações do monte de piedade nacional serão applicados á sustentação da caixa de aposentações para os trabalhadores assalariados, nos termos da lei reguladora d'essa instituição; havendo so-

Página 725

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 725

bras, applicar-se-hão aos emprestimos a que se refere o artigo seguinte,

Art. 57.° O monte de piedade nacional poderá acceitar legados, donativos, ou quaesquer subsidios de particulares ou collectividades destinados a emprestimos caucionados, mas gratuitos, feitos a pessoas pobres, nos termos que os regulamentos prescreverem.

§ 1.° A importancia d'esses legados, donativos ou subsidios não poderá, em caso algum, ter outra applicação, e é isenta do pagamento de contribuição de registo.

§ 2.° Se os emprestimos, a que se refere o presente artigo, não forem distratados nem reformados no seu vencimento, e por isso se houver de proceder á venda do penhor em leilão, será o producto d'essa venda, liquido das despezas respectivas, applicado a outros emprestimos da mesma especie.

CAPITULO VI

Disposições geraes

Art. 58.° A nomeação do pessoal da caixa geral de depositos e instituições de previdencia será feita pelo ministro da fazenda nos termos seguintes:

- o logar de administrador geral, por nomeação do governo;

Os de chefes de serviços, por concurso documental, preferindo, em igualdade de circumstancias de tempo de serviço e habilitações litterarias os primeiros officiaes da caixa que tenham servido, com notoria competencia;

Os de primeiros e segundos officiaes, de entre os da classe immediatamente inferior, alternadamente por concurso e por proposta do administrador geral, baseada na antiguidade e no bom serviço prestado;

Os de amanuense por concurso por provas escriptas, tendo preferencia os concorrentes habilitados com o curso do commercio do 1.° ou 2.° grau.

§ unico. Emquanto existirem os actuaes temporarios, as vagas de amanuenses serão n'elles providas por antiguidade quando acompanhada de bom serviço.

Art. 59.° Os empregados actuaes não serão prejudicados nos seus direitos adquiridos quanto a categoria e vencimentos, tanto de actividade como de aposentação.

Art. 60.° O administrador geral tem a seu cargo a inspecção de todos os serviços da caixa; tomará as providencias convenientes para o seu bom desempenho, e despachará todos os processos relativos aos assumptos dependentes da mesma instituição.

§ 1.° O administrador geral é responsavel por todos o despachos que proferir. Poderá ouvir, quando o julgar conveniente, sobre os negocios que lhe forem affectos, a procuradoria geral da corôa e fazenda.

§ 2.° O administrador geral só poderá ser exonerado ou demittido do exercicio das suas fracções nos termos e pela fórma por que o podem ser os vogaes do tribunal de contas.

§ 3.° Nos seus impedimentos, será o administrador geral substituido pelo chefe de serviços mais antigo ou pelo que for indicado pelo governo.

Art. 61.° Os chefes de serviços são responsaveis pela informação dos processos que tenham de submetter a des pacho e pela execução d'estes. Compete-lhes fiscalisar e dirigir os serviços das suas repartições, informar o administrador geral, e exercer todas as attribuições que os regulamentos especialisarem.

Art. 62.° O demais pessoal é responsavel pela execução dos serviços que respectivamente lhe forem confiados.

Art. 63.° São applicaveis aos empregados da caixa geral de depositos e instituições de previdencia as disposições concernentes aos empregados das direcções geraes do minsterio da fazenda, emquanto não forem elaborados os regulamentos especiaes para execução d'este decreto.

Art. 64.° Para o desempenho dos novos serviços attribuidos á caixa geral de depositos e instituições de previdencia, serão nomeados os empregados especiaes que as necessidades do serviço reclamarem, em harmonia com os respectivos regulamentos. Esta nomeação será feita pelo governo sob proposta do administrador geral da caixa.

§ unico. Os empregados, a que se refere este artigo, serão despedidos do serviço quando não satisfaçam devidamente ás suas obrigações, e pela mesma forma por que são nomeados.

Art. 65.° Perante todos os tribunaes e repartições publicas, a caixa geral de depositos e instituições de previdencia, gosará da isenção de sellos e custas nos mesmos termos em que a tem a fazenda nacional.

Art. 66.° O governo publicará os regulamentos necessarios para execução d'esta lei.

Art. 67.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 5 de maio de 1896.= Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Quadro do pessoal da caixa geral de depositos e instituições de previdencia e respectivos vencimentos, a que se refere a lei d'esta data

[Ver valores da tabela na imagem]

Palacio das côrtes, em 5 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei n.° 105, a que diz respeito o parecer n.° 110.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 110

Senhores: - Cumpre ao governo acudir a uma calamidade publica, ou a uma desgraça que feriu uma povoação.

Quando não fosse uma obrigação do estado, era um dever de humanidade.

A villa de Montalegre, no districto de Villa Real, presenceou, em 12 do passado mez de abril, um pavoroso incendio, que abrangendo na sua destruição trinta e duas casas, reduziu á miseria muitas das familias que n'ellas habitavam.

Os prejuizos causados foram calculados em 10 contos de réis, quantia relativamente grande para uma terra pobre, e para muitas das victimas, que são pobrissimas.

Deseja o governo, no cumprimento de um humanitario dever, acudir áquella desgraça, auxiliando os que pelas suas, circumstancias mais carecerem de protecção.

Mas onde vae o seu desejo, não chegam os recursos auctorisados no orçamento do estado.

Tem pedir, para isso, que lhe permittaes despender até á quantia de 1:500$000 réis.

É do justo o fim, que esta commissão julga não dever apresentar-vos quaesquer considerações em defeza do pro-

Página 726

726 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

jecto, porque seria offender a grandeza e generosidade dos vossos sentimentos.

Espera assim que lhe concedereis a vossa approvação, para poder ser convertido em lei.

Safa das sessões da commissão de fazenda, 7 de maio de 1896.= já. A. de Moraes Carvalho =, Conde da Azarujinha = Arthur Hintze Ribeiro = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator = Tem voto do digno par: F. Arouca.

Projecto de lei n.° 105

Artigo 1.° É auctorisado o governo a despender até á quantia de 1:500$000 réis com soccorros ás familias que foram reduzidas á indigencia, pelo incendio occorrido na villa de Montalegre, em 12 de abril de 1896.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 6 de maio de 1896.= Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Moita Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

N.° 115-C

Senhores: - Na villa de Montalegre ateou-se, 6m 12 do passado mez de abril, um incendio que, apesar dos esforços promptamente empregados para lhe circumscrever a acção devastadora, consumiu em menos de uma hora trinta e duas casas de habitação ou de lavoura, causando prejuizos que, segundo as affirmações officiaes, ascendem a 10 contos de róis, e reduzindo á miseria algumas familias, que ficaram sem abrigo e sem os modestos haveres grangeados com o seu trabalho.

Para soccorrer as victimas d'este lamentavel acontecimento e auxiliai-as na reconstituição do patrimonio que perderam, não dispõe o governo dos recursos indispensaveis, poisque para esta despeza extraordinaria não poderá distrahir-se a dotação orçamental, já de si minguada, destinada para outras despezas de beneficencia ordinarias, ertas e impreteriveis.

Convicto de que ao parlamento não é indifferente, como o não é ao governo, a triste situação em que se encontram algumas familias de uma região laboriosa, que do poder central exoram providencias para attenuar as angustias do seu desnudamento, tenho a honra de apresentar á vossa consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a despender até -á quantia de 1:500$000 réis, com soccorros ás familias que foram reduzidas á indigencia, pelo incendio occorrido na villa de Montalegre em 12 de abril de 1896.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 1 de março de 1896. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei n.° 103, a que se refere o parecer n.° 98.

Foi lido na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 98

Senhores: - A vossa commissão de guerra examinou com a maior attenção, como lhe cumpria, não só o decreto de 10 de janeiro de 1895, como tambem o projecto de lei que foi approvado na camara dos senhores deputados e resultou da apreciação d'aquelle decreto na outra casa do parlamento.

Foi o decreto de 10 de janeiro de 1895 baseado em trabalhos elaborados e discutidos com larga proficiencia por magistrados e officiaes distinctos, todos elles reconhecidamente sabedores d'essa especialidade, e por isso representa um diploma de summa valia, em que todos os principios de jurisprudencia militar geralmente acceites foram considerados e attendidos.

As modificações que, de accordo com o governo, lhe foram introduzidas na outra casa do parlamento, tiveram por fim, e sem duvida conseguiram, aperfeiçoar aquella obra, não só tornando mais justa e equitativa a applicação de certas penas fazendo algumas mais suaves e melhor graduadas, e formulando uma alternativa indispensavel, como está sendo reconhecido praticamente, como ainda harmonisando as fuás disposições com os preceitos exarados no pacto fundamental do nosso regimen constitucional.

Não pretende a vossa commissão explanar minuciosamente cada um desses pontos, nem o julga necessario, pois da comparação dos dois textos e da leitura dos relatorios que precedem, quer o decreto de 10 de janeiro, quer o projecto de lei approvado pelos senhores deputados, resaltam desde logo e sem a menor duvida as vantagens d'aquellas modificações, assim como do conjuncto julga a vossa commissão de guerra poder dizer que o considera a par dos diplomas similares dos paizes mais adiantados.

E por isso a vossa commissão de guerra é de parecer que bem merece a vossa approvação o projecto de lei n.° 103.

Salada commissão de guerra, em 7 de maio de 1896.= A. de Serpa Pimentel = Francisco Costa = D. A. de Sequeira Pinto = Cypriano Jardim = Visconde da Silva Carvalho = José Baptista de Andrade = F. Larcher = Conde do Bomfim, relator.

Projecto de lei n.° 103

Artigo 1.° É approvado para reger nestes reinos e seus dominios o codigo de justiça militar que faz parte d'esta lei.

Art. 2.° Emquanto não for publicado um codigo de justiça militar para a armada, aos crimes commettidos por militares ou outras pessoas pertencentes á armada, que tiverem legislação no presente codigo, serão applicadas as suas disposições.

§ unico. A todos os crimes contra o dever militar maritimo que não estiverem comprehendidos nas disposições do codigo de justiça militar, serão applicadas as leis que estão actualmente em vigor.

Art. 3.° O governo fará os regulamentos precisos para a execução do codigo de justiça militar, fixando as regras que, nos estabelecimentos penaes militares, devam observar-se quanto á separação dos presos, sua alimentação, hygiene e instrucção, tanto intellectual e profissional, como religiosa e moral, e bem assim quanto ao methodo e execução dos trabalhos, e estabelecendo as penas disciplinares correspondentes ás diversas infracções.

Art. 4.° É auctorisado o governo a rever e modificar o regulamento disciplinar do exercito, para os effeitos do artigo 6.° do codigo de justiça militar.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 6 de maio de 1896.= Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Codigo de justiça militar

LIVRO I

Dos crimes e penas

TITULO I

Disposições geraes

CAPITULO I

Da criminalidade e da responsabilidade criminal

Artigo 1.° O presente codigo regula:

1.° As infracções que constituem crimes essencialmente militares, por violarem algum dever exclusivamente mili-

Página 727

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 727

tar ou por offenderem directamente a segurança ou a disciplina do exercito;

2.° As infracções que, em rasão da qualidade militar dos delinquentes, ou do logar ou circumstancias em que são commettidas, tomam o caracter de crimes militares.

§ unico. São considerados crimes essencialmente militares, para todos os effeitos legaes, os previstos no capitulo 1 do titulo II d'este livro.

Art. 2.° As acções ou omissões incriminadas na lei militar reputam-se voluntarias, salvo havendo prova em contrario; mas, quando constituem infracção de algum dever exclusivamente militar, são puniveis ainda que por sua natureza especial não possa presumir-se que foram praticadas por vontade do agente.

Art. 3.° As disposições da lei penal militar são applicaveis quer os crimes sejam commettidos em territorio portuguez, quer em paiz estrangeiro.

Art. 4.° Aos crimes por violação da lei geral, commettidos por militares ou outras pessoas pertencentes ao exercito, são applicaveis as disposições do codigo penal em tudo quanto a respeito de similhantes crimes não for alterado no presente codigo.

Art. 5.° A violação de leis especiaes commettida por militares ou outras pessoas pertencentes ao exercito, é punida em conformidade d'essas leis, em tudo aquillo que não for alterado por este codigo.

Art. 6.° As infracções de dever militar que o presente codigo não comprehende, e as transgressões de policia, são punidas em conformidade dos regulamentos disciplinares.

§ 1.° São igualmente punidas, em conformidade dos mesmos regulamentos, as violações da lei geral e de qualquer lei especial, excepto as de contrabando e descaminho, quando o facto prohibido não esteja especialmente previsto neste codigo e unicamente lhe corresponda a pena de multa.

§ 2.° A pena soffrida por transgressão dos regulamentos disciplinares não prejudica o exercicio da acção penal quando, posteriormente, se reconheça que o facto que motivou a pena, ou por si ou pelas suas circumstancias, tem o caracter de crime; mas, em tal caso, a pena disciplinar soffrida deve ser tomada em consideração para a applicação da pena definitiva.

Art. 7.° Os tribunaes militares devem observar as disposições geraes que se contêem no titulo I do livro I do codigo penal, relativas aos crimes em geral e aos criminosos, salvas as modificações determinadas no presente codigo e designadamente nos artigos seguintes.

Art. 8.° A tentativa de crime essencialmente militar é sempre punivel, qualquer que seja a pena que corresponda por lei ao crime consummado.

Art. 9.° A conjuração para o commettimento de qual quer dos crimes previstos nas secções i, II e IV do capitulo I do titulo II d'este livro é punida como crime frustrado e a proposição como tentativa d'esse crime.

§ unico. Existe a conjuração, quando duas ou mais pessoas se concertam para a execução do crime e resolvem commettel-o. Existe a proposição quando o militar, que resolve commetter o crime, propõe a sua execução a outrem.

Art. 10.° Nos crimes previstos n'este codigo nunca é causa justificativa do facto o medo, ainda que seja insuperavel, de um mal igual ou maior, imminente ou em começo de execução.

Art. 11.° Alem das circumstancias aggravantes mencionadas na lei geral, são tambem consideradas como taes, em todos os crimes previstos n'este codigo, quando não houverem já sido especialmente attendidas na lei para a aggravação da pena, as seguintes:

l.ª O mau comportamento militar;

2.ª Ser o crime commettido em tempo de guerra;

3.ª Ser o crime commettido em marcha, em serviço ou em rasão de serviço;

4.ª Ser o crime commettido na presença de algum superior;

5.ª Ser o crime commettido por meio da imprensa ou por outro qualquer meio de publicação.

Art. 12.° Nos crimes previstos n'este codigo são consideradas, como attenuantes, unicamente as circumstancias seguintes:

l.ª A prestação de serviços relevantes á sociedade;

2.ª O exemplar comportamento militar;

3.ª A menoridade de dezoito annos;

4.ª A provocação, quando consista em pancadas ou em offensa grave á honra do agente do crime, cônjuge, ascendentes ou descendentes, e tenha sido praticado o crime em acto seguido á mesma provocação;

5.ª A reparação do damno, espontanea e anterior a qualquer procedimento criminal;

6.ª O cumprimento da ordem do superior hierarchico do agente, quando não baste para justificação d'este;

7.ª A apresentação voluntaria ás auctoridades, nos Crimes a que corresponda a pena de deportação militar ou outra mais grave;

8.ª A embriaguez, unicamente quando o agente do crime tiver sido provocado por pancadas estando já ebrio;

9.ª E, finalmente, qualquer outra circumstancia de igual natureza e analoga ás anteriores que, porventura, diminua a gravidade do facto criminoso ou dos seus resultados.

CAPITULO II

Das penas, seus effeitos, execução e extincção

Art. 13.° As penas que, pelos crimes comprehendidos n'este codigo, podem ser applicadas, como principaes, são:

l.ª Morte;

2.ª Prisão maior cellular;

3.ª Reclusão;

4.ª Presidio militar;

5.ª Deportação militar;

6.ª Prisão militar;

7.ª Incorporação em deposito disciplinar.

§ unico. Das penas estabelecidas n'este artigo são especiaes para os officiaes a prisão militar, e para as praças de pret a deportação militar e a incorporação em deposito disciplinar.

Art. 14.° As penas que pelos tribunaes militares podem ser applicadas, como accessorias, são:

l.ª Degredo;

2.ª Exautoração militar;

3.ª Demissão;

4.ª Deportação militar.

§ unico. D'estas penas é especial para os officiaes a demissão, e para as praças de pret a deportação militar.

Art. 15.° Nos casos em que a lei estabelece ou auctorisa a applicação da pena immediatamente inferior a uma outra, será observada a ordem de procedencia estabelecida nas seguintes escalas graduadas:

Escala l.ª:

l.ª Morte com exautoração;

2.ª Prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo por vinte annos, com prisão no logar do degredo até dois annos ou sem ella;

3.ª Prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo por doze annos;

4.ª Prisão maior cellular por seis annos, seguida de degredo por dez annos;

5.ª Prisão maior cellular por quatro annos, seguida de degredo por oito annos;

6.ª Prisão maior cellular de dois a oito annos;

7.ª Presidio militar de seis mezes a tres annos;

8.ª Prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar.

Escala 2.ª:

l.ª Morte ;

Página 728

728 DIARIO DA CAMABA DOS DIGNOB PARES DO REINO

2.ª Reclusão;

3.ª Predio militar de seis annos e um dia a nove annos:

4.ª Presidio militar de tres annos e um dia a seis annos;

5.ª Deportação militar;

6.ª Presidio militar de seis mezes a tres annos;

7.ª Prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar.

§ unico. Na 2.ª escala, a pena de presidio militar de seis mezes a tres annos considera-se immediatamente inferior, não só á pena de deportação militar, imposta como pena principal, mas tambem á de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos, a qual não póde ser substituida pela deportação militar.

Art. 16.° O condemnado á pena de morte por sentença dos tribunaes militares será fuzilado.

§ 1.° A pena de morte importa a exautoração unicamente quando, por disposição especial d'este codigo, assim for determinado.

§ 2.° Aos menores que, na data da perpetração do crime, não tiverem completado dezoito annos, não será imposta a pena de morte, a qual será substituida pela immediatamente inferior.

Art. 17.° Emquanto não estiver em inteira execução o systema penitenciario, aos réus condemnados pelos tribunaes militares, a quem couber a pena de prisão maior cellular, será esta imposta, mas nas sentenças condemnatorias serão respectivamente impostas, em alternativa, as seguintes:

l.ª Pena fixa de degredo por vinte e oito annos com prisão no logar do degredo por oito a dez annos;

2.ª Pena fixa de degredo por vinte e cinco annos;

3.ª Pena fixa de degredo por vinte annos;

4.ª Pena fixa de degredo por quinze annos;

5.ª Degredo temporario.

§ unico. A condemnação em alternativa impõe aos réus condemnados a obrigação de cumprir na sua totalidade qualquer das penas alternativamente comminadas na sentença.

Art. 18.° As penas de prisão maior cellular e degredo serão reguladas, quanto á sua natureza, duração, eleitos e equivalencias, pelas disposições do codigo penal.

§ unico. Estas penas, e a de prisão maior temporaria estabelecida na lei geral, serão cumpridas nos estabelecimentos penaes civis, em conformidade com as disposições do codigo penal e respectivos regulamentos, e produzirão sempre a exautoração militar.

Art. 19.° A pena de reclusão consiste no encerramento por vinte e cinco annos em casa ou quarto, para esse fim destinado pelo governo, em uma fortaleza das possessões de Africa, com separação dos condemnados.

§ unico. Do cumprimento d'esta pena resultam os seguintes effeitos: eliminação dos quadros do exercito e perda do direito de haver recompensas por serviços anteriores.

Art. 20.° A pena de presidio militar consiste, no encerramento em um estabelecimento cellular, para esse fim designado no continente do reino, por tempo não inferior a seis mezes nem superior a nove annos, com obrigação de trabalho para as praças de pret e absoluta separação dos condemnados fóra das horas de trabalho ou de instrucção.

§ 1.° A pena de presidio militar de seis annos e um dia a nove annos tem como accessoria, para os officiaes, a demissão, e, para as praças de pret, a deportação militar por tempo igual ao de presidio em que forem condemnadas

§ 2 ° A pena de presidio militar de tres annos e um dia seis annos inhabilita o official de ser promovido, salvo por distincção em campo de batalha, e, quando imposta a praças de pret, produz a baixa de posto e tem como accesssoria a pena de tres annos te deportação militar.

§ 3.° Do cumprimento da pena de presidio militar não resulta incapacidade alguma civil nem inhabilidade para o serviço militar; e, quando esta pena for applicada por menos de tres annos, só produz a baixa de posto, se assim for expressamente determinado na sentença condemnatoria.

Art. 21.° A pena de deportação militar consiste na transferencia do serviço militar do exercito do reino para o de alguma das provincias ultramarinas, por tempo não inferior a tres nem excedente a dez annos.

§ 1.° Da imposição d'esta pena resulta baixa de posto, mas nenhuma incapacidade militar ou civil nem perda de empo de serviço.

§ 2.° O militar que estiver no ultramar a cumprir pena de deportação e for julgado incapaz do serviço militar pela junta de saude, continuará na mesma provincia addido a qualquer estabelecimento ou repartição militar, onde desempenhará o serviço compativel com o seu estado physico, até ultimar a pena em que estiver condemnado.

§ 3.° A pena de deportação militar não poderá ser imposta aos militares que, no acto do julgamento, forem menores de dezoito ou maiores de cincoenta annos, devendo, n'esses casos, ser substituida pela immediatamente inferior.

Art. 22.° A pena de prisão militar consiste no encerramento, por tempo não inferior a tres mezes nem superior a seis, salvas as disposições expressas no artigo 45.°, em casa para esse fim destinada em uma praça de guerra.

§ unico. Quando esta pena for applicada em substituição, nos termos do artigo 39.°, o minimo de duração será regulado pelo que dispõe o artigo 98.° do codigo penal.

Art. 23.° A pena de incorporação em deposito disciplinar consiste na transferencia, por tempo não inferior a tres mezes nem superior a seis, salvas as disposições expressas no artigo 40.°, para um corpo militar sujeito a regimen especial de instrucção e disciplina.

§ unico. Quando esta pena for applicada em substituição, nos termos do artigo 39.° o minimo de duração será regulado pelo que dispõe o artigo 98.° do codigo penal.

Art. 24.° A pena de exautoração militar consiste na expulsão do condemnado das fileiras do exercito.

§ 1.° D'esta pena resultam os seguintes effeitos:

1.° Suspensão do exercicio dos direitos politicos por tempo de vinte annos;

2.° Eliminação dos quadros do exercito e perda do direito de usar uniformes, distinctivos, insignias militares ou condecorações, e de haver recompensas ou pensões por serviços anteriores;

3.° Inhabilidade para o serviço militar.

§ 2.° A exautoração, quando for accessoria da pena de morte ou das penas de prisão maior cellular, degredo ou prisão maior, impostas por crimes não essencialmente militares, resultará da sentença condemnatoria, logo que esta transite em julgado, independentemente das formalidades prescriptas nos regulamentos.

Art. 25.° A pena de demissão consiste na perda do posto e da qualidade militar, e do direito de usar uniformes, distinctivos, insignias militares ou condecorações, e de haver recompensas ou pensões por serviços anteriores,

Art. 26.° A condemnação de algum official, proferida por tribunal competente, por algum dos crimes de furto, roubo, prevaricação, corrupção, falsidade, burla e abuso de confiança, produz a demissão, qualquer que seja a pena decretada na lei, em todos os casos em que o ministerio publico accusa independentemente da accusação da parte.

§ unico. A condemnação de alguma praça de pret, pelos mesmos crimes, produz a baixa de posto em identicas circumstancias.

Art. 27.° Os effeitos das penas estabelecidas no presente codigo resultam immediatamente da disposição da lei, e são consequencia necessaria da condemnação, independentemente de qualquer declaração na sentença.

Art. 28.° Os officiaes e praças não combatentes serão equiparados, para os effeitos penaes, aos officiaes ou pra-

Página 729

SESSÂO N.° 40 DE 8 DE MAIO DE 1896 729

ças de pre combatentes, conforme a graduação que lhes competir.

§ unico. A mesma disposição se observará com relação aos prisioneiros de guerra e aos emigrados politicos que estiverem sujeitos á auctoridade militar, conforme a categoria que lhes for reconhecida pelo governo.

Art. 29.° A condemnação e a imposição de qualquer pena não prejudica as familias dos condemnados no direito ás pensões de monte pio adquirido anteriormente á sentença.

Art. 30.° Em todos os crimes previstos n'este codigo, os tribunaes graduarão a pena dentro do maximo e minimo determinado na lei.

§ unico. Havendo sómente circumstancias attenuantes, ou quando estas predominem sobre as aggravantes, não se applicará a pena de morte, a qual será substituida pela immediata da respectiva escala, segundo for, ou não, acompanhada de exautoração.

Art. 31.° Concorrendo simultaneamente circumstancias aggravantes e attenuantes, conforme umas ou outras predominarem, será aggravada ou attenuada a pena dentro do limite maximo e minimo correspondente ao crime.

§ unico. A premeditação, a reincidencia e a successão em crimes militares serão consideradas como circumstancias aggravantes de natureza especial e predominarão sobre quaesquer attenuantes.

Art. 32.° Considera-se reincidente militar aquelle que, tendo sido condemnado por algum dos crimes previstos nas leis militares, commetter, dentro de tres annos depois de cumprida a sentença, outro crime previsto nas mesmas leis.

§ unico. O militar condemnado por segunda reincidencia, findo o cumprimento da pena, irá completar no ultramar o tempo de serviço effectivo a que estiver obrigado pelo seu alistamento, mas nunca por tempo inferior a dois annos; e, se for official, a pena de presidio militar e a de prisão militar terão sempre como accessoria a demissão.

Art. 33.° A successão de crimes verifica-se quando o militar condemnado em alguma das penas estabelecidas no presente codigo commette, durante o cumprimento da condemnação, outro crime previsto na mesma lei.

§ unico. No caso previsto neste artigo, augmentar-se-ha a pena do primeiro crime, se for superior á que por lei corresponda ao crime praticado posteriormente, e, no caso contrario, applicar-se-ha aggravada a pena do segundo crime. A pena imposta não poderá exceder, em caso algum, o maximo da mesma pena estabelecido na lei.

Art. 34.° Fóra dos casos especiaes previstos n'este codigo, não tem logar a accumulação de penas militares e applica-se unicamente a pena mais grave, mas aggravada em attenção á accumulação de crimes.

Art. 35.° As regras estabelecidas nos dois artigos precedentes serão tambem observadas pelos tribunaes, quando na successão ou na accumulação concorrerem crimes militares e crimes communs.

Art. 36.° Nos casos de crime frustrado e de cumplicidade, applica-se a pena correspondente ao auctor do crime consummado, mas graduada como se houvesse circumstancias attenuantes.

Art. 37.° A tentativa de crime será punida com a pena immediatamente inferior á que corresponde por lei ao crime consummado, quando outra cousa se não ache determinada no presente codigo. A mesma regra se observará na punição dos encobridores.

§ unico. Nos casos previstos n'este artigo, quando ao crime consummado corresponda a pena de prisão militar ou a de incorporação em deposito disciplinar, serão estas impostas sempre no seu minimo.

Art. 38.° As disposições dos artigos anteriores serão unicamente applicaveis quando as circumstancias attenuantes ou aggravantes não tenham sido especialmente consideradas para qualificar a menor ou maior gravidade do crime

Art. 39.° Quando, por virtude de disposição do codigo penal, os tribunaes militares houverem de applicar penas correccionaes, serão estas substituidas pela maneira seguinte:

1.° A pena de prisão correccional por igual tempo de presidio, prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar, segundo a duração da pena e a graduação do delinquente;

2.° A pena de desterro pela de presidio militar de seis mezes a tres annos.

§ unico. Esta disposição é igualmente extensiva aos tribunaes ordinarios, quando houverem de applicar aos militares penas correccionaes.

Art. 40.° No caso de cumplicidade em crimes militares entre réus sujeitos á jurisdicção dos tribunaes militares, do exercito de terra ou da armada, e ordinarios, serão pelo tribunal competente applicadas as penas estabelecidas na ei militar aos militares e mais pessoas pertencentes ao exercito; as penas das leis da armada aos individuos pertencentes á marinha; e a todos os outros individuos as penas do codigo penal, uma vez que outra cousa se não ache determinada no presente codigo.

Art. 41.° Quando algum individuo não militar, nem equiparado a militar, for accusado de algum crime previsto n'este codigo e que o não seja no codigo penal, será condemnado pelo tribunal competente nas penas estabelecidas para esse crime na lei militar, com as seguintes modificações:

l.ª A pena de reclusão será substituida pela de prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo por doze annos;

2.ª A pena de presidio militar de seis annos e um dia a nove annos, pela de prisão maior cellular por quatro anãos, seguida de degredo por oito annos;

3.ª A pena de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos, pela de prisão maior cellular de dois a oito annos;

4.ª A pena de deportação militar, pela de prisão correccional e multa correspondente;

5.ª A pena de presidio militar por menos de tres annos, pela de prisão correccional;

6.ª As penas de prisão militar e de incorporação em deposito disciplinar, pela pena de multa.

Art. 42.° A duração das penas temporarias, impostas em tempo de paz, conta-se do dia immediato aquelle em que passe em julgado a sentença condemnatoria, mas, quando impostas em tempo de guerra, só começa a correr no dia em que a sentença é mandada executar. Em qualquer dos casos, a pena imposta e comminada na lei não poderá ser reduzida.

§ 1.° Não obstante o disposto n'este artigo, aos condemnados na pena de presidio militar ser-lhe-ha concedida a liberdade provisoria nas circumstancias em que ella é concedida aos condemnados pelos tribunaes ordinarios a penas maiores, nos termos dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da lei de 6 de julho de 1893, e no que for applicavel. A competencia concedida pelo artigo 6.° da mesma lei pertence ao ministro da guerra.

§ 2.° A mesma disposição do paragrapho antecedente será concedida pelo ministro da guerra, sobre proposta do commandante do deposito disciplinar, aos condemnados em incorporação no mesmo deposito quando, depois de terem cumprido dois terços da pena imposta, praticarem qualquer acto de valor ou serviço digno de apreço.

Art. 43.° Se o condemnado a qualquer das penas temporarias com trabalho se recusar a trabalhar, não lhe será contado esse tempo no cumprimento da pena, e alem d'isso ficará sujeito ás penas disciplinares correspondentes.

Art. 44.° O tempo do cumprimento de pena não será contado como tempo de serviço militar.

§ unico. Exceptua-se da disposição d'este artigo o tempo do cumprimento das penas de deportação militar e de in-

47 ***

Página 730

730 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

corporação em deposito disciplinar pela sua natureza especial.

Art. 45.° Emquanto não houver os estabelecimentos penaes sufficientes para o cumprimento da pena de presidio militar, a que se refere o artigo 20.°, os tribunaes applicarão esta pena e conjunctamente, em alternativa, a de incorporação em deposito disciplinar, prisão militar e deportação militar, nos termos seguintes:

1.° Quando a pena applicavel for a de seis annos e um dia a nove annos ou a de tres annos e um dia a seis annos, de presidio militar, a alternativa será de igual tempo de deportação militar para as praças de pret e de igual tempo e mais um terço de prisão militar para os officiaes;

2.° Quando a pena applicavel for a de presidio militar de um a tres annos, a alternativa será de igual tempo de deportação militar para as praças de pret e mais um terço de prisão militar para os officiaes;

3.° Quando a pena applicavel for a de presidio militar de seis mezes a um anno, a alternativa será de igual tempo e mais um terço de incorporação em deposito disciplinar para as praças de pret e mais um terço de prisão militar para os officiaes.

§ 1.° O tempo das penas de deportação militar e de incorporação em deposito disciplinar, quando applicadas em alternativa, e como taes cumpridas, nos termos do presente artigo, não se conta como tempo de serviço militar.

§ 2.° Às penas accessorias que, nos termos do artigo 20.°, são inherentes á pena de presidio militar subsistem, ainda quando esta pena seja substituida por outra, em alternativa; porém, o tempo de deportação militar nunca poderá ir alem de dez annos.

Art. 46.° A responsabilidade criminal extingue-se pelos modos e conforme as regras determinadas no codigo penal, mas o crime de deserção só prescreve passados dez annos contados do ultimo dia em que o desertor devia estar na effectividade do serviço.

§ unico. Em tempo de guerra, os serviços militares ré levantes e os actos de assignalado valor, como taes qualificados nos boletins ou ordens do exercito e praticados depois do crime, podem ser considerados pelos tribunaes como dirimentes da responsabilidade criminal ou da pena imposta.

Art. 47.° A rehabilitação dos réus condemnados pelos tribunaes militares e revisão das respectivas sentenças, serão reguladas pela carta de lei de 3 de abril do presente anno.

CAPITULO III

Disposições diversas

Art. 48.º Nos crimes essencialmente militares, será sempre considerado e punido como se fôra um dos instigadores o militar mais graduado de entre os que tomarem parte no crime. Em igualdade de graduação, ou quando nenhum a tenha, applicar se-ha esta disposição ao mais antigo em serviço, e tendo todos igual antiguidade ao mais velho em idade.

§ unico. Quando na lei não estiver estabelecida pena especial para os instigadores, ser-lhes-ha applicado o maximo da pena correspondente ao crime perpetrado.

Art. 49.° Os co-réus de conjuração para o commettimento de algum dos crimes de traição, rebellião, insubordinação, colligação, revolta ou sedição militar, que d'ella derem parte á auctoridade superior antes do crime ter começo de execução, serão isentos de pena.

Art. 50.° Considera-se que um facto criminoso e praticado em frente do inimigo, quando commettido em territorio occupado pelas forças militares belligerantes, e que é praticado em presença de tropa reunida, quando commettido em formatura ou estando presentes dez ou mais militares comprehendidos n'este numero os agentes do crime.

§ unico. Para todos os effeitos d'este codigo, os rebeldes armados são considerados inimigos.

Art. 51.° Os crimes de insubordinação, revolta e sedição militar consideram-se commettidos em serviço, quando praticados em presença de tropa reunida ou contra superior desempenhando algum dever militar.

§ unico. Os mesmos crimes consideram-se praticados em rasão de serviço, quando resultam de algum acto praticado pelo superior no cumprimento do seu dever ou no exercicio de um direito que as leis ou regulamentos lhe confiram.

TITULO II

Dos crimes em especial

CAPITULO I

Dos crimes essencialmente militares

SECÇÃO I

Da traição

Art. 52.° O militar portuguez que, debaixo das bandeiras de nação inimiga, tomar armas contra a patria, será condemnado á morte com exautoração.

Art. 53.° O militar que directa ou indirectamente se concertar com uma potencia estrangeira, ou a induzir para declarar guerra a Portugal, será condemnado á morte com exautoração; mas, se a guerra, não chegar a ser declarada ou as hostilidades se não seguirem, será condemnado a prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo por doze annos ou, em alternativa, a degredo por vinte e cinco annos.

Art. 54.° Será condemnado á morte com exautoração o militar:

1.º Que passar ou tentar passar para o inimigo;

2.° Que, para prestar auxilio ao inimigo, lhe entregar ou abandonar as forças do seu cominando, praça de guerra ou posto que lhe estava confiado, material de guerra, dinheiro, mantimentos, cavallos ou muares;

3.° Que fornecer ao inimigo memorias sobre reconhecimentos militares; noticias ácerca da constituição, mobilisação, força, disciplina ou armamento militares; cartas, alçados ou plantas uteis para a guerra; ou lhe descobrir o plano de campanha ou o segredo de alguma operação, expedição ou negociação;

4.° Que revelar ao inimigo a ordem diaria, o santo, senha ou contra-senha do serviço ou qualquer ordem referente ás operações de guerra;

5.° Que der dolosamente a seus chefes noticias ou informações erradas ácerca das operações de guerra;

6.° Que, por qualquer modo, mantiver communicações secretas com o inimigo.

Art. 55.° Será condemnado á morte ou, se for militar, á morte com exautoração:

1.° Aquelle que, para auxiliar o inimigo, interceptar comboio ou correspondencia, ou inutilisar no todo ou em parte vias de communicação terrestre ou maritimas, material fixo ou circulante dos caminhos de ferro, aerostatos, linhas ou objectos destinados á transmissão de despachos, fontes, obras de ataque ou defeza, material de guerra ou viveres destinados ao abastecimento do exercito;

2.° Aquelle que tomar parte em conjuração para obrigar o commandante de uma praça investida, sitiada ou bloqueada a render-se ou a capitular, ou que, na frente do inimigo, incitar a tropa a render-se, capitular, retirar ou debandar ou impedir a sua reunião;

3.° Aquelle que, no theatro das operações, propalar noticias aterradoras, ou der gritos assustadores ou subversivos durante o combate ou na proximidade d'elle;

4.° Aquelle que, em tempo de guerra, desviar dolosamente qualquer força do exercito a que servir de guia, da direcção, do verdadeiro caminho ou do ponto a que dever conduzil-a;

5.° Aquelle que, para favorecer p inimigo, pozer em

Página 731

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 731

risco por qualquer acção ou omissão a segurança do exercito ou de parte d'elle, de alguma praça, ponto fortificado, arsenal ou estabelecimento militar; ou propositadamente facilitar ao inimigo ou a estrangeiros meios ou occasião de aggressão ou defeza, em prejuizo da nação.

SECÇÃO II

Da espionagem, revelação de segredos de estado e alliciação

Art. 56.° Será considerado espião de guerra e condemnado á morte, ou á morte com exautoração, se for militar:

1.° Aquelle que se introduzir em alguma praça de guerra, ponto fortificado, posto, estabelecimento militar, campo, bivaque ou acantonamento de tropas com o fim de obter noticias, documentos, planos ou quaesquer informações para as communicar ao inimigo;

2.° Aquelle que, por qualquer modo e com o mesmo fim, procurar informações que possam pôr em risco a segurança do exercito ou de parte d'elle, de alguma praça de guerra, ponto fortificado, posto ou estabelecimento militar, ou o bom exito de alguma operação de guerra;

3.° Aquelle que acolher ou fizer acolher algum espião, agente ou militar do inimigo mandado á descoberta, conhecendo a sua qualidade.

Art. 57.° Será tambem considerado espião de guerra e condemnado á morte todo o inimigo que se introduzir disfarçado nas praças de guerra ou em algum dos logares mencionados no n.° 1.° do artigo 56.°

Art. 58.° Será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos:

1.° Aquelle que, sem motivo justificado, se introduzir em alguma praça de guerra, ponto fortificado, posto, estabelecimento militar, campo, bivaque ou acantonamento de tropas, disfarçando o vestuario, usando de falso nome ou dissimulando a sua qualidade, profissão ou nacionalidade;

2.° Aquelle que, usando de identicos disfarces, levantar cartas ou planos, tirar vistas photographicas, fizer reconhecimentos ou procurar informações relativas á defeza do territorio ou á segurança exterior do estado;

3.° Aquelle que, sem auctorisação competente, fizer levantamentos ou quaesquer trabalhos topographicos, no raio de um myriametro, a contar das obras avançadas de praça de guerra ou ponto fortificado ou em torno de estabelecimentos militares ou maritimos;

4.° Aquelle que, para reconhecer qualquer obra de fortificação, ultrapassar indevidamente as barreiras, paliçadas ou outras vedações estabelecidas no terreno militar, ou escalar as muralhas ou parapeitos das fortificações;

5.° Aquelle que, por quaesquer meios, obtiver ou diligenciar alcançar planos, escriptos ou documentos secretos que interessem a defeza do territorio ou a segurança exterior do estado, não estando auctorisado a tomar conhecimento d'elles.

Art. 59.° Será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos:

1.° Aquelle que, sem intenção de trahir, divulgar no todo ou em parte, entregar ou communicar a pessoa não auctorisada para d'elles tomar conhecimento, planos, escriptos ou documentos secretos que interessem a defeza do territorio ou a segurança do estado e que lhe tenham sido confiados ou de que tenha conhecimento em rasão de funcções que exerça ou tenha exercido;

2.° Aquelle que, sem intenção de trahir, communicar ou divulgar esclarecimentos relativos aos mesmos planos, escriptos e documentos, se estes lhe tiverem sido confiados ou se d'elles tiver conhecimento em rasão de funcções que exerça ou que tenha exercido.

Art. 60.° Aquelle que, tendo em seu poder os planos, escriptos ou documentos a que se refere o artigo antecedente, mas não sendo por elles officialmente responsavel, sem intenção de trahir os entregar ou communicar no todo ou em parte, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 61.° Aquelle que, por negligencia ou inobservancia de algum preceito regulamentar, deixar subtrahir, roubar ou destruir planos, escriptos ou documentos secretos que lhe estiverem confiados em rasão de suas funcções, será condemnado a prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar.

Art. 62.° Aquelle que procurar conhecer ou adquirir quaesquer documentos, desenhos ou informações secretas que interessem á defeza do paiz para d'elles fazer um uso nocivo ao estado, será condemnado a presidio militar de seis annos e um dia a nove annos.

§ unico. A pena será a de prisão militar ou a de incorporação em deposito disciplinar, quando o facto seja commettido sem intenção prejudicial para o estado.

Art. 63.° Será condemnado á morte ou, se for militar, á morte com exautoração:

1.° Aquelle que alliciar, ou tentar alliciar, militares a passarem-se para o inimigo, ou que, sabendo que é para este fim, lhes subministrar ou facilitar meios de evasão;

2.° Aquelle que recrutar ou assalariar gente para o serviço militar de potencia estrangeira em guerra com Portugal.

SECÇÃO III

Dos crimes contra o direito das gentes

Art. 64.° O commandante militar que, sem motivo justificado, prolongar as hostilidades depois de receber noticia official de paz, armisticio, tregua, capitulação ou suspensão de armas ajustada com o inimigo, será condemnado na pena de reclusão.

Art. 65.° O commandante militar que, sem ordem, auctorisação ou provocação, atacar ou mandar atacar com força armada tropas ou subditos de nação amiga, neutra ou alliada, ou commetter em territorio de alguma d'estas nações qualquer outro acto de hostilidade, será condemnado:

1.° A pena de morte, se do acto de hostilidade praticado resultar declaração de guerra a Portugal;

2.° A presidio militar de seis annos e um dia a nove annos se, não resultando d'aquelle acto declaração de guerra, elle for, comtudo, causa de incendio, devastação ou da morte de alguma pessoa;

3.° A presidio militar de tres annos e um dia a seis annos em todos os mais casos.

Art. 66.° O militar que, sem necessidade, praticar quaesquer actos reprovados por convenções internacionaes a que o governo portuguez tenha adherido, ou que, em territorio amigo ou inimigo, destruir templos, museus, bibliothecas ou obras de arte notaveis, quando a sua destruição não for indispensavel para o bom exito das operações de guerra, será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

Art. 67.° Incorrerá na pena de presidio militar de seis mezes a tres annos o militar:

1.° Que maltratar com pancadas ou injuriar algum parlamentario;

2.° Que obrigar algum prisioneiro de guerra a combater contra as suas bandeiras; que, sem motivo justificado o maltratar com pancadas ou o injuriar gravemente ou que o privar do necessario alimento ou curativo.

Art. 68.° As penas estabelecidas n'esta secção serão unicamente applicadas quando, por disposição d'este codigo ou do codigo penal, não corresponderem outras mais graves, que em tal caso serão impostas.

SECÇÃO IV

Da insubordinação, colligação, revolta e sedição militar

Art. 69.° O militar que recusar cumprir ou deixar de executar qualquer ordem que, no uso de attribuições le-

Página 732

732 DIARIO BA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gitimas, lhe for intimada por algum superior, será punido:

1.° Com a pena de morte, se estiver na frente do inimigo;

2.° Com presidio militar de tres annos e um dia a seis annos, se o crime for commettido em tempo de guerra ou em presença de tropa reunida, mas fora do caso do numero anterior;

3.° Em todos os mais casos, com presidio militar de seis mezes a tres annos ou, quando a desobediencia for acompanhada de circumstancias que diminuam consideravelmente a gravidade do crime, com prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar.

Art. 70.° A pena estabelecida no n.° 1.° do artigo antecedente será substituida pela de reclusão, se a desobediencia não consistir na recusa ou na falta de execução da ordem de marchar contra o inimigo ou para algum serviço na frente do inimigo.

Art. 71.° A offensa por meio de palavras, escriptos ou desenhos publicados ou não publicados, ameaças ou gestos, commettida por qualquer militar contra superior, será punida:

1.° Com presidio militar de tres annos e um dia a seis annos, se a offensa for commettida em serviço ou em rasão de serviço;

2.° Com presidio militar de seis mezes a tres annos em todos os mais casos.

Art. 72.° As penas estabelecidas no artigo antecedente poderão ser substituidas pelas immediatamente inferiores, quando a offensa for verbal e irrogada a superior que não esteja presente.

Art. 73.° O militar que, em tempo de guerra ou em presença de tropa reunida, responder irreverentemente a algum superior, será punido com prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar.

Art. 74.° O militar que, por qualquer dos meios indicados no artigo 71.°, excitar os seus camaradas á desconsideração para com os superiores, ou promover entre elles o descontentamento em relação ao serviço, será punido:

1.° Com presidio militar de seis mezes a tres annos, se o crime for commettido em tempo de guerra;

2.° Com prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar em todos os mais casos.

Art. 75.° O militar que, em tempo de guerra, offender corporalmente algum superior, não resultando a morte ou a incapacidade para o serviço militar, será punido:

1.° Com a pena de morte, se a offensa for commettida em serviço ou em rasão de serviço;

2.° Com a pena de reclusão em todos os mais casos.

Art. 76.° O militar que, em tempo de paz, offender corporalmente algum superior, não resultando a morte ou a incapacidade para o serviço militar, será punido:

1.° Com a pena de [...] a offensa for commettida em serviço ou em rasão de serviço;

2.° Com presidio militar de tres annos e um dia a seis annos em todos os mais casos.

Art. 77.° Para os effeitos declarados nos dois artigos antecedentes, considerar-se-ha offensa corporal não só o ferimento, contusão ou pancada, mas tambem o tiro de arma de fogo, o uso de materias explosivas, o emprego de quaesquer machinismos, instrumentos ou objectos com os quaes possa causar-se algum soffrimento ou prejuizo, e, finalmente, todo o acto de violencia physica contra superior, posto que não haja ferimento, contusão nem pancada.

Art. 78.° A offensa corporal commettida por algum militar contra superior, da qual resulte a morte ou a incapacidade para o serviço militar, será punida:

1.° Com a pena de morte com exautoração, se a offensa for praticada em serviço ou em rasão de serviço;

2.° Com a pena de prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo por vinte annos, com prisão no logar do degredo até dois annos ou sem ella, ou, em alternativa, com a pena fixa de degredo por vinte e oito annos com prisão no logar de degredo por oito a dez annos em todos os mais casos.

Art. 79.° Se a offensa corporal praticada contra superior tiver sido precedida de provocação por pancadas, será punida:

l.° Com presidio militar de seis annos e um dia a nove annos, se d'ella resultar a morte do offendido ou se este, por effeito da doença, ficar incapaz do serviço militar;

2.° Com presidio militar de seis mezes a tres annos em todos os mais casos.

Art. 80.° Os actos de violencia praticados pelo superior em qualquer dos casos especificados no § unico do artigo 94.°, não serão considerados provocação por pancadas.

Art. 81.° A colligação, por qualquer modo effectuada entre dois ou mais militares para fins reprovados pelas leis ou regulamentos militares, será punida:

1.° Com presidio militar de tres annos e um dia a seis annos, se a colligação tiver por objecto commetter algum crime militar ou impedir a execução de qualquer lei, regulamento ou ordem do poder executivo;

2.° Com presidio militar de seis mezes a tres annos em todos os mais casos.

§ unico. A pena será de prisão militar ou de incorporação em deposito disciplinar, nos casos do n.° 1.° deste artigo, e será disciplinar, nos casos do n.° 2.°, quando os agentes da colligação, espontaneamente, deixarem de executar os factos reprovados pelas leis e regulamentos militares, para que previamente se haviam concertado.

Art. 82.° Commettem crime de revolta:

l.° Os militares que, em corpo de cinco ou mais, e em acto de serviço, simultaneamente recusarem obedecer á ordem de um superior;

2.° Os militares que, em corpo de cinco ou mais, se armarem sem auctorisação, procedendo contrariamente aos preceitos vigentes consignados nas leis e regulamentos militares, ou ás ordens de seus superiores;

3.° Os militares que, em corpo de cinco ou mais, praticando violencias ou tumultos, recusarem dispersar ou entrar na ordem á primeira intimação de um superior;

4.° Os militares que, em corpo de cinco ou mais, e armados, fizerem reclamações ou petições, ainda quando não acompanhadas de violencias ou tumultos.

§ 1.° Os militares que forem considerados como instigadores ou cabeças de revolta, serão condemnados á morte.

§ 2.° Os militares que, não sendo instigadores ou cabeças da revolta, tomarem, todavia, parte no crime, serão condemnados:

1.° A presidio militar de seis annos e um dia a nove annos, se o crime for precedido de colligação ou commettido em tempo de guerra, em serviço, em marcha ou com prevenção de marcha, em viagem ou com prevenção para embarcar;

2.° A presidio militar de tres annos e um dia a seis annos em todos os mais casos.

Art. 83.° Commettem crime de sedição militar os militares que, sem attentarem contra a segurança interior do estado e sem praticarem qualquer dos actos especificados no artigo 82.°, se ajuntarem em motim ou tumulto, ou com arruido, empregando violencias, ameaças ou injurias, ou tentando invadir algum edificio publico ou a casa de residencia de algum funccionario publico ou a de algum militar:

1.° Para impedir a execução de alguma lei, decreto, regulamento ou ordem legitima da auctoridade;

2.° Para constranger, impedir ou perturbar no exercicio das suas funcções alguma corporação que exerça auctoridade publica, magistrado agente da auctoridade ou funccionario publico;

3.° Para se eximirem ao cumprimento de alguma obrigação;

Página 733

SESSÃO N.° 46 BE 8 DE MAIO DE 1896 733

4,° Para exercer algum acto de odio, vingança ou desprezo contra qualquer funccionario ou membro do poder legislativo.

Este crime será punido:

1.° Com presidio militar de tres annos e um dia a seis annos, se for perpetrado por dez ou mais militares armados;

2.° Com presidio militar de seis mezes a tres annos, se for perpetrado por mais de dez militares desarmados ou por mais de tres e menos de dez armados;

3.° Com prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar em todos os mais casos.

Art. 84.° Nos crimes de revolta e sedição militar, será sempre considerado e punido como se fôra um dos instigadores o militar que persistir na desobediencia ou na desordem, depois de pessoalmente intimado por algum seu legitimo superior para lhe obedecer ou para entrar na ordem.

Art. 85.° Os crimes mencionados n'esta secção, commettidos contra sentinellas armadas, vedetas, patrulhas, soldados arvorados ou chefes de postos militares, serão punidos como se fossem praticados contra superiores.

Art. 86.° Nos crimes de insubordinação e de revolta poderão os juizes substituir a pena decretada na lei pela immediatamente inferior, sem prejuizo do que fica disposto no § unico do artigo 30.°, quando o offendido for cabo ou soldado arvorado, ou tiver na hierarchia militar graduação inferior ou igual á do delinquente.

Art. 87.° As penas mencionadas n'esta secção serão unicamente applicadas, quando por lei não estiverem estabelecidas outras mais graves, que em tal caso serão impostas.

SECÇÃO V

Do abuso da auctoridade

Art. 88.° O militar que, sem ordem ou causa legitima, assumir ou, contra as ordens de seus chefes, retiver algum commando, será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

Art. 89.° O commandante que, sem legitima auctorisação nem motivo justificado, ordenar qualquer movimento de tropas, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 90.° O militar que, por occasião de executar alguma ordem superior ou no exercicio de funcções militares, empregar ou fizer emproar, sem motivo legitimo, contra qualquer pessoa, violen[...] que não sejam necessarias para a execução do acto que [...] eva praticar, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 91.° O militar que, sendo encarregado de algum serviço tendente a manter ou a restabelecer a ordem publica, fizer ou mandar fazer uso das armas, sem causa justificada ou antes de preenchidas as formalidades determinadas nas ordena militares, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 92.° O militar que, indevidamente, tomar alojamento para si ou para forças do seu commando, será punido com prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar.

Art. 93.° Será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos o militar:

1.° Que, para o serviço militar e sem recorrer á auctoridade competente, lançar mão de cavallos, muares ou quaesquer outros animaes de carga ou tracção, vehiculos terrestres ou transportes maritimos, forragens, generos, mantimentos ou quaesquer outros objectos;

2.° Que, apoderando-se legitimamente d'aquelles animaes ou objectos, não pagar logo o seu valor ou o preço do aluguer, ou deixar de cumprir as formalidades prescriptas nos respectivos regulamentos.

Art. 94.° O militar que offender corporalmente algum, seu inferior, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos,

§ unico. Serio consideradas como circumstancias dirimentes especiaes d'este crime as seguintes:

l.ª Ser commettido para conseguir a reunião de militares em fuga ou debandada;

2.ª Ser commettido para obstar á rebellião, revolta, sedição, saque ou devastação;

3.ª Ser commettido em acto seguido a uma aggressão violenta praticada pelo offendido contra o superior ou contra a sua auctoridade;

4.ª Ser commettido para obrigar o offendido a cumprir uma ordem de serviço, não havendo outro meio de o constranger á obediencia devida.

Art. 95.° Incorrerá na pena de prisão militar ou na de incorporação em deposito disciplinar o militar:

1.° Que, reprehendendo um official, empregar palavras indecorosas ou ofensivas;

2.º Que prender ou fizer prender por sua ordem algum inferior, sem que para isso tenha auctoridade ou, tendo-a, a exercer fóra dos casos determinados na lei;

3.° Que, por meio de ameaças ou violencias, impedir algum seu inferior de apresentar queixas ou reclamações permittidas pelas leis e regulamentos militares;

4.° Que, por aquelles meios, constranger algum seu inferior a praticar quaesquer actos a que não for obrigado pelos deveres do serviço ou da disciplina;

5.° Que, sem auctorisação superior, acceitar dadivas ou presentes de algum seu inferior;

6.° Que pedir dinheiro emprestado aos seus subordinados, ou que lhes fizer exigencias ou contrahir com elles obrigações que possam ter influencia prejudicial á disciplina ou ao serviço.

Art. 96.° O militar que praticar actos deshonestos com os seus inferiores, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 97.° As penas estabelecidas n'esta secção serão unicamente applicadas, quando, por disposição d'este codigo ou do codigo penal, não corresponderem penas mais graves ao acto praticado, as quaes n'este caso serão impostas, mas aggravadas segundo as regras geraes.

SECÇÃO VI

Da cobardia

Art. 98.° Será condemnado á morte com exautoração o governador ou commandante militar que capitular, entregando ao inimigo a praça ou ponto fortificado que lhe estava confiado, sem haver empregado todos os meios de defeza de que podia dispor e sem ter feito quanto em tal caso exigem a honra e o dever militar.

Art. 99.° Será condemnado á morte com exautoração o governador ou commandante militar:

1.° Que capitular em campo aberto se, antes de tratar verbalmente ou por escripto com o inimigo, não fizer tudo quanto em taes circumstancias exigem a honra e o dever militar ou se, em resultado da capitulação, a tropa que commandar for obrigada a depor as armas;

2.° Que, em capitulação por elle ajustada com o inimigo, comprehender tropas, praças de guerra ou pontos fortificados que não estejam sob as suas ordens ou que, embora o estejam, não tenham ficado compromettidos pelo feito de armas que occasionar a capitulação;

3.° Que, em qualquer dos casos do numero anterior, adherir a capitulação ajustada por outrem, dispondo ainda de meios de defeza.

Art. 100.° Incorrerá na pena de morte o militar:

1.° Que, por qualquer meio, obrigar ou tentar obrigar um governador ou commandante militar a capitular ou a render-se;

2.° Que na frente do inimigo abandonar, sem auctorisação, ordem ou força maior, as forças do seu commando, praça de guerra, ponto fortificado ou posto que lhe estiver confiado;

Página 734

734 DIARIO DA OAMAEA DOS DIGNOS PARES DO REINO

3.° Que na marcha para o inimigo, durante o combate ou n'uma retirada, fugir ou excitar os outros á fuga.

Art. 101.° Será condemnado a presidio militar de seis annos e um dia a nove annos o militar:

1.° Que, na marcha para o inimigo ou em uma retirada, se desviar ou atrazar sem auctorisação, não acompanhando o corpo a que pertencer;

2.° Que, em tempo de guerra, destruir sem necessidade ou abandonar armas, munições ou viveres que lhe estejam distribuidos ou confiados;

3.° Que, em tempo de guerra, voluntariamente ferir, estropiar ou matar cavallo ou muar destinado ao serviço militar;

4.° Que se embriagar, pretextar doença ou empregar qualquer outro meio para se eximir a combater ou para se subtrahir a algum serviço reputado perigoso para que tiver sido nomeado.

Art. 102.° O official prisioneiro de guerra que acceitar a sua liberdade sob promessa de não tomar armas contra o inimigo, será condemnado a presidio militar de seis annos e um dia a nove annos.

Art. 103.° Na mesma pena do artigo antecedente incorrerá o militar que, em tempo de guerra, voluntariamente e para se subtrahir ao serviço, se mutilar ou contrahir molestia que o inhabilite, ainda que só temporariamente, para o mesmo serviço.

§ unico. Em tempo de paz, a mutilação voluntaria será punida com presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 104.° O militar que, estando de guarnição em praça ou fortificação investida, sitiada ou bloqueada, ou fazendo parte de qualquer força em operações, e não tendo legitimo impedimento, deixar de comparecer promptamente no seu posto logo que se der o signal de alarme ou rebate, ou depois de tocar a "unir" ou a "assembléa", será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos, ou, sendo official, a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

Art. 105.° O militar que, presenciando uma, revolta ou uma sedição, não empregar todos os meios de que poder dispor para obstar á realisação do crime, será punido com presidio militar de seis mezes a tres annos, se for official, e, sendo praça graduada, com incorporação em deposito disciplinar.

Art. 106.° O militar que, fora dos casos estabelecidos nos artigos antecedentes, violar qualquer dever militar, por temor de algum perigo pessoal, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 107.° Em todos os crimes previstos n'esta secção será sempre imposto o maximo da pena, quando o crime for concertado entre dois ou mais militares.

SECÇÃO VII

Dos crimes contra o dever militar

Art. 108.° O governador ou commandante militar que, declarada a guerra, não tomar as necessarias medidas preventivas ou não requisitar opportunamente os recursos indispensaveis para a defeza, se da sua negligencia resultar a perda da praça, ponto fortificado ou posto que lhe estiver confiado, será condemnado na pena de reclusão.

Art. 109.° O governador ou commandante militar que, em capitulação, por elle ajustada, não seguir a sorte da guarnição ou [...] tropa do seu commando, mas estipular para si ou pa[...] os officiaes condições mais vantajosas, será condemnada a presidio militar de seis annos e um dia a nove annos.

Art. 110.° O militar que, estando de vedeta, patrulha ou sentinella, abandonar temporaria ou definitivamente o seu posto, ou não cumprir as instrucções especiaes que lhe forem dadas, será condemnado á morte, se estiver na frente do inimigo.

§ 1.° Sendo o crime commettido em tempo de guerra, mas fóra do caso acima especificado, a pena será a de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

§ 2.° Em todos os mais casos será imposta a pena de presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 111.° O militar que for encontrado a dormir, estando do vedeta, patrulha ou sentinella, será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos, sendo na frente do inimigo.

§ 1.° Quando o crime for commettido em tempo de guerra, mas fóra do caso acima especificado, a pena será a de presidio militar de seis mezes a tres annos.

§ 2.° Em todos os mais casos será imposta a pena de incorporação em deposito disciplinar.

Art. 112.° O militar que se embriagar, estando de serço, depois de nomeado ou avisado para serviço, ou depois de prevenido para comparecer a uma formatura, será condemnado a presidio militar de seis annos e um dia a nove annos, sendo na frente do inimigo.

§ 1.° Quando o crime for commettido em tempo de guerra, mas fóra do caso acima especificado, a pena será a de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

§ 2.° Em todos os mais casos será imposta a pena de prisão militar ou a de incorporação em deposito disciplinai?.

§ 3.° Se o delinquente for commandante ou chefe de posto, ser-lhe-ha sempre imposto o maximo da pena estabelecida para cada um dos casos d'este artigo.

Art. 113.° O militar que, tendo sido duas vezes punido disciplinarmente por embriaguez, de novo incorrer na mesma falta, fóra dos casos previstos no artigo antecedente, será condemnado a prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar.

Art. 114.° O militar que, sem auctorisação, ordem ou força maior, temporaria ou definitivamente abandonar o posto da guarda ou o de qualquer serviço necessario á segurança das tropas, será condemnado á morte, se estiver na frente do inimigo.

§ 1.° Sendo o crime commettido em tempo de guerra, mas fóra do caso acima especificado, a pena será a de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

§ 2.° Em todos os mais casos será imposta a pena de prisão militar ou a de incorporação em deposita disciplinar.

§ 3.° Quando, por virtude d'este artigo, tiver de ser applicada pena temporaria, se o delinquente for commandante de posto, será applicado o maximo da pena.

Art. 115.° O militar que, sem motivo justificado, deixar de comparecer no local e á hora que lhe tiver sido determinada para embarcar ou para marchar para fóra da localidade onde estiver, será condemnado:

1.° A presidio militar de seis mezes a tres annos, se pela sua falta deixar de seguir viagem para o ultramar;

2.° A prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar em todos os mais casos.

Art. 116.° O militar que violar a salvaguarda concedida a alguma pessoa ou logar depois de lhe ter sido apresentada, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos, se por qualquer outro acto de violencia não incorrer em pena mais grave.

Art. 117.° Será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos o militar que, sem intenção de trahir, mas por negligencia ou outra causa indesculpavel, pozer em risco, por qualquer acção ou omissão, a segurança do exercito ou de parte d'elle, de alguma praça, arsenal ou estabelecimento militar, ou facilitar ao inimigo meios ou occasião de aggressão ou defeza.

Art. 118.° O militar que, sem intenção de trahir, revelar a qualquer pessoa o santo, senha ou contra-senha ou alguma ordem de serviço reservada, será condemnado:

1.° A presidio militar de seis mezes a tres annos, sendo o crime commettido em tempo de guerra;

2.° A prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar em todos os mais casos.

Página 735

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 735

Art. 119.° O militar nomeado para fazer parte de algum conselho de guerra que, sem escusa legitima, deixar de comparecer para n'elle funccionar, será condemnado a prisão militar. Se, porém, se recusar a desempenhar esse serviço, soffrerá a pena de presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 120.° O militar que fizer uso illegitimo das suas armas ou que incitar os inferiores a usar ilegitimamente das suas, será condemnado a prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar, sem prejuizo das penas mais graves em que possa incorrer.

Art. 121.° O militar que, por palavras proferidas publicamente e em voz alta, por escripto de qualquer modo publicado ou por qualquer outro meio de publicação, provocar a um crime determinado, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos, salvas as penas mais graves em que possa incorrer por disposição especial d'este codigo ou do codigo penal.

§ unico. Se a provocação tiver por fim a pratica de algum crime essencialmente militar, a pena será a de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos, salvas em todo o caso as penas mais graves que devam ser applicadas.

Art. 122.° O militar que dolosamente procurar ou facilitar a fuga de um prisioneiro de guerra ou de algum outro preso confiado á sua guarda, será punido com presidio militar de seis annos e um dia a nove annos.

§ unico. Se a fuga se realisar sem que o militar encarregado da guarda do preso dolosamente a procure ou facilite, será o mesmo militar, ainda n'esse caso, condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos, se não provar caso fortuito ou força maior que exclua toda a imputação de negligencia.

Art. 123.° O militar que fornecer a algum preso armas, instrumentos ou quaesquer outros objectos para elle poder realisar a sua evasão, será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

§ unico. Se a fuga do preso não chegar a realisar-se, a pena será a de presidio militar de seis mezes a tres annos.

SECÇÃO VIII

Da deserção

Art. 124.° Commette crime de deserção o militar:

1.° Que, ausentando-se sem licença, faltar por espaço de quinze dias consecutivos, ou por espaço de trinta dias, sendo recruta que não tenha ainda seis mezes de praça;

2.° Que, excedendo, sem causa justificada, a licença legitimamente concedida, commetter igual falta por espaço de vinte dias consecutivos ou por espaço de trinta dias sendo recruta que não tenha ainda seis mezes de praça, depois d'aquelle em que a licença tiver finalisado;

3.° Que, transitando isoladamente, deixar de se apresentar no ponto do seu destino dentro de vinte dias depois d'aquelle que para esse fim tiver sido marcado na respectiva guia ou itinerario, uma vez que para isso não tenha tido causa justificada;

4.° Que, dentro de doze mezes consecutivos, commetter tres ou mais faltas que entre todas perfaçam, pelo menos, vinte dias de ausencia illegitima;

5.° Que fugir de alguma cadeia ou se evadir de qualquer logar sujeito á disciplina e regulamentos militares, onde esteja detido em custodia ou cumprindo pena, uma vez que se não apresente ou não seja capturado dentro do praso de dez dias.

Art. 125.° Em tempo de guerra são reduzidos a quarenta e oito horas no caso do n.° l.°, e a cinco dias nos casos dos n.ºs 2.º, 3.° e 5.° do artigo antecedente os prasos ali estabelecidos para serem qualificadas como deserção as faltas no mesmo artigo especificadas.

Art. 126.° Commette tambem crime de deserção:

1.° A praça de primeira reserva que, sendo chamada ás armas por motivo extraordinario, se não apresentar no seu regimento ou a alguma auctoridade militar dentro de cinco dias em tempo de guerra e dentro de vinte dias em tempo de paz, depois d'aquelle em que terminar o praso que, pessoalmente ou por meio de editaes, lhe for notificado para a sua apresentação;

2.° A praça da segunda reserva que se não apresentar no ponto do seu destino dentro de dez dias depois d'aquelle em que terminar o praso que lhe for notificado para a sua apresentação, nos termos do numero anterior.

§ unico. Commette igualmente crime de deserção o official de reserva que se não apresentar no seu regimento ou a alguma auctoridade militar dentro dos prasos estabelecidos no n.° l.° d'este artigo.

Art. 127.° Os dias de ausencia que constituem deserção contam-se por periodos de vinte e quatro horas desde aquella em que se verificar a falta.

Art. 128.° Os soldados e mais praças de pret que commetterem o crime de deserção, serão condenmados a deportação militar:

1.° De tres a cinco annos, se o crime for commettido em tempo de paz;

2.° De seis a oito annos, sendo commettido em tempo de guerra.

§ unico. No caso do n.° 1.° d'este artigo, se o desertor for recruta que se não tenha ainda apresentado no corpo que lhe tiver sido destinado ou que, embora o tenha feito, se apresente voluntariamente da deserção, a pena será a de presidio militar de seis mezes a um anno.

Art. 129.° A pena de deserção será de quatro a seis annos no caso do n.° 1.° do artigo antecedente e de oito a dez no caso do n.° 2.°, quando o crime for perpetrado:

1.° Estando o que o commetter de serviço, em marcha ou com prevenção de marcha, salvas em todos os casos as disposições dos artigos 54.°, 100.°, 110.° e 114.°;

2.° Levando cavallo ou muar;

3.° Sendo reincidente no crime de deserção;

4.° Concorrendo extravio de armamento ou subtracção de objecto pertencente ao estado ou a militar, uma vez que não resulte crime a que corresponda pena mais grave;

5.° Desertando para paiz estrangeiro;

6.° Desertando dois ou mais militares, entre os quaes precedesse concerto ou conjuração para a deserção.

Art. 130.° Considera-se desertor para paiz estrangeiro o militar:

1.° Que, som auctorisação, transpozer os limites que separam o territorio portuguez do de alguma outra nação;

2.° Que, estando fóra de Portugal com o corpo a que pertencer, o abandonar passando para outro qualquer paiz.

Art. 131.° Será sempre imposto o maximo da pena:

1.° Quando o crime for perpetrado na frente do inimigo, salvas as disposições dos artigos 54.°, 100.°, 110.° e 114.°;

2.° Quando for perpetrado pelo commandante ou chefe de algum posto, uma vez que não tenha incorrido em pena mais grave;

3.° Sendo chefe de conjuração para deserção em tempo de paiz ou para paiz estrangeiro.

Art. 132.° O official que commetter o crime de deserção soffrerá a pena de presidio militar:

1.° De seis annos e um dia a nove annos, desertando na frente do inimigo, salvas as disposições dos artigos 54.° 100.° e 114.°;

2.° De tres annos e um dia a seis annos, desertando para paiz estrangeiro ou em tempo de guerra, mas fóra do caso do numero anterior;

3.° De seis mezes a tres annos em todos os mais casos.

§ unico. Qualquer que seja a pena imposta ao official por crime de deserção, terá sempre como accessoria a demissão.

Art. 133.° Será imposta a pena de morte ao militar:

1.° Que na frente do inimigo desertar, precedendo conjuração para a deserção;

Página 736

736 DIARIO DA CAMABA DOS DIGNOS PARES DO REINO

2.° Que, em tempo de guerra ou estando com o corpo a que pertencer em paiz estrangeiro, for chefe de conjuração para deserção.

Art. 134.° O militar que provocar ou favorecer a deserção será condemnado nas mesmas penas de deserção, segundo as circumstancias e distincções estabelecidas nos artigos antecedentes, salva a disposição do artigo 63.° e applicando-se as penas correspondentes do artigo 132.° e seu § unico todas as vezes que, sendo official o delinquente, as penas da deserção forem especiaes para as praças de pret.

Art. 135.° A praça da primeira reserva que se não apresentar no seu regimento, para as reuniões annuaes, no praso de dez dias contados da data em que deva realisar a sua apresentação, nos termos do decreto que para aquelle fim chamar a reserva, será punida com incorporação em deposito disciplinar.

Art. 136.° As praças de pret reformadas não ficam sujeitas ás disposições penaes estabelecidas n'esta secção e, quando desertarem, serão abatidas aos effectivos dos corpos ou companhias a que pertencerem, perdendo os direitos á reforma que tiverem obtido.

SECÇÃO IX

Das violencias militares

Art. 137.° O militar que, na casa em que estiver aboletado, commetter o crime de homicidio voluntario na pessoa do dono da casa ou em alguma pessoa de sua familia, será condemnado a prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo por vinte annos com prisão no logar do degredo até dois annos, ou sem ella, conforme parecer aos juizes, ou, em alternativa, na pena fixa de degredo por vinte e oito annos com prisão no logar do degredo por oito a dez annos.

Art. 138.° O militar que, na casa em que estiver aboletado, maltratar por meio de offensas corporaes o dono da mesma casa ou alguma pessoa de sua familia, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos, não resultando crime a que corresponda pena mais grave.

Art. 139.° O militar que, por meio de palavras ou ameaças, offender o dono da casa em que estiver aboletado ou alguma pessoa de sua familia, será condemnado a prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar.

Art. 140.° O militar que pretender obrigar o dono da casa em que estiver aboletado a fornecer-lhe o que, pelas leis, não tiver obrigação de lhe dar, será condemnado a prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar.

Art. 141.° As offensas corporaes entre militares da mesma graduação ou entre soldados, que produzirem doença ou incapacidade de serviço por mais de dez dias, serão punidas com presidio militar de seis mezes a tres annos, se d'ellas não resultar algum dos effeitos mencionados no artigo 360.°, n.° 5.°, ou no artigo 361.° do codigo penal.

§ unico. Serão punidas disciplinarmente pelos respectivos superiores, na conformidade das leis e regulamentos militares, as offensas corporaes de que se trata n'este artigo, quando não produzirem doença ou incapacidade de serviço por mais de dez dias.

SECÇÃO X

Do extravio de objectos militares

Art. 142.° O militar que alienar, empenhar ou, sem motivo justificado, deixar de apresentar quaesquer artigos do seu fardamento, será condemnado:

1.° A presidio militar de tres annos e um dia a seis annos, se o crime for commettido em tempo de guerra;

2.° A prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar em todos os mais casos.

§ unico. Para os effeitos d'este artigo, o calçado é considerado antigo de fardamento.

Art. 143.º O militar que, tendo sido condemnado por algum dos crimes de que se trata no artigo antecedente, commetter outra vez algum dos mesmos crimes, ou aquelle que alienar, empenhar ou, sem motivo justificado, deixar de apresentar munições de guerra, artigos de armamento, equipamento ou quaesquer outros pertencentes ao estado e que lhe tenham sido confiados ou distribuidos para o serviço militar, será condemnado:

1.° A presidio militar de seis annos e um dia a nove annos, se o crime for commettido em tempo de guerra;

2.° A prisidio militar de seis mezes a tres annos em todos os mais casos.

§ unico. O militar que, sem motivo justificado, deixar de apresentar cavallo ou muar que lhe esteja confiado ou distribuido para serviço, será condemnado, segundo os casos, no maximo das penas estabelecidas n'este artigo.

Art. 144.° O militar que pela primeira vez alienar, empenhar ou não apresentar quaesquer dos objectos especificados nos artigos 142.° e 143.°, será punido disciplinarmente, se a substituição dos objectos alienados, empenhados ou extraviados importar em quantia inferior a 2$500 réis.

Art. 145.° Qualquer individuo que comprar, receptar ou receber em penhor cavallo, muar ou algum dos objectos especificados n'esta secção, e que não deva ser alienado ou empenhado, será punido com prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar.

SECÇÃO XI

Da usurpação de uniformes e distinctivos ou insignias militares e de condecorações

Art. 146.° O militar que usar publicamente de uniforme, distinctivos ou insignias militares que lhe não pertençam e não tenha direito de trazer, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 147.° O militar que, nas mesmas condições, usar medalhas ou condecorações de alguma ordem nacional ou estrangeira que não tenha o direito de trazer, será condemnado a prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar.

SECÇÃO XII

Do incendio e destruição de edificios e objectos militares

Art. 148.° O militar que voluntariamente incendiar, ou que por meio de materias explosivas destruir, no todo ou em parte, casa, arsenal, armazem, ponte, fabrica, construcção militar, comboio, embarcação ou navio, ou qualquer outro edificio ou obra de arte destinados ao serviço do exercito, será condemnado:

1.° Na pena de morte com exautoração, se o crime for commettido em tempo de guerra;

2.° Na pena de prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo por vinte annos com prisão no logar do degredo até dois annos, ou sem ella, conforme parecer aos juizes, ou, em alternativa, na pena fixa de vinte e oito annos de degredo com prisão no logar de degredo de oito a dez annos em todos os mais casos.

Art. 149.° No caso do artigo antecedente, quando para a destruição de algum dos objectos n'elle mencionados se tiver empregado qualquer outro meio que não seja algum dos que ali se especificam, a pena será a de prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo por doze annos ou, em alternativa, a pena fixa de degredo por vinte e cinco annos.

Art. 150.° O militar que voluntariamente, mas sem intenção de trahir, destruir ou por qualquer modo inutilisar obras de defeza, material de guerra, munições de quaesquer especie, artigos de fardamento, equipamento ou quaesquer outros destinados ao abastecimento do exercito, será condemnado:

Página 737

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 737

1.° A prisão maior cellular por oito annos, seguida de degredo por doze annos ou, em alternativa, á pena fixa de degredo por vinte e cinco annos se o crime for commettido em tempo de guerra;

2.° A prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario em todos os mais casos.

Art. 151.° As penas estabelecidas nos dois artigos antecedentes poderão ser substituidas pelas immediatamente inferiores, quando o prejuizo realisado ou o valor dos objectos destruidos ou inutilisados for inferior a 250$000 réis.

Art. 152.° O militar que voluntariamente inutilisar artigos de fardamento seus ou de algum seu camarada, ou artigos de armamento, equipamento ou quaesquer outros pertencentes ao estado, e que estejam á sua responsabilidade ou á responsabilidade de outro militar, será condemnado:

1.° A presidio militar de seis annos e um dia a nove annos, se o crime for commettido em tempo de guerra;

2.° A presidio militar de seis mezes a tres annos em todos os mais casos.

Art. 153.º O militar que, em tempo de paz, voluntariamente estropiar ou matar cavallo ou muar destinado ao serviço militar, será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

§ unico. A pena será de seis mezes a tres annos de presidio militar, quando o militar, voluntariamente, ferir qualquer dos animaes a que este artigo se refere, não o inutilisando para o serviço.

Art. 154.° O militar que, dolosamente, queimar, dilacerar, extraviar ou por qualquer modo inutilisar livros, documentos originaes, copias ou minutas dos archivos de qualquer corpo, estabelecimento ou repartição militar, será condemnado a prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario.

§ unico. A pena poderá ser substituida pela de presidio militar de seis mezes a tres annos, se da perda do livro ou do documento inutilisado ou extraviado não resultar prejuizo para o estado ou para terceiro.

Art. 155.° Nos crimes especificados nos artigos 148.°, 149.° e 150.°, impor-se-hão aos cumplices, ainda que não sejam militares nem pessoas pertencentes ao exercito, as penas que correspondem aos auctores dos mesmos crimes.

SECÇÃO XIII

De alguns crimes contra as pessoas e contra as propriedades em tempo de guerra

Art. 106.° Aquelle que, no theatro da guerra, sem motivo e por manifesto impulso de malvadez, para facilitar a execução de algum crime ou para se assegurar a impunidade por crime já commettido, matar alguem ou praticar ferimentos de que resulte a morte de alguma pessoa, será condemnado á morte, ou á morte com exautoração, se for militar.

Art. 157.° Aquelle que, no theatro da guerra, tiver copula illicita com qualquer mulher contra sua vontade, empregando para o conseguir violencias physicas ou vehemente intimidação, ou que violar menor de doze annos, posto que se não prove o emprego de algum d'aquelles meios, será condemnado a prisão maior cellular por seis annos, seguida de degredo por dez annos ou, em alternativa, á pena fixa de degredo por vinte annos.

§ unico. Se do crime resultar a morte da offendida, applicar-se-ha a pena do artigo antecedente.

Art. 158.° Aquelle que, no theatro da guerra, empregar violencias contra algum ferido para se apropriar do seu espolio ou para outro qualquer fim, será condemnado á morte, ou á morte com exautoração, se for militar.

§ unico. Se o crime consistir unicamente em despojar o ferido sem, comtudo, se empregarem violencias, a pena será a de prisão maior cellular por quatro annos, seguida de degredo por oito annos ou, em alternativa, a pena fixa de degredo por quinze annos.

Art. 159.° O militar que, sem necessidade ou ordem superior, incendiar casa ou edificio situado no theatro da guerra, posto que seja em territorio inimigo, será punido:

1.° Com presidio militar de seis annos e um dia a nove annos, se incendiar casa ou edificio habitado e o prejuizo for superior o 100$000 réis;

2.° Com presidio militar de tres annos e um dia a seis annos em todos os mais casos.

§ unico. Quando do incendio resultar a morte de alguma pessoa, applicar-se-ha ao delinquente a pena de morte com exautoração, qualquer que seja o valor do prejuizo.

Art. 160.° O militar que, no theatro da guerra, saquear, destruir ou deteriorar mercadorias, generos ou outros objectos, fazendo uso das armas, empregando violencias contra as pessoas ou praticando algum escalamento ou arrombamento, será punido:

1.° Com presidio militar de seis annos e um dia a nove annos, se o prejuizo causado for superior a 100$000 réis;

2.° Com presidio militar de tres annos e um dia a seis annos em todos os mais casos.

§ unico. Quando ás violencias praticadas corresponderem por lei penas mais graves que as estabelecidas n'este artigo, serão impostas essas penas.

Art. 161.° Os militares que, em corpo de quatro ou mais para esse fim conjurados, commetterem algum dos crimes previstos nos dois artigos antecedentes, serão punidos:

1.° Com a pena de morte com exautoração os que forem considerados como instigadores do crime;

2.° Com prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, com degredo temporario, todos os que, não sendo instigadores e não commettendo violencias a que corresponda pena mais grave, tomarem, todavia, parte no crime.

Art. 162.° Incorrerá na pena de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos o militar que, aproveitando-se do temor suscitado pela guerra ou abusando da sua qualidade de militar:

1.° Impozer contribuições de guerra em dinheiro ou em generos, não estando auctorisado a fazel-o, ou excedendo em proveito proprio a auctorisação que tiver para impor as mesmas contribuições;

2.° Obrigar qualquer pessoa a entregar-lho ou, na sua presença, se apropriar de dinheiro ou de quaesquer effeitos moveis pertencentes aos habitantes do paiz.

Art. 163.° O militar que, desviando-se do corpo a que pertencer, commetter, no theatro da guerra, quaesquer maleficios contra os habitantes do paiz, será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

§ 1.° Se o crime for commettido por quatro ou mais militares, que se tenham concertado para o perpetrar, applicar-se-ha aos delinquentes a pena de presidio militar de seis annos e um dia a nove annos.

§ 2.° Se os maleficios realisados contra os habitantes constituirem crime a que corresponda pena mais grave, será imposta essa pena.

Art. 164.° O militar que, no theatro da guerra, furtar alguma cousa a um prisioneiro de guerra confiado á sua guarda ou protecção, ou que o obrigar a entregar-lhe dinheiro ou quaesquer objectos que possua, será condemnado a prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario.

§ unico. Havendo circumstancias attenuantes, ou sendo inferior a 2$500 réis o valor do furto ou da extorsão, a pena será a de presidio militar de seis mezes a tres annos

Página 738

738 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SECÇÃO XIV

Dos crimes praticados por prisioneiros de guerra e emigrados politicos

Art. 165.° O official prisioneiro de guerra que, faltando á sua palavra, tornar a ser preso com as armas na mão, será condemnado á morte.

Art. 166.° Os prisioneiros de guerra ou emigrados politicos que, contra officiaes portuguezes ou de nação alliada, ou contra auctoridade portugueza no caso do artigo 83.°, commetterem algum dos crimes especificados na secção IV d'este capitulo, serão punidos com o maximo da pena correspondente ao crime que praticarem, salva a disposição do paragrapho seguinte.

§ unico. Os prisioneiros de guerra ou emigrados politicos que forem considerados como principaes instigadores de um crime de sedição militar serão condemnados á morte.

Art. 167.° Para os effeitos da mencionada secção IV, os prisioneiros de guerra e os emigrados politicos serão considerados como inferiores, não só de qualquer official portuguez que tenha posto equivalente ou superior áquelle que o governo portuguez lhes reconhecer, mas tambem dos officiaes de qualquer graduação que exercerem cominando ou estiverem de serviço no quartel, deposito ou estabelecimento onde forem alojados os mesmos prisioneiros ou emigrados.

Art. 168.° Quando algum militar estrangeiro, prisioneiro de guerra ou emigrado politico commetter crime a que corresponda a pena de morte com exautoração, não será imposta essa pena e applicar-se-ha, em seu logar, a pena de morte.

Art. 169.° A pena de presidio militar, quando imposta a militar estrangeiro, prisioneiros de guerra ou a emigrados politicos, não produz effeito algum dos mencionados no artigo 20.° do presente codigo.

CAPITULO II

Dos crimes militares

SECÇÃO I

Da falsidade

Art. 170.° Será condemnado na pena de dois a oito annos de prisão maior cellular ou, em alternativa, na de degredo temporario, o militar:

1.° Que, em materia de administração militar, falsificar dolosamente algum livro, mappa, relação, diario ou qualquer outro documento, se da falsificação resultar, ou poder resultar, prejuizo para o estado ou para militares;

2.° Que falsificar dolosamente actos ou termos do processo criminal militar, livros do regimento, batalhão, companhia ou bateria, cadernetas militares, titulos de licença ou de baixa, guias ou attestados;

3.° Que, não sendo o auctor da falsificação a que se refere qualquer dos numeros antecedentes, fizer comtudo uso do documento falsificado, sabendo que o é;

4.° Que der maliciosamente a seus superiores informações falsas ou inexactas sobre qualquer objecto de serviço ou de administração militar;

5.° Que, abusando da confiança que n'elle depositar algum superior, conseguir que este auctorise com a sua assignatura ou com a sua rubrica qualquer documento falso;

6.° Que se apropriar e fizer uso de caderneta militar, titulo de baixa ou de licença, guia ou attestado que lhe não pertença, posto que não contenha falsificação.

§ 1.° A pena de prisão maior cellular será substituida pela de presidio militar de seis mezes a tres annos, se a falsidade for commettida voluntariamente, mas sem intenção de causar prejuizo ao estado ou a militares, nem com a de encobrir um prejuizo já realisado.

§ 2.° O disposto no n.° 5.° deste artigo não exime o superior das responsabilidades em que incorrer pela inobservancia dos regulamentos militares.

Art. 171.° Será condemnado na pena de dois a oito annos de prisão maior cellular ou, em alternativa, na de degredo temporario, o militar que, em prejuizo da fazenda militar ou de individuos militares, fizer uso de pesos ou medidas falsas, sabendo que o são.

Art. 172.° Será condemnado a prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario, o militar:

1.° Que falsificar sellos, marcas, chancellas ou cunhos de alguma auctoridade ou repartição militar, destinados a authenticar actos ou documentos relativos ao serviço militar, ou a servir de signal distinctivo de objectos pertencentes ao exercito;

2.° Que, em prejuizo do estado ou de militares, fizer uso fraudulento de sellos, marcas, chancellas ou cunhos verdadeiros da natureza d'aquelles que especifica o numero antecedente e destinados a ter alguma das applicações ali declaradas.

Art. 173.° O militar que fizer uso dos sellos, marcas, chancellas e cunhos de que se trata no n.° 1.° do artigo antecedente, sabendo que são falsificados, será condemnado a prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario.

§ unico. Se o crime for commettido sem intenção de causar prejuizo ao estado ou a terceiro, a pena será substituida pela de presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 174.° O facultativo militar que, no exercicio das suas funcções, certificar ou encobrir falsamente a existencia de qualquer moléstia ou lesão, ou que, do mesmo modo, exagerar ou attenuar a gravidade de moléstia existente, será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos, salvas as penas mais graves em que incorrer, havendo corrupção.

SECÇÃO II

Da infidelidade no serviço militar

Art. 175.° O militar que, no exercicio de suas funcções, se deixar corromper, recebendo, por si ou por interposta pessoa, dadivas ou presentes, ou simplesmente acceitando promessas de recompensa para praticar um acto injusto ou para se abster de praticar um acto justo das suas attribuições, será condemnado a prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario.

§ 1.° Se a corrupção não produzir effeito, ou se o objecto d'ella for a pratica de um acto justo ou a abstenção de um acto injusto, a pena será a de presidio militar de seis mezes a tres annos.

§ 2.° Se o acto injusto e executado for crime a que corresponda pena mais grave, será imposta essa pena.

§ 3.° Se a corrupção tiver por objecto algum acto das funcções judiciaes que competem aos militares em materia criminal, applicar-se-ha ao delinquente a pena de quatro annos de prisão maior cellular seguida de degredo por oito annos ou, em alternativa, a pena fixa de degredo por quinze annos. Quando, porém, por effeito da corrupção, houver condemnação a uma pena mais grave que a estabelecida n'este paragrapho, será imposta essa pena mais grave ao militar que se deixar corromper.

§ 4.° As disposições d'este artigo e seus paragraphos terão logar tambem nos casos em que o militar, arrogando-se dolosamente attribuições para praticar um qualquer acto ou inculcando credito para o conseguir, acceitar offerecimento ou promessas, ou receber dadiva ou presente para fazer ou deixar de fazer esse acto, ou para conseguir de outrem que o pratique ou deixe de praticar.

Art. 176.° O militar que, por meio de violencia ou ameaça, constranger ou que, por dadiva, presente ou simples promessa de recompensa, corromper ou procurar corromper qualquer militar para obter d'elle, no exercicio de suas funcções, algum acto injusto ou assegurar o resultado de alguma pretensão, será punido:

1.° Com as mesmas penas que pelo artigo antecedente

Página 739

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 739

correspondem ao militar que se deixa corromper, se a coacção ou a corrupção produzirem effeito;

2.° Com prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar, havendo simplesmente tentativa de coacção ou de corrupção, excepto se o delinquente for official e de graduação superior á do militar a quem procurar constranger ou corromper, porque, n'esse caso, soffrerá a pena de presidio militar de seis mezes a tres asnos.

Art. 177.° O militar que, tendo em seu poder, em rasão de suas funcções, dinheiro, valores ou quaesquer objectos que lhe não pertençam, os distrahir de suas legaes applicações em proveito proprio ou alheio, será condemnado:

1.° A prisão maior cellular por quatro annos? seguida de degredo por oito annos ou, em alternativa, á pena fixa de degredo por quinze annos, se o prejuizo for superior a 100$000 réis;

2.° A prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario, se o prejuizo for inferior áquella importancia.

§ 1.° Havendo circumstancias attenuantes, a pena poderá ser substituida pela de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

§ 2.° Se o delinquente for praça de pret, será punido disciplinarmente sempre que o prejuizo não exceder a 2$500 réis.

Art. 178.º Se a distracção de que se trata no artigo antecedente consistir sómente em se dar a qualquer dos objectos n'elle especificados, sem proceder auctorisação competente e sem causa de força maior, applicação ao serviço publico diversa d'aquella que legalmente deveria ter, a pena será a de presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 179.° O militar que, investido ou encarregado de um commando ou de quaesquer funcções de administração militar, tomar ou acceitar, por si ou por interposta pessoa, algum interesse pessoal em adjudicação, compra, venda, recepção, distribuição, pagamento ou em qualquer outro acto de administração militar, cuja direcção, fiscalisação, verificação, exame ou informação lhe pertença no todo ou em parte, será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

§ unico. Se do crime resultar prejuizo para o estado ou para militares, a pena será a de prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a de degredo temporario.

Art. 180.° O militar não auctorisado por lei para levar ás partes emolumentos ou salarios, e bem assim aquelle que a lei auctorisa a levar sómente os emolumentos ou salarios por ella fixados, que por algum acto de suas funcções receber o que lhe não é ordenado ou mais do que lhe é ordenado, posto que as partes lh'o queiram dar, será punido com presidio militar de seis mezes a tres annos, salvas as penas de corrupção, se houver logar a que sejam applicadas.

Art. 181.° Será condemnado a presidio militar de seis mezes a tres annos o militar:

1.° Que, com o fim de tirar proveito, substituir dinheiro ou valores que para o serviço do exercito tiver recebido em certa e determinada especie, por differente especie de dinheiro ou valores, uma vez que para isso não esteja auctorisado;

2.° Que, com o mesmo fim, substituir cavallo, muar ou quaesquer outros objectos pertencentes ao estado, por cavallo, muar ou outros objectos de identica natureza aos substituidos, uma vez que para isso não tenha auctorisação devida;

3.° Que por qualquer outro modo, alem dos já especificados, traficar com os fundos publicos destinados ao serviço militar.

Art. 182.° Será condemnado a presidio militar de tres annos e um dia a seis annos o militar:

1.° Que, tendo a seu cargo ou confiadas á sua guarda; quaesquer substancias, generos, mantimentos ou forragens destinadas ao serviço do exercito, por qualquer modo as adulterar ou as substituir por outras adulteradas;

2.° Que, não ignorando que similhantes substancias, generos, mantimentos ou forragens estão adulterados, assim mesmo os distribuir ou fizer distribuir.

§ unico. Se a adulteração for, porém, de natureza que possa prejudicar a saude, ou se o crime consistir na distribuição de carnes de animaes inficionados de molestias contagiosas ou de substancias, generos, mantimentos ou forragens em estado de corrupção, a pena será a de prisão-maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a de degredo temporario.

Art. 183.° Qualquer individuo sujeito á jurisdicção dos tribunaes militares que, sendo encarregado, em tempo de guerra, do fornecimento de generos, mantimentos, forragens, munições de guerra ou quaesquer substancias para o serviço do exercito, faltar dolosamente e sem causa justificada com o mesmo fornecimento, será condemnado a prisão maior cellular de dois a oito annos ou, na alternativa, a degredo temporario, salvas, as penas mais graves em caso de traição.

§ 1.° Havendo simplesmente negligencia em tempo de guerra, ou sendo o crime commettido em tempo de paz, a pena será a de presidio militar de tres annos e um dia a seis annos.

§ 2.° Em tempo de guerra, quando não chegar a haver falta mas só demora no fornecimento, a pena será a de presidio militar de seis mezes a tres annos.

SECÇÃO III

Do furto, abuso de confiança e burla

Art. 184.° O militar que fraudulentamente subtrahir dinheiro, documentos ou quaesquer objectos pertencentes ao estado ou a outros militares, será condemnado:

1.° A prisão maior cellular por quatro annos, seguida de degredo por oito annos ou, na alternativa, á pena fixa de degredo por quinze annos se o valor do furto exceder a 100$000 réis;

2.° A prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario, se aquelle valor, não excedendo a 100$000 réis, for, comtudo, superior a réis 50$000.

3.° A presidio militar de seis mezes a tres annos se, não excedendo a 50$000 réis, for, comtudo, superior a 10$000 réis.

4.° A prisão militar ou incorporação em deposito disciplinar se, não excedendo 10$000 réis, for, comtudo, superior a 2$500 réis.

Art. 185.° O militar que, na casa em que estiver aboletado, fraudulentamente subtrahir dinheiro, documentos ou quaesquer objectos, será condemnado:

1.° A prisão maior cellular por quatro annos, seguida de degredo por oito annos ou, em alternativa, á pena fixa de degredo por quinze annos, se o valor do furto exceder a 50$000 réis;

2.° A prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario, se aquelle valor, não excedendo a 50$000 réis, for, comtudo, superior a 500 réis.

Art. 186.° O militar que descaminhar ou dissipar em prejuizo do estado ou de outros militares dinheiro, documentos ou quaesquer objectos que lhe hajam sido entregues por deposito, mandato, commissão, administração, commodato, ou que tenha recebido para um fim ou emprego determinado com obrigação de restituir ou apresentar a mesma cousa ou valor equivalente, será condemnado: 1.° A prisão maior cellular por quatro annos, seguida de degredo por oito annos ou, em alternativa, á pena fixa de degredo por quinze annos, se o prejuizo causado for superior a 100$000 réis;

2.° A prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario, se o prejuizo, não exce-

Página 740

740 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dendo a 100$000 réis, for, comtudo, superior a 50$000 réis;

3.° A presidio militar de seis mezes a tres annos se, não excedendo a 50$000 réis. for, comtudo, superior a 2$500 réis.

Art. 187.° O militar que, empregando alguma falsificação de escripto, falsa qualidade ou qualquer outro artificio, defraudar o estado ou outros militares, fazendo que se lhe entregue dinheiro, documentos ou quaesquer objectos que não tenha direito a receber, será condemnado:

1.° A prisão maior cellular por quatro annos, seguida de degredo por oito annos ou, em alternativa, á pena fixa de degredo por quinze annos, se o prejuizo causado for superior a 100$000 réis;

2.° A prisão maior cellular de dois a oito annos ou, em alternativa, a degredo temporario, se o prejuizo, não excedendo a 100$000 réis, for, comtudo. superior a réis 50$000;

3.° A presidio militar de seis mezes a tres annos se, não excedendo a 50$000 réis, for, comtudo, superior a 2$500 réis.

Art. 188.° Em todos os crimes mencionados n'este capitulo, com exclusão do previsto no artigo 185.°, quando o valor do furto ou do prejuizo realisado for inferior a 2$500 réis, será o delinquente punido disciplinarmente.

§ unico. No caso do artigo 185.° observar-se-ha esta mesma disposição, quando o valor do furto for inferior a 500 réis.

Art. 189.° As penas estabelecidas n'esta secção serão unicamente applicadas quando ao facto praticado não corresponderem por lei outras mais graves, que em tal caso serão impostas, salva, todavia, a disposição do artigo antecedente.

SECÇÃO IV

De alguns outros crimes em tempo de guerra

Art. 190.° Aquelle que, possuindo solipedes ou vehiculos, os não apresentar para o serviço militar, quando requisitados na fórma legal, será condemnado a prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar.

§ 1.° Quando as penas deste artigo devam ser substituidas, nos termos do artigo 41.°, a multa não será inferior a 100$000 réis nem superior a 500$000 réis.

§ 2.° Os vehiculos ou solipedes a que este artigo se refere, quando sejam encontrados, serão logo entregues ao serviço militar, sem que o proprietario tenha direito a indemnisação alguma.

Art. 191.° Aquelle que, possuindo solipedes ou vehiculos nas circumstancias de serem requisitados para o serviço militar, os não apresentar á commissão de inspecção e requisição, será comdemnado a prisão militar ou a incorporação em deposito disciplinar.

§ unico. Quando as penas deste artigo devam ser substituidas nos termos do artigo 41.°, a multa não será inferior a 50$000 réis nem superior a 200$000 réis.

LIVRO II

Dos tribunaes e auctoridades judiciaes militares

TITULO I

Dos tribunaes e auctoridades judiciaes militares em tempo de paz

CAPITULO I

Deposições geraes

Art. 192.° A justiça militar, em tempo de paz, é administrada, em nome do Rei, pelas auctoridades e tribunaes seguintes:

1.° Agentes da policia judiciaria militar;

2.° Commandantes das divisões militares territoriaes;

3.° Ministro da guerra;

4.° Conselhos de guerra;

5.° Supremo conselho de justiça militar.

Art. 193.° A justiça militar é gratuita. Os processos são escriptos em papel não sellado, e os réus não são obrigados a pagar sellos, custas ou portes do correio.

§ unico. O serviço de justiça militar, em tempo de paz, prefere a qualquer outro.

Art. 194.° Nenhuma pessoa póde fazer parte de algum tribunal militar, uma vez que não seja cidadão portuguez por nascimento ou naturalisação, e não tenha completado vinte e um annos de idade.

Art. 195.° Os militares em actividade de serviço, que exercerem funcções de justiça militar, desempenharão as obrigações que pelo presente codigo lhes são incumbidas, debaixo do juramento por elles anteriormente prestado.

§ unico. Os que não estiverem em actividade de serviço prestarão, antes de entrar no exercicio das suas funcções, o juramento de bem e fielmente desempenhar as obrigações que por lei lhes forem incumbidas.

Art. 196.° Não podem simultaneamente ser juizes, promotor ou defensor, no mesmo tribunal militar, os consanguineos ou affins em linha recta ou no segundo grau da linha transversal.

Art. 197.° Nos processos de justiça militar não podem ser juizes, nem intervir como promotores ou secretarios:

1.° Os parentes até ao quarto grau por direito civil, por consanguinidade ou affinidade, do accusado ou do offendido;

2.° Os que deram participação official do crime ou forem testemunhas no processo;

3.° Os que, em rasão das funcções dos seus cargos, conheceram do objecto da accusação individualmente ou fazendo parte de alguma commissão, conselho de investigação ou tribunal;

4.° Os que, dentro dos ultimos cinco annos anteriores á data da ordem para responder a conselho de guerra, tiverem intervido como parte queixosa ou como réus em algum processo crime por causas relativas ao accusado;

5.° Os que serviram debaixo das ordens ou commando do réu, quando este for accusado por facto relativo ao exercicio d'esse cominando.

CAPITULO II

Dos agentes da policia judiciaria militar

Art. 198.° As attribuições da policia judiciaria militar são exercidas sob a inspecção dos generaes commandantes das divisões e dos tribunaes militares:

1.° Pelos directores e chefes de repartição da secretaria da guerra e da administração militar;

2.° Pelos commandantes geraes das differentes armas e do corpo do estado maior e chefes do estado maior dos mesmos commandos;

3.° Pelos officiaes do estado maior das divisões militares territoriaes;

4.° Pelos officiaes inspectores de tropas ou de estabelecimentos militares de qualquer natureza;

5.° Pelos governadores ou commandantes, seus immediatos e officiaes de serviço diario, nas praças de guerra ou pontos fortificados;

6.° Pelos commandantes dos corpos ou de outras unidades, que tenham organisação especial independente, seus immediatos e officiaes de serviço diario nos mesmos corpos ou fracções;

7.° Pelos commandantes de destacamentos, diligencias, guardas ou de quaesquer forças separadas dos corpos, quando sejam officiaes ou sargentos;

8.° Pelos commandantes militares das localidades, commandantes dos districtos de recrutamento e reserva, chefes das circumscripções de recenseamento, e, em geral, pelos officiaes que exerçam algum commando independente ou sejam chefes de algum serviço militar;

Página 741

SESSÂO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 741

9.° Pelos officiaes, combatentes ou não combatentes, commandantes ou directores de escolas, fabricas, hospitaes ou qualquer outro estabelecimento militar, e bem assim pelos seus immediatos e officiaes, combatentes ou não combatentes, de serviço diario nos mesmos estabelecimentos;

10.° Pelos auditores militares dentro dos respectivos tribunaes;

11.° Pelos empregados de policia judiciaria ordinaria, no circulo das suas attribuições, e nos limites abaixo especificados.

Art. 199.° Para o exercicio das funcções de policia judiciaria militar é cumulativa a jurisdicção dos officiaes de policia judiciaria e auctoridades designadas no artigo antecedente. Quando, porém, concorrerem diversos de entre elles, caberá a preferencia:

1.° Ao director geral da secretaria da guerra e da administração militar e respectivos chefes de repartição, quanto aos crimes commettidos nas respectivas secretarias ou que ahi forem descobertos;

2.° Aos commandantes geraes das differentes armas, officiaes do estado maior das divisões e chefes d'estado maior d'aquelles commandos, quanto aos crimes commettidos nas respectivas secretarias ou de que ahi primeiro houver conhecimento;

3.° Aos officiaes inspectores de tropas ou estabelecimentos militares e aos chefes de algum serviço militar, quanto aos crimes que descobrirem no exercido das suas funcções;

4.° Aos governadores, commandantes, seus immediatos e officiaes de serviço diario, nas praças de guerra e pontos fortificados, quanto aos crimes relativos á guarda, conservação, policia e governo das fortificações;

5.° Aos commandantes, directores, seus immediatos e officiaes de serviço, nos estabelecimentos militares de qualquer natureza, quanto aos crimes praticados nos mesmos estabelecimentos.

Art. 200.° Poderão proceder directamente ou ordenar a qualquer official seu subordinado que proceda ás diligencias que incumbem aos agentes da policia judiciaria:

1.° Os directores da secretaria da guerra e da administração militar;

2.° Os commandantes geraes das differentes armas e do corpo do estado maior;

3.° Os officiaes inspectores de tropas ou de estabelecimentos militares;

4.° Os governadores ou commandantes das praças de guerra e pontos fortificados;

5.° Os commandantes de corpos, destacamentos, diligencias e guardas ou de outras forças separadas dos corpos;

6.° Os commandantes e directores de estabelecimentos militares de qualquer natureza e os chefes de algum serviço militar.

Art. 201.° Quando concorrerem differentes militares que, segundo as disposições d'este codigo, têem jurisdicção cumulativa para exercer as funcções da policia judiciaria, preferirá de entre elles o mais graduado, e em igualdade de graduação o mais antigo, salvas, porém, as disposições dos dois artigos antecedentes.

Art. 202.° Os officiaes e sargentos das guardas municipaes e da guarda fiscal, quando estiverem em situações identicas ás mencionadas nos artigos 198.° e 200.°, têem, para os effeitos da policia judiciaria, attribuições iguaes ás dos individuos do exercito nas mesmas situações.

Art. 203.° As auctoridades ordinarias, quando no local do crime não houver official de policia judiciaria militar, são subsidiariamente competentes para exercerem as funcções da mesma policia judiciaria; se, porém, concorrerem officiaes da policia judiciaria militar e auctoridade judiciaria ordinaria, preferirá aquelle que primeiro tomar conhecimento do caso.

CAPITULO III

Dos commandantes das divisões militares territoriaes

Art. 204.° O commandante da divisão é o chefe e o regulador da administração da justiça militar dentro da sua divisão, e, n'essa qualidade, compete-lhe exercer as attribuições que lhe são marcadas n'este codigo.

Art. 205.° No quartel general de cada divisão militar haverá uma repartição de justiça, dirigida pelo sub-chefe do estado maior, o qual emittirá sempre o seu parecer fundamentado em todas as questões de justiça submettidas á apreciação do commandante da divisão.

CAPITULO IV

Do ministro da guerra

Art. 206.° O ministro da guerra exerce, em tempo de paz e em nome do Rei, a auctoridade superior no exercito, e, nessa qualidade, competem-lhe as attribuições judiciaes que n'este codigo lhe são conferidas,

CAPITULO V

Dos conselhos de guerra territoriaes

SECÇÃO I

Dos presidentes e vogaes militares dos conselhos de guerra

Art. 207.° Em cada divisão militar do continente do reino haverá, em regra, um conselho de guerra territorial, estabelecido na séde da divisão.

§ unico. Na divisão que tiver a sua séde em Lisboa poderá haver dois conselhos de guerra, com jurisdicção cumulativa em toda a divisão e ilhas adjacentes.

Art. 208.° Os conselhos de guerra territoriaes serão compostos de um presidente com a patente de coronel, um auditor, um tenente coronel ou major, um capitão, um tenente ou alferes.

§ 1.° No caso de impedimento eventual do presidente, será este substituido pelo outro official superior que fizer parte do conselho.

§ 2.° Para supprir os impedimentos eventuaes dos vogaes, haverá um supplente, que terá o posto de capitão.

Art. 209.° A nomeação do presidente e vogaes militares será feita pelo commandante da divisão, por escala, sobre uma lista formada pela ordem de patentes e antiguidades de todos os officiaes combatentes residentes na divisão, qualquer que seja a commissão que esses officiaes exerçam, ou o corpo ou arma a que pertençam, com exclusão:

1.° Dos conselheiros d'estado e ministros d'estado effectivos, e bem assim dos pares do reino e deputados, durante o exercicio das funcções legislativas;

2.° Dos directores da secretaria da guerra, da administração militar, officiaes do estado maior das divisões militares territoriaes e ajudantes de campo e officiaes ás ordens que não excedam o quadro legal;

3.° Dos que estiverem em serviço effectivo nos estabelecimentos de instrucção militar;

4.° Dos que estiverem em commissão estranha ao ministerio da guerra;

5.° Dos reformados, uma vez que não sejam generaes, os quaes, na falta de effectivos, podem ser nomeados por sua antiguidade;

6.° Dos que estiverem cumprindo alguma pena por virtude de sentença;

7.° Dos que estiverem em inactividade temporaria;

8.° Dos que estiverem cumprindo pena disciplinar;

9.° Dos que estiverem em prisão preventiva.

§ 1.° Nenhuma outra exclusão será admittida alem das precedentemente mencionadas.

§ 2.° Na divisão que tiver a sua séde em Lisboa, a lista a que se refere este artigo será formada unicamente com os officiaes que tiverem a sua residencia na capital.

§ 3.° Na lista de que trata este artigo far-se-hão todas

Página 742

742 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

as rectificações que forem necessarias por qualquer alteração nas tropas da divisão.

§ 4.° Na secretaria do tribunal estará sempre patente um livro em que estejam inscriptos, por ordem de patentes e antiguidades, todos os officiaes incluidos na lista da divisão.

Art. 210.° O presidente e vogaes militares do conselho de guerra, e bem assim os supplentes, serão periodica e regularmente substituidos, de quatro em quatro mezes, por officiaes das respectivas graduações, a quem esse serviço pertença por escala, nos termos do artigo antecedente.

Art. 211.° O presidente e os vogaes do conselho de guerra sómente poderão ser substituidos antes de findar o quadrimestre, quando nesse periodo sejam promovidos ao posto immediato ou incorram em alguma inhabilidade legal.

Art. 212.° Na composição dos conselhos de guerra territoriaes não poderão entrar no mesmo quadrimestre mais de um official superior e um capitão ou subalterno de cada regimento, e serão nomeados de preferencia os mais graduados ou, em igualdade de graduação, os mais antigos; devendo sempre attender-se no acto da nomeação a que, em cada regimento, nunca fiquem menos de dois officiaes superiores.

§ unico. A mesma regra se observará nas companhias que tenham organisação especial independente, não podendo ser nomeado para fazer parte dos conselhos de guerra no mesmo quadrimestre mais de um official por companhia.

Art. 213.° Quando houver de ser julgado algum official, o conselho de guerra territorial será, sómente para esse effeito, modificado segundo a tabella junta, regulando se em todo o caso as novas nomeações pela ordem da inscripção na lista a que se refere o artigo 209.°

Accusado Presidente Vogaes militares

[ver valores da tabela na imagem]

§ unico. A maior ou menor graduação do accusado, proveniente de condecoração na ordem militar da Torre e Espada, ou em qualquer outra, em nada influe para a composição do conselho.

Art. 214.° Se dois ou mais accusados pelo mesmo delicto houverem de ser julgados perante o mesmo tribunal militar, será este composto segundo a patente que corresponder ao mais graduado.

Art. 215.° Quando, por disposição legal, os tribunaes militares tiverem de julgar algum individuo não militar, será este julgado pelo respectivo conselho de guerra territorial, excepto se tiver por co-réu algum official, observando-se n'este caso o que dispõem os dois artigos antecedentes.

§ unico. Se algum dos co-réus for official general, ou prisioneiro de guerra ou emigrado politico de equivalente categoria, proceder-se-ha á separação das culpas a fim de serem julgados pelos tribunaes competentes.

Art. 216.° Os conselhos de guerra que tiverem de julgar officiaes não combatentes serão compostos pelo modo especificado no artigo 213.°, segundo a graduação do accusado.

§ unico. A mesma disposição se observará, quando tiverem de ser julgados prisioneiros de guerra, refens ou emigrados politicos sujeitos á competencia dos tribunaes militares e aos quaes o governo não tenha reconhecido categoria superior á de coronel.

Art. 217.º Quando, em virtude da patente do accusado, forem substituidos alguns dos vogaes militares do conselho de guerra territorial, continuarão os outros a fazer parte do mesmo conselho.

Art. 218.° Se occorrer impedimento temporario ou accidental que impossibilite o presidente ou algum dos vogaes militares de fazer parte do conselho de guerra, e não forem sufficientes os supplentes nomeados, o commandante da divisão fará substituir o official impedido por outro de igual graduação a quem pertença pela ordem da inscripção na lista.

§ 1.° A substituição cessará quando termine o impedimento, sem prejuizo, porém, do julgamento e decisão da causa que já tiver começado.

§ 2.° A mesma substituição terá logar em relação a todos os mais vogaes do conselho, todas as vezes que, tendo sido annullado o processo ou sentença, se houver de julgar de novo a causa. A substituição n'este caso cessará com o julgamento.

Art. 219.° Não havendo na divisão officiaes militares em numero bastante, e de graduação competente para completar o conselho, o ministro da guerra providenciará, fazendo nomear os que faltarem de entre os da divisão cuja sede for mais proxima, observando-se a ordem da inscripção na lista respectiva.

§ unico. Na divisão que tiver a séde em Lisboa, para o caso previsto neste artigo, antes de recorrer a officiaes de divisão differente, a nomeação recairá sobre os officiaes da mesma divisão que tiverem a residencia fóra da capital.

Art. 220.° Tanto o presidente como os vogaes e supplentes dos conselhos de guerra conservarão, emquanto desempenharem esse serviço, os soldos e gratificações dos postos e commissões que exercerem, ainda que n'estas tenham de ser temporariamente substituidos.

SECÇÃO II

Dos auditores

Art. 221.° Junto de cada conselho de guerra territorial haverá um auditor, juiz togado sem graduação militar.

Art. 222.° Os auditores são nomeados, por decreto expedido pelo ministerio da guerra, de entre os juizes de direito de primeira instancia que estejam servindo em comarcas de l.ª ou 2.ª classe.

Art. 223.° Os auditores são considerados, para todos os effeitos legaes, como servindo no quadro da magistratura judicial, e em comarcas da classe que no mesmo quadro lhes pertença.

Art. 224.° Os auditores dos conselhos de guerra servirão por espaço de tres annos na respectiva auditoria, podendo ser reconduzidos. Antes d'aquelle praso não podem ser transferidos nem mandados regressar á magistratura judicial senão a requerimento seu ou nos casos e termos determinados na lei geral.

§ unico. Nos dois casos mencionados n'este artigo, logo que a transferencia for publicada na ordem do exercito, cessa a jurisdicção dos auditores e deixam de ter vencimento pelo ministerio da guerra.

Art. 225.° Os auditores dos conselhos de guerra serão substituidos nas suas faltas ou impedimentos, em Lisboa e Porto, pelos juizes dos districtos criminaes, por escala detalhada pelo presidente da relação; e nas outras terras, pelos juizes de direito das comarcas onde funccionarem os conselhos.

§ unico, Nas divisões em que houver mais de um con-

Página 743

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 743

selho de guerra, os auditores substituir-se-hão reciprocamente, e só na falta ou impedimento de ambos será chamado o juiz de direito para os substituir.

Art. 226.° Aos auditores das divisões militares compete exercer a sua jurisdicção nos termos e fórma que n'este codigo vão designados.

Art. 227.° O ordenado dos auditores que servirem nas divisões que tiverem as suas sédes em Lisboa e no Porto será de 1:200$000 réis; nas outras divisões será de réis 1:000$000.

SECÇÃO III

Dos promotores de justiça e defensores officiosos

Art. 228.° Junto de cada conselho de guerra territorial funccionará um promotor de justiça e um defensor officioso.

Art. 229.° O logar de promotor de justiça será exercido por officiaes, nomeados por decreto, de patente nunca inferior á de capitão nem superior á de tenente coronel.

Art. 230.° Os promotores de justiça exercem as funcções do ministerio publico perante os tribunaes militares, e alem das mais attribuições especificadas na lei, incumbe-lhes:

1.° Intervir nos processos criminaes militares, requerendo n'elles e promovendo quanto for a bem da justiça e da disciplina, em harmonia com as instrucções que receberem da auctoridade competente;

2.° Velar pela fiel observancia das leis e prompta administração da justiça, dando parte ao commandante da divisão de qualquer occorrencia que possa carecer de providencia superior;

3.° Exercer a necessaria inspecção sobre o archivo, registo e expediente da secretaria.

§ unico. Os promotores de justiça observarão as prescripções do regulamento do ministerio publico nos tribunaes militares.

Art. 231.° Na falta do promotor de justiça, quando este for de graduação ou antiguidade inferior á do accusado, ou estiver temporariamente impedido, o commandante da divisão onde funccionar o conselho nomeará quem o substitua.

§ 1.° O promotor de justiça nomeado para substituir o effectivo será, sempre que seja possivel, coadjuvado e acompanhado por este no desempenho de suas funcções.

§ 2.° Na falta, impedimento accidental ou temporario de um dos promotores nas divisões em que haja mais de um conselho de guerra, será o impedido substituido pelo outro.

Art. 232.° O logar de defensor officioso será exercido por officiaes de qualquer situação, nomeados pelo ministro da guerra, de patente não inferior á de capitão nem superior á de tenente coronel.

Art. 233.° Aos defensores officiosos compete intervir como taes nos processos em que os accusados não tiverem constituido advogado ou defensor.

Art. 234.° Na falta de defensor officioso, ou quando este estiver temporariamente impedido, o commandante da divisão onde funccionar o conselho nomeará quem o substitua.

§ unico. Na falta, impedimento accidental ou temporario de um dos defensores, nas divisões em que haja mais de um conselho de guerra, será o impedido substituido pelo outro.

Art. 235.° Os soldos, gratificações e demais vencimentos dos promotores de justiça e defensores officiosos serão os auctorisados ao tempo da promulgação d'este codigo.

SECÇÃO IV

Dos secretarios, amanuenses e mais empregados

Art. 236.° Junto de cada conselho de guerra haverá um empregado do quadro do secretariado militar, com a graduação de alferes ou tenente, que servirá de secretario.

Art. 237.° Aos secretarios dos conselhos de guerra incumbe:

1.° Servir de escrivães nos processos de justiça militar;

2.° Ter em devida ordem e regularidade a secretaria e o archivo, pelos quaes são os primeiras responsaveis;

3.° Escrever a correspondencia official do presidente, auditor e promotor;

4.° Coordenar os necessarios elementos para a estatistica criminal militar;

5.° Remetter ás estações competentes com a devida regularidade os boletins do registo criminal;

6.° Satisfazer ás mais obrigações marcadas nas leis e regulamentos militares.

Art. 238.° Quando se de algum impedimento temporario do secretario, o commandante da divisão onde funccionar o conselho nomeará quem provisoriamente o substitua.

§ unico. Nas divisões em que houver mais de um conlho de guerra, os secretarios substituir-se-hão nos seus impedimentos eventuaes, emquanto o commandante da divisão não providenciar.

Art. 239.° O secretario vencerá o soldo da sua patente e a gratificação mensal de 5$000 réis.

Art. 240.° Em cada conselho de guerra haverá, para o serviço da secretaria e do tribunal, dois amanuenses, um porteiro, um continuo-meirinho e um servente. " § unico. N'um dos conselhos que tiverem a sua séde em Lisboa haverá dois serventes, um dos quaes servirá de guarda-portão do edificio onde funcciona o tribunal.

Art. 241.° Os amanuenses serão nomeados por concurso de provas publicas, de entre os officiaes inferiores do exercito nas condições da carta de lei de 26 de junho de 1883, e gosarão das vantagens e direitos que por lei pertencerem aos amanuenses da secretaria da guerra.

§ unico. Emquanto o numero dos amanuenses do commando geral de artilheria não for reduzido ao strictamente indispensavel, continuarão a servir de amanuenses nos conselhos de guerra os amanuenses d'aquelle commando, com as vantagens e direitos de que gosam actualmente.

Art. 242.° Os empregados menores a que se refere o artigo 240.° serão tirados da classe de reformados, devendo os porteiros ser sargentos, os continuos primeiros cabos e os serventes cabos ou soldados.

Art. 243.° Os porteiros vencerão a gratificação diaria de 250 réis, os continuos a de 200 réis e os serventes a de 150 réis.

§ unico. Os actuaes empregados menores de que trata o presente artigo continuarão no exercicio das funcções que exercem, quando não haja inconveniente para o serviço.

Art. 244.° Será abonada, no principio de cada mez, em cada um dos conselhos de guerra, a quantia de 10$000 róis, com destino ás despezas de expediente, compra de livros, papeis impressos ou lithographados e pequenos concertos de mobilia.

§ unico. O auditor, promotor e secretario administrarão esta verba, enviando no fim de cada anno economico conta documentada á direcção da administração militar.

CAPITULO VI

Do supremo conselho de justiça militar

SECÇÃO I

Do presidente e vogaes militares

Art. 245.° Na capital do reino haverá um tribunal superior, com a denominação de Supremo conselho de justiça militar, com jurisdicção nas materias de sua competencia no continente do reino, ilhas adjacentes e provincias do ultramar.

§ unico. O supremo conselho de justiça militar gosa de todas as honras, preeminencia e distincções que competem

Página 744

744 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ao supremo tribunal de justiça, e nas solemnidades officiaes toma logar a par do mesmo tribunal.

Art. 246.° O supremo conselho de justiça militar será composto de um presidente, seis vogaes militares e dois vogaes togados, sendo um juiz relator e o outro adjunto do juiz relator.

§ 1.° O presidente será sempre um general de divisão ou vice-almirante, pertencentes á effectividade do serviço.

§ 2.° Os vogaes militares do supremo conselho de justiça militar serão officiaes generaes no serviço activo, tres do exercito e tres da armada.

Art. 247.° O presidente e vogaes militares do supremo conselho de justiça militar serão nomeados por decreto referendado pelos ministros da guerra e marinha, e exercerão aquellas commissões de serviço durante dois annos, pelo menos, nos quaes não poderão ser nomeados para quaesquer j outras commissões de commando, inspecção ou direcção que não sejam na propria sede onde funcciona o tribunal, e accumulaveis com os cargos de juizes. Esta accumulação porem, não poderá dar logar a accumulação de vencimentos.

§ 1.° Quando uma necessidade urgente do serviço publico exigir que algum dos juizes militares seja nomeado para qualquer das commissões a que este artigo se refere, fóra da séde do tribunal, o decreto da nomeação expressará a clausula da necessidade e a urgencia do serviço.

§ 2.° Emquanto os juizes militares reformados que compõem o actual supremo conselho de justiça militar não mudarem de destino, não se tornará effectiva a disposição do artigo 246.°, quanto á composição do mesmo conselho.

Art. 248.° O presidente e vogaes do conselho que forem de patente ou graduação inferior á do accusado que haja de ser julgado, serão substituidos em conformidade das seguintes regras:

l.ª Se o accusado for marechal do exercito, almirante, general de divisão ou vice-almirante, presidirá um marechal do exercito ou almirante, havendo-o, aliás o general de divisão ou vice-almirante que for mais antigo, e serão vogaes os tres generaes de divisão ou vice-almirantes que, na escala geral de antiguidades, se seguirem immediatamente áquelle e nos quaes não concorra inhabilidade legal;

2.ª Se o accusado for general de brigada ou contra-almirante, presidirá um marechal do exercito ou almirante, havendo-o, aliás um general de divisão ou vice-almirante, e serão vogaes tres generaes de divisão ou vice-almirantes.

§ unico. Nos casos mencionados e previstos n'este artigo, não havendo na effectividade do serviço generaes em numero sufficiente para completar o conselho, serão nomeados, pela- ordem da sua antiguidade, para constituir o tribunal, generaes reformados de patente correspondente, que sejam mais antigos do que o accusado e residam na area da divisão militar que tiver a sua séde em Lisboa.

Art. 249.° O presidente e os vogaes militares vencerão, pelos ministerios a que pertencerem, os soldos e gratificações correspondentes ás suas patentes.

§ unico. O presidente e os vogaes militares, quando forem reformados, e emquanto existir a actual composição nos termos do § 2.° do artigo 247.°, vencerão, alem do soldo, uma gratificação mensal, que será de 70$000 réis para o primeiro e de 50$000 réis para os outros.

SECÇÃO II

Do juiz relator e adjunto

Art. 250.° O juiz relator será tirado da classe dos juizes do supremo tribunal de justiça ou dos juizes de direito de segunda instancia de entre os que estiverem servindo em alguma das relações judiciaes do continente do reino com um anno de exercicio. O adjunto do juiz relator será tirado de entre os juizes de segunda instancia que tenham igualmente um anno de exercicio. Um e outro serão considerados no quadro da magistratura judicial, onde terão o accesso que por direito lhes competir, contando o serviço do tribunal militar como feito nos logares d'aquella magistratura.

§ unico. As disposições deste artigo em nada prejudicam os direitos adquiridos pelos actuaes juizes togados do tribunal superior de guerra e marinha, os quaes, sem dependencia de nova nomeação, entrarão em exercicio no supremo conselho de justiça militar e poderão n'elle conservar-se independentemente do logar que occupem na magistratura judicial.

Art. 251.° O juiz relator do supremo conselho de justiça militar perceberá como ordenado, e com a natureza de soldo, vencimentos iguaes aos que competirem aos conselheiros do supremo tribunal de justiça. O adjunto do juiz relator vencerá, tambem com a natureza do soldo, o ordenado que competir aos juizes da relação de Lisboa.

§ unico. As disposições d'este artigo em nada prejudicam os actuaes juizes togados do tribunal superior de guerra e marinha, em relação aos vencimentos que actualmente lhes são abonados.

SECÇÃO III

Do promotor de justiça e defensor officioso

Art. 252.° Junto do supremo conselho de justiça militar funccionarão um promotor de justiça e um defensor officioso.

Art. 253.° O promotor de justiça será um official superior, nomeado por decreto, que reuna as qualidades necessarias para desempenhar as funcções do cargo.

Art. 254.° O promotor de justiça é, perante o supremo conselho de justiça militar, o agente do ministerio publico, e como tal incumbe-lhe:

1.° Velar pela fiel observancia das leis, e por que as regras da competencia e a ordem das jurisdicções sejam guardadas;

2.° Requerer e promover quanto for a bem da justiça e da disciplina em todos os processos que subirem ao tribunal;

3.° Empregar a necessaria vigilancia para que se não falte á prompta e recta administração da justiça;

4.° Levar ao conhecimento do governo qualquer occorrencia que careça de providencia superior;

5.° Concorrer para a formação da estatistica criminal militar, na conformidade dos regulamentos.

§ unico. O promotor de justiça observará as prescripções do regulamento do ministerio publico nos tribunaes militares.

Art. 255.° Na falta do promotor de justiça, quando este for de graduação ou antiguidade inferior á do accusado, ou estiver temporiaramente impedido, o ministro da guerra nomeará quem o substitua.

Art. 256.° O defensor officioso será um official superior do exercito ou da armada, nomeado por decreto, que reuna as qualidades necessarias para desempenhar as funcções de tal cargo.

§ unico. Na falta do defensor officioso, ou quando este estiver temporariamente impedido, o ministro da guerra nomeará quem o substitua.

Art. 257.° Os soldos, gratificações e demais vencimentos do promotor de justiça e defensor officioso no supremo conselho de justiça militar serão os auctorisados pelas leis vigentes ao tempo da promulgação d'este codigo.

SECÇÃO IV

Do secretario e demais empregados da secretaria

Art. 258.° No supremo conselho de justiça militar exercerá as funcções do secretario o empregado mais graduado ou, em igualdade de graduação, o mais antigo do quadro do secretariado militar.

Art. 259.° Ao secretario incumbe:

Página 745

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 745

1.° Servir de escrivão nos processos que tenham de ser julgados no supremo conselho de justiça militar em primeira e ultima instancia;

2.° Assistir, sem voto, a todas as sessões do tribunal;

3.° Lavrar nos processos todos os autos e termos necessarios;

4.° Escrever em livro, para esse fim destinado, as deliberações do tribunal que não tiverem de ser lançadas em autos;

5.° Dirigir os trabalhos da secretaria, pelos quaes é o primeiro responsavel, sob a inspecção do presidente e do juiz relator;

6.° Concorrer para a organisação da estatistica criminal militar, na conformidade dos regulamentos.

Art. 260.° Na secretaria do supremo conselho de justiça militar haverá mais os seguintes empregados do quadro do secretariado militar:

2 officiaes de secretaria;

2 aspirantes.

§ unico. Um official de secretaria e um aspirante são pagos pelo ministerio da marinha.

Art. 261.° Na falta ou impedimento do secretario, fará as suas vezes o official de secretaria mais antigo d'aquelles a que se refere o artigo anterior.

Art. 262.° O secretario vencerá o soldo da sua patente e a gratificação mensal de 15$000 réis.

Art. 263.° Para os fins designados no artigo 244.°, será abonada mensalmente ao supremo conselho de justiça militar a quantia de 20$000 réis, metade pelo ministerio da guerra e a outra pelo da marinha.

§ unico. O presidente, juiz relator e secretario administrarão esta verba, enviando annualmente á direcção da administração militar conta documentada da despeza.

Art. 264.° As disposições d'esta secção não prejudicam a situação e vantagens que actualmente competem ao secretario do tribunal superior de guerra e marinha.

SECÇÃO V

Dos empregados menores

Art. 265.° Para o serviço da secretaria e do tribunal haverá um porteiro, um continuo, um correio e um servente, tirados dos empregados menores dos tribunaes de primeira instancia, que tenham boas informações e estejam nas condições de bem desempenhar aquelles logares.

Art. 266.° O porteiro e correio terão, alem dos vencimentos a que tiverem direito como praças reformadas, o ordenado mensal de 15$000 réis, o continuo o de 10$000 réis, e o servente o de 9$000 réis.

Art. 267.° As disposições do artigo antecedente em nada prejudicam os actuaes empregados do tribunal superior de guerra e marinha.

TITULO II

Dos tribunaes e auctoridades judiciaes militares em tempo de guerra e em circumstancias extraordinarias

CAPITULO I

Disposições geraes

Art. 268.° A justiça militar, em tempo de guerra, é administrada, em nome do Rei, pelos tribunaes e auctoridades mencionadas no artigo 192.° e tambem pelos seguintes:

1.° Commandante em chefe do exercito em operações;

2.° Commandantes das divisões militares mobilisadas;

3.° Governadores de praças de guerra investidas, sitiadas ou bloqueadas;

4.° Commandantes militares de forças operando isoladamente;

5.° Prebostes militares,

Art. 269.° As disposições do titulo I d'este livro serão observadas, em tempo de guerra, em tudo quanto for applicavel e não estiver alterado no capitulo seguinte.

CAPITULO II

Dos conselhos de guerra

SECÇÃO I

Dos conselhos de guerra nos exercitos de operações

Art. 270.° Quando o exercito entrar em operações, poderá crear-se um conselho de guerra em cada divisão mobilisada e outro no quartel general do commandante em chefe do exercito.

Art. 271.° Os conselhos de guerra das divisões mobilisadas serão compostas de um presidente com a graduação de tenente coronel, e de um major, dois capitães e um auditor.

§ 1.° Quando houver de ser julgado um capitão, o conselho será presidido por um coronel e na sua composição, alem do auditor, entrarão um tenente coronel e dois majores.

§ 2.° Quando não houver numero sufficiente de officiaes com a patente exigida na lei para compor o conselho, o commandante em chefe providenciará, nomeando officiaes de alguma das outras divisões sob as suas ordens, ou mandando julgar o accusado no conselho de guerra estabelecido no seu quartel general.

Art. 272.° Os conselhos de guerra estabelecidos no quartel general do cominando em chefe do exercito serão compostos por modo identico ao das divisões.

§ 1.° Quando houver de ser julgado um capitão, o conselho será modificado em conformidade com o disposto no § 1.° do artigo antecedente.

§ 2.° Quando o accusado for official superior, o conselho será presidido por um general e entrarão na sua composição, alem do auditor, tres officiaes superiores mais graduados ou mais antigos do que o accusado.

§ 3.° Quando o accusado for official general, o conselho será formado por quatro officiaes mais graduados ou mais antigos do que o accusado, e pelo auditor.

Art. 273.° O presidente e vogaes militares dos conselhos de guerra, promotores de justiça e defensores dos accusados serão nomeados, no quartel general do exercito, pelo commandante em chefe, e em cada divisão, pelo general que a commandar, de entre os officiaes militares em serviço effectivo no exercito ou divisão do exercito junto da qual for estabelecido o conselho.

§ 1.° As funcções de secretario serão exercidas por empregados do secretariado militar ou, na sua falta, por officiaes subalternos, nomeados pelo commandante em chefe ou pelos Commandantes das divisões.

§ 2.° As funcções judiciaes em tempo de guerra não dispensam os officiaes do cumprimento dos deveres que lhe forem impostos pela natureza das commissões que exercerem.

Art. 274.° No caso de impossibilidade absoluta de se constituir o conselho por falta de officiaes com a patente exigida na lei, o commandante em chefe mandará que o accusado seja julgado pelo conselho de guerra territorial de alguma divisão mais proxima ou determinará que entrem na composição do conselho officiaes com patente igual ou inferior á do accusado, comtanto que estes não excedam o numero de dois.

§ unico. Poderá ainda o commandante em chefe, no caso previsto por este artigo, e se o accusado for general, requisitar do ministerio da guerra as providencias adequadas para que o julgamento se effectue perante o supremo conselho de justiça militar.

Art. 270.° Os auditores serão nomeados de preferencia de entre os auditores das divisões militares territoriaes e, na sua falta, serão nomeados de entre os juizes de direito da primeira instancia de qualquer classe.

Página 746

746 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

§ unico. Na falta ou impedimento de auditores togados, serão nomeados, para exercer as funcções de auditor, bachareis formados em direito e, não os havendo, officiaes para isso aptos, de graduação não inferior a capitão.

Art. 276.° Quando não forem estabelecidos os conselhos de guerra de que se trata n'esta secção, serão substituidos pelos conselhos de guerra da divisão ou divisões territoriaes em que se achar o exercito, podendo as sédes dos mesmos conselhos ser transferidas, por determinação do ministro da guerra, para qualquer localidade da mesma divisão territorial.

Art. 277.° Quando no exercito de operações forem creados e estabelecidos os conselhos de guerra de que trata o artigo 270.°, haverá junto do commandante em chefe um auditor geral tirado do quadro dos juizes de segunda instancia.

§ unico. Poderá haver um ou mais adjuntos do auditor geral se as necessidades do serviço assim o exigirem.

SECÇÃO II

Dos conselhos de guerra nas divisões ou forças militares operando isoladamente, e nas praças investidas, sitiadas ou bloqueadas

Art. 278.° Quando uma divisão ou qualquer força militar, cujo cominando pertença a official superior, operar isoladamente, ou por algum accidente de guerra se achar separada do exercito de operações, poderá ser creado pelo respectivo commandante um conselho de guerra para essa divisão ou força, se a necessidade do serviço assim o exigir.

Art. 279.° Em cada praça ou fortificação que se achar investida, sitiada ou bloqueada, poderá ser creado um conselho de guerra pelo respectivo governador ou commandante militar, o que, em tal caso, se fará publico pela ordem da praça, e por meio de bandos e editaes affixados nos logares competentes.

§ unico. Esta disposição não terá logar quando na praça ou fortificação houver conselho de guerra territorial.

Art. 280.° No caso dos dois artigos antecedentes, a nomeação do presidente e vogaes militares será da attribuição da auctoridade a quem compete prover á creação do conselho de guerra.

Art. 281.° No caso dos mesmos artigos, o presidente e vogaes militares dos conselhos de guerra serão nomeados de entre todos os officiaes de qualquer situação que fizerem parte da divisão ou força, ou residirem na praça ou fortificação, sem excepção dos reformados.

§ unico. O conselho será composto, quando seja possivel, pelo modo indicado no artigo 271.°; mas, não havendo officiaes com a patente exigida na lei em numero sufficiente para constituir o conselho, será este composto com officiaes de qualquer patente.

Art. 282.° Nos conselhos de guerra de que se trata n'esta secção, servirá de auditor o juiz de direito da comarca judicial respectiva e, não o havendo, um bacharel formado em direito ou um official para isso apto, nomeados pelo respectivo general, governador ou commandante.

SECÇÃO III

Dos conselhos de guerra em circumstancias extraordinarias

Art. 283.° Quando se derem as circumstancias extraordinarias previstas no § 34.° do artigo 145.° da carta constitucional da monarchia, e emquanto ellas durarem, poderão ser estabelecidos em cada divisão militar outros conselhos de guerra territoriaes, alem dos auctorisados no artigo 207.° do presente codigo.

§ unico. No archipelago dos Açores e na Madeira poderão tambem ser estabelecidos, nas mesmas circumstancias, conselhos de guerra territoriaes.

Art. 284.° No decreto que auctorisar a organisação de novos conselhos de guerra se designará a séde era que deverão funccionar, que poderá ser differente da sede da divisão.

§ 1.° Servirão de auditores nos conselhos de guerra assim instituidos os juizes designados no artigo 225.° d'este codigo.

§ 2.° Os diversos conselhos de guerra estabelecidos em uma divisão militar terão n'ella jurisdicção cumulativa, devendo ser organisados segundo as regras estabelecidas no capitulo V do titulo I do livro II do presente codigo.

CAPITULO III

Dos prebostes militares

Art. 285.° O chefe das tropas que forem encarregadas do serviço da policia do exercito em operações exercerá as funcções de preboste superior, e os commandantes das fracções das mesmas tropas que desempenharem identico serviço junto das divisões ou forças operando isoladamente as de preboste.

Art. 286.° Aos prebostes militares incumbe exercer:

1.° As attribuições de simples policia em conformidade dos regulamentos militares;

2.° A jurisdicção correccional da sua competencia nos termos restrictos do presente codigo.

§ unico. Um regulamento especial indicará a organisação dos prebostados, os preceitos e regras policiaes que devem reger nos acampamentos ou reuniões de tropas, tanto em tempo de paz como no de guerra, e as penalidades que poderão ser impostas aos infractores.

LIVRO III

Da jurisdicção e foro militar

TITULO I

Da competencia em tempo de paz

CAPITULO 1

Da competencia dos tribunaes militares

Art. 287.° Os tribunaes militares conhecem unicamente da acção publica para a imposição da pena pela infracção das leis criminaes.

§ unico. Ante os tribunaes militares, a parte offendida não é admittida a accusar, mas póde apresentar a sua queixa e auxiliar a justiça, ministrando-lho exposições, memorias ou informações.

Art. 288.° Quando, em virtude da lei geral, a accusação do ministerio publico estiver dependente da accusação ou queixa da parte offendida, ou de quem legitimamente a represente, as suas disposições serão observadas pelos tribunaes militares.

Art. 289.° Os tribunaes militares não são competentes para conhecer da regularidade ou irregularidade das operações do recrutamento militar.

Art. 290.° O julgamento da acção por perdas e damnos pertence exclusivamente aos tribunaes civis, mas não póde ser decidida emquanto o não for a acção criminal, quer esta seja intentada antes da civil, quer durante a sua pendencia,

§ unico. Devem, todavia, os tribunaes militares fazer restituir a seus donos os objectos apprehendidos aos criminosos e os que tenham vindo a juizo para prova do crime, não havendo impugnação fundada de terceiras pessoas, e se por lei não forem perdidos para o estado.

CAPITULO II

Da competencia dos conselhos de guerra territoriaes

Art. 291.° Os conselhos de guerra são competentes para conhecer dos crimes de qualquer natureza, excepto

Página 747

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 747

dos de contrabando e descaminho, commettidos por militares ou outras pessoas pertencentes ao exercito, com as limitações e distincções expressamente estabelecidas n'este codigo.

Art. 292.° Estão sujeitos á jurisdicção dos mesmos tribunaes em tempo de paz, emquanto permanecerem na effectividade do serviço ou estiverem em alguma commissão especial do serviço que as leis e regulamentos lhes incumbem:

1.° Os officiaes e praças de pret, combatentes ou não combatentes;

2.° Os officiaes e praças de pret, combatentes ou não combatentes, em serviço nas guardas municipaes e na guarda fiscal.

3.° Os officiaes em serviço na policia civil de Lisboa.

Art. 293.° As disposições do artigo antecedente são extensivas e applicaveis a todos os militares e pessoas pertencentes ao exercito, ás guardas municipaes ou guarda fiscal que estiverem como taes em algum dos casos seguintes:

1.° Nos hospitaes civis ou militares;

2.° Em algum asylo militar;

3.° Em disponibilidade ou licenciados temporariamente;

4.° Detidos em cadeias, presidios, estabelecimentos penitenciarios os correccionaes, ou conduzidos sob custodia da força publica;

5.° Em inactividade temporaria, por castigo;

E bem assim:

6.° Aos prisioneiros de guerra;

7.° Aos reservistas, durante o tempo que estiverem em serviço, ou nas revistas e reuniões de instrucção;

8.° Aos emigrados que estiverem sujeitos á auctoridade militar.

Art. 294.° Estão sujeitos á jurisdicção dos tribunaes militares, mas unicamente pelos crimes previstos n'este codigo, e salva a disposição do artigo seguinte:

1.° Os militares reformados que não estiverem desempenhando algum serviço militar;

2.° Os militares empregados em commissões não dependentes do ministerio da guerra, quando lhes não seja applicavel o disposto nos n.ºs 2.° e 3.° do artigo 292.°;

3.° Os militares licenciados nas reservas, quando não estiverem em serviço ou nas revistas e reuniões de instrucção.

4.° Os militares que estiverem em inactividade temporaria por causa differente da mencionada no artigo anterior;

5.° Os empregados, operarios e trabalhadores dos arsenaes, fabricas, depositos e secretarias militares.

§ unico. Os empregados, operarios e trabalhadores que não são militares, só estão sujeitos ás leis da disciplina militar dentro dos estabelecimentos e repartições onde fazem serviço e, assim, só respondem nos tribunaes militares e só lhes são applicaveis as disposições d'este codigo pelos crimes commettidos em serviço ou em rasão do serviço.

Art. 295.° Quando algum individuo sujeito á jurisdicção dos tribunaes militares for accusado, ao mesmo tempo, por algum crime da competencia d'estes tribunaes e por outro da competencia dos tribunaes ordinarios, será julgado perante os tribunaes militares por ambos os crimes.

§ unico. Exceptuam-se os desertores, que responderão nos tribunaes ordinarios pelos crimes communs que commetterem durante a deserção, e bem assim os militares a quem se refere o disposto no artigo 323.° do presente codigo, os quaes, só depois de julgados n'aquelles tribunaes, serão postos á disposição dos tribunaes militares para, perante elles, serem accusados pelo crime de deserção ou por qualquer outro previsto n'este codigo,

Art. 296.° Nos casos em que os tribunaes militares são competentes para conhecer de qualquer crime, o accusado será julgado perante o conselho de guerra territorial da divisão ou do commando militar em que commetter o crime, ou onde tiver o seu quartel.

§ 1.° Entre os tribunaes competentes prefere o que prevenir a jurisdicção.

§ 2.° Serão tambem julgados nos conselhos de guerra da mesma divisão os crimes commettidos por militares em navios do estado ou mercantes em viagem para a metropole.

Art. 297.° Se um militar for accusado por mais de um crime da competencia de diversos tribunaes militares, será julgado por todos n'aquelle em que pender o processo pelo crime mais grave. Sendo os crimes de igual gravidade, prefere o tribunal que houver prevenido a jurisdicção.

Art. 298.° Se no interesse da ordem publica, da disciplina ou da boa administração da justiça parecer conveniente que, em algum caso extraordinario, sejam alteradas as regras prescriptas nos artigos antecedentes, o ministro da guerra poderá ordenar ao promotor de justiça no supremo conselho de justiça militar que, expondo os motivos da conveniencia dá alteração, requeira ao mesmo tribunal que designe um outro conselho de guerra territorial para tomar conhecimento do caso e julgar os accusados.

Art. 299.° Quando, apesar das disposições do artigo 219.°, o accusado, em rasão da sua patente superior, não poder ser julgado em algum dos conselhos de guerra territoriaes competentes, segundo a, disposição do artigo 296.°, será julgado em um dos conselhos da divisão militar que tiver a sua sede em Lisboa.

CAPITULO III

Da competencia do supremo conselho de justiça militar

Art. 300.° O supremo conselho de justiça militar exerce funcções consultivas e judiciaes.

§ 1.° Como corpo consultivo, compete-lhe emittir parecer sobre quaesquer assumptos relativos ao exercito ou á armada em que, por portaria, for mandado ouvir pelo governo.

§ 2.° Como tribunal de justiça, compete-lhe:

1.° Julgar em primeira e ultima instancia os processos em que algum dos presumidos delinquentes seja official general, ou prisioneiro de guerra, ou emigrado politico de igual categoria;

2.° Conhecer e julgar definitivamente sobre termos e formalidades do processo e sobre a nullidade da sentença proferida pelos tribunaes sob a sua jurisdicção, e mandar proceder á sua reforma, nos termos determinados n'este codigo;

3.° Julgar definitivamente a causa quando se profira segunda sentença que se não conforme com a decisão de direito exarada no primeiro accordão;

4.° Exercer a jurisdicção que lhe compete pelo codigo penal e disciplinar da marinha mercante;

5.° Mandar suspender a execução de sentenças contradictorias passadas em julgado, proferidas por tribunaes do exercito ou da armada, em que dois ou mais réus tiverem sido condemnados como auctores do mesmo crime logo que a existencia de taes sentenças lhe seja communicada pelo promotor da justiça, ex officio, ou a requerimento de algum dos condemnados;

6.° Proceder do mesmo modo a respeito das sentenças que estiverem nas circumstancias mencionadas no numero anterior, se alguma d'ellas ainda estiver pendente em recurso;

7.° Mandar suspender a execução de qualquer sentença proferida por algum dos referidos tribunaes, em que alguem tenha sido condemnado, quando se tenha instaurado processo por falso depoimento contra alguma das testemunhas;

8.° Proceder, na conformidade do numero antecedente, guando se tiver promovido procedimento criminal, por su-

Página 748

748 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

borno ou peita, contra algum dos juizes que intervieram na sentença;

9.° Proceder do mesmo modo, quando houver indicios sufficientes da existencia de uma pessoa, supposta morta, que haja dado occasião á condemnação por homicidio.

Art. 301.° Compete mais ao supremo conselho de justiça militar:

1.° Conhecer dos conflictos de jurisdicção e competencia que se levantarem entre as diversas auctoridades ou tribunaes militares do exercito ou da armada;

2.° Advertir, por accordão, nos processos submettidos á sua decisão, os tribunaes inferiores, quando para isso haja motivo justificado;

3.° Mandar instaurar processo por qualquer facto criminoso de que tiver conhecimento por occasião do exame de algum processo.

TITULO II

Da competencia em tempo de guerra

CAPITULO I

Da competencia dos conselhos de guerra no exercito em operações em territorio portuguez

Art. 302.° Estão sujeitos á jurisdicção militar em tempo de guerra, por todo e qualquer crime:

1.° As pessoas que estão sujeitas a esta jurisdicção em tempo de paz;

2.° As pessoas que, por qualquer titulo, são empregadas ou exercem funcções nos estados maiores, administrações, fornecimentos e quaesquer outros serviços do exercito;

3.° Os bagageiros, postilhões, recoveiros, vivandeiros, lavandeiros, taberneiros, creados de officiaes e quaesquer outros individuos que acompanham e fazem parte da comitiva do exercito.

Art. 303.° São tambem sujeitos á jurisdicção militar em tempo de guerra:

1.° Os estrangeiros accusados por algum dos crimes previstos e punidos nas leis militares;

2.° Todos os individuos accusados por algum crime essencialmente militar;

3.° As pessoas que forem accusadas por adulteração das provisões de bôca ou de guerra destinadas á força armada;

4.° Os individuos que, devidamente requisitados para prestar qualquer serviço ao exercito, recusarem fazer este serviço ou o abandonarem, e bem assim os que recusarem satisfazer as requisições de vehiculos, transportes ou animaes que possuam e que lhes sejam legalmente requisitados.

CAPITULO II

Da competencia dos conselhos de guerra no exercito em operações em territorio estrangeiro

Art. 304.° Estando o exercito ou parte d'elle em territorio inimigo, são sujeitas á jurisdicção dos tribunaes militares todas as pessoas que commetterem algum dos crimes previstos nas leis militares.

Art. 305.° Quando o exercito estiver em territorio estrangeiro, mas amigo ou neutro, observar-se-hão, a respeito da jurisdicção e competencia, dos tribunaes militares, as regras que forem estipuladas nos respectivos tratados ou convenções com a potencia a que pertencer o territorio. Não havendo convenção, a jurisdicção e competencia dos tribunaes é regulada pelos principios do direito das gentes.

CAPITULO III

Disposições communs aos dois capitulos anteriores

Art. 306.° Serão julgados no conselho de guerra do quartel general do exercito em operações;

1.° Todos os militares e mais pessoas que fizerem parte ou estiverem addidas ao quartel general;

2.° Os officiaes generaes e os officiaes superiores combatentes ou não combatentes;

3.° Os militares que não fizerem parte de alguma divisão do exercito.

Art. 307.° Serão julgados nos conselhos de guerra das divisões militares mobilisadas todos os membros que fizerem parte de alguma divisão até ao posto de capitão.

Art. 308.° Quando houver de ser julgado algum official general, poderá o commandante em chefe, se lhe parecer conveniente, remetter o processo ao ministerio da guerra, a fim do accusado ser julgado no supremo conselho de justiça militar.

Art. 309.° Os individuos que não forem militares serão julgados no conselho de guerra da divisão mais proxima do logar do crime ou no do quartel general do exercito em operações, como parecer mais conveniente ao commandante em chefe, quando sujeitos á jurisdicção militar.

Art. 310.° As regras de competencia estabelecidas n'este capitulo para o exercito em campanha serão observadas nas divisões militares territoriaes que, por decreto, forem declaradas em estado de guerra.

Art. 311.° Em tempo de guerra, estando creados os conselhos de guerra mencionados no artigo 270.°, compete ao commandante em chefe do exercito exercer a jurisdicção que por este codigo pertence ao supremo conselho de justiça militar, ouvindo previamente o auditor geral, que dará o seu parecer por escripto nos autos.

Art. 312.° O general em chefe do exercito poderá fazer os regulamentos e estabelecer as penas necessarias á segurança das tropas sempre que não esteja em communicação com o governo.

§ unico. A mesma faculdade pertence ao governador de praça investida, sitiada ou bloqueada, e ao commandante militar superior de forças em operações que não estejam em communicação com o general em chefe nem com o governo.

CAPITULO IV

Da competencia dos conselhos de guerra nas praças sitiadas, investidas ou bloqueadas, e nas divisões ou forças operando isoladamente

Art. 313.° Os conselhos de guerra estabelecidos nas praças de guerra e fortificações sitiadas, investidas ou bloqueadas, e nas divisões ou forças militares operando isoladamente, são competentes para conhecer de todos os crimes commettidos pelas pessoas mencionadas nos artigos 302.°, 303.° e 304.°, segundo as distincções n'elle estabelecidas.

§ unico. Os conselhos de guerra estabelecidos nas praças de guerra ou fortificações a que este artigo se refere, são tambem competentes para conhecer dos crimes contra a ordem publica praticados por quaesquer pessoas encerradas nas mesmas praças ou fortificações.

Art. 314.° Aos governadores ou commandantes das praças de guerra e fortificações, e aos commandantes das divisões mobilisadas ou forças militares que operam isoladamente, pertence exercer toda a jurisdicção que compete ao commandante em chefe do exercito em operações.

CAPITULO V

Da competencia dos tribunaes militares em circumstancias extraordinarias

Art. 315.° Estão sujeitos á jurisdicção dos conselhos de guerra organisados nos termos dos artigos 283.° e 284.° do presente codigo:

1.° As pessoas que estão sujeitas a esta jurisdicção em tempo de paz;

2.° Os agentes dos crimes contra a segurança do estado;

3.° Os agentes de crimes que, pela sua connexão com

Página 749

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 749

es especificados no presente artigo, igualmente apresentarem o caracter de offensivos da segurança do estado ou da ordem e tranquillidade publica;

4.° Os agentes dos crimes de roubo, fogo posto, damno e emprego de materias explosivas com o fim de destruir pessoas, edificios, vias de communicação ou linhas telegraphicas ou telephonicas.

Art. 316.° A competencia dos conselhos de guerra estende-se aos individuos cujo domicilio esteja fóra do territorio submettido á suspensão de garantias, mas que sejam accusados como agentes de algum dos crimes anteriormente enunciados e ali praticados.

Art. 317.° A suspensão de garantias considera-se um facto preexistente ao acto que a motivou, estendendo-se assim a competencia dos tribunaes militares aos factos anteriores á mesma suspensão que a ella se liguem e a determinaram.

Art. 318.° A jurisdicção dos tribunaes militares continua, ainda mesmo depois de levantada a suspensão de garantias, com respeito aos factos commettidos anteriormente ao estado de suspensão e durante elle.

Art. 319.° Das decisões dos conselhos de guerra cabe recurso para o supremo conselho de justiça militar, em todas as circumstancias previstas no artigo 457.° e seguintes do presente codigo.

CAPITULO VI

Da competencia e jurisdicção dos prebostes militares

Art. 320.° A jurisdicção do preboste superior e dos outros prebostes abrange toda a area do territorio occupado pelas tropas junto das quaes funccionam e sobre os seus flancos e retaguarda.

Art. 321.° No territorio nacional e em territorio estrangeiro, amigo ou neutro, os prebostes militares têem jurisdicção correccional:

1.° Sobre os bagageiros, recoveiros, postilhões, vivandeiros, lavandeiros, taberneiros, creados dos officiaes e quaesquer outros individuos que acompanharem o exercito ou fizerem parte da sua comitiva;

2.° Sobre vadios e vagabundos;

3.° Sobre prisioneiros de guerra que não sejam officiaes.

§ unico. Quando o exercito passa a territorio inimigo, os prebostes teem jurisdicção correccional não só sobre as pessoas mencionadas n'este artigo, mas tambem sobre os habitantes, viajantes e quaesquer outros individuos estranhos ao exercito que forem encontrados na area occupada pelas tropas, emquanto essa jurisdicção não for conferida a outras auctoridades.

Art. 322.° Os prebostes militares conhecem unicamente:

1.° Das infracções de disciplina e contravenções de policia a que se refere o artigo 6.° d'este codigo;

2.° Das infracções das leis e regulamentos de policia e contravenções de qualquer natureza que no fôro ordinario ou commum estejam sujeitas a julgamento correccional;

3.° Das acções e reclamações por perdas e damnos, resultantes das infracções sujeitas á sua competencia de valor não excedente a 100$000 réis.

TITULO III

Disposições applicaveis em tempo de paz e em tempo de guerra

CAPITULO I

Da competencia no caso de co-participação em crimes

Art. 323.° Quando pelo mesmo crime forem accusados individuos sujeitos á jurisdicção dos tribunaes militares, e outros sujeitos á jurisdicção dos tribunaes ordinarios, serão todos processados e julgados perante estes tribunaes, se o crime for da natureza d'aquelles de que trata o artigo 4,°

§ unico. Nos crimes especificados no presente codigo, os accusados sujeitos á jurisdicção militar responderão perante os tribunaes militares, e os que forem sujeitos á jurisdicção ordinaria perante os tribunaes e justiças ordinarias.

Art. 324.° Não obstante o disposto no artigo antecedente, serão julgados pelos tribunaes militares todos os accusados:

1.° Quando todos forem militares ou pessoas pertencentes ao exercito, posto que algum d'elles não estivesse sujeito á jurisdicção militar ao tempo do crime;

2.º Quando forem pessoas sujeitas á jurisdicção militar e estrangeiras as que commetterem o crime;

3.° Quando o crime for perpetrado estando o exercito em paiz estrangeiro;

4.° Quando o crime for commettido em territorio portuguez, mas em frente do inimigo.

Art. 325.° Quando no mesmo crime forem co-réus individuos sujeitos aos tribunaes militares do exercito e outros sujeitos aos tribunaes da armada, serão todos processados e julgados por estes tribunaes, se o crime for commettido a bordo de algum navio, ou dentro do recinto de porto, arsenal ou outro estabelecimento maritimo.

§ unico. Se o crime for commettido fóra dos logares especificados n'este artigo, os tribunaes militares do exercito são os unicos competentes para o seu julgamento.

CAPITULO II

Da competencia do supremo tribunal de justiça

Art. 326.° Ao supremo tribunal de justiça compete conhecer e julgar dos recursos de revista interpostos, por incompetencia da jurisdição militar, pelos condemnados nos tribunaes do exercito e da armada.

§ 1.° O recurso mencionado n'este artigo só poderá ser interposto depois que a sentença condemnatoria dos tribunaes militares tenha passado em julgado.

§ 2.° O praso para a interposição do recurso é de tres dias.

Art. 327.° Não é permittido interpor recurso de revista em caso algum:

1.° Aos militares ou outras pessoas pertencentes ao exercito, mencionadas nos artigos 292.°, 293.° e 294.° d'este codigo;

2.° As pessoas sujeitas á jurisdicção dos conselhos de guerra nos casos dos artigos 302.°, 303.°, 304.° e 315.° d'este codigo;

3.° As pessoas encerradas em praça de guerra ou fortificação investida, situada ou bloqueada.

Art. 328.° Compete igualmente ao supremo tribunal de justiça:

1.° Conhecer e julgar dos conflictos de jurisdicção que se levantarem entre os tribunaes militares do exercito ou da armada e os tribunaes ordinarios;

2.° Prover, nos termos da lei geral, nos casos de sentenças, contradictorias proferidas pelos tribunaes militares, do exercito ou da armada, e pelos tribunaes ordinarios, em que um ou mais réus forem condemnados como auctores do mesmo crime, de sorte que as sentenças, longe de poderem conciliar-se, constituam prova da innocencia de algum dos condemnados.

LIVRO IV

Do processo penal militar

TITULO I

Do processo em tempo de paz

CAPITULO I

Disposições geraes

Art. 329.° O processo penal militar compõe-se, ordinariamente, de tres series de actos diversos e comprehende tres periodos differentes;

Página 750

750 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

l.º A policia judiciaria ou instrucção preliminar, que indaga os vestigios e indicios do crime e seus agentes, prepara e reune os primeiros elementos da instrucção;

2.° A instrucção ordinaria ou summario da culpa, que collige os indicios e provas que hão de servir para a discussão judicial, declara se ha motivo para a accusação, caracterisa ou qualifica provisoriamente os factos, e fixa a jurisdição que os ha de julgar;

3.° A accusação, que, estabelecendo a fórma do processo para garantia da justiça, assegura por meio de solemnidades essenciaes os interesses de repressão e a liberdade da defeza e pronuncia a final a sentença.

§ unico. Para a formação e julgamento dos processos penaes militares não ha ferias, sendo válidos mesmo os actos praticados em dias santificados, quando as conveniencias do serviço o exigirem.

CAPITULO II

Da formação da culpa

SECÇÃO I

Da policia judiciaria ou instrucção preliminar

Art. 330.° O militar que presenciar ou tiver noticia de crime commettido por militar seu inferior ou que, no exercicio das suas funcções, presenciar ou descobrir qualquer crime, dará immediatamente parte á auctoridade a que estiver subordinado, ou procederá logo ás diligencias de que se trata n'esta secção, se para isso for competente.

Art. 331.° A policiar judiciaria militar incumbe: averiguar se algum crime da competencia dos tribunaes militares foi commettido e os vestigios que deixou; investigar as circumstancias com que foi praticado; reunir os indicios que houver contra qualquer delinquente; colligir as provas que possam servir de base para a formação da culpa; apprehender e guardar os instrumentos do crime ou quaesquer provas materiaes que d'elle ficarem e cujo desapparecimento possa prejudicar a investigação da verdade; descobrir os delinquentes e capturar os que forem achados em flagrante delicto, entregando-os logo á auctoridade competente.

Art. 332.° Aos agentes da policia judiciaria militar compete n'essa qualidade:

1.° Receber a queixa participação ou denuncia do crime;

2.° Interrogar desde logo os presumidos delinquentes;

3.° Verificar, por meio de exame directo e inspecção ocular, todos os vestigios do crime e as provas materiaes que d'elle ficaram, os seus effeitos e resultados, e o estado dos logares em que foi commettido;

4.° Interrogar os offendidos, circumstantes, visinhos, creados, domesticos, bem como quaesquer pessoas que verosimilmente possam dar informação e dirigir a justiça na indagação da verdade;

5.° Apprehender os instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados no logar do delicto, nas suas immediações ou em poder dos presumidos delinquentes, e que com elle tenham alguma relação ou possam auxiliar a investigação da verdade, guardando-os cuidadosamente, quanto possivel;

6.° Tomar as providencias necessarias para que nada seja alterado no logar do crime antes de se proceder a todas as diligencias preliminares da instrucção;

7.° Requisitar o auxilio da força publica precisa para o desempenho das obrigações que lhes estão incumbidas;

8.° Redigir e mandar escrever os autos de noticia, queixa, participação ou denuncia, os de exame e inspecção ocular directa ou de investigação indirecta, e quaesquer outros autos e termos judiciaes precisos para verificar a existencia do delicto e circumstancias de que este foi revestido;

9.° Determinar o compadecimento de qualquer pessoa que possa esclarecer a verdade;

10.° Ordenar o exame physico do offendido e do presumido agente do crime? sempre que seja conveniente;

11.° Entrar na casa de qualquer cidadão para proceder a alguma diligencia judiciaria militar necessaria para o descobrimento do crime e sua comprovação.

§ unico. No desempenho das suas funcções, os agentes de policia judiciaria militar deverão regular-se pelas regras e indicações estabelecidas n'esta secção, e, nos casos omissos, pelas disposições da lei geral, cumprindo-lhes empregar todos os meios de indagação que a sua rasão lhes suggerir para o descobrimento da verdade e verificação do corpo de delicto.

Art. 333.° O corpo de delicto consiste no conjuncto de todos os elementos materiaes constitutivos da infracção ou que d'ella são vestigio ou signal exterior.

§ 1.° São elementos do corpo de delicto todos os actos que precederam, acompanharam ou seguiram a infracção, taes como a presença sobre certos logares, o estado das pessoas e dos objectos sobre que a acção foi praticada, os instrumentos que serviram para a sua perpetração, os ferimentos, a doença mais ou menos longa, a morte e outros similhantes.

§ 2.° São tambem elementos do corpo de delicto todos os factos accessorios que acompanharam a infracção, e que podem constituir circumstancias attenuantes ou aggravantes do crime.

Art. 334.° Em caso de flagrante delicto, todo o agente de policia judiciaria militar póde prender qualquer individuo suspeito de crime, lavrando immediatamente auto judicial em que se mencione a causa da prisão é as circumstancias que a acompanharam, o nome do preso e a sua graduação, sendo militar.

§ 1.° O militar que assim for preso, será logo posto á disposição da auctoridade a que na localidade estiver subordinado.

§ 2.º Fóra do caso de flagrante delicto, nenhum militar, em actividade de serviço, poderá ser preso senão por ordem dos seus superiores, aos quaes deve ser requisitada a prisão.

§ 3.° O individuo não militar que for preso pela auctoridade militar será entregue á auctoridade competente da localidade.

§ 4.° Qualquer que seja a categoria ou posto do preso em flagrante delicto, nunca se poderá escusar nem recusar-se a responder ás perguntas ou interrogatorios que lhe forem feitas pelo agente da policia judiciaria militar.

Art. 335.° Quando, fora dos casos de flagrante delicto, os agentes da policia judiciaria militar, no exercicio das suas funcções, precisarem entrar em algum estabelecimento dependente de auctoridade civil, ou effectuar ahi a prisão de algum individuo sujeito á jurisdicção dos tribunaes militares, ou alguma diligencia da policia judiciaria, solicitarão previamente da auctoridade civil competente a necessaria permissão, que nunca poderá ser recusada.

§ l.° Esta disposição terá tambem logar quando o estabelecimento for dependente da auctoridade maritima, á qual, n'este caso, serão dirigidas as requisições.

§ 2.° As auctoridades militares são igualmente obrigadas a satisfazer ás requisições que, para o mesmo fim, lhes forem dirigidas pelas auctoridades administrativas, judiciaes ou maritimas.

Art. 336.° Os officiaes da policia judiciaria militar não podem entrar em casa particular senão acompanhados pela auctoridade judicial da localidade, devendo lavrar auto especial da entrada, no qual declarem circumstanciadamente todas as diligencias praticadas e occorrencias que houver, conformando-se em tudo com as disposições das leis ordinarias.

Art. 337.° Se a pessoa offendida ou o objecto do crime forem encontrados, o agente da policia judiciaria descreverá no auto o seu estado e todas as mais circumstancias que tiverem relação com o facto criminoso.

Art. 338.° As armas, instrumentos e mais objectos que forem apprehendidos, serão minuciosamente descriptos no

Página 751

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 751

auto que se lavrar, de modo que d'elles possa fazer-se idéa cabal, assim como de todas as circumstancias em que foram achados.

§ unico. Os objectos a que este artigo se refere serio sellados, appensos ao processo, sendo possivel,, e conservados sempre por modo que não possam ser substituidos, alterados ou subtrahidos.

Art. 339.° O agente da policia judiciaria militar recolherá cuidadosamente e fará conservar, quanto possivel, no mesmo estado em que se acharam, todos os vestigios externos do crime, assim como todas as provas materiaes da sua perpetração, consignando no auto que lavrar a descripção do logar do delicto, o sitio e o estado em que se achavam os objectos, apprehendidos, com todos os pormenores que possam ser uteis á accusação e á defeza, e mandando, quando seja conveniente, levantar a planta do logar, retratar as pessoas, e desenhar ou copiar os objectos, armas e instrumentos do crime.

Art. 340.° Se para verificar o corpo de delicto for necessario fazer algum exame que exija conhecimentos technicos especiaes, deverá ser feito com intervenção de peritos, requisitados pela auctoridade competente.

§ 1.° Nos crimes de homicidio proceder-se-ha á autopsia, sempre que seja possivel, a fim de se conhecer com toda a exactidão a causa da morte; e o agente da policia judiciaria diligenciará que no auto se verifique a identidade do morto, descrevendo minuciosamente o cadaver, inquirindo testemunhas que o reconheçam, mandando-o retartar, quando não seja reconhecido, ou empregando qualquer outro meio que seja mais conveniente para aquelle fim.

§ 2.° Nos crimes de offensas corporaes, os peritos devem declarar a natureza e importancia dos ferimentos ou contusões, instrumentos com que foram feitos, prognostico da doença e seus effeitos provaveis, indicar desde logo o dia em que se deve proceder a novo exame e informar o agente da policia judiciaria de qualquer occorrencia pathologica que possa interessar á administração da justiça.

§ 3.° Nos crimes de roubo ou outros quaesquer praticados com fractura, arrombamento ou violencia, o agente de policia judiciaria fará examinar os vestigios que ficaram, procedendo-se a exame por peritos nos instrumentos, vestigios ou resultados do crime, e recolhendo, alem d'isso, todas as informações possiveis ácerca do modo e tempo em que o crime foi commettido.

§ 4.° Quando, para a qualificação do crime e das suas circumstancias, for necessario apreciar o valor do objecto do crime ou do damno causado, proceder-se-ha ao exame pericial, e aos pentes serão presentes todos os elementos directos de apreciação que poderem ser encontrados, mas, não os havendo, procurar-se-ha demonstrar por depoimentos de testemunhas a preexistencia da cousa furtada ou roubada, ou a verdade do damno causado, e os peritos procederão a uma equitativa avaliação, em presença das informações do queixoso e de quaesquer outras.

Art. 341.° Não podem ser peritos nas diligencias da policia judiciaria militar aquellas pessoas que, segundo as leis, não podem ser testemunhas em juizo nos processos criminaes.

§ unico. Para a verificação do corpo de delicto serão preferidos, quanto possivel, os peritos militares.

Art. 342.° O agente da policia judiciaria poderá requisitar das repartições publicas qualquer documento indispensavel para algum exame de peritos, devolvendo-o logo que a diligencia esteja concluida, e poderá tambem solicitar que nos estabelecimentos publicos competentes se proceda a quaesquer analyses scientificas que sejam necessarias para o descobrimento da verdade.

Art. 343.° Se o crime for d'aquelles que não deixam vestigios exteriores, ou quando estes tenham desapparecido, o agente da policia judiciaria procurará fazer constar por informações, depoimentos de testemunhas e quaesquer outros meios de prova admissiveis em direito, a existencia do crime e as suas circumstancias, e quaes sejam os seus agentes. Para este fim poderá transportar-se a qualquer localidade, dentro da area da divisão, onde se deva realisar alguma diligencia judicial, e expedir cartas precatorias, dirigidas aos auditores ou a quaesquer auctoridades militares, se houver necessidade de proceder a alguma diligencia em localidade dependente de outra divisão.

Art. 344.° Quando, durante as diligencias que incumbem á policia judiciaria, estiver detida alguma pessoa suspeita de haver commettido o crime, poderá esta, se não houver inconveniente, assistir a essas diligencias e fazer as observações que julgar opportunas, as quaes serão consignadas no auto que se lavrar.

§ unico. Não são comprehendidas n'esta disposição os depoimentos das testemunhas, a cuja inquirição o presumido delinquente não poderá assistir, salvo no caso extraordinario de ser necessaria a sua acareação com algumas das mesmas testemunhas.

Art. 345.° Os agentes da policia judiciaria militar serão auxiliados no exercicio das suas funcções por um inferior seu, por elles nomeado, se estiver sob as suas ordens, ou requisitado da auctoridade militar a que estiver sujeito, o qual escreverá os autos e termos judiciaes das diligencias que se effectuarem.

§ unico. O militar que servir de escrivão no processo terá fé publica nos actos que praticar na presença e com assistencia do agente da policia judiciaria.

Art. 346.° Os autos das diligencias praticadas pelos agentes da policia judiciaria serão remettidos ao commandante da divisão militar, pelas vias competentes, com todos os documentos, papeis e quaesquer objectos que digam respeito ao facto ou factos sobre que versou a instrucção preliminar, a fim de que o mesmo commandante possa providenciar como julgar conveniente.

§ unico. Do mesmo modo procederão as auctoridades judiciaes ordinarias, relativamente aos processos que ante ellas forem instaurados por crimes da competencia dos tribunaes militares.

Art. 347.° O commandante da divisão, depois de examinar o processo, se entender que a instrucção preliminar não está completa e que convem proceder a outras diligencias para averiguar a existencia do crime e suas circumstancias, ou a fim de descobrir os delinquentes, ordenará que o mesmo ou outro agente da policia judiciaria militar proceda a taes diligencias, em auto addicional, e se complete quanto possivel a instrucção.

Art. 348.° Terminada a instrucção preliminar, e resultando do processo indicios de culpabilidade contra algum militar que tenha posto inferior ao de coronel, são attribuições do commandante da divisão;

1.° Se o facto constituir crime previsto nas leis militares, determinar, por despacho fundamentado nos autos, s& deve ou não proceder-se á formação da culpa;

2.° Quando o facto ou factos constantes do processo constituirem crime previsto nas leis ordinarias, ordenar sempre o proseguimento do processo, salvo no caso previsto no § 1.° do artigo 6.° d'este codigo;

3.° Se os factos constantes do processo constituirem crime que, pela sua natureza ou pela qualidade do delinquente, não pertença á jurisdicção militar, determinar, por despacho fundamentado nos autos, que o processo seja remettido á auctoridade competente;

4.° Prover na fórma dos regulamentos disciplinares, se entender quedos factos constantes do processo constituem crime a que corresponda simples pena de multa, infracção de disciplina ou contravenção de policia sujeita á jurisdicção disciplinar, declarando-o assim por despacho fundamentado nos autos;

5.° Quando no processo se achar implicado algum delinquente não sujeito á jurisdicção militar, mandar extrahir traslado do processo e remettel-o ás justiças ordinarias.

Página 752

752 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

§ 1.° Se o facto constituir crime previsto nas leis militares, e a que unicamemte corresponda a pena de prisão militar ou a de incorporação em deposito disciplinar, o general ordenará sempre, por despacho fundamentado nos autos, que se prescinda do summario da culpa e se proceda immediatamente á accusação do presumido delinquente, nos termos do artigo 387.° e seguintes d'este codigo.

§ 2.° No caso do n.° 1.° d'este artigo, quando o general não mandar formar culpa, enviará immediatamente copia do seu despacho ao ministro da guerra, o qual, dentro de vinte dias, poderá ordenar ao commandante da divisão que reforme o seu despacho.

Art. 349.° Quando resultem do processo indicios de culpabilidade contra algum coronel ou general, o commandante da divisão ordenará, por despacho nos autos, que estes subam ao ministro da guerra, para que providenceie segundo as regras prescriptas no artigo antecedente.

Art. 350.° Os processos que não devam proseguir serão todos enviados ao promotor de justiça, a fim de serem archivados no conselho de guerra da divisão.

SECÇÃO II

Da instrucção ordinaria ou summario da culpa

Art. 351.° A instrucção ordinaria consiste na investigação judiciaria, que tem por fim colligir e reunir todas as provas e indicios do crime e suas circumstancias, empregar todas as medidas conservatorias indispensaveis ou uteis para a apreciação e qualificação dos factos criminosos, preparar o debate e assegurar a acção da justiça.

Art. 352.° O summario da culpa comprehende e abrange quaesquer pessoas determinadas ou indeterminadas contra quem houver provas ou indicios de culpabilidade, ou contra as quaes appareçam indicios nesta parte do processo.

§ 1.° No despacho do commandante da divisão, ordenando a instauração do summario da culpa, consideram-se sempre comprehendidos todos os factos criminosos que sejam connexos áquelle que deu origem ao processo, ainda que o despacho os não mencione expressamente.

§ 2.° A qualificação do facto criminoso feita pelo commandante da divisão sobre o processo da instrucção preliminar é provisoria e póde ser modificada posteriormente em resultado das provas colligidas no summario da culpa.

Art. 353.° Consideram-se crimes connexos para todos os effeitos judiciaes:

1.° Os commettidos ao mesmo tempo e no mesmo logar pela mesma ou por differentes pessoas;

2.° Os commettidos em differentes tempos ou logares, mas em resultado de concerto entre os delinquentes;

3.° Os que têem por fim preparar ou facilitar a execução de outro crime ou assegurar a sua impunidade.

Art. 354.° A ordem ou auctorisação para se proceder a summario será enviada ao promotor de justiça ante o conselho de guerra respectivo com todos os documentos, autos e objectos de qualquer natureza que forem convenientes para a instrucção do processo.

§ 1.° Os objectos enviados para juizo para prova da accusação, que tenham sido apprehendidos aos criminosos, ou que façam parte de um furto, serão restituidos aos seus donos, quando estes o requererem, seis mezes depois da ordem para se proceder a summario se, durante este praso, não tiver sido julgada definitivamente a causa.

§ 2.° Os objectos a que o paragrapho anterior se refere serão mandados entregar por despacho do auditor lavrando-se no processo termo de entrada e de responsabilidade.

Art. 355.° Recebida a ordem para a formação da culpa, o promotor de justiça articulará logo, nos autos, uma summaria e clara exposição dos actos que constam do processo, com todas as circumstancias relativas ao modo, tempo e logar em que foram praticados e que possam servir para a qualificação do crime, indicando ao mesmo tempo a lei que os prohibe, e concluindo pelo requerimento para que se proceda á formação da culpa.

§ unico. O promotor, na sua exposição, deverá conformar-se em tudo com as instrucções que superiormente tiver recebido, e no final d'ella indicará desde logo as testemunhas de que tiver noticia, sem prejuizo de apontar depois quaesquer outras cuja inquirição lhe pareça necessaria para o descobrimento da verdade.

Art. 356.° O processo do summario da culpa é secreto, escripto e não tem fórmas essenciaes e absolutas.

§ 1.° O juiz instructor, no desempenho dos seus deveres, póde recorrer a todos os meios legaes de indagação que a sua rasão lhe suggerir para o descobrimento da verdade, competindo-lhe poderes discrecionarios ácerca do emprego d'esses meios e da sua opportunidade para, verificar a existencia do crime, sua qualificação, modo e tempo em que foi commettido, e quaes os seus agentes. Para este fim poderá o mesmo juiz transportar-se ao logar do crime, inquirir testemunhas, proceder a visitas domiciliarias, exames e inspecções oculares ou vistorias, apprehendendo quaesquer objectos que tenham relação com o crime, expedir precatorias, mandados de comparecimento e de prisão, proceder a interrogatorios dos presumidos delinquentes e a quaesquer outros actos conducentes á indagação da verdade.

§ 2.° Nas diligencias a que se refere o paragrapho antecedente, quando desempenhadas pelo auditor, fóra da sede do tribunal, servirá de escrivão um official subalterno para esse fim nomeado pelo commandante da divisão.

§ 3.° Todas as decisões e qualificações pronunciadas pelo juiz instructor são provisorias e podem ser ampliadas ou modificadas pelo general commandante da divisão, ou pelo tribunal no julgamento definitivo.

Art. 357.° Não póde fazer objecto de indagação judicial, no processo da instrucção ordinaria ou summario da culpa, nenhum facto criminoso que não esteja comprehendido na ordem ou auctorisação do commandante da divisão. Exceptuam-se d'esta regra os crimes que forem connexos.

§ unico. Se durante o processo da instrucção ordinaria ou summario da culpa se descobrir algum crime não comprehendido na ordem ou auctorisação do commandante da divisão, o auditor dará disto conhecimento ao promotor de justiça, que solicitará do commandante da divisão as necessarias instrucções é requererá depois o que for conveniente para a boa administração da justiça.

Art. 358.° Dentro das primeiras quarenta e oito horas depois de recebidas as peças do processo com a exposição e requerimento do promotor, o auditor procederá ao interrogatorio dos presumidos delinquentes que estiverem presos ou sob custodia, e no menor praso de tempo possivel ao d'aquelles que não estiverem presos.

§ 1.° Os interrogatorios serão feitos na presença do secretario do conselho, que os escreverá com as respectivas respostas, e poderão ser repetidos sempre que for requisitado pelo promotor ou parecer conveniente ao auditor.

§ 2.° Do mesmo modo se procederá á confrontação dos presumidos delinquentes uns com os outros, ou com as testemunhas, e a quaesquer reconhecimentos, inspecções ou exames, observando-se em tudo as disposições da lei geral na parte não alterada n'este codigo.

§ 3.° O defensor officioso assistirá sempre aos interrogatorios, quando o presumido delinquente for menor de dezoito annos.

Art. 359.° Alem das mais attribuições que por lei pertencem aos auditores, como juizes instructores compete-lhes:

1.° Dirigir a instrucção do processo do summario da culpa, empregando officiosamente todos os meios que forem convenientes para a indagação da verdade;

Página 753

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 753

2.° Mandar comparecer no tribunal os presos ou detidos nas prisões militares;

3.° Prohibir, quando o julgue conveniente para a indagação da verdade, a livre communicação dos presos com quaesquer pessoas.

§ unico. Os chefes das prisões são obrigados a cumprir as ordens dos auditores, passadas em devida fórma.

Art. 360.° No desempenho das suas funcções, tanto os auditores como os promotores de justiça podem corresponder-se official e directamente com quaesquer auctoridades.

Art. 361.° No processo para a formação da culpa são admissiveis todos os meios de prova que as leis ordinarias reconhecem, taes como a confissão da parte, os exames, vistorias e inspecções oculares, documentos, testemunhas, juramento da parte offendida, indicios, presumpções e conjecturas; e a respeito de cada um destes meios de prova devem os magistrados e agentes da justiça militar regular-se pelas disposições da lei geral.

Art. 362.° Quando durante o summario o presumido delinquente apresente indicios de alienação mental, o auditor mandará proceder ás convenientes observações medico-legaes, sem prejuizo das diligencias precisas, para a verificação do crime"

§ unico. As observações a que se refere este artigo, quando outra cousa se não disponha na lei commum, serão feitas nos hospitaes militares permanentes de Lisboa e Porto, e os medicos peritos apresentarão o seu relatorio, dentro do praso maximo de tres mezes; devendo concluir pela responsabilidade ou irresponsabilidade do observando.

Art. 363.° No processo para a formação da culpa serão inquiridas testemunhas sem numero determinado, mas quantas forem suficientes para que a verdade seja esclarecida, preferindo-se sempre as que forem nomeadas pelo promotor de justiça.

§ unico. As testemunhas referidas ou por outras testemunhas ou pelo presumido delinquente, serão, ou não, inquiridas, segundo o prudente arbitrio do auditor.

Art. 364.° As testemunhas moradoras na comarca judicial em que tem séde o conselho de guerra, serão inquiridas pelo auditor, na presença do secretario do conselho, que escreverá os seus depoimentos, observando-se em tudo as disposições da lei ordinaria.

§ 1.° As testemunhas serão previamente intimadas com declaração do dia, hora e logar onde devem comparecer.

§ 2.° A intimação das testemunhas civis será feita pelos meirinhos da justiça militar, e as testemunhas militares serão requisitadas aos respectivos superiores.

§ 3.° Juntar-se-ha sempre ao processo uma certidão da intimação, passada no verso do mandado, ou o officio da auctoridade a quem tiver sido requisitada a testemunha.

§ 4.° A testemunha que, sendo intimada, não comparecer, ou aquella que recusar responder ás perguntas que lhe forem feitas, será autoada pelo respectivo auditor, e punida nos termos e pela fórma determinada na lei ordinaria.

Art. 365.° As testemunhas moradoras fóra da comarca em que tem séde o conselho de guerra, serão inquiridas por meio de cartas precatorias dirigidas aos auditores das outras divisões militares, com respeito áquellas que forem moradores na comarca judicial em que tem séde algum conselho de guerra; e aos respectivos juizes de direito, juizes municipaes, ou commandantes militares das localidades, com respeito ás que forem moradoras nas outra comarcas judiciaes.

§ 1.° As auctoridades a quem forem dirigidas as cartas precatorias dar-lhes-hão cumprimento dentro de um praso não excedente a dez dias contados da data da recepção.

§ 2.° As auctoridades a que se refere o artigo 200.° d'este codigo podem inquirir as testemunhas ou nomear qualquer official seu subordinado para proceder á inquirição.

Art. 366.° Se alguma testemunha estiver impedida de comparecer, o auditor ou as auctoridades a quem forem dirigidas as precatorias transportar-se-hão ao logar do domicilio da testemunha, e procederão ahi á sua inquirição, nos termos legaes.

Art. 367.° O auditor que instruir o processo pôde, quando o julgar conveniente, proceder pessoalmente a qualquer diligencia judicial das mencionadas no artigo 356.° que deva realisar-se dentro da area da divisão, ou deprecar ás auctoridades judiciaes ou militares que forem competentes, nos termos do artigo 360.°, para que procedam a essas diligencias.

Art. 368.° Se no processo da instrucção preliminar já estiverem escriptos os depoimentos, tomados em devida fórma, de algumas testemunhas nomeadas pelo promotor de justiça, o auditor poderá deixar de proceder a nova inquirição, declarando-o assim por despacho.

§ unico. Observar-se-ha tambem esta disposição a respeito de qualquer outra diligencia judicial a que os agentes da policia judiciaria já tenham regularmente procedido.

Art. 369.° Se no mesmo processo houver dois ou mais co-réus, todos sujeitos á jurisdicção dos tribunaes militares, para todos haverá um só processo de formação da culpa, ainda que tenham differentes graduações.

Art. 370.° O auditor poderá, quando o julgar conveniente, e deverá, quando lhe for requerido pelo promotor de justiça, reperguntar qualquer testemunha que já tenha deposto, proceder á acareação de umas com outras, ou á sua confrontação com os presumidos delinquentes, e fazer de novo ou repetir qualquer exame, inspecção ou outra diligencia que possa ser util para o descobrimento da verdade.

Art. 371.° O promotor de justiça poderá assistir aos interrogatorios dos presumidos delinquentes e a todas as diligencias e actos da instrucção do processo, e deverá requerer tudo o que for conveniente á investigação da verdade.

Art. 372.° Se, durante a instrucção, parecer ao auditor que o facto não constitue crime da competencia dos tribunaes militares, ou que a acção publica, para a imposição das penas, está suspensa ou extincta pela prescripção, amnistia, caso julgado, ou outra cansa legal, assim o declarará nos autos, mandando entregar o processo ao promotor de justiça, que o remetterá ao commandante da divisão, para resolver o que for de justiça.

Art. 373.° Concluidas as diligencias judiciaes para a formação da culpa, o auditor lançará no processo uma desenvolvida e fundamentada exposição, mencionando os factos que o motivaram, ou que d'elle resultam, com todas as circumstancias que os acompanharam ou se lhe seguiram, e que possam servir para caracterisar o crime e para a sua exacta qualificação legal; indicando ao mesmo tempo as leis, militares ou ordinarias, que os incriminam, emittindo o seu parecer ácerca do andamento que deve ter o processo, do merecimento e procedencia dos indicios ou provas que houver contra qualquer pessoa.

§ 1.° Se os factos constantes do processo não constituirem crime, nem infracção de disciplina, ou contravenção de policia, se não existirem provas nem indicies de culpabilidade contra pessoa alguma, ou se estiver demonstrada alguma circumstancia dirimente da responsabilidade criminal, assim será declarado pelo auditor na sua exposição.

§ 2.° Se os factos constantes do processo constituirem crime a que corresponda simples pena de multa, contravenção de policia ou infracção de disciplina sujeita a punição disciplinar, assim tambem será declarado pelo auditor.

§ 3.° Se resultar do processo que os factos criminosos não pertencem á competencia dos tribunaes militares, ou que as pessoas por elles criminalmente responsaveis, ou

Página 754

754 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

algumas d'ellas, não estão sujeitas á sua jurisdicção, assim será igualmente declarado pelo auditor.

§ 4.° Se, finalmente, os factos resultantes do processo constituirem crime da competencia dos tribunaes militares, e as pessoas por elles responsaveis estiverem sujeitas á sua jurisdicção, o auditor assim o exporá, concluindo por emittir parecer ácerca do merecimento da prova para radiciação e para se dever instaurar a accusação.

Art. 374.° Depois de lançada nos autos a exposição do auditor, o processo será immediatamente entregue ao promotor de justiça, que logo o remetterá ao commandante da divisão.

§ unico. O promotor de justiça informará o commandante da divisão de tudo o que julgar conveniente ácerca do processo, mas esta informação não será escripta nos autos.

Art. 375.° Se ao commandante da divisão parecer que no summario da culpa existem irregularidades ou omissões, ou que se não empregaram todos os meios uteis de investigação da verdade, assim o declarará por despacho nos autos, ordenando que estes sejam remettidos ao promotor de justiça, para requerer as diligencias que lhe indicar.

Art. 376.° Ultimado o summario, o commandante da divisão, depois de examinar attenta e cuidadosamente o processo, resolverá o destino e o seguimento que deve ter, observando as regras seguintes:

l.ª Se os factos constantes do processo constituirem crime previsto e punido pelas leis militares, e houver prova ou indicios de culpabilidade contra alguma pessoa sujeita á jurisdicção dos tribunaes militares, o commandante da divisão mandará instaurar a accusação, se não houver inconveniente para a disciplina.

2.ª Se os factos constantes do processo constituirem crime a que sejam applicaveis as disposições do codigo penal ordinario, e resultarem provas ou indicios de culpabilidade contra qualquer individuo sujeito á jurisdicção dos tribunaes militares, o commandante da divisão ordenará que a accusação seja instaurada.

3.ª Se o commandante da divisão entender, de accordo com o parecer do auditor, que dos autos não resultam provas nem indicios racionaes da existencia do facto que motivou o processo, que o mesmo facto não é punivel segundo a lei, que os presumidos delinquentes estão isentos de criminalidade ou que a acção penal está extincta, assim o declarará por despacho nos autos, e ordenará que o processo seja archivado.

§ l.° As regras estabelecidas n'este artigo serão observadas, ainda que os presumidos delinquentes não tenham sido interrogados por haverem desertado, por se não ter podido effectuar a sua prisão, ou por qualquer outro motivo.

§ 2.° Quando o commandante da divisão entender que a accusação não deve ser instaurada, contra a opinião do auditor, escripta no processo, enviará copias authenticas do seu despacho, da exposição do auditor e da informação do promotor de justiça ao ministro da guerra, o qual, dentro do praso maximo de vinte dias, poderá mandar reformar o despacho.

§ 3.° Quando o commandante da divisão entender que a accusação não deve ser instaurada, fundamentará o seu despacho mandando archivar o processo, o qual para esse fim será enviado ao promotor de justiça.

Art. 377.° Se algum dos presumidos delinquentes tiver o posto de coronel ou general, as attribuições a que se referem os dois artigos antecedentes serão exercidas pelo ministro da guerra.

Art. 378.° A ordem para se instaurar a accusação deve especificar com clareza os factos criminosos sobre que ella ha de versar, qualificando provisoriamente os crimes e providenciando ácerca de todos que resultem do processo da culpa, ou constem de algum outro processo ainda não julgado.

Art. 379.° Quando do processo resultarem indicios de criminalidade contra algum par do reino, deputado da nação ou qualquer pessoa que tenha, alem do militar, outro fôro especial, o commandante da divisão observará o que a tal respeito está determinado nas leis geraes.

Art. 380.° Não é permittido tirar copias authenticas ou certidões dos processos militares senão a requerimento do ministerio publico ou em virtude de ordem emanada da auctoridade superior.

§ unico. Nas disposições d'este artigo não se comprehendem as sentenças e accordãos transitados em julgado.

CAPITULO III

Da prisão e homenagem

Art. 381.° Nos crimes a que se refere o artigo 4.° d'este codigo e a que corresponder alguma das penas mencionadas no artigo 55.° do codigo penal, os réus militares serão sempre reclusos em prisão fechada.

Art. 382.° A disposição do artigo antecedente será observada em relação a todos os crimes à que se refere o artigo 1.° do presente codigo, quando a pena correspondente for superior á de seis mezes a tres annos de presidio militar.

Art. 383.° Fóra dos casos previstos nos dois artigos antecedentes, póde ser concedida homenagem a todos os réus militares quando não sejam reincidentes.

§ unico. As praças de pret a quem se não conceder homenagem serão recolhidas nas casas de reclusão, observando-se as disposições dos respectivos regulamentos.

Art. 384.° A homenagem será concedida pelo ministro da guerra, se o accusado for coronel ou general, e pelo commandante da divisão em todos os mais casos.

§ unico. Nos crimes a que se refere o artigo 4.° d'este codigo, para a concessão da homenagem, será sempre ouvido, segundo as circumstancias, o auditor da divisão ou um dos juizes togados do supremo conselho de justiça militar, que emittirão o seu parecer por escripto.

Art. 385.° A homenagem concedida a official póde ser na propria casa da sua residencia, em sala no quartel do corpo ou estabelecimento a que pertencer ou lhe for designado, em todo o edificio do quartel ou estabelecimento, na praça, acantonamento, cidade, villa ou logar em que se achar ou lhe for designado, conforme o prudente arbitrio do commandante da divisão ou do ministro, segundo os casos, tomando-se em consideração a gravidade do crime, a graduação do accusado e o seu comportamento anterior.

§ unico. As praças de pret que tiverem homenagem ficarão detidas nos quarteis dos corpos a que pertencerem ou a que estiverem addidas.

Art. 386.° O militar a quem tiver sido concedida homenagem e deixar de comparecer a algum acto judicial para que tenha sido intimado, ou o que não for encontrado para se lhe fazer alguma intimação judicial, será recolhido a prisão, applicando-se-lhe as penas mais graves em que possa incorrer, se for considerado desetor.

CAPITULO IV

Da accusação, defeza e julgamento

SECÇÃO I

Dos actos anteriores à discussão

Art. 387.° Logo que o promotor de justiça receber o processo com a ordem para instaurar a accusação, não estando ainda preso o presumido delinquente, requisitará de officio a sua prisão ou promoverá que pelo auditor se expeça mandado de captura.

Página 755

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 755

Art. 388.° Effectuada a prisão, o promotor deduzirá a accusação, nos autos, por artigos, especificando:

1.° O nome e appellido do accusado ou accusados, com declaração dos postos e situações militares que tiverem, e de todos os signaes que possam servir para verificar a sua identidade;

2.° A exposição summaria do facto ou factos imputados, com designação de todos os elementos que os tornam criminosos e a possivel indicação de todas as circumstancias que possam servir para bem os caracterisar ou concorrer para ser apreciada a culpabilidade do delinquente;

3.° Citação das leis, militares ou ordinarias, que incriminam os factos praticados;

4.° Requerimento, para que ao accusado sejam applicadas as penas da lei infringida;

5.° Rol das testemunhas que pretende produzir para prova da accusação, com declaração dos seus nomes, appellidos, moradas, profissões e comarca judicial onde residem.

§ unico. No caso do artigo 362.°, quando esteja verificada a doença do presumido delinquente, o acto accusatorio só será escripto nos autos depois d’elle ter recuperado a rasão.

Art. 389.° O acto da accusação será deduzido em conformidade com a ordem do commandante da divisão ou com o despacho de pronuncia, e comprehenderá todos os crimes da competencia dos tribunaes militares, pelos quaes o mesmo réu seja responsavel e cuja accusação esteja a esse tempo competentemente auctorisada.

Art. 390.° Se ao promotor de justiça parecer que deve ser supprida alguma omissão ou que convem praticar-se alguma diligencia necessaria para o descobrimento da verdade, requererá logo que se suppra a omissão ou se proceda á necessaria diligencia.

Art. 391.° Quando o facto criminoso poder ser encarado sob diversos aspectos legaes, a accusação pelo crime mais grave envolve implicitamente a accusação pelo menos grave.

Art. 392.° Quando, em rasão do mesmo crime, ou de crimes connexos, houver co-réus que possam ser accusados ao mesmo tempo, serão todos simultaneamente julgados perante o mesmo conselho de guerra.

§ unico. Se algum dos réus for accusado por differentes crimes não connexos, o auditor, a requerimento do ministerio publico, dos interessados, ou mesmo officiosamente, poderá ordenar a separação das culpas ou a juncção dos processos, segundo mais convier para a investigação da verdade.

Art. 393.° O auditor, logo que receber o processo com o acto da accusação, determinará, por despacho, que a cada um dos accusados se entregue, sob pena de nullidade, uma nota da sua culpa, a qual, alem da copia do acto da accusação e do rol das testemunhas, deverá conter as declarações seguintes:

1.° Que lhe é permittido apresentar na secretaria do conselho a sua defeza por escripto, dentro de tres dias, ou deduzil-a verbalmente na audiencia do julgamento;

2.° Que não lhe é permittido deduzir em sua defeza materia alguma que se dirija a accusar directa ou indirectamente os seus superiores, quando a accusação não tiver relação immediata com o crime que lhe for imputado;

3.° Que deve entregar o rol das testemunhas para prova de defeza, ou logo, no acto da intimação, ou dentro de tres dias, na secretaria do conselho;

4.° Que não lhe é permittido indicar mais de cinco testemunhas para prova de cada facto que allegar;

5.° Que, até tres dias antes do julgamento, lhe é permittido additar ou substituir os nomes das testemunhas, comtanto que as novamente indicadas residam na localidade onde funccionar o conselho;

6.° Que póde constituir defensor qualquer official ou advogado, e que, não o escolhendo, será defendido pelo defensor officioso, cujo nome e graduação lhe serão indicados;

7.° Que lhe é permittido requerer, dentro do praso de tres dias, o que julgar conveniente para a sua defeza.

Art. 394.° A intimação da accusado será feita pelo secretario do conselho, ou por qualquer pessoa militar a quem esta diligencia for incumbida.

§ 1.° Se o accusado for official, a intimação será feita pelo secretario do conselho ou por algum official de posto pelo menos igual ao do accusado; e se for praça de pret, poderá ser feita por um official inferior.

§ 2.° Uma certidão da intimação será junta ao processo, assignada pelo intimado, ou por duas testemunhas, se elle não assignar.

Art. 395.° Entregue ao accusado a nota da culpa, o defensor officioso será intimado para tomar conhecimento do processo, para o que este estará patente na Decretaria durante tres dias, não podendo d’ali saír por motivo algum.

§ unico. Findo este praso, não será admittido ao defensor officioso ou ao accusado requerimento algum para diligencia que haja de effectuar-se fóra da localidade onde funccionar o conselho.

Art. 396.° Quando o accusado escolher para defensor algum advogado ou official que não seja o defensor officioso, o processo estará patente na secretaria durante cinco dias, findos os quaes é applicavel ao defensor escolhido pelo accusado o preceito estabelecido no § unico do artigo antecedente.

Art. 397.° Terminados os prasos estabelecidos nos artigos antecedentes, o secretario do conselho fará os autos conclusos ao auditor, que deferirá, como for de justiça, aos requerimentos do ministerio publico, do accusado ou do defensor; e mandará expedir as cartas precatorias necessarias, tomando, alem d’isto, quaesquer outras providencias que, como juiz instructor do processo, lhe competirem.

§ 1.° As precatorias serão dirigidas aos auditores das outras divisões militares ou, quando as testemunhas forem moradoras em comarca em que não tenha sede algum conselho de guerra, aos respectivos juizes.

§ 2.° A sua expedição será sempre intimada ao accusado e ao ministerio publico.

§ 3.° Á inquirição das testemunhas no juizo deprecado assistirá sempre o agente do ministerio publico, militar ou civil, conforme os casos, podendo assistir tambem o accusado por seu procurador.

§ 4.° O juizo deprecado dará cumprimento á precatoria dentro de dez dias da recepção, preferindo este serviço, para o qual não haverá ferias, a qualquer outro serviço judicial.

§ 5.° No caso de impossibilidade em lhe dar cumprimento dentro de dez dias, o agente do ministerio publico informará immediatamente o juizo deprecante da rasão da demora.

§ 6.° Se o accusado não se fizer representar na inquirição, por procurador, o juiz deprecado nomeará pessoa idonea que assista a ella como defensor do accusado.

Art. 398.° Não serão concedidas cartas rogatorias para paiz estrangeiro nem precatorias para, as provincias ultramarinas ou ilhas adjacentes, salvo nos casos seguintes:

1.° Quando o crime ali tiver sido commettido;

2.° Quando ao conselho de guerra, em conferencia, na discussão da causa, parecer indispensavel para prova de algum, facto essencial á accusação ou á defeza.

§ unico. A dilação será arbitrada pelo auditor.

Art. 399.° Devolvidas as deprecadas, e concluidos todos os actos preparatorios do processo, o auditor mandará fazer todos os autos conclusos ao presidente do conselho, a fim de elle designar dia para a discusão e julgamento da causa.

§ 1.° O julgamento terá logar, sempre que seja possivel, dentro de vinte dias, contados da data da recepção da ordem para instaurar a accusação.

§ 2.° O dia do julgamento será marcado, seguindo-se

Página 756

756 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

quanto possivel a ordem por que os processos ficaram promptos para julgamento.

Art. 400.° O dia do julgamento será intimado, com antecipação de quarenta e oito horas, ao ministerio publico, ao accusado e á parte queixosa, havendo-a, e se tiver escolhido residencia dentro da comarca judicial.

Aat. 401.ª Ao accusado, desde que lhe for intimada a accusação, é permittido communicar livremente com o defensor, o qual poderá tirar copia de quaesquer peças do processo, sem que o julgamento possa ser retardado por sua causa.

SECÇÃO II

Da discussão da causa em audiencia

Art. 402.° O processo de julgamento tem por fim submetter á decisão do conselho de guerra, por meio de discussão controvertida, a materia da accusação e defeza, a fim de que o mesmo conselho possa resolver o que for de justiça.

Art. 403.° Designado o dia para o julgamento, o presidente tomará todas as providencias necessarias para a reunião do conselho.

Art. 404.° O presidente e vogaes do conselho, o promotor, o defensor e o secretario devem comparecer de grande uniforme, o auditor de béca, e todos com as insignias das condecorações nacionaes que tiverem.

§ unico. Os advogados comparecerão de toga.

Art. 405.º Reunido o conselho, o presidente tomará o logar central, á sua direita ficará o vogal mais graduado, á esquerda o auditor, e os demais vogaes do conselho tomarão logar alternadamente á direita e á esquerda, segundo as suas respectivas graduações e antiguidades. Em mesas separadas tomarão logar o promotor e o defensor: este á esquerda e aquelle á direita. O secretario ficará tambem em mesa separada, dando a direita ao presidente.

Art. 406.° Se a parte queixosa se apresentar na audiencia, será admittida no recinto do tribunal e ouvida no que disser respeito á causa, podendo para esse fim ser acompanhada de advogado da sua escolha, que tomará logar em seguida ao promotor.

Art. 407.° Sobre a mesa do conselho estará sempre, alem do livro dos santos evangelhos, um exemplar do codigo de justiça militar, outro do codigo penal e outro do codigo do processo penal.

Art. 408.° Logo que o conselho esteja constituido, o presidente declarará aberta a audiencia.

§ l.° Ao presidente compete a policia da audiencia, incumbindo-lhe manter a ordem, a dignidade e socego, usando para esse fim de todos os meios de prudencia e moderação; mas, se estes não bastarem, recorrerá aos meios de auctoridade e jurisdicção que para tal fim lhe competem, empregando, se necessario for, a força publica.

§ 2.° Na discussão da causa e para o descobrimento da verdade, tem o presidente poderes discrecionarios. Póde mandar comparecer no tribunal, quando o julgar conveniente, as pessoas que, em rasão do officio, arte, profissão ou outra causa, possam dar informações; requisitar das repartições publicas, e mandar ler em audiencia, qualquer documento que, por sua natureza, não seja confidencial; proceder e mandar proceder a quaesquer exames e inspecções que dependam de conhecimentos especiaes de alguma sciencia ou arte.

§ 3.° A audiencia do julgamento será publica. Se, porém, o conselho entender que, no interesse da ordem, da disciplina militar, da decencia ou da moral, a discussão deve ser em audiencia secreta, assim o resolverá. Esta resolução será pelo presidente annunciada em audiencia e constará da acta.

§ 4.° A audiencia do julgamento será continua até á publicação da sentença, ainda que tenha de progredir em dia santificado, podendo unicamente ser interrompida, por espaço de oito horas em cada vinte e quatro, para as necessidades essenciaes da vida, ou adiada nos casos mencionados nos artigos 421.° e 422.° Quando o julgamento for adiado, a deliberação do conselho será annunciada em voz alta pelo presidente, declarando o dia e hora em que elle deve continuar, e equivalendo essa declaração á intimação individual de todas as pessoas que, devendo estar presentes, hajam de comparecer na futura audiencia.

Art. 409.° Os espectadores estarão sempre descobertos, os não militares, desarmados, e todos guardarão respeito e silencio.

§ 1.° Se algum ou alguns dos espectadores derem signaes de approvação ou desapprovação, fizerem arruido, ou por qualquer outro modo faltarem ao respeito devido ao tribunal, serão mandados saír da sala.

§ 2.° No caso de desobediencia, serão logo autuados e pelo presidente condemnados á pena de prisão, não excedente a quinze dias, salvo havendo crime mais grave. Esta pena será cumprida nas prisões militares ou civis, conforme o infractor for ou não militar.

§ 3.° Se durante a audiencia se commetter ou descobrir qualquer crime, lavrar-se-ha immediatamente o respectivo auto judicial.

Art. 410.° Os autos que se lavrarem em audiencia serão remettidos ao commandante da divisão, se o delinquente for militar, e, não o sendo, á auctoridade civil competente.

Art 411.° Depois de constituido o tribunal, será introduzido na sala o accusado, que deverá ter sido previamente revistado, e se assentará em frente do presidente, adoptando-se as precauções necessarias para a sua guarda e segurança.

§ 1.° Se o accusado recusar comparecer á audiencia do julgamento, o presidente ordenará que seja conduzido á força, ou, por deliberação do conselho, se procederá á discussão da causa como se elle estivesse presente.

§ 2.° Se durante a discussão da causa o accusado tentar, por qualquer modo, impedir o livre curso da justiça, ou se, depois de advertido pelo presidente, insistir em accusar qualquer superior seu por factos que não tenham relação immediata com os da accusação, será mandado retirar da audiencia, a discussão proseguirá como se elle estivesse presente e, por esse facto, ser-lhe-ha imposta, por decisão do conselho e observando-se as regras estabelecidas nos artigos 34.° e 35.° d’este codigo, a pena de presidio militar de seis mezes a tres annos.

Art. 412.° O secretario fará em seguida a chamada das testemunhas da accusação e defeza, verificando se falta alguma, e o motivo.

§ unico. Salvos os casos previstos no artigo 421.°, a falta de qualquer testemunha não obstará á continuação do julgamento.

Art. 413.° Concluida a chamada das testemunhas, o presidente mandará ler pelo secretario a ordem para se instaurar a accusação, o acto de accusação do ministerio publico, a defeza escripta, havendo-a, a nota dos assentos e todas as mais peças do processo que lhe pareça conveniente ou cuja leitura lhe for requerida pelo ministerio publico, pelo defensor do accusado ou por algum dos vogaes do conselho.

Art. 414.° O presidente, em seguida, verificará a identidade do accusado, perguntando-lhe o seu nome, posto, filiação, naturalidade, idade e estado; advertil-o-ha de que lhe é permittido dizer o que julgar util á sua defeza e lembrará ao defensor que póde requerer quanto for a bem da causa, e exprimir-se com liberdade, mas com decencia e moderação, sem faltar aos dictames da sua consciencia, ás regras e preceitos da disciplina e ao respeito devido ás leis.

§ unico. O presidente terá o maximo cuidado em que os defensores não infrinjam o preceito d’este artigo, advertindo-os pela primeira vez e retirando-lhes a palavra, havendo reincidencia. N’este caso será a defeza confiada

Página 757

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 757

a qualquer pessoa idonea, podendo o secretario do tribunal accumular estas funcções com os deveres do seu cargo.

Art. 415.° Depois das advertencias a que o artigo antecedente se refere, o accusado ou o seu defensor poderão deduzir as excepções que tiverem contra a competencia do conselho de guerra ou tendentes a illidir a accusação, as quaes serão lançadas na acta e logo decididas pelo conselho em conferencia. Se forem rejeitadas, proseguirão os termos do julgamento, salvo o recurso final para a instancia superior.

§ unico. Do mesmo modo se procederá a respeito de qualquer outra excepção, questão previa ou incidente contencioso que occorra durante a discussão da causa.

Art. 416.° Em todos os incidentes da discussão da cansa em que fallar o ministerio publico será ouvido o defensor do accusado, e vice-versa, não podendo qualquer d’elles fallar mais de duas vezes.

Art. 417.° Se a defeza do accusado não estiver escripta nos autos, será deduzida verbalmente pelo defensor, e reduzida a escripto pelo secretario, a fim de ser incluida na acta.

Art. 418.° Em seguida o presidente concederá a palavra ao auditor, a fim d’este proceder aos interrogatorios do accusado.

Art. 419.° Seguir-se-ha a inquirição das testemunhas, que terá logar pelo modo prescripto na lei geral.

§ unico. Nenhuma testemunha, ainda depois de inquirida, poderá retirar-se da sala da audiencia ser permissão do presidente.

Art. 420.° Se alguma testemunha for achada em falso depoimento, o presidente, ex officio, ou a requerimento do ministerio publico, do accusado ou do seu defensor, proporá aos vogaes do conselho, em quesito, se a testemunha deve ou não ser accusada como prejura. Se em conferencia o conselho se pronunciar pela accusação, lavrar-se-ha o competente auto, que será remettido á auctoridade a quem competir a organisação do processo.

§ unico. Quando a contradicção da testemunha for sómente entre o depoimento oral e o seu anterior escripto no processo preparatorio, não se procederá pela fórma estabelecida n’este artigo.

Art. 421.° Findo o depoimento oral das testemunhas presentes, proceder-se-ha á leitura dos depoimentos das que foram inquiridas por cartas precatorias, e das que, devendo estar presentes, não tiverem comparecido.

§ 1.° Se ao ministerio publico ou ao defensor do accusado parecer que o depoimento oral de alguma testemunha, que faltou, é absolutamente necessario para a justa decisão da causa, assim o allegará, requerendo que o julgamento seja adiado. N’este caso, o conselho, em conferencia, decidirá se o depoimento oral da testemunha é indispensavel para a justa decisão da causa. Se a decisão for negativa, proseguirá a discussão, e se for affirmativa, será espaçado o julgamento para outro dia, tomando-se as providencias para que a testemunha compareça.

§ 2.° Proceder-se-ha do mesmo modo quando o ministerio publico ou o defensor insistirem no depoimento oral de testemunhas que tenham sido inquiridas por precatoria, ou requererem a inquirição de quaesquer pessoas a que as testemunhas presentes se refiram.

§ 3.° Na segunda audiencia repetir-se-hão todos os actos do julgamento como na primeira, mas este não se espaçará de novo por causa da ausencia de qualquer testemunha.

Art. 422.° Se o accusado quizer produzir testemunhas cujos nomes, moradas e misteres não tenham sido antecipadamente intimados ao ministerio publico, assim o exporá na audiencia, declarando as rasões por que as não deu ao rol em tempo devido, e os factos sobre que devem ser inquiridas. Sobre este requerimento será ouvido o ministerio publico, e o conselho decidirá, em conferencia, se as testemunhas devem ser admittidas a depor. No caso affirmativo, se as testemunhas estiverem presentes e a sua identidade for reconhecida, tomar-se-hão os seus depoimentos; não estando presentes, proceder-se-ha pelo modo ordenado no artigo anterior.

Art. 423.° Deduzidas as provas da accusação e da defeza, o presidente concederá a palavra ao promotor de justiça e seguidamente ao defensor do accusado, a fim de declararem se confirmam ou rectificam as suas conclusões escriptas no processo ou formuladas antes em audiencia.

§ unico. As suas declarações devem constar sempre da acta.

Art. 424.° Seguidamente, o auditor formulará os quesitos relativos á culpabilidade do réu, os quaes serão por elle dictados em voz alta e escriptos pelo secretario.

Art. 425.° Os quesitos devem ser redigidos com precisão e clareza, de modo que não sejam deficientes, nem comprehendam perguntas genericas, cumulativas, complexas ou alternativas.

§ unico. O quesito não se considera complexo, ainda que comprehenda differentes factos ou circumstancias, se forem simplesmente narrativas dos elementos constitutivos do crime.

Art. 426.° Salvos os casos previstos no § 2.° do artigo 411.°, não poderá propor-se quesito ácerca de facto criminoso que não tenha sido comprehendido no acto accusatorio ou que não resulte da discussão da causa.

Art. 427.° Quando as conclusões da accusação forem por tal modo repugnantes com as da defeza, que da resolução das primeiras em sentido affirmativo resulte a resolução das outras em sentido negativo, ou vice-versa, sómente se fará um quesito baseado nas conclusões da accusação.

Art. 428.° Os factos relativos aos elementos essencialmente constitutivos de cada crime devem, em regra, ser comprehendidos n’um mesmo quesito; poderão, porém, constar de quesitos distinctos, se assim for conveniente para que nas respostas haja unidade de pensamento, ou para que no mesmo quesito se não accumulem perguntas a que possam corresponder respostas diversas.

§ unico. Tanto o promotor de justiça como o defensor do accusado, ou qualquer dos juizes, podem requerer a separação dos elementos constitutivos do crime em quesitos differentes.

Art. 429.° Os quesitos comprehenderão sempre todos os elementos materiaes e moraes essencialmente constitutivos da imputação, mas não envolverão qualificação alguma juridica, e serão formulados por modo que a resposta deva ser simplesmente — sim, ou não.

Art. 430.° Quando a accusação versar sobre crime frustrado, tentativa ou actos preparatorios, os quesitos devem sempre especificar os factos elementares de cada uma d’estas imputações.

§ unico. Proceder-se-ha do mesmo modo nos casos de cumplicidade ou encobrimento.

Art. 431.° Propor-se-hão sempre quesitos separados e distinctos a respeito de cada facto que for allegado como circumstancia dirimente, attenuante ou aggravante do crime.

Art. 432.° Sempre que for requerido pela accusação ou pela defeza, tambem se fará quesito especial ácerca de qualquer circumstancia que, por si só, determine a maior ou menor gravidade da imputação.

Art. 433.° Deverão tambem ser propostos quesitos separados e distinctos:

1.° Se o mesmo réu for accusado simultaneamente de dois ou mais factos criminosos;

2.° Se dois ou mais co-réus forem accusados ao mesmo tempo do mesmo ou de differentes crimes.

Art. 434.° Se, em resultado da discussão, o facto imputado poder ser encarado sob differente aspecto legal, ou se pelas circumstancias que occorrerem durante ella houver mudado de caracter e lhe competir outra classificação, deverão fazer-se a este respeito os quesitos subsidiarios que forem precisos, mas ao accusado não se imporá pena

Página 758

758 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

superior á que foi requerida no acto accusatorio. Estes quesitos serão propostos como nascidos da discussão da causa.

Art. 435.° Se o accusado for maior de dez annos e menor de quatorze, propor-se-ha quesito especial, perguntando se procedeu, ou não, com discernimento.

Art. 436.° Quando no acto accusatorio for comprehendida alguma infracção disciplinar imputada ao réu, ou esta resultar da discussão, propor-se-ha quesito especial a respeito do facto que a constituo.

Art. 437.° Na proposição dos quesitos serão, quanto possivel, observadas as formulas seguintes:

l.ª O réu F... (nome, posto, numero de matricula, batalhão e regimento), é culpavel de haver ...? (Descrever-se-hão com precisão e clareza, nos quesitos que se julguem necessarios, os factos allegados nas conclusões definitivas da accusação e da defeza, e pelos quaes o accusado seja considerado como auctor, cumplice ou encobridor de crime consummado, frustrado ou tentativa, comprehendendo-se nos quesitos todos os elementos moraes e materiaes da imputação e as indispensaveis referencias ás circumstancias de tempo, logar, etc., mas sem que nelles se envolva qualificação alguma juridica.)

2.ª Verificou-se o facto com a circumstancia de ...? (Descrever-se-hão com precisão e clareza, em quesitos differentes, os factos allegados pela accusação ou pela defeza, nas suas conclusões definitivas, como circumstancias dirimentes, attenuantes ou aggravantes do crime.)

Art. 438.° O auditor nunca será interrompido emquanto dictar os quesitos, mas, depois de lidos pelo secretario, tanto o promotor como o defensor do accusado poderio arguil-os de insufficientes, ou de não estarem conformes ao estado da questão, e se taes reclamações não forem attendidas, poderão propor separadamente outros quesitos, aos quaes o conselho responderá em conformidade com o disposto nos artigos antecedentes, quando elles não fiquem prejudicados pelas respostas dadas aos outros quesitos.

Art. 439.° Seguir-se-hão as allegações oraes, concedendo o presidente a palavra primeiramente ao promotor, que pugnará pelo triumpho da verdade e da justiça, e depois ao defensor do accusado. Um e outro podem replicar com permissão do presidente.

Art. 440.° Terminadas as allegações oraes, o presidente interrogará o accusado se tem mais que allegar em sua defeza, e será ouvido em tudo o que disser, comtanto que não seja impertinente para a causa.

Art. 441.° Seguidamente o presidente declarará terminada a discussão, e o conselho recolher-se-ha á sala das conferencias, ou ordenará que o auditorio se retire, segundo as commodidades da casa em que tiver logar a audiencia.

Art. 442.° Os vogaes do conselho, depois de encerrados os debates, não poderão mais separar-se, nem communicar com pessoa alguma, antes de decidirem a causa e de ser proferida e publicada a sentença.

8 unico. A infracção do preceito estabelecido n’este artigo será consignada na acta, sempre que o ministerio publico ou o defensor do accusado o requeiram, indicando desde logo o nome do infractor.

SECÇÃO III

Da conferencia do conselho e do julgamento da causa

Art. 443.° A conferencia para o julgamento principiará por um relatorio verbal, simples e claro, feito pelo auditor, expondo o facto ou factos sobre que versa a accusação, com todas as circumstancias que podem influir na sua apreciação, apontando com rigorosa imparcialidade as provas da accusação e da defeza, e concluindo por emittir a sua opinião a respeito da culpabilidade do accusado.

Art. 444.° Finda a exposição do auditor, será pelo presidente con edida a palavra a qualquer dos outros vogaes pela ordem por que lhe for pedida, podendo cada um usar da palavra por duas vezes.

Art. 445.° Terminada a discussão, o presidente porá á votação os quesitos sobre a culpabilidade, pela ordem por que foram dictados. O auditor será sempre o primeira a votar, seguindo-se o vogal militar menos graduado e depois os outros, por ordem de postos e antiguidades. O presidente votará sómente no caso de empate.

Art.º 446.° Todas as decisões serão tomadas pela maioria absoluta de votos, não devendo, porém, mencionar-se se houve unanimidade ou maioria na votação.

§ unico. As respostas são escriptas pelo auditor, em seguida ao quesito a que disserem respeito, e assignadas, no fim, por todos os vogaes do conselho, sem que os que ficarem em minoria possam declarar-se vencidos ou fazer qualquer outra declaração.

Art. 447.° Se nas respostas aos quesitos houver emendas, entrelinhas ou borrões, far-se-ha d’isso expressa declaração, antes das assignaturas.

Art. 448.° Se o quesito ou quesitos sobre a culpabilidade forem julgados não provados, o conselho, logo em seguida, lavrará a sentença, mandando que o réu seja posto em liberdade e restituido ao goso de todos os seus direitos.

§ unico. O accusado só deixará de ser posto em liberdade em algum dos casos seguintes:

l.° Quando a decisão do conselho for annullada por despacho do presidente, proferido na conformidade do artigo 450.°;

2.° Quando o ministerio publico, logo em seguida á publicação da sentença, interpozer recurso para o supremo conselho de justiça militar, fundado em aggravo já interposto nos autos, antes das allegações oraes;

3.° Se o accusado estiver preso por outro crime ou se em audiencia se tiver instaurado contra elle algum outro processo.

Art. 449.° Se os quesitos sobre a culpabilidade forem julgados provados, o presidente abrirá nova discussão sobre o direito e pena applicavel. O auditor apontará a lei militar ou ordinaria que incrimina o facto, e será o primeiro a emittir parecer.

Em seguida poderão fallar os outros vogaes do conselho.

Terminada esta discussão, o presidente recolherá os votos pela maneira anteriormente exposta.

§ 1.° Nenhum juiz póde eximir-se de votar sobre a pena applicavel, ainda que tenha ficado vencido na questão de culpabilidade.

§ 2.° Quando, ácerca da fixação da pena, não houver maioria absoluta, e forem differentes as penas votadas, graduar-se-hão os votos segundo a gravidade das penas, e aos votos por penas mais graves ajuntar-se-hão os necessarios para constituir maioria; reduzindo-se todas estas penas á menos grave de entre ellas, que prevalecerá, assim, ás penas superiores.

Art. 450.° As decisões do conselho de guerra, quanto ás questões da culpabilidade, são irrevogaveis. Se, porém, ao presidente parecer que a decisão foi evidentemente iniqua, pronunciará logo a sua annullação.

§ 1.° Annullada a decisão, o julgamento da causa será espaçado para outro dia que for designado pelo commandante da divisão, e n’esse dia se procederá em tudo como na primeira audiencia. A segunda decisão não póde ser annullada por iniqua.

§ 2.° No novo conselho de guerra não poderá entrar nenhum dos juizes do primeiro conselho.

Art. 451.° Quando as questões sobre a culpabilidade forem julgadas provadas, o conselho fixará a pena, ainda que o facto incriminado pertença, por sua natureza, á jurisdicção disciplinar. N’este caso a pena será imposta dentro da competencia disciplinar do ministro da guerra, e

Página 759

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 759

produzirá sómente os effeitos que competem ás punições disciplinares.

§ unico. Quando o accusado for praça graduada e a pena applicavel for a de presidio militar de seis mezes a tres annos, o conselho decidirá, tambem por maioria de votos, se nos effeitos da pena se deve ou não comprehender a baixa de posto.

Art. 452.° Se o facto imputado não for prohibido e punido por alguma lei, o conselho, na sentença, declarará sempre que absolve o accusado, por esse fundamento.

§ unico. Todo o individuo que for absolvido por sentença dos tribunaes militares, transitada em julgado, não póde mais ser accusado pelo mesmo facto.

Art. 453.° A sentença definitiva será sempre fundamentada, escripta nos autos pelo auditor, e assignada por todos os juizes; e se for condemnatoria, será n’ella inserido o texto da lei.

§ unico. Em casos extraordinarios e circumstancias especiaes, poderá o conselho, na sentença, recommendar o réu á real clemencia do poder moderador.

Art. 454.° A sentença será lida pelo secretario em audiencia publica. O accusado estará presente á leitura e, em seguida, pelo mesmo secretario lhe será declarado que póde recorrer para a instancia superior, ou que o processo vae ser remettido para o supremo conselho de justiça militar, se o caso for de recurso obrigatorio.

§ unico Se o accusado, por qualquer motivo, não estiver presente na audiencia para ouvir a sentença, ser-lhe-ha intimada na prisão, com a declaração anteriormente mencionada, lavrando-se n’este caso certidão da intimação.

Art. 455.° As sentenças dos tribunaes militares declararão perdidos para o estado, nos casos previstos na lei, os instrumentos do crime, ou determinarão que sejam restituidos a seus donos, assim como os objectos apprehendidos aos criminosos, e os que tiverem vindo a juizo para prova da accusação.

SECÇÃO IV

Da acta da audiencia

Art. 456.° De tudo o que se passar na audiencia do julgamento far-se-ha uma acta, que será escripta pelo secretario, e em acto seguido á audiencia assignada pelo presidente, auditor e promotor, da qual devem constar, sob pena de nullidade:

1.° O dia, mez e anno em que reuniu o tribunal e o fim para que;

2.° O nome, sobrenome e appellido do accusado, e demais indicações necessarias para se reconhecer a sua identidade;

3.° O crime de que é accusado;

4.° Declaração de terem assistido ao julgamento todos os juizes que compõem o conselho ou, no caso contrario, os nomes dos que faltaram e rasão por que não compareceram;

5.° Os nomes das testemunhas de accusação e defeza, e a declaração de que foram ajuramentadas;

6.° As excepções que foram allegadas e os requerimentos feitos durante a audiencia pelo promotor ou defensor do accusado, e a decisão do conselho sobre estes, ou sobre quaesquer outros incidentes;

7.° A publicidade da audiencia ou a declaração da resolução do conselho para que fosse secreta;

8.° As conclusões definitivas do promotor de justiça e do defensor do accusado;

9.° A leitura da sentença em audiencia publica, com a declaração ao réu, se estiver presente, de que póde recorrer para a instancia superior dentro de ires dias.

CAPITULO V

Dos recursos

Art. 457.° De todas as decisões, despachos e sentenças definitivas, ou que importem effeitos definitivos, proferidas pelos conselhos de guerra, cabe recurso para o supremo conselho de justiça militar, que poderá ser interposto assim pelo ministerio publico, como pelo accusado ou seu defensor.

§ unico. Exceptuam-se d’esta regra as decisões sobre questões de culpabilidade, as quaes são irrevogaveis.

Art. 458.° Antes de proferida a sentença definitiva, ou que importe effeitos de definitiva, nenhum recurso interposto de despacho interlocutorio poderá subir ao supremo conselho de justiça militar.

§ unico. A parte que se julgar aggravada poderá protestar nos autos e interpor aggravo no auto do processo, para ser considerado a final pelo tribunal superior.

Art. 459.° Sem resolução do supremo conselho de justiço militar não passam em julgado, nem são executorias as sentenças, nas quaes se decidir que os factos imputados não são incriminados na lei.

§ 1.° N’este caso o ministerio publico deverá sempre recorrer.

§ 2.° Em todos os mais casos o recurso é facultativo, tanto para o ministerio publico como para o accusado.

Art. 460.° O recurso interposto das sentenças dos conselhos de guerra é suspensivo.

Art. 461.° O ministerio publico não póde desistir do recurso interposto.

§ unico. Do recurso do ministerio publico resultam effeitos devolutivos, assim para a accusação como para o condemnado.

Art. 462.° Do recurso interposto sómente pelo condemnado, por nullidade de sentença, nunca póde resultar-lhe augmento ou aggravação da pena.

Art. 463.° O recurso que for interposto por algum dos co-réus condemnados não aproveita aos mais co-réus.

Art. 464.° O recurso será interposto dentro do praso de tres dias, o qual começa a contar-se desde o principio do dia seguinte áquelle em que a sentença for intimada.

§ unico. O praso que deva finalisar n’um dia santificada ou feriado, sómente se completará, nos termos judiciaes, no primeiro dia util que se lhe seguir.

Art. 465.° A interposição do recurso pelo accusado consiste na simples declaração, por elle feita, de que quer recorrer para o tribunal superior, allegando, se assim lhe convier, os fundamentos do seu recurso.

§ unico. Esta declaração póde ser feita ao secretario do conselho ou ao chefe do estabelecimento militar onde o condemnado estiver preso. No primeiro caso será escripta nos autos, e no segundo será tomada pelo chefe do estabelecimento, por termo em separado, e remettida officiosamente ao secretario do conselho, para ser junta no processo.

Art. 466.° O recurso interposto pelo ministerio publico ou pelo defensor do accusado será tomado por termo no autos, e deverá declarar quaes os seus fundamentos.

CAPITULO VI

Do processo ante o supremo conselho de justiça militar

SECÇÃO I

Dos actos anteriores á discussão

Art. 467.° Os processos militares em que se interponha recurso, serão remettidos de officio, pelo presidente do conselho de guerra, ao secretario do supremo conselho de justiça militar, logo que finde o praso marcado no artigo 464.°

§ unico. O processo deve conter a certidão de que a remessa foi intimada ao promotor e ao accusado, declarando-se a este que n’aquelle tribunal póde constituir defensor, e que, não o constituindo, lhe será dado um defensor officiosamente.

Página 760

760 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Art. 468,° Serio unicamente admittidos para defensores os advogados legalmente habilitados, e os officiaes militares do exercito e da armada, qualquer que seja o seu posto e situação militar.

Art. 469.° O secretario do supremo conselho de justiça militar, logo que receber o processo, escreverá n’elle o termo da entrada e em seguida dará vista ao promotor de justiça por quarenta e oito horas.

Art. 470.° O promotor, examinando o processo, escreverá n’elle os requerimentos que julgar convenientes e que deverem ser apreciados antes do julgamento da causa por influirem na sua justa decisão. Se não tiver diligencias que requerer, poderá allegar tudo o que julgar conveniente a bem da imparcial administração da justiça, e em seguida porá o visto, datado e rubricado.

Art. 471.° Em seguimento, o secretario dará vista do processo por outras quarenta e oito horas ao defensor do accusado, o qual poderá escrever nos autos os requerimentos que tiver por conveniente, allegar quaesquer excepções, accusar as nullidades, sustentar e ampliar os fundamentos do recurso, e tirar os apontamentos que lhe forem precisos para a discussão, pondo tambem o visto, datado e assignado.

Art. 472.° O promotor de justiça e os defensores examinarão os processos no tribunal, sem que lhes seja permittido retel-os em seu poder por mais de quarenta e oito horas.

Art. 473.° Terminados os prasos concedidos ao promotor e ao defensor, os autos serão conclusos ao juiz relator, o qual, por si ou seu adjunto, tirará os apontamentos que julgar precisos, e dentro de cinco dias declarará o processo prompto para entrar em julgamento.

Art. 474.° A tabella das causas que hão de ser julgadas será feita pelo secretario, segundo a determinação do presidente, seguindo-se quanto possivel a ordem da antiguidade da entrada dos processos. Uma copia authentica da tabella estará sempre patente na sala da entrada do tribunal.

Art. 475.° Marcado o dia do julgamento, o secretario fará logo aviso aos vogaes do conselho, ao promotor e ao defensor, remettendo novamente os autos ao relator.

SECÇÃO II

Da discussão da causa em sessão

Art. 4.76.° As sessões do supremo conselho de justiça militar serão publicas, salvo nos casos previstos no § 3.° do artigo 408.° d’este codigo.

Art. 477.° Ao presidente compete manter a ordem e a policia da audiencia, dirigir as discussões, pertencendo-lhe n’esta qualidade todas as attribuições que nos artigos 408.° e 409.° são concedidas aos presidentes dos conselhos de guerra.

Art. 478.° Lida e approvada a acta da sessão antecedente, o presidente procederá ao sorteio dos juizes que devem intervir no julgamento de todos os processos, devendo sempre tomar parte n’elle, alem do presidente e do juiz togado, tres juizes militares, sendo sorteados de modo que nos processos dos réus pertencentes ao exercito intervenha um vogal da armada, e nos dos réus que fazem parte d’esta funccionem, sempre que seja possivel, dois generaes da armada.

§ unico. No caso do § 1.° do artigo 493.°, intervirão no julgamento todos os juizes que não estiverem impedidos, incluindo o adjunto do juiz relator.

Art. 479.° Á discussão da causa precederá um relatorio, verbal ou escripto, feito pelo relator, no qual exporá com exactidão e clareza os factos sobre que versou a accusação e as circumstancias principaes que os acompanharam indicando a lei violada, os quesitos que foram submettidos á decisão do conselho de guerra, a sentença de que se recorreu e os seus fundamentos, e bem assim indicará a natureza e os fundamentos do recurso, e todas as questões incidentes que se levantaram durante a discussão na primeira instancia e a decisão que houve a respeito de cada uma.

Art. 480.° Findo o relatorio, o presidente advertirá o defensor do accusado de que póde fallar livremente, mas com respeito e moderação, sem faltar aos dictames da sua consciencia, ás regras e preceitos da disciplina e ao respeito devido ás leis.

Art. 481.° Em seguida o presidente concederá a palavra ao promotor de justiça e depois ao defensor.

§ 1.° Se o promotor ou o defensor nas suas allegações divagarem, poderá chamal-os prudentemente á questão.

§ 2.° Tanto ao promotor como ao defensor será permittido replicar.

Art. 482.° O presidente e cada um dos juizes póde, emquanto se não encerrar a discussão, dirigir ao accusado, estando presente, as perguntas que julgar convenientes.

Art. 483.° Os accusados que estiverem em Lisboa podem assistir á audiencia da discussão e julgamento da causa, e para esse fim serão devidamente intimados.

Art. 484.° Terminadas as allegações, o presidente perguntará ao accusado, se estiver presente, se tem mais alguma cousa que allegar, e será ouvido em tudo o que disser e não for impertinente.

Art. 485.° Em seguimento o presidente declara encerrada a discussão, e ninguem mais póde ser admittido a fallar.

SECÇÃO III

Da conferencia do conselho e do julgamento da causa

Art. 486.° Terminada a discussão da causa, o conselho retirar-se-ha para a sala das conferencias.

Art. 487.° A conferencia principiará por uma nova exposição clara e desenvolvida do feito, na qual o relator indicará as questões principaes ou incidentes que devem ser decididas pelo tribunal, quer tenham sido levantadas pelas partes quer o não tenham sido, mas devam ser tratadas e resolvidas primeiro, por serem previas ou prejudiciaes ao julgamento do feito.

Art. 488.° Findo o relatorio, o presidente concederá a palavra aos outros vogaes pela ordem por que lha pedirem. Cada um poderá fallar duas vezes. Terminada a discussão, o presidente tomará os votos, votando o relator em primeiro logar, depois o vogal militar menos graduado ou mais moderno e assim successivamente, por ordem de patentes e antiguidades.

Art. 489.° O tribunal não poderá tomar conhecimento de falta, omissão ou causa de nullidade cujo supprimento não tenha sido requerido em occasião opportuna e contra a qual se não haja protestado ou interposto aggravo.

§ unico. Se, porém, o processo laborar em alguma nullidade essencial occorrida na audiencia de julgamento, assim o declarará por accordão, mandando que seja reformado no mesmo ou n’outro conselho de guerra, conforme for mais conveniente.

Art. 490.° Os actos e termos do processo anteriores á nullidade não ficam annullados, nem tambem os documentos, e os autos baixarão logo ao commandante da divisão respectiva para de novo se repetir a instancia.

Art. 491.° São nullidades essenciaes no processo criminal militar unicamente as seguintes:

1.° Não ser o conselho de guerra composto conforme as disposições d’este codigo;

2.° Não se observarem as regras de competencia;

3.° Serem os quesitos propostos sobre a culpabilidade complexos, deficientes, obscuros, confusos ou alternativos;

4.° Serem as respostas aos quesitos contradictorias ou inconciliaveis;

5.° A preterição de alguma formalidade determinada na lei com pena de nullidade;

Página 761

SESSÃO N.º 46 DE 8 BE MAIO DE 1896 761

6.° A preterição de algum acto que seja substancial para a boa administração da justiça, de modo que influa ou possa influir no exame ou decisão da causa;

7.° A errada qualificação do crime em relação ao facto julgado provado;

8.° A falta de applicação ou errada graduação da pena decretada na lei;

9.° A accusação sobre factos não auctorisados pelo despacho do commandante da divisão, salvo o caso de serem crimes connexos.

Art. 492.° O supremo conselho de justiça militar julga definitivamente sobre termos e formalidades do processo, e o que decidir a similhante respeito não poderá novamente ser posto em duvida no mesmo processo.;

Art. 493.° Quando a nullidade exirtir na sentença por algum dos fundamentos indicados nos nos. 7.° e 8.° do artigo 491.°, o tribunal julgará unicamente a nullidade da sentença, e mantendo a decisão do facto julgado provado pelo conselho de guerra, mandará que seja proferida nova sentença por outro conselho.

§ 1.° Se a segunda sentença for igual á primeira, o recurso é obrigatorio e, sem confirmação no supremo conselho de justiça militar, não passará em julgado.

§ 2.° No caso do paragrapho anterior, o supremo conselho julgará definitivamente a causa em sessão plena, fazendo a devida applicação de direito ao facto julgado.

Art. 494.° Todas as questões e incidentes contenciosos que se levantarem durante a discussão, ou cuja resolução na primeira instancia seja fundamento do recurso interposto, e bem assim todas as excepções que forem previas ou prejudiciaes ao julgamento da causa, serão tratadas e decididas pelos juizes antes da questão principal.

Art. 495.° Todas as questões se decidem pela maioria de votos dos vogaes presentes. O presidente tem voto unicamente no caso de empate.

Art. 496.° O presidente tomará os votos e verificará o vencimento. O relator tomará nota dos principaes fundamentos dos juizes vencedores, que podem fazer-lhes as modificações que entenderem necessarias.

Art. 497.° Voltando os juizes ao tribunal, e aberta a sessão publica, o relator publicará a decisão e os seus fundamentos, declarando se houve juizes vencidos, quaes e por que motivos.

Art. 498.° Ao relator incumbe lavrar o accordão, que será sempre fundamentado, escripto nos autos e assignado por elle e seguidamente pelos outros juizes que intervierem no julgamento.

Art. 499.° O relator poderá deixar logo de lavrar o accordão, devendo, porém, apresental-o na primeira sessão seguinte, para ser assignado e publicado. N’este caso, a decisão será tomada por lembrança pelo relator n’um livro para esse fim destinado, rubricado em cada folha pelo presidente.

§ 1.° A nota da lembrança será assignada por todos os juizes.

§ 2.° Se na sessão em que se publicar o accordão não estiverem presentes alguns dos juizes que votaram, assignarão os outros, e o relator, no fim do accordão, fará a declaração seguinte: «Tem voto do general F...».

Art. 500.° O accordão deverá conter a declaração do nome e appellido do accusado, da sua profissão, posto e posição militar, do crime de que foi convencido, da sentença da primeira instancia e tambem os fundamentos da decisão.

Art. 501.° O secretario redigirá acta da sessão, na qual se referirão todas as circumstancias que occorrerem durante o julgamento até á publicação do accordão.

Art. 502.° A parte que entender que o accordão contem alguma obscuridade ou ambiguidade, poderá requerer ao relator, dentro de quarenta e oito horas da publicação, para que, levando o accordão á conferencia, o aclare.

§ unico. O requerimento será decidido em conferencia sem mais replica, e sem que, na essencia, possa ser alterado o accordão.

Art. 503.° Os accordãos do supremo conselho de justiça militar serão publicados, por extracto ou na integra, segundo as indicações do tribunal.

§ unico. Ao secretario do supremo conselho de justiça militar incumbe fazer o extracto, ou tirar copia do accordão, que remetterá logo á secretaria da guerra, para o fim indicado no presente artigo.

Art. 504.° Nos casos de sentenças contradictorias, falso depoimento, suborno e peita, ou de existir a pessoa que se suppoz morta, previstos nos nos. 5.°, 6.°, 7.°, 8.° e 9.° do artigo 300.°, observar-se-hão, no que poder ser applicavel, as disposições respectivas da lei geral.

Art. 505.° Nas causas que são julgadas pelo supremo conselho de justiça militar em primeira e ultima instancia, serão observadas as regras estabelecidas nos capitulos II, III e IV d’este titulo, desempenhando o juiz relator as funcções de auditor.

Art. 506.° Dos accordãos do supremo conselho de justiça militar unicamente cabe recurso:

1.° De declaração, por obscuridade ou ambiguidade;

2.° De revista, nos casos mencionados no artigo 326.º

CAPITULO VII

Do julgamento das causas extinctivas da accusação

Art. 507.° A amnistia e o perdão real devem ser applicados segundo os termos expressos no respectivo decreto, e comprehendem os crimes connexos.

Art. 508.° Suscitando-se algum incidente contencioso ácerca da applicação da amnistia ou do perdão real, será julgado pelo tribunal que for competente para os applicar.

Art. 509.° A applicação da amnistia ou do perdão real será requerida pelo promotor de justiça, ou pelo réu, devendo sempre citar o decreto que o concedeu, e julgada officiosamente pelo tribunal.

Art. 510.° A amnistia ou o perdão real será julgado por conforme á culpa pelo tribunal em que pender o processo.

§ 1.° Se, tendo-se interposto recurso para o supremo conselho de justiça militar, a sentença tiver sido confirmada, o julgamento compete ao conselho de guerra que proferiu a sentença condemnatoria.

§ 2.° Se ao tempo da publicação do decreto de amnistia já tiver sido instaurada a accusação, o processo será presente ao conselho de guerra competente para o seu julgamento, no estado em que se achar, para os effeitos do artigo antecedente.

§ 3.° Se a accusação não tiver ainda sido instaurada, proceder-se-ha pelo modo já indicado nos artigos 372.° e 376.° d’este codigo.

Art. 511.° A prescripção da acção criminal e da pena, ou qualquer outra causa extinctiva da accusação, podem ser allegadas em qualquer estado do processo e serão officiosamente julgadas pelos tribunaes militares, ainda que não sejam allegadas.

§ unico. Não é causa extinctiva da accusação o facto de ter sido o accusado punido disciplinarmente pelo crime que se lhe attribue.

CAPITULO VIII

Do julgamento da identidade do condemnado

Art. 512.° Quando qualquer réu condemnado se haja evadido da prisão ou do degredo, e seja contestada ou duvidosa a sua identidade, proceder-se-ha, por ordem da auctoridade superior competente, ao seu reconhecimento no tribunal que proferiu a sentença condemnatoria.

Art. 513.° Verificada a prisão do réu ou a sua apresentação, o promotor de justiça formará logo artigos de identidade com declarações iguaes ás do acto accusatorio, juntando-lhes os documentos que tiver e o rol de testemu-

47 *****

Página 762

762 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nhas, dos quaes se dará copia ao réu, que, dentro do praso de tres dias, poderá offerecer a contestação com a prova documental e testemunhal que tiver.

Art. 514.° Reunido o conselho de guerra em sessão publica, lidos os documentos, inquiridas as testemunhas e terminados os debates, o auditor proporá o quesito seguinte: «O réu que está presente é o mesmo que foi accusado n’este tribunal por crime de ... (Deve declarar-se a natureza do facto incriminado) e condenmado como ... (auctor, cumplice ou encobridor) d’esse crime na pena de ... por sentença de .. .?»

CAPITULO IX

Da execução da sentença

Art. 515.° As sentenças dos tribunaes militares serão executadas logo que passem em julgado.

§ unico. Exceptuam-se as sentenças que impozerem pena de morte, as quaes não serio executadas sem resolução do poder moderador.

Art. 516.° As sentenças passam em julgado logo que finde o praso de tres dias, sem que d’ellas se tenha recorrido.

Art. 517.° As sentenças serão executadas, em conformidade com as suas disposições e em harmonia com os regulamentos militares, por ordem da auctoridade que tiver mandado responder o accusado em conselho de guerra e a requerimento do promotor de justiça.

§ unico. O governo, ouvido o supremo conselho de justiça militar, resolverá qual das penas applicadas alternativamente ha de ser cumprida,

TITULO II

Do processo em tempo de guerra

CAPITULO I

0Do processo ante os conselhos de guerra nos exercitos em operações, nas divisões territoriaes em estado de guerra, nas divisões ou forças operando isoladamente

Art. 518.° As disposições estabelecidas nos capitulos anteriores para o processo em tempo de paz serão observadas pelos tribunaes militares em tempo de guerra, salvas as modificações determinadas nos artigos seguintes.

Art. 519.° Nos casos previstos nos artigos 335.° e 336.°, se as auctoridades judiciarias civis não estiverem presentes nas localidades, os agentes de policia judiciaria militar podem entrar em casa dos particulares e em qualquer estabelecimento publico, independentemente de assistencia d’aquellas auctoridades.

Art. 520.° A ordem para a formação da culpa e para a accusação será dada pelo commandante em chefe do exercito, pelo commandante da divisão ou pelo da força em operações, segundo o conselho de guerra que for competente para o julgamento do accusado.

Art. 521.° Nos crimes graves, especialmente nos de traição, espionagem, cobardia, insubordinação, revolta, sedição, rebellião, saque e devastação, em que seja necessario para a manutenção da disciplina e segurança, do exercito um prompto e exemplar castigo, a auctoridade militar, que for competente, poderá ordenar que os delinquentes sejam immediatamente submettidos a um julgamento verbal-summario ante o respectivo conselho de guerra, independentemente do processo preparatorio estabelecido nos capitulos I e II d’este titulo.

§ 1.° N’este caso, a ordem para se constituir o conselho servirá de base ao processo, e deverá conter tudo quanto fica estabelecido no artigo 388.° para o acto da accusação.

§ 2.° A nota da culpa será entregue a cada accusado vinte e quatro horas, pelo menos, antes da designada para a reunião do conselho.

§ 3.° N’estes processos não se admittirá inquirição por cartas precatorias ou rogatorias.

§ 4.° Em tudo o mais serão observadas as regras estabelecidas n’este capitulo.

Art. 522.° Nos crimes previstos nos artigos 98.°, 99.°, 108.° e 109.° d’este codigo, servirá de base ao processo accusatorio o parecer de um conselho de investigação, extraordinariamente nomeado, em conformidade dos regulamentos.

§ unico. Estes conselhos serão compostos, sempre que seja possivel, de tres officiaes mais graduados ou mais antigos do que o presumido delinquente.

Art. 523.° As sentenças, depois de proferidas, serão li das aos accusados, indicando-se-lhes a auctoridade superior a quem vae ser remettido o processo com declaração de que, ante ella, poderão allegar o que entenderem conveniente á sua defeza e justiça.

Art. 524.° Os processos, depois de concluidos nos conselhos de guerra, serão remettidos ao commandante em chefe do exercito, que resolverá definitivamente como entender de justiça, ouvindo previamente o auditor geral, o qual emittirá o seu parecer por escripto nos autos.

§ unico. Nas divisões ou forças operando isoladamente, os processos serão remettidos á auctoridade que mandou congregar o conselho, a qual resolverá definitivamente como entender de justiça.

Art. 525.° Ao commandante em chefe do exercito e aos commandantes das divisões ou das forças operando isoladamente pertence exercer a jurisdicção que por este codigo compete ao supremo conselho de justiça militar em tempo de paz, salvas as restricções que forem prescriptas por decreto do governo.

Art. 526.° Quando o Rei for o commandante em chefe do exercito, as suas ordens serão referendadas pelo chefe do estado maior general, o qual será o unico responsavel pela sua execução.

Art. 527.° As auctoridades a quem forem enviados os processos, nos termos do artigo 524.° e § unico do mesmo artigo, poderão mandar executar logo as sentenças proferidas, qualquer que seja a pena imposta, ou adiar a sua execução até que finde a campanha, conforme lhes parecer mais conveniente para os interesses militares que lhes estiverem confiados.

CAPITULO II

Do processo nos conselhos de guerra e nas praças de guerra ou pontos fortificados, sitiados, investidos ou bloqueados

Art. 528.° As regras estabelecidas no capitulo anterior serão observadas pelos conselhos de guerra nas praças de guerra e pontos fortificados, sitiados, investidos ou bloqueados, com as seguintes modificações.

Art. 529.° A ordem para se formar o processo e instaurar a accusação será dada pelo governador ou commandante militar da praça ou ponto fortificado.

Art. 530.° Ao governador ou commandante militar pertencem todas as attribuições que no capitulo anterior são conferidas ao commandante em chefe do exercito.

CAPITULO III

Do processo ante os conselhos de guerra organisados em circumstancias extraordinarias

Art. 531.° A ordem do processo em tempo de paz será adoptada igualmente pelos conselhos de guerra organisados em circumstancias extraordinarias; com as seguintes alterações.

§ 1.° Constituidos os corpos de delicto, o general commandante da divisão mandará entregar os autos ao auditor do conselho de guerra que funccionar habitualmente na séde da divisão, que os remetterá seguidamente ao respectivo promotor de justiça, para os fins designados nos artigos 373.° e 374.° do presente codigo, e bem assim para

Página 763

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 763

informarem se deverá ser feita a separação de processo e em que Dermos. Nem o auditor nem o promotor poderão reter cada processo por mais de vinte e quatro horas.

§ 2.° Ao general commandante da divisão, alem das attribuições conferidas pelos artigos 375.° e 376.° d’este codigo, competirá o mandar proceder á separação de qualquer processo, quando assim o julgar conveniente,, distribuindo-o pelos conselhos de guerra da divisão.

§ 3.° As attribuições conferidas pelos paragraphos anteriores ao general commandante da divisão serão exercidas pelo ministro da guerra, no caso previsto pelo artigo 377.°

§ 4.° Remettido o processo com a ordem para se instaurar a accusação ao promotor de justiça, formulará este o acto de accusação, nos termos do artigo 388.°, e no praso improrogavel de vinte e quatro horas.

§ 5.° Dentro do mesmo praso se dará cumprimento ao disposto no artigo 393.°, e em quarenta e oito horas ao disposto no artigo 397.°, não sendo permittida em qualquer estado do processo a expedição de deprecadas, ou seja para inquirição de testemunhas ou para qualquer diligencia. Nos casos em que a accusação ou a defeza hajam requerido o depoimento de alguma testemunha moradora fóra da comarca, mas dentro do continente do reino, o auditor providenciará desde logo ácerca da comparencia da testemunha no dia e hora a que o conselho se reunir. A testemunha terá direito aos abonos auctorisados pela legislação vigente.

§ 6.° Se os réus nomearem varios defensores, não poderão ser admittidos no tribunal mais de dois, que serão os primeiros que juntarem procuração; porém, se todos elles se apresentarem ao mesmo tempo, e os defensores não accordarem entre si os dois a cargo dos quaes devem ficar as defezas, serão preferidos de entre elles os advogados que forem o mais antigo e o mais moderno no fôro. Os defensores assim admittidos poderão, conjunctamente com o defensor officioso do tribunal, defender todos os coreus, embora as suas procurações digam respeito a determinados delinquentes; porém, quando a isso se não prestem, ficará a defeza dos réus que não tenham constituido advogado a cargo do defensor officioso do tribunal, nos termos do artigo 393.°, n.° 6.°, d’este codigo.

§ 7.° Findo o praso de quarenta e oito horas a que se refere o § 5.°, o auditor mandará entregar o processo ao presidente do conselho de guerra, a fim de que: elle designe o dia e hora a que deve começar a discussão e julgamento da causa, que será dentro de tres dias.

§ 8.° A admissão de novas testemunhas no acto da audiencia de julgamento, a que se referem os artigos 421.° e 422.°, só poderá ser concedida no caso d’ellas se acharem presentes, não podendo aquelle acto ser adiado por motivo algum.

§ 9.° Os quesitos a que se refere o artigo 424.° poderão ser pelo auditor apresentados em audiencia, escriptos, lithographados ou impressos, sem prejuizo do disposto no artigo 438.°, depois de lidos em audiencia. Os quesitos addicionaes poderão igualmente ser apresentados pelo ministerio publico e defensor do accusado nas mesmas condições.

§ 10.° Se da sentença do conselho de guerra for interposto recurso, o processo será pelo presidente do conselho remettido ao secretario do supremo conselho de justiça militar no dia immediato aquelle em que findar o praso marcado para interposição do mesmo recurso. O praso para esse recurso será o de quarenta e oito horas, a contar da intimação da sentença.

§ 11.° O supremo conselho de justiça militar deverá julgar a causa, o mais tardar, até oito dias contados da data da sua apresentação. Das decisões d’este tribunal não haverá recurso para nenhum outro, qualquer que seja o fundamento allegado.

§ 12.° Para a formação e julgamento dos processos a que se refere o presente artigo, serão válidos os actos praticados de noite ou em dias santificados.

Art. 532.° A sentença passa em julgado logo que finde o praso de quarenta e oito horas sem que d’ella se tenha recorrido.

CAPITULO IV

Do processo ante os prebostes militares

Art. 533.° Os prebostes militares procederão, nas materias da sua competencia, a requerimento das partes interessadas, por ordem da auctoridade superior, ou mesmo officiosamente.

Art. 534.° As audiencias feitas pelos prebostes serão publicas.

§ 1.° As partes queixosas estarão presentes, e poderão fazer a sua exposição ou petição, tanto verbalmente como por escripto.

§ 2.° O accusado será sempre presente e ouvido em tudo o que disser a bem da causa e defeza.

§ 3.° Tanto a parte queixosa como o accusado poderão juntar documentos e produzir testemunhas, que serão inquiridas verbal e summariamente, prestando juramento previo.

Art. 535.° A sentença será dada e publicada immediatamente pelo preboste, escripta nos autos e fundamentada, e d’ella não ha recurso algum.

Palacio das côrtes, em 6 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Visconde da Silva Carvalho: — Mando para a mesa o parecer n.° 112, da commissão de marinha, sobre o projecto de lei n.° 116 fixando a força naval para o anno economico de 1896-1897.

Requeiro que seja dispensado o regimento, a fim de que este projecto entre desde já em discussão.

Consultada a camara, foi approvado este requerimento.

O sr. Presidente: — Vae ler-se na mesa o projecto de lei n.° 116, a que diz respeito o parecer n.° 112.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 112

Senhores: — A vossa commissao de marinha examinou o projecto de lei n.° 116, vindo da camara dos senhores deputados, fixando a força naval para o anno economico de 1896-1897, e é de parecer que elle merece a vossa approvação.

Sala das sessões da commissão, 8 de maio de 1896. = José Baptista de Andrade = Conde do Bomfim = Conde da Azarujinha = Francisco Costa = Visconde da Silva Carvalho, relator.

Projecto de lei n.° 116

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1896-1897 é fixada em 4:898 praças, distribuidas por 1 corveta couraçada, 5 corvetas, 20 canhoneiras, 4 vapores, 20 lanchas canhoneiras, 2 lanchas, 3 transportes, 1 barca, 1 navio escola pratica de artilheria naval, 3 navios escolas de alumnos marinheiros e 1 escola de torpedos.

Art. 2.° O numero e a qualidade dos navios armados poderão variar, segundo o exigir a conveniencia do serviço, comtanto que a despeza não exceda a que for votada para a força que se auctorisa.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 8 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Vae ler-se na mesa o projecto de lei n.° 113, a que diz respeito o parecer n.° 101.

Página 764

764 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 101

Senhores: — As vossas commissões de guerra e do ultramar, tendo examinado o projecto de lei n.º 113, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim tornar applicaveis desde já ás forças ultramarinas e mandar per em vigor na parte exequivel, com algumas modificações, as disposições contidas nos livros II, III e IV do codigo de justiça militar de 10 de janeiro ultimo, considerando que o mesmo projecto contém providencias conducentes á melhor administração das provincias ultramarinas, reclamadas instantemente, visto os fundamentos consignados tanto na proposta do governo como no parecer da camara dos senhores deputados, julgam que, o projecto de que se trata deve ser approvado e convertido em lei do estado.

Sala das sessões, em 7 de maio de l896. = José Baptista de Andrade = F. Larcher = Conde do Bomfim = Visconde da Silva Carvalho = Jeronymo da Cunha Pimentel = Thomás Ribeiro = Cypriano Jardim = Carlos Augusto Palmeirim = Arthur Hintze Ribeiro = Francisco Costa.

Projecto de lei n.° 113

Artigo 1.º As disposições contidas nos livros 2.°, 3.° e 4.° do codigo de justiça militar, de 10 de janeiro ultimo, são desde já applicaveis ás forças ultramarinas e postas em vigor na parte exequivel, com as seguintes alterações.

Art. 2.° A justiça militar no ultramar é administrada, em nome do Rei, pelas auctoridades e tribunaes seguintes:

1.º Agentes da policia judiciaria militar;

2.° Governadores das provincias ultramarinas;

3.º Ministro da marinha;

4.° Conselhos de guerra;

5.° Supremo conselho de justiça militar das forças do reino.

Art. 3.° As attribuições da policia judiciaria militar são, exercidas sob a inspecção dos governadores das provincias: ultramarinas e dos tribunaes militares, pelas auctoridades do ultramar correspondentes ás especificadas nos nos. 2.° a 11.º do artigo 198.° do codigo de justiça militar.

§ unico. Os governadores dos districtos do ultramar, para as atribuições de policia judiciaria militar, são equiparados aos governadores das praças de guerra.

Art. 4.° Os governadores das provincias ultramarinas são os chefes e os reguladores da administração da justiça militar, dentro das suas respectivas provincias, e n’essa qualidade compete-lhes exercer as attribuições que são marcadas no codigo de justiça militar para os commandantes das divisões militares territoriaes.

Art. 5.° O ministro da marinha exerce as funcções que pelo artigo 206.° do codigo de justiça militar são conferidas ao ministro da guerra para o exercito do reino.

Art. 6.º Em cada provincia ultramarina haverá um conselho de guerra territorial, estabelecido na capital da provincia.

Art. 7.° Os conselhos de guerra territoriaes serão compostos por dois vogaes militares, officiaes combatentes de 1.ª linha, e pelo auditor, presidindo ao conselho o vogal mais graduado ou mais antigo.

§ unico. Para supprir os impedimentos eventuaes dos vogaes haverá, sempre que seja possivel, um supplente.

Art. 8.° Quando tiver de ser julgado algum official, ou empregado com graduação de official, o conselho será formado por officiaes combatentes de l.ª linha mais graduados que o accusado, e pelo auditor.

Art. 9.° No caso de impossibilidade absoluta de se constituir o conselho por falta de officiaes combatentes de l.ª linha, na provincia respectiva, com a patente exigida na lei, o governador determinará que entrem na composição do conselho officiaes combatentes de l.ª linha com patente igual á do accusado, não sendo mais modernos.

§ unico. Não havendo officiaes das forças territoriaes, serão nomeados officiaes da armada.

Art. 10.° A nomeação dos vogaes militares dos conselhos de guerra será feita pelo governador da provincia de entre os officiaes militares em serviço na capital da provincia, excepto no caso previsto no artigo anterior, em que a nomeação poderá recaír sobre officiaes da mesma provincia que tiverem residencia fóra da capital, qualquer que seja a commissão que estes ou aquelles officiaes exerçam ou corpo ou arma a que pertençam, com exclusão:

1.° Dos chefes e sub-chefes das repartições militares, ajudantes de campo dos governadores das provincias e officiaes ás ordens que não excedam os quadros legaes;

2.° Dos reformados, quando não haja falta de effectivos, porque n’este caso podem ser nomeados segundo a sua antiguidade;

3.° Dos que estiverem cumprindo alguma pena por virtude de sentença;

4.° Dos que estiverem em inactividade;

5.° Dos que estiverem cumprindo pena disciplinar;

6.° Dos que estiverem em prisão preventiva.

§ 1.° Nenhuma outra exclusão será admittida, alem das precedente mentemencionadas.

§ 2.° As funcções judiciaes no ultramar não dispensam os officiaes residentes nas capitães das provincias do cumprimento dos deveres que lhes forem impostos pela natureza das commissões que exercerem.

§ 3.° A nomeação do presidente e vogaes dos conselhos de guerra duram por espaço de dois mezes, findos os quaes podem ser reconduzidos por igual periodo, se não for possivel ou conveniente substituil-os.

Art. 11.° Junto de cada conselho de guerra territorial haverá um auditor, que será o conservador do registo predial, ou o seu substituto legal, ou no impedimento d’este a pessoa que os governadores das respectivas provincias designarem, nos termos dos decretos de 20 de fevereiro de 1894 e 21 de setembro de 1895.

§ unico. Na provincia da Guiné continuará a vigorar o disposto nos decretos de 21 de maio de 1892 e 20 de fevereiro de 1894.

Art. 12.° Junto de cada conselho de guerra territorial funccionará um promotor de justiça e um defensor oficioso.

Art. 13.° Os Jogares de promotor de justiça e defensor officioso serão exercidos por officiaes nomeados pelos governadores das provincias de entre os officiaes militares de l.ª linha das respectivas guarnições, os quaes servirão estes cargos sem limitação de tempo, emquanto não forem substituidos.

§ l.° Estas funcções serão accumuladas, quando as circumstancias o exijam, com o cumprimento dos deveres de qualquer outra commissão ou serviço que exercerem os officiaes nomeados.

§ 2.° Na provincia da Guiné o cargo de promotor será exercido pelo delegado do procurador da corôa e fazenda, ou por quem legalmente o substituir, nos termos dos decretos de 21 de maio de 1892 e 20 de fevereiro de 1894.

Art. 14.° As funcções de secretario do conselho de guerra serão exercidas por um dos escrivães do juizo de direito da comarca em que o tribunal funccionar, nomeado pelo governador da provincia, ouvido o respectivo juiz de direito.

§ unico. Os secretarios dos conselhos de guerra têem direito á gratificação mensal de 10$000 réis em Angola e Moçambique, e á de 5$000 réis nas restantes provincias e estado da india.

Art. 15.° O supremo conselho de justiça militar do reino, tem jurisdicção nas materias da sua competencia em

Página 765

SESSÃO N.° 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 765

todas as provincias do ultramar, e cabe-lhe exercer, com relação ás forças ultramarinas, as funcções consultivas e judiciaes, estabelecidas para o exercito e armada no artigo 300.° do codigo de justiça militar.

Art. 16.° Nos casos em que os tribunaes militares são competentes para conhecer de qualquer crime, o accusado será julgado perante o conselho de justiça territorial da provincia em que commetter o crime ou onde tiver o seu quartel.

§ 1.° Entre os tribunaes competentes prefere o que prevenir a jurisdicção.

§ 2.° Serão tambem julgados nos conselhos de guerra das provincias ultramarinas, a que se destinem, os crimes commettidos por militares em navios do estado ou mercantes em viagem para o ultramar.

Art. 17.° As tropas de 2.ª linha e irregulares, estão sujeitas á jurisdicção dos tribunaes militares, mas unicamente pelos crimes previstos no codigo de justiça militar, desde que for publicada a ordem para serem mobilisadas, durante o tempo que estiverem em effectivo serviço militar, ou nas revistas e reuniões de instrucção, bem como quando os individuos que d’ellas façam parte, se acharem como taes, presos ou em tratamento nos hospitaes civis ou militares.

§ unico. Continuam em vigor, na parte não alterada n’este decreto, as disposições relativas ás tropas de 2.ª linha e irregulares, nas bases approvadas pelo decreto de 19 de julho de 1894.

Art. 18.° Os agentes de policia judiciaria militar e os auditores podem expedir cartas precatorias, dirigidas aos auditores, aos juizes de direito das comarcas, ou a quaesquer auctoridades militares, se houver necessidade de proceder a alguma diligencia em localidade dependente de outra provincia ou da metropole.

Art. 19.° Os autos, depois de findas as diligencias praticadas pelos agentes da policia judiciaria e concluidos os actos do summario da culpa pelos auditores, serão remettidos aos governadores das respectivas provincias, pelas vias competentes, com todos os documentos, papeis e quaesquer objectos que digam respeito ao facto ou factos sobre que versou a instrucção preliminar, a fim de que os mesmos governadores possam providenciar como julgarem conveniente.

§ unico. Do mesmo modo procederão as auctoridades judiciaes ordinarias, relativamente aos processos que ante ellas forem instaurados por crimes da competencia dos tribunaes militares.

Art. 20.° Aos governadores das provincias ultramarinas, salvo o disposto no artigo 38.°, cabe exercer, qualquer que seja a patente ou graduação do presumido delinquente, as attribuições que pelos artigos 347.° a 350.°, 375.° a 379.°, 384.° e 385.° do referido codigo de justiça militar são conferidas aos commandantes das divisões militares territoriaes e ao ministro da guerra.

§ unico. Aos mesmos governadores compete tambem resolver definitivamente se deve ser formada culpa ou instaurada a accusação ao delinquente, sem dependencia de resolução do ministerio da marinha e ultramar.

Art. 21.° As testemunhas que não forem moradoras na comarca em que funccionar o conselho de guerra não serão obrigadas a comparecer pessoalmente n’esse conselho e serão inquiridas por carta precatoria.

§ unico. Quando as testemunhas forem inquiridas por carta precatoria no processo preparatorio, o seu depoimento valerá para todos os effeitos no processo accusatorio e de julgamento, salvo se for requerida outra carta para serem novamente inquiridas.

Art. 22.° Os recursos dos processos julgados em conselho de guerra nas provincias ultramarinas serão interpostos dentro do praso de tres dias para o supremo conselho de justiça [...] das forças do reino.

23.° Os processos militares em que se interponha recurso, serão remettidos de officio, pelo presidente do conselho de guerra, ao secretario do supremo conselho de justiça militar das forças do reino.

Art. 24.° As sentenças dos tribunaes militares serão executadas logo que passem em julgado.

§ 1.° Exceptuam-se as sentenças que impozerem a pena de morte, as quaes não serão executadas sem resolução do poder moderador.

§ 2.° Quando haja diversos réus condemnados, e só alguns recorram da sentença, o processo não subirá sem que fique traslado para n’elle se executar desde logo, e nos termos de direito, a sentença applicada áquelles que não interpozeram recurso.

§ 3.° Este traslado conterá o rosto dos autos, os quesitos e suas respostas, a sentença, a intimação d’esta e alguma peça mais que o auditor indicar.

Art. 25.° As sentenças passam em julgado logo que finde o praso de tres dias sem que d’ellas se tenha recorrido.

Art. 26.° Em tempo de guerra observar-se-ha tambem o disposto no § unico do artigo 24.°

Art. 27.° Em tempo de guerra os commandantes das forças mobilisadas ou em operações e os governadores e commandantes das praças de guerra ou fortificações têem sómente as attribuições e competencias que o alludido codigo confere ás mesmss auctoridades em tempo de paz.

Art. 28.° Desde a data da publicação do presente decreto deve ser observado no ultramar, na parte exequivel, o regulamento para a execução do codigo de justiça militar de 10 de janeiro do presente anno, approvado por decreto de 25 de abril ultimo com as modificações determinadas n’este decreto.

Art. 29.° Os serviços judiciaes militares não dão direito a augmento de vencimento ou gratificação, com excepção das gratificações estabelecidas para os secretarios dos conselhos de guerra.

Art. 30.° São extinctos os conselhos superiores de justiça militar de Loanda e de Moçambique e o supremo conselho de justiça militar de Goa.

Art. 31.° Continuam em vigor na provincia da Guiné as disposições do decreto de 21 de maio de 1892, com as alterações expressas no presente decreto.

Art. 32.° Sempre que no codigo de justiça militar haja referencia a qualquer auctoridade ou tribunal da metropole deve considerar-se para todos os effeitos como substituidas taes designações pelas correspondentes ás auctoridades ou tribunaes do ultramar.

Art. 33.° Ao deposito de praças do ultramar será aplicado o codigo de justiça militar, competindo aos tribunaes militares do reino conhecer das infracções das leis criminaes commettidas pelos officiaes e praças do mesmo deposito.

Art. 34.° Todos os officiaes e praças pertencentes aos quadros das provincias ultramarinas, ou n’ellas servindo em commissão, que estiverem no reino ou nas ilhas adjacentes á disposição immediata do ministerio da marinha e ultramar, ou addidos ao deposito de praças do ultramar, ficam sujeitos ao disposto no artigo 33.°

Art. 35.° Os officiaes reformados e praças da divisão de reformados do ultramar, que se acharem no reino ou nas ilhas adjacentes, ficam sujeitos ás disposições do artigo 33.°, mas unicamente pelo que respeita aos crimes militares, tudo em harmonia com a doutrina do livro 3.° do codigo de justiça militar de 10 de janeiro do presente anno.

Art. 36.° As praças reformadas do ultramar não serão accusadas perante os tribunaes pelo crime de deserção, e quando completarem tres mezes de ausencia illegitima serão abatidas ao effectivo da respectiva divisão.

Art. 37.° Os autos de corpo de delicto formados no reino serão remettidos ao commandante da respectiva di-

Página 766

766 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

visão militar pelas vias competentes, conforme dispõe o artigo 346.° do codigo de justiça nilitar.

§ unico. O commandante da divisão militar a quem foram remettidos os referidos autos procederá da fórma expressa no codigo de justiça militar.

Art. 38.° Se algum dos presumidos delinquentes, a que for instaurado processo no reino, tiver o posto de coronel ou general, subirão os autos ao ministro da marinha, para os fins estabelecidos nos artigos 349.° e 377.° do codigo de justiça militar.

Art. 39.° A rehabilitação dos réus condemnados pelos tribunaes militares e revisão das respectivas sentenças, serão em harmonia com o disposto nos artigos 17.° a 21.° da carta de lei de 3 de abril do presente anno.

Art. 40.° Nos territorios da companhia de Moçambique continuará a ser applicado o disposto no decreto de 5 de julho de 1894.

Art. 41.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, 6 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Vae ler-se na mesa o projecto de lei, a que diz respeito o parecer n.° 108.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 108

Senhores: — As vossas commissões de marinha e de fazenda examinaram o projecto vindo da outra camara, que tem por fim auctorisar o governo a contratar a navegação entre o continente e as ilhas dos Açores, Madeira e Porto Santo.

Pela lei de 27 de julho de 1893 havia sido o governo auctorisado a abrir concurso para aquelle fim. O primeiro ficou deserto, e ao segundo apenas concorreu a firma Bensaude & C.ª, que ainda assim impoz modificações nas bases adoptadas para o concurso.

Em vista d’isso, para evitar o grave transtorno que advria da solução de continuidade na navegação para aquellas ilhas, o governo fez com aquella firma o contrato provisorio de 30 de novembro de 1893. Carecendo da confirmação legislativa algumas das suas clausulas, o respectivo ministro submetteu-o n’uma proposta de lei á consideração da camara dos senhores deputados.

Esta, porém, entendeu que á approvação do contraot devia substituir uma auctorisação ao governo para adjudicar a uma empreza nacional de navegação a vapor, mediante concurso e com as bases que prescreveu, o serviço da narração para aquellas ilhas.

Parece á vossa commissão que é preferivel este systema, porque o processo do concurso é sempre um caminho mais regular, mais seguro e de mais garantias.

É verdade que os precedentes ainda de 1893, e outros anteriores, mostram que não produziu resultado o systema adoptado de concurso. Foi por isso que o governo se viu forçado a fazer o contrato provisorio.

É possivel, porém, que as cousas hoje facilitem a concorrencia, e que o processo indicado pela outra camara dê o resultado desejado.

Por isso as vossas commissões são de parecer que este projecto deve merecer a vossa approvação.

Sala das sessões das commissões de marinha e de fazenda, 7 de maio de 1896.= José Baptista de Andrade = Visconde da Silva Carvalho = A. A. de Moraes Carvalho = Conde da Azarujinha = Francisco Costa = Arthur Hintze Ribeiro = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator. = Tem voto do digno par F. Arouca.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Vae ler-se na mesa o projecto de lei n.° 108; a que diz respeito o parecer n.° 105.

Foi lido na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N ° 103

Senhores: — Ás vossas commissões de agricultura e de fazenda foi enviado o projecto de lei n.° 108, vindo da camara dos senhores deputados e que tem por fim auctorisar o governo a adjudicar, em concurso publico, e segundo as bases annexas á proposta, ta consrucção e canalisação das levadas de agua para irrigação na ilha da Madeira.

A agua é nos climas quentes, como o da Madeira, um elemento essencialissimo para o desenvolvimento da vegetação; e da irrigação, feita com toda a regularidade, depende o bom exito das culturas.

São abundantissimos os mananciaes nas terras interiores da Madeira, e é da maior utilidade a canalisação e racional distribuição da agua, de modo que possa approveitar ao maior numero de cultivadores.

Desde epochas remotas se começou a emprehender trabalhos com este fim.

Datam do tempo da dynastia filippina os primeiros trabalhos por conta do estado na construcção das levadas.

Muitas levadas particulares existem, não sendo talvez o seu numero inferior a trezentas.

As grandes levadas, que ainda não estão concluidas, e outras, que estão para ser principiadas, custam quantias avultadas. Com a verba consignada no orçamento a construcção é muito morosa.

Convém, pois, que o governo fique auctorisado a aproveitar as boas disposições que se apresentam, por parte da industria particular, para a construcção e exploração de novas levadas e conclusão e exploração das existentes.

É applicar ás levadas de irrigação na Madeira o mesmo principio que se tem adoptado para o abastecimento de aguas potaveis em cidades e villas do continente.

As vossas commissões reunidas de agricultura e fazenda são, pois, de parecer que o projecto de lei n.° 108 deve ser approvado e submettido á regia sancção.

Sala das commissões reunidas de agricultura e de fezenda, 7 de maio de 1896. = Conde de Bertiandos, com declaração = Visconde de Chancelleiros = A. A. de Moraes Carvalho = José Antonio Gomes Lages = Conde de Carnide = Arthur Hintze Ribeiro = Conde da Azarujinha = José Maria dos Santos = Jeronymo da Cunha Pimentel = Visconde da Athouguia = Francisco Simões Margiochi, relator.

rojecto de lei n.° 108

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em concurso publico, e segundo as bases annexas a esta lei, a construcção e exploração das levadas de agua de irrigação no archipelago da Madeira, pertencentes ao estado, e bem assim a construcção e exploração de novas levadas, quer para repartição e distribuição das aguas das levadas hoje existentes, quer para aproveitamento de novas aguas que Convenha captar e conduzir em beneficio da agricultura no mesmo archipelago.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 6 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = Jose Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Bases para adjudicação das levadas de agua de irrigação na ilha da Madeira

1.º O governo concede, pelo praso de sessenta annos, a administração e exploração das levadas de agua de irrigação, pertencentes ao estado, na ilha da Madeira, bem como a faculdade, durante o mesmo praso, de proceder á pesquiza e aproveitamento das aguas correntes, jazigos, mananciaes e fontes perdidas, para o mesmo fim de irrigação de terrenos.

Página 767

SESSÃO N.° 40 DE 8 DE MAIO DE 1896 767

§ unico. A faculdade, de que trata esta base, não se estende ás propriedades particulares, ou das corporações, nas quaes os respectivos proprietarios continuarão com as faculdades de pesquiza, que de direito lhes pertençam.

2.ª O adjudicatario, ou a empreza, que deverá ser portugueza, é obrigado a conservar sempre reparadas as levadas que o estado actualmente possue e no melhor estado de aproveitamento possivel e a concluir a rede de levadas, hoje em construcção, no praso maximo de tres annos a contar da assignatura do contrato.

3.ª O adjudicatario abrirá novas levadas, quer para repartição e distribuição das aguas das levadas hoje existentes, quer para aproveitamento de novas aguas que convenha captar e conduzir, no praso maximo de dez annos.

4.ª O preço do arrendamento de cada hora de agua para cada levada, em cada concelho, será fixado pela media das medias dos preços nos ultimos cinco annos em todas as levadas do estado e dos particulares em cada concelho.

§ unico. A percentagem, nunca inferior a 20 por cento, sobre a media final, sendo metade a favor do estado, e o restante a descontar no preço da agua, servirá de base á licitação.

5.ª A empreza adjudicataria será obrigada á distribuição equitativa da agua por todos os proprietarios, que a pretendam, nos termos do regulamento, que será approvado pelo governo.

6.ª A empreza terá de submetter á approvação do governo os projectos de quaesquer trabalhos novos, viaductos, levadas, tuneis, etc., ou e exploração de novas aguas, que pretenda realisar, ou os projectos das modificações que deseje introduzir nas levadas em construcção.

7.ª A empreza será obrigada a respeitar as aguas que abastecerem levadas pertencentes a heréos, a particulares, ou a quaesquer corporações, ou ainda as aguas que n’esta data estejam na posse de alguem.

8.ª Se a empreza não construir, no praso marcado na base 3.ª, todas as levadas, que forem julgadas indispensaveis para a completa irrigação de todos os concelhos da ilha, segundo um plano geral, que será presente ao governo doze mezes depois de assignado o contrato, pagará ao estado a multa de 3:000$000 réis por cada anno de demora.

§ unico. Pagará uma multa de 300$000 réis por cada mez alem dos doze, fixados para a apresentação do plano geral, a que se refere esta base.

9.ª Funccionará junto da empreza um fiscal do governo, retribuido por ella, com o fim de regular as relações da empreza com o governo e com o publico e de interferir nas deliberações da mesma, por fórma a fazer manter por completo as estipulações do respectivo contrato e dos regulamentos superiormente approvados.

10.ª A empreza depositará na caixa geral de depositos, á ordem do governo, em dinheiro ou em titulos de divido publica, a quantia de 10:000$000 réis, para garantir a cumprimento do contrato, mas poderá levantar esse deposito quando tiver feito obras no dobro do valor da importancia do deposito, passando estas a servir então de caução.

11.º O não cumprimento das clausulas do contrato, quando não determinado por motivos de força maior, importará ipso facto a rescisão do mesmo contrato, passando para o estado todas as levadas, sem direito a indemnisação para a empreza.

12.ª O governo considerará de utilidade publica e reconhecerá como urgente, por meio de direitos especiaes, todas as expropriações que a empreza tenha a fazer para a execução dos projectos superiormente approvados.

13.ª O governo concede á empreza adjudicataria o direito de exploração e posse durante o referido praso de sessenta annos, de todas as aguas que afflorarem ou correrem em terrenos de propriedade ou administração do governo, auctorisando todas as pesquisas que para descoberta de aguas, forem necessarias em quaesquer terrenos, considerando este acto, salvo os direitas dos proprietarios respectivos á indemnisação por estragos como a uru beneficio de utilidade publica.

14.ª Findo o praso do exclusivo o governo entrará na posse absoluta de todas as levadas, que para todos os effeitos serão propriedade do estado.

15.ª Os concessionarios, ou a empreza, obrigam-se a empregar, durante o praso da concessão, o pessoal da conservação e exploração das levadas na vigilancia e guarda das florestas adjacentes ás mesmas levadas e na arborisação das zonas d’estas e das suas fontes ou nascentes, nos termos das leis ou regulamentos respectivos.

16.ª O governo entregará á empreza todas as casas de abrigo que existem nas serras para serviço d’estas levadas, as quaes serão por ella conservadas em bom estado, e como taes entregues ao governo no fim do praso da concessão.

17.ª Caducando a concessão, a empreza não terá direito a indemnisação alguma, qualquer que seja o fundamento, rasão ou pretexto allegado para justificar a indemnisação.

18.ª Em qualquer epocha, depois de terminados os primeiros quinze annos de exploração das levadas, o governo poderá resgatar toda a concessão, indemnisando a empreza pelas obras feitas, conforme for accordado, decidido judicialmente ou por meio de arbitros, deduzindo-se a parte relativa aos lucros que ella tenha obtido, e que excedam 6 por cento do capital empregado.

19.ª A empreza será obrigada a conservar ao seu serviço, com a remuneração actual, o pessoal empregado nas levadas a esta data, só podendo despedil-o de accordo com o governo, desde que prove que elle lhe não presta bom serviço.

Palacio das côrtes, em 6 de maio de l896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Vae ler-se na mesa o projecto de lei n.° 55, a que diz respeito o parecer n.° 102.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 102

Senhores: — Com a maior attenção examinou a vossa commissão de negocios. externos o projecto de lei, vindo da camara dos senhores deputados, approvando para ser ratificada pelo poder executivo a nova convenção para extradição de criminosos entre Sua Magestade El-Rei de Portugal e Sua Magestade a Rainha Regente dos Paizes Baixos.

O convenio de 1878 celebrado entre Portugal e a Hollanda para a extradicção de criminosos precisava ser remodelado em vista das importantes alterações que desde então se tem introduzido na legislação penal dos dois paizes. É essa remodelação que a nova convenção teve em vista realisar.

É, portanto, a vossa commissão de parecer que deve ser approvado o projecto de lei referido.

Sala das sessões da commissão, era 7 de maio de 1896. = Visconde da Silva Carvalho = Thomás Ribeiro = Conde de Carnide = Francisco Costa = Conde de Thomar — A. A. de Moraes Carvalho, relator.

Parecer n.° 102-A

A vossa commissão de legislação concorda com o parecer da commissão de negocios externos sobre o projecto de lei n.° 55.

Sala das sessões da commissão, em 7 de maio de 1896. = Thomás Ribeiro = Conde de Bertiandos = Jeronymo da Cu

Página 768

768 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nha Pimentel = Augusto Ferreira Novaes = A. A. de Moraes Carvalho.

Projecto de lei n.° 55

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a nova convenção para a extradição de criminosos entre Sua Magestade El-Rei de Portugal e Sua Magestade a Rainha Regente dos Paizes Baixos, assignada em Lisboa pelos respectivos plenipotenciarios, a 19 de maio de 1894.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 21 de abril de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Pedro Victor da Costa Sequeira, servindo de secretario.

Alteração feita pelas côrtes geraes na traducção do periodo inicial do artigo 1.° da nova convenção entre Sua Magestade El-Rei de Portugal e Sua Magestade a Rainha Regente dos Paizes Baixos, assignada era 19 de maio de 1894

Artigo 1.° O governo portuguez e o governo neerlandez obrigam-se a entregar reciprocamente nos termos determinados nos artigos seguintes, com excepção dos seus nacionaes, os individuos condemnados ou pronunciados em consequencia de quaesquer factos abaixo enumerados, commettidos fóra do territorio do estado, ao qual a extradição é pedida.

Palacio das côrtes, em 21 de abril de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Moita Veiga, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa o projecto de lei n.° 109, a que diz respeito o parecer n.º 99. Foi lido na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 99

Senhores: - Á vossa commissão de marinha foi presente o projecto de lei n.° 109, tendente a garantir aos contra-almirantes em commissões especiaes, a reforma que lhes pertenceria se houvessem sido promovidos a vice-almirantes na epocha em que lhes competiria por antiguidade, como se fossem officiaes do quadro effectivo.

Tem este projecto por fim obviar á omissão que resulta da lei de 14 de agosto de 1892; com effeito, segundo o artigo 120.° "os capitães de mar e guerra, em commissões especiaes, têem direito á reforma que lhes pertenceria se houvessem sido promovidos a contra-almirantes na epocha em que lhes competiria por antiguidade, como se fossem do quadro effectivo".

Nada, porém, se acha estabelecido para os contra-almirantes, em commissões especiaes, que não poderão gosar d'essa vantagem, visto a lei ser omissa a tal respeito. É, pois, a vossa commissão de opinião que approveis o seguinte projecto de lei, para subir á real sancção.

Sala das sessões da commissão, 7 de maio de 1896. = Jeronymo da Cunha Pimentel = Francisco Costa = José Baptista de Andrade = Visconde da Silva Carvalho.

Parecer n. 99-A

A vossa commissão de fazenda concorda com este projecto, na parte que lhe diz respeito.

Sala das sessões da commissão, 7 de maio de 1896. = A. A. de Moraes Carvalho = Arthur Hintze Ribeiro = Jeronymo Pimentel = Conde da Azarujinha = Gomes Lages.

Projecto de lei n.° 109

Artigo 1.° Os contra-almirantes em commissões especiaes, têem direito á reforma que lhes pertenceria se houvessem sido promovidos a vice-almirantes na epocha em
que lhes competiria por antiguidade, como se fossem officiaes do quadro effectivo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 6 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Moita, Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Saião, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se no mesa o projecto de lei n.° 114, a que diz respeito o parecer n.° 107.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 107

Senhores: - Todos conhecem as condições em que está a cidade do Funchal, que, pela amenidade do seu clima, ali attrahe nacionaes e estrangeiros.

Impõe-se, portanto, como uma necessidade não só para os interesses d'aquella importante cidade, como para o bom nome nacional, o melhoramento das suas condições hygienicas.

Para isso carece de recursos, e o projecto approvado pela outra camara, e agora sujeito á nossa apreciação, tende a esse fim. E para ser extensiva á sua camara municipal a faculdade conferida pelo n.° 2.° do artigo 133.° do codigo administrativo, á camara municipal de Lisboa para cobrar taxas pelas licenças que conceder, julga a vossa commissão que este projecto é digno da vossa approvação.

Sala das sessões da commissão de administração, 7 de maio de 1896. - Conde do Restello = Conde de Carnide = A. A. de Moraes Carvalho = Augusto Ferreira Novaes = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator.

Projecto de lei n.° 114

Artigo 1.° É extensiva á camara municipal do concelho do Funchal a faculdade conferida pelo n.° 2.° do artigo 133.° do codigo administrativo á camara municipal de Lisboa, para a cobrança das taxas pelas licenças que conceder, e o producto integral das mesmas taxas será exclusivamente applicado ao abastecimento e canalisação geral de agua potavel, e á canalisação de esgotos da cidade do Funchal.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 6 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa o parecer n.° 89.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 89

Senhores: - A vossa commissão de petições examinou, como lhe cumpria, os tres requerimentos de Carolina da Silva, viuva do correio Felisardo José da Silva, que tendo entrado no serviço da camara em 23 de dezembro de 1854 falleceu em 27 de janeiro de 1885, estando aposentado; de Maria José do Nascimento Cordeiro, viuva do primeiro official José Maria da Costa Cordeiro, que entrou ao serviço da camara em 20 de agosto de 1834, e n'elle falleceu em 23 de abril de 1876; e de Maria Izabel de Araujo Faria, viuva do segundo official Joaquim Antonio de Faria, que entrou no serviço da camara em 30 de março de 1864 e falleceu em 22 de abril de 1891, as quaes, achando-se em precarias circumstancias, pedem pensões com que possam prover ás suas necessidades.

Attendendo a que as requerentes têem vivido honestamente, e que são muito pobres e adiantadas em annos, e reconhecendo que seus maridos foram bons empregados

Página 769

SESSÃO N.º 46 DE 8 DE MAIO DE 1896 769

durante o tempo já apontado, é a vossa commissão de parecer que os requerimentos devem ser deferidos, a exemplo do que já succedeu com as filhas de dois outros empregados fallecidos, uma filha de um continuo, que recebe o subsidio diario de 400 réis, e outra de um guarda, que recebe o de 300 réis diarios.

A vossa commissão, attendendo ás circumstancias da dotação da camara, propõe apenas a modesta pensão mensal de 6$000 réis a cada uma das requerentes.

Sala da commissão, em 5 de maio de 1896. = Conde de Thomar = A. Emilio de Sá Brandão = Conde de Bertiandos, relator. = Tem voto dos dignos pares: Carlos Augusto Palmeirim = Conde de Cabral.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei que tem por fim abolir o direito de portagem na ponte do Forno.

O sr. Presidente: - Este projecto, juntamente com outros, ficam dados para ordem do dia da sessão de amanhã.

O parecer vae a imprimir.

Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Começa por dizer que se cedesse agora da palavra com a mesma facilidade com que hontem a acceitou, pouparia uma desillusão aos seus collegas e até ao publico pouco habituado a assistir ás sessões parlamentares. Não é um orador eloquente. A verdadeira eloquencia queima, abraza, e d'isso é desgraçadamente exemplo o que tem acontecido com tantos oradores notaveis d'esta camara: Rebello da Silva, Latino Coelho e Pinheiro Chagas, que infelizmente tão cedo morreram para o paiz. Mas, ao menos, dirá o que sente, com verdade e franqueza, a respeito de alguns projectos que já foram approvados. A camara ha de permittir-lh'o de certo.

Votou-se hoje o projecto creando nas provincias ultramarinas colonias militares-agricolo-commerciaes.

As colonias militares são um meio seguro de exploração, o caso é que não fiquem apenas no papel, que é o costume do paiz.

Pela lei de 1867 tinhamos ou deviamos ter penitenciarias districtaes e comarcas. O que é feito d'ellas? Onde estão? No papel, apenas. As colonias agricolas onde é que estão na metropole? Somos um paiz essencialmente agricola, temos muitos hectares de terreno por cultivar, uma extensissima área onde podiamos estabelecer colonias agricolas, mas não possuimos nenhuma.

Póde ser que sejamos mais felizes com os navios, para os quaes foram votados 2:800 contos de réis. Mas, quem sabe? As difficuldades levantam-se debaixo dos pés, e uma d'ellas bem póde ser que seja não termos marinheiros, não termos homens.

Já na sessão anterior se lhe proporcionou occasião de dizer que tendo nós a perspectiva de um anno de fome, não tinhamos braços. E o proprio governo declarara haver um deficit de recrutamento. Não ha soldados; não haverá marinheiros.

Falla no recrutamento, por estar presente o sr. ministro da guerra, que é muito intelligente e illustrado para bem tratar das questões que lhe estão affectas. Saíu, e d'isso tem sincera pena, o sr. Pimentel Pinto; saíu sem se saber por que.

Uma vez, aqui na camara, elle orador, dissera que era preciso entrar em vida nova.

O sr. presidente do conselho olhara-o de um modo sobranceiro, que não é orgulho, mas gesto proprio da sua alta posição e exclamara:

"Eu desejava que o digno par me dissesse o que é vida nova."

Respondêra que estava prompto, mas haviam de estar presentes todos os ministros.

"Olhe que está aqui o governo para lhe responder" replicara o sr. presidente do conselho.

Por essa occasião levantou-se o sr. Pimentel Pinto para responder ao sr. Camara Leme, que sente não ver presente, o que de certo não é por espirito faccioso, porque a camara está constituida segundo a indicação das suas idéas e das suas doutrinas.

Ora o sr. Camara Leme, que é um distincto general, havia dito que a lei do recrutamento não se cumpria. E o sr. ministro da guerra respondera:

"Não é exacto."

Elle orador, fallando em seguida, ratificara o que o sr. Camara Leme dissera: que a lei do recrutamento não se cumpria, mas que, se o governo quizesse, lhe lembraria um meio de fazel-a cumprir.

O melhor de tudo, para haver soldados, seria ainda não haver recrutamento. Parece um contrasenso, mas é uma idéa, um alvitre. Aproveitem-no se quizerem. Fosse soldado quem o quizesse ser; não havendo coacção, não haveria repugnancia.

O sr. conde do Bomfim fallára da festa do juramento das bandeiras como elemento de educação militar. Desfralde no Minho quantas bandeiras quizer, ao som de musicas marciaes, e veja se essa festa consegue combater a repugnancia dos mancebos pelo recrutamento.

Quando os governos não souberem onde hão de ir buscar soldados, declarem que não acceitarão senão aquelles que voluntariamente se apresentarem, e hão de tel-os então.

A vida do trabalho nos campos é dura e miseravel, cheia de privações. São essas condições de desgraça que determinam a saída, em grupos, de familias inteiras. Abandonam a sua terra, custa-lhes isso muito, porque não sabem se tornarão mais a ver as suas montanhas e o céu portuguez. Mas é a fome, é a desgraça que os expatria.

Se, n'estas circumstancias, disserem aos homens que, pungidos de saudade, íam emigrar, se lhes disserem que lhes dão aqui um emprego honroso e seguro, com garantias, e que esse emprego o podem encontrar no exercito, ficarão contentes, porque se livram de dois pesadelos: a fome e a emigração.

É uma idéa; estudem-na os srs. ministros.

Não sabe se está cansando a paciencia da camara. Se assim for, pede ao sr. presidente que o avise, porque deixará para ámanhã o resto do seu discurso. Tem ainda muito que dizer.

A seu respeito havia já muito quem aventasse:

- Elle não vem cá. Anda acabrunhado com os desgostos que caíram sobre a sua velhice; com o mal-estar da lavoura; com as doenças das vinhas; com as questões do alcool e do vinho, sobre as quaes o parlamento não tomou resolução alguma, o que ha de prejudicar gravissimamente a agricultura, e collocal-a n'uma posição difficil.

Enganaram-se. Cá está, e, se Deus lhe der vida, continuará a estar e a usar da palavra, porque se sente com coragem para isso.

Cá virá para aconselhar o illustre presidente do conselho a que entre em vida nova.

Mas lembra-se agora de que estava fallando de navios, e lembra-se tambem de que as nossas esquadras se fazem com facilidade, e passam depressa.

N'uma hora attribulada da patria, em que a anciedade do publico foi immensa, appareceu de um dia para o outro, no Diario do governo, uma esquadra tão brilhante e veloz como aquelle bonito caminho de ferro que tem na sua região, da Merceana a Dois Portos... no papel.

Pois bem! Permitta Deus que a nova esquadra já esteja no Tejo quando se fizer a festa commemorativa, não do descobrimento do caminho maritimo para a India; mas da partida de Vasco da Gama.

Página 770

770 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Até o sr, Thomás Ribeiro ha de então arrepender-se de alo ter querido que os estrangeiros fossem convidados.

Elles têem muito que ver, os estrangeiros.

Logo ali á beira do Tejo poderão admirar o lazareto e o nosso regimen quarentenario. É uma especie de prologo convidativo.

Como é de esperar que entre os viajantes venham alguns homens de sciencia, hão de perguntar de certo: - Que tal vae isto de instrucção por cá? - Muito bem, responderemos, mostrando um papel.

Temos escolas organisadas como nos mais adiantados paizes da Europa. Nem sequer nos falta o estudo das linguas orientaes; temos uma cadeira de sanskrito. - E para que servo isso? perguntarão os nossos visitantes. - Serve para educarmos á moderna, fóra das antigas peias e dos Velhos moldes da educação classica. D'antes tudo era classico os estudos, os costumes, as tradições. Até havia o homem classico, que era aquelle que abandonava a sua terra e a sua casa, para ir navegar mares desconhecidos ou bater-se em combate, arriscando sua fazenda e vida, suas commodidades e regalos, tudo pela patria; era aquelle que por cumprir sua palavra era até capaz de pôr as mãos no fogo. Hoje temos outra educação e outra instrucção muito mais vantajosas. Temos não já as primeiras letras antigas, mas instrucção primaria elementar e complementar. Temos escolas industriaes, cadeiras de desenho de ornato e de figura, até temos tambem aulas de gymnastica. E, alem de tudo isto, temos ainda uma cadeira de sanskrito, que não serve nem para a gente se sentar sobre ella.

A gymnastica era uma das cousas que estavam sendo muito precisas, porque os rapazes de aldeia de todo a ignoravam quando saltavam riachos e lameiros, e corriam pulando por montes e valles, e se penduravam nas arvores, e trepavam aos rochedos e marinhavam por escarpas e paredes. Elles faziam tudo isto, mas não sabiam gymnastica. Era preciso ensinar-lh'a.

E os estrangeiros, admirados, hão de pedir-nos dados estatisticos, numeros redondos a respeito do florescimento da nossa instrucção publica.

Tambem se lhes podem dar, por que constam de varios documentos, entre os quaes um que tem a assignatura do nobre estadista que foi seu presidente do conselho. E a proposito dirá que recebeu d'esse illustre estadista uma demonstração de estima, que muito o penhorou.

Mas pelo documento a que se está referindo se poderá ver que a percentagem dos analphabetos é de 75 por cento.

Os estrangeiros porão as mãos na cabeça, e irão logo dar noticia do facto ás academias de que forem correspondentes.

A nossa instrucção publica, primaria, media e superior faz lembrar um homem garbosamente fardado com uma lata de sardinhas de Nantes na mão.

Não quer fazer a critica da instrucção nacional, mas sempre dirá que se fosse agora fazer exame de instrucção elementar, de certo ficaria reprovado; porém na instrucção superior, o resultado havia de ser outro, o reprovado seria provavelmente quem o examinasse.

E a respeito das nossas relações commerciaes, que outr'ora abrangeram o mundo todo, o que nos perguntarão os estrangeiros? E o que lhes na vemos nós de dizer? Apontar-lhes-hemos para os navios da Mala Real, que, por uma questão de 200 contos de réis, ahi estão apodrecendo no Tejo. Pois nós podemos ter colonias sem ter marinha mercante? Já que fallou n'este assumpto, quer saber o que respondeu o sr. ministro da fazenda ás representações que lhe dirigiram os armadores de navios de Lisboa e Porto.

Por que se não estabelecem carreiras de navegação directa para o Brazil?

O sr. ministro da fazenda não, soube tirar partido das vantajosas condições politicas que lhe preparou o seu collega do reino, para iniciar uma profunda remodelação economica e financeira.

Faz justiça aos talentos e faculdades de trabalho que possue o sr. Hintze Ribeiro. Mas se não tem tempo para tudo, nem energia para administrar, largue a pasta da fazenda. Falta por acaso um financeiro que o substitua?

N'este caso, faça-se o que já se fez em relação á pasta da marinha, n'outro tempo. Foi-se buscar um homem que carecia incompetente, mas não era: um padre. E foi um habil, um grande ministro. Repita-se a experiencia: vá o sr. ministro da fazenda procurar um padre, que o substitua.

Reconhece que já está fallando ha muito tempo, mas tem ainda muito que dizer.

Não quer deixar de referir-se á tabella, já approvada, dos emolumentos judiciaes. Não a confrontará com as anteriores; mas, permittir-se-ha dar um conselho ao illustre ministro da justiça, para o caso muito provavel de uma proxima revisão da tabella, porque as leis em Portugal costumam viver o que vivem as rosas.

Um artigo da lei respectiva diz que, apesar da tabella ser feita para tornar mais suaves os inventarios, os emolumentos judiciaes não poderão ir alem de 11 por cento.

Quer isto dizer que quem herdar 100 contos de réis póde arriscar-se a ter que pagar 11 contos de réis, e assim proporcionalmente.

Os calculos estão tão bem feitos que ainda outro dia dizia uma auctoridade do fôro que, em relação a uma herança de 2:000 contos de réis, o escrivão do inventario poderia receber á sua parte 30 contos de réis de emolumentos.

Isto é atroz; isto não póde ser.

Para evitar esta calamidade é preciso que os interessados descubram algum meio efficaz.

Ora, se ha tantas companhias de seguros contra incendios e naufragios, porque não ha de haver tambem companhias de seguros contra os emolumentos judiciaes? Um pae-de-familia, previdente, que toda a sua vida trabalha preoccupado com o futuro dos filhos, deve querer segurar-se contra esta praga e flagello, que é peior que os incendios e os naufragios.

É ou não é uma idéa?

Assim podesse encontrar-se tão facilmente qualquer meio de remediar os males que affligem a agricultura nacional. Mas os governos não têem idéas para valer á desgraça dos nossos campos; nem se importam com isso.

Diga o digno par o sr. José Maria dos Santos, - que é um grande lavrador do Alemtejo, e que tem um bello titulo de nobreza no exemplo que a todos dá da sua incansavel iniciativa, - se as nossas escolas agricolas, os nossos engenheiros hydraulicos e toda a mais cohorte de funccionarios ruraes têem feito alguma cousa que dê maiores e melhores resultados que a energia, a vontade, o impulso de um só homem.

Os campos estão precisando de chuva fertilisadora. É mais uma desgraça sobre tantas outras, mas Deus não quer dar a chuva, apesar das procissões de penitencia. E talvez o faça para emenda de todos, para castigar a imprevidencia de governos que, n'um paiz de tantos rios, deixam morrer á sede as searas, consentindo que a agua dos rios corra inutil e que as searas fiquem sedentas.

Ha leis agricolas, leis hydraulicas, muitas leis, muitissimas, mas não se cumprem ou não podem ser cumpridas. De modo que ninguem sabe a lei em que vive. São ou não lei do paiz os decretos dictatoriaes do sr. Dias Ferreira?

(O orador, interrompendo se, pergunta ao sr. presidente se ainda póde continuar.)

O sr. Presidente: - Acamara resolveu que n'estes dias a sessão se encerrasse ás seis horas da tarde.

O Orador (continuando): - Diz que esta informação da mesa lhe, dá alegria; mas, lembra-se que poderá dar

Página 771

SESSÃO N.° 40 DE 8 DE MAIO DE 1896 771

tristeza aos que o ouvem. Entretanto, como tudo n'este paiz são accordos, occorre-lhe propor um accordo á camara: tem muito que dizer ainda e, se os seus collegas o permittem, ficará com a palavra reservada para ámanhã.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Eu não quiz interromper o digno par nas suas considerações, porque se me torna sempre muito agradavel ouvir s. exa.

Agora concedo a palavra aos dignos pares que desejarem tratar de qualquer assumpto dos que não têem de ser discutidos em ordem do dia.

O sr. Conde de Lagoaça: - Não quero abusar da attenção da camara. Desejo apenas fazer uma pergunta ao sr. presidente do conselho.

Os documentos que s. exa. mandou hontem para a mesa, e cuja publicação no Diario do governo requeri, prestavam-se a alguns commentarios. Mas, por agora, n'este fim de sessão, limito-me a perguntar ao sr. presidente do conselho se recebeu algum officio protestando contra a emissão do emprestimo dos tabacos.

Fico esperando a resposta de s. exa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Diz que não recebeu protesto algum, mas apenas um pedido de esclarecimentos do Darmstadt Banque e de um outro estabelecimento bancario.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Participo á camara que está sobre a mesa a carta regia que nomeia par do reino o sr. Luiz Augusto Pimentel Pinto.

Foi lida na mesa, e é do teor seguinte:

Carta regia

Luiz Augusto Pimentel Pinto, do meu conselho, ministro d'estado honorario e deputado da nação. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos merecimentos e qualidades: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino. O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço das Necessidades, em 4 de maio de 1896. = EL-REI. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Para Luiz Augusto Pimentel Pinto, do meu conselho, ministro d'estado honorario e deputado da nação.

A camara ficou inteirada.

O sr. Presidente: - Como não ha mais nenhum digno par inscripto, vou encerrar a sessão.

A proxima será ámanhã e a ordem do dia a discussão dos pareceres nos. 100, 104, 106, 111 e 113.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes a sessão de 8 de maio de 1896

Exmos. srs.: Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes das Minas, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Evora; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Lagoaça, do Restello, de Thomar; Viscondes, de Athouguia? de Chancelleiros, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Sá Brandão, Serpa Pimentel, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Palmeirim, Vellez Caldeira, Cypriano Jardim, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Costa e Silva, Margiochi, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos Pessoa de Amorim, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro.

O redactor = Alberto Pimentel.

Página 772

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×