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SESSÃO N.° 46 DE 22 DE AGOSTO DE 1908 5

visão no Codigo eliminou esse ponto, não se sabe porquê.

O que seria conveniente é que este ou outro Governo abordasse o assunto e o resolvesse, para de uma vez para sempre terminarem duvidas. Para mim, não ha duvidas de que a entidade nestes casos é a administração da fazenda da Casa Real, mas não seria mau que se assentasse qualquer cousa de definitivo.

Passando ao artigo 2.°, observarei que as divergencias que tem havido a seu respeito são na forma e não no fundo.

Allega-se que El-Rei não pode fazer a cedencia relativa aos paços de Belem, Caxias e Queluz, pois que nada tem nelles a ceder, por serem inteiramente do Estado.

A argumentação não colhe, pois, em virtude da legislação em vigor, esses palacios pertencem já á Coroa - e logo explicarei o sentido em que tomo a expressão - pertencem, de que uso.

A argumentação é uma para o Palacio de Belem e outra para os outros palacios, e por isso, para clareza do assunto, tratarei separadamente de cada uma.

Vamos a Belem.

O artigo 85.° da Carta diz mui claramente: «Os palacios e terrenos reaes que teem sido até agora possuidos pelo Rei ficarão pertencendo aos seus successores; e as Côrtes cuidarão nas acquisições e construcções que julgarem convenientes para a decencia e recreio do Rei».

Quaes são esses paços reaes, perguntava-se? Aquelles que, pelo decreto das Côrtes Constituintes de 11 de julho de 1821, foram assinados para habitação e recreio de El-Rei D. João VI, respondia-se. E como entre elles não figurava o de Belem, este - conclue-se - não é d'aquelles a que se refere a carta que foi outorgada em 29 de abril de 1826.

Notarei, Sr. Presidente, que nada tem para o caso a data da outorga da Carta, mas sim aquella em que entrou em vigor. E como a Carta esteve pelo menos duas vezes sem vigorar, e a ultima vez que foi restaurada o foi em 10 de fevereiro de 1842, seria esta a data a attender.

Mas o artigo 85.° fala nos palacios que estavam na posse do Rei, e estes podiam ser mais dos mencionados no decreto de 1821, e não ha duvida que nessa posse estava o Palacio de Belem.

Acresce, porem, que esse decreto foi como nelle se declara, provisorio. E porquê? Presumidamente porque tendo sido publicado por virtude de uma das bases - note-se - da Constituição só era destinado a vigorar até a vigencia da Constituição seguinte. Ora esta foi assinada em 23 de setembro de 1892 e nella o artigo 140.° mandava: - que

as Côrtes designassem os palacios e terrenos que julgassem convenientes para residencia e recreio do Rei e de sua familia. E agora pergunto: quando é que se fez essa designação definitiva?

Passarei em seguida a occupar-me dos Palacios de Caxias e Queluz.

Estes palacios pertenciam á Casa do Infantado, que foi extincta pelo decreto de 18 de março de 1834, encorporando-se os seus bens nos proprios da Fazenda; porem alguns palacios que faziam parte do Infantado foram destinados para decencia e recreio da Rainha, que era então a Senhora D. Maria II. Isto posto, diz-se, expirando esta Rainha, terminou tal concessão, e tanto que foi mester renová-la pela lei de 16 de junho de 1855 para o reinado de El-Rei D. Pedro V e por outras leis para os reinados seguintes de El-Rei D. Luiz e de El Rei D. Carlos, e se renova por este projecto para o reinado de El Rei D. Manuel.

Esta argumentação parece procedente á primeira vista, mas não o é realmente.

Antes de tudo observarei que o decreto de 1834 diz «que os palacios nelle mencionados são destinados para decencia e recreio da Rainha».

Mas acrescenta: «como os palacios e terrenos de que trata o artigo 85.° da Carta Constitucional da Monarchia». E assim não se pode deixar de lhe applicar tambem a parte d'este artigo em que diz ficarão pertencendo aos successores.

Mais uma vez se verifica o Nihil novi sub sole.

Quando nesta Camara se discutiu a dotação do Senhor D. Pedro V, levantaram as mesmas duvidas jurisconsultos abalisados.

Houve duvidas nessa occasião sobre se a dotação do Senhor D. Pedro V, assinada no projecto que foi depois convertido na lei de 14 de março de 1854, e que era restricta á parte pecuniaria, prejudicava ou não o direito da Coroa aos bens immoveis designados no artigo 85.° da Carta e no decreto de 1834, que tinha extinguido a Casa do Infantado.

Ventila se agora uma questão identica.

Foi larga a discussão sobre a dotação do Senhor D. Pedro V. Houve primeiro o parecer da commissão respectiva; e, afinal, a Camara não votou a dotação áquelle Monarcha sem que ficasse exarada uma declaração muito significativa, qual foi a seguinte:

«Requeiro que se lance na acta que a Camara, approvando o projecto de lei n.° 99, tal como veio da Camara dos Senhores Deputados, não teve a intenção de prejudicar em cousa alguma a fruição dos palacios e terrenos reaes, tanto nos que pertencem aos successores do Rei por virtude de artigo 85.° da Carta, como dos que foram vendidos durante o ultimo reinado pelo decreto de 18 de março de 1854».

E alem d'isso o Ministro da Fazenda, que era Fontes, trouxe á Camara um projecto de lei em que essa declaração ficou incluida.

Ora essa lei é precisamente a de 1855, a qual começa por dizer - note-se - que continuaria em vigor o decreto de 1834 que assinou á Coroa aquelles palacios. Se continuou, é porque nunca houve intervallo de suspensão.

É certo que todos os palacios e terrenos assinados á Coroa são bens nacionaes, mas são bens nacionaes cuja propriedade pertence ao Estado e cujo usufruto pertence á Coroa.

Disse o Digno Par que acabou de falar que tendo lido num jornal que El-Rei tencionava ir para o Palacio da Pena brevemente, pedia ao Governo e a todos os membros da Camara que collaborassem com elle em defender a gentilissima criatura que preside aos destinos da nação, de um vexame que se pode dar. Podia muito bem acontecer que, no dia seguinte á ida de El-Rei para o Palacio da Pena, algum jornal perguntasse com que direito Sua Majestade habita este Palacio em Cintra.

E procurou justificar este seu receio com os termos em que se acha redigida a lei de 25 de junho de 1889.

Sr. Presidente: fiquei deveras surprehendido com um tal receio por parte do Digno Par, porque, a meu juizo, Sua Majestade El-Rei pode, quando quiser, ir habitar o Castello da Pena sem observação por parte de ninguem, visto que o direito de Sua Majestade ali poder permanecer está bem claramente expresso nessa mesma lei de 1889.

Esse diploma vem referendado por Barros Gomes, e, dadas as relações que existiram entre mim e o então Ministro da Justiça, ninguem supporá que eu não fosse ouvido sobre esse projecto. Ora, o certo é que esse diploma é o primeiro em que mais claramente se definem os direitos da Coroa e do Estado sobre bens immobiliarios nelle designados, e com respeito ás propriedades a que se refere, diz expressamente:

«§ unico. As propriedades adquiridas em virtude d'esta lei ficarão no usufruto da Coroa, sendo em tudo reguladas pelas disposições do artigo 85.° da Carta Constitucional e das leis de 16 de julho de 1855 e 23 de maio de 1859, e pelas mais que regem o exercicio dos direitos de proprietario e usufrutuario de taes bens».