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490 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

obtive do Sr. Presidente do Conselho d'aquella epoca, não me tranquilizou.

Eu sabia que a tolerancia havida para com essas casas de jogo se filiava em intuitos humanitarios; mas o certo é que não podia deixar de ser condemnado o meio a que se recorria.

Essa tolerancia persistiu por largo tempo; mas quando eu tive a honra de ser chamado aos conselhos da Corôa, empenhei-me bastante, posso dizel-o á Camara sinceramente, na repressão d'esse abuso. Empenhei-me inalteravelmente na repressão do jogo, constantemente, sem me lembrar de que o meu proposito ia de encontro a quaesquer conveniencias politicas ou eleitoraes.

O Sr. Ministro do Reino tem, nos archivos do seu Ministerio, as provas do que affirmo. Nunca, do Ministerio à que tinha a honra de presidir, saiu qualquer providencia ou determinação, que não fosse para suscitar a rigorosa observancia das leis, no tocante ao jogo illicito.

Nunca usei de tolerancia para ninguem, nem admitti excepções, quer se tratasse de amigos politicos, quer de adversarios.

Com conhecimento meu, nunca o jogo illicito ou de azar foi permittido.

Não consegui inteiramente o meu proposito e o fim que tinha em vista? Decerto que não.

O Digno Par Sr. Francisco José Machado, quando ha tempos enviou para a mesa um projecto de lei, o qual se destina a regulamentação do jogo, disse que, a despeito das minhas providencias e das minhas determinações apertadas, se jogava em um ou outro ponto do paiz.

Não puz em duvida as affirmaçoes de S. Exa., porque, como o Digno Par muito bem sabe, não são as penalidades que evitam os crimes.

Prohibem-se os assassinios, e infelizmente póde dizer-se que não ha mez em que se não perpetrem esses crimes hediondos; prohibem-se os roubos, e raro é o dia em que não chegam ao nosso conhecimento as tentativas audazes dos gatunos.

Não é, por consequencia para admirar que o mesmo aconteça com relação ao jogo, que está na indole e nos costumes do nosso povo.

Um habito assim tão inveterado, não se pode desarraigar de prompto, e completamente.

Repito não se pode impedir completamente o jogo; mas entre a impossibilidade de se exterminar completamente um abuso tão nocivo, e o permittir que elle, continue, sem a adopção de providencias que, ao menos, attenuem o mal, vae uma grande differença.

A missão e o dever do Governo é adoptar providencias que assegurem, tanto quanto possivel, o cumprimento da lei e a cessação de abusos, partam elles de onde partirem.

Foi precisamente o que eu fiz: mas depois de ter abandonado a Presidencia do Conselho, ahi por 1904, uma nova epoca veio em que se jogou desafogadamente; e sem reservas.

Não pormenorizo factos, nem designo pessoas, porque o meu intento é, unica e simplesmente, chamar a attenção do Governo para a solução de um problema, que se me afigura grave.

Foi chamado aos Conselhos da Corôa o Sr. João Franco, cujas opinões acêrca do jogo são absolutamente iguaes ás minhas.

S. Exa. É, como eu, contrario ao jogo.

S. Exa. deve lembrar-se de que, quando tive a honra de servir a seu lado numa situação ministerial, de 1893 a 1897, algumas propostas nos foram apresentadas, offerecendo ao Estado largas vantagens, rendimentos avultados em troca do monopolio do jogo; e todavia, com assentimento pleno de S. Exa., todas essas offertas foram repellidas.

(Apoiados do Sr. João Franco).

O Sr. Presidente do Conselho, n'uma circular, recommendou aos seus delegados que cumprissem as instrucções legaes no tocante ao jogo.

S. Exa. fez a sua, recommendação em termos claros, terminantes e categoricos, e digo isto para affirmar factos e não irrogar censuras, mas a verdade é que continuou a jogar-se (Apoiados) aos olhos de todos, publicamente, sem o menor rebuço, sem peias de qualquer ordem e com o conhecimento ou na presença até d'aquellss que, porventura, em virtude das instrucções que lhes haviam sido ministradas, deviam empenhar-se aã repressão do jogo. Isto passava-se até bem proximo do sitio onde eu me encontrava; passava-se aos olhos de toda a gente, e ninguem intervinha.

As cousas chegaram ao ponto do Sr. Presidente do Conselho entender que devia publicar uma segunda circular, mais energica, e em que deplorava a falta de cumprimento das suas determinações.

N'essa circular traduzia S. Exa. muito nitidamente o seu desgosto por ver que os seus delegados não acataram as instrucções que lhes havia fornecido.

Não venho fazer accusacões politicas, mas a verdade é que, onde eu estava, só depois do periodo das eleições é que foi mandado fechar o Casino. Até ali toda a gente jogava francamente, livremente, sern ninguem se importar, nem com a primeira, nem com a segunda circular do Governo.

Não venho, repito, fazer arguições.

O meu fim, o meu proposito, é dizer á Camara e ao paiz o que penso acêrca d'este assumpto. A minha opinião está claramente expressa. Eu sou absolutamente contrario á pratica do jogo illicito. É uma convicção sincera que ninguem me pode levar a mal. Por vezes esta minha altitude me trouxe attritos e desgostos por parte de amigos meus, que se manifestaram contrarios ao meu modo de ver, mas isso em nada obstou a que eu porfiasse no cumprimento d'aquillo que eu reputava um bem, nem tão pouco abalou a minha convicção, nascida da observação e da experiencia dos factos.

Entendo que o vicio do jogo perturba e arruina aquelle bom espirito de economia, que deve existir em todas as classes sociaes, e que constitue uma das grandes forças de um paiz.

Esta é a minha opinião, e d'ella não abdico.

Mas ha cousas que com prebendo, e cousas que considero incomprehensiveis.

Comprehendo que se tenha uma opinião contraria á minha.

Comprehendo que haja quem entenda que, apesar de todos os inconvenientes, de todos os abusos, de todos os prejuizos, de todos os perigos, o jogo não deve ser completamente prohibido, porque localidades ha que só por esse meio se desenvolvem, visto que a ellas os estrangeiros só accorrem quando ha jogo.

Compreendo uma opinião diametralmente opposta á minha, mas o que não comprehendo é que aquelles que entendem que o jogo não deve ser prohibido completamente, não procurem regulamental-o, por forma a ser devidamente fiscalizado e tirarem-se quaesquer vantagens que redundem em proveito d'essas localidades e do Thesouro.

Comprehendo que se julgue conveniente ou indispensavel a regulamentação do jogo; mas regulamentarão jogo não é permittir que se jogue unicamente n'um certo e determinado recinto. (Apoiados).

Regulamentar o jogo é mais do que isso. (Apoiados).

Regulamentar o jogo é fiscalizal-o por forma a fazer que as localidades onde elle seja consentido se desenvolvam, e que o Thesouro não deixe de receber a parte que lhe pertence. (Apoiados).

Em França o actual Presidente do Conselho, o Sr. Clemenceau, admittiu o jogo de azar nos clubs; mas teve o cuidado de o prohibir nos cerles e nos casinos.

Havia cercles e casinos, em Vichy, Biarritz, Trouville; e o caso é que a circular de Clemenceau era applicada. É claro que succedeu o que não podia deixar de succeder.