6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Portanto bem pode El-Rei habitar o Palacio da Pena sem o minimo receio de que alguem lhe faça a terrivel pergunta formulada pelo Digno Par: - e não precisam Governo e Pares collaborar numa obra já perfeita em 1889.
Vou agora passar ao artigo 5.°, que tem sido como que o clou da discussão.
Tem este artigo duas partes distinctas; a primeira tem por fim fazer com que uma commissão presidida pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiço, e composta de um juiz do mesmo tribunal, de um vogal do Supremo Tribunal Administrativo, de um vogal do Tribunal de Contas, e um vogal da Junta do Credito Publico, seja incumbida da liquidação de contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real; e a segunda parte preceitua que a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado será paga pela Fazenda da mesma Casa em prestações annuaes não inferiores a 5 por cento d'essa quantia até integral, pagamento.
Tem se pretendido classificar a commissão proposta como sendo uma commissão burocratica e, d'ahi o averbá-la de suspeita, como subordinada ao arbitrio do Governo.
Ainda que assim fosse, que não é, eu, Sr. Presidente, para honra do funccionalismo português, não averbaria tal commissão de suspeita. Os funccionarios publicos merecem me em regra confiança e não serei eu que os accusarei de falta de independencia.
A verdade, porem, é que a commissão ha de ser na sua maxima parte composta de juizes, que á sua independencia juntam a da magistratura que exercem, e que nem sequer hão de ser nomeados pelo Governo.
Allega se, porem, ser absolutamente inconstitucional - como contrario á divisão dos poderes - que uma commissão extra-partidaria apure as contas de que se trata e que esse apuramento fique dependente da sancção parlamentar.
Em resposta direi que o facto nem sequer será unico. Com effeito, como a Camara sabe, o Tribunal de Contas, que é o tribunal de justiça administrativa e tribunal fiscal das leis financeiras do Estado, está encarregado de organizar e processar as declarações baseadas nas comparações das contas dos responsaveis com as contas geraes do Estado e dos Ministerios, e as leis de receita e despesa e essas suas resoluções devem ser submettidas á apreciação do poder legislativo.
Mais.
Accordãos ha do Supremo Tribunal Administrativo que para se tornarem definitivos carecem, não da sancção das Côrtes, mas nem sequer da do Poder Executivo, mas só da sancção de um dos seus membros.
Pelo que respeita a ser paga em prestações não inferiores a 5 per cento a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado, saindo essas prestações da dotação de El-Rei, affirmou-se que Sua Majestade não pode ser obrigado a pagar dividas, de seu pae alem das forças da sua herança.
Muito bem, e estou de acordo. Mas com o que não posso concordar é com as premissas que se pretenderam estabelecer para chegar a tal conclusão, e em virtude das quaes se impugnou tal disposição como duplamente inconstitucional por estabelecer uma excepção contraria ao direito commum, e por se lhe dar effeito retroactivo.
Disse-se aqui que El-Rei é herdeiro de seu pae, e que o herdeiro é obrigado só ao pagamento do passivo até onde chegar o activo.
Respeitando muito as opiniões dos meus collegas, direi que a qualidade de herdeiro do Senhor D. Manuel não tem absolutamente nada com esta discussão.
Com effeito, se herdeiro é o que succede na totalidade da herança ou em parte d'ella, sem determinação de valor ou objecto, a herança é o que bem claramente determina o proprio Codigo Civil aqui citado, no artigo 1737.°
Diz ahi o Codigo Civil:
«A herança abrange todos os bens, direitos, e obrigações do autor d'ella...»
Note a Camara:
«que não forem meramente pessoaes, exceptuados por disposição do dito autor, ou de lei».
A dotação do Rei é direito maramente pessoal, tão pessoal, que expira com a sua morte e é mester que uma nova lei assine uma outra ao successor. Logo não faz parte da herança do Rei fallecido; e por isso não ha herdeiro com respeito á dotação regia.
A lei de 16 de junho de 1855 manda regular pelo direito commum do reino:
«os bens pessoaes que o Rei possue e de que pode dispor...»
e diz mais, note ainda a Camara, que:
«Os rendimentos dos bens da Coroa mencionados nesta lei que tiverem vencimento durante o reinado; e bem assim todas as quantias e creditos de dotação real pecuniarios regula-se em quanto á livre disposição e á successão pelas mesmas leis que regem quaesquer bens particulares».
Isto posto, confirma-se que a dotação pecuniaria em si não ficou sujeita ao direito commum.
Mas ha mis. Todos os dias se está dizendo que o Rei é um funccionario da nação. Pois então não será de mais applicar-lhe a legislação respectiva. Ora os funccionarios publicos teem o direito de receber por adeantamento, em determinadas condições, uma parte dos seus vencimentos, e esses adeantamentos são-lhes descontados nos futuros ordenados. Os funccionarios que usam d'esse direito pagam o juro respectivo, e alem d'isso, note-se, um premio de risco que, consoante a idade de cada um, vae de 1 até 3 por cento. Premio de que risco?
Di-lo a lei: das difficuldades do reembolso.
Mas então se El-Rei D. Manuel não pode ser obrigado a reembolsar ao Estado as quantias autorizadas sobre uma dotação que acabou, como é que eu voto o artigo 5.°?
Muito simplesmente o direi. Para mim esse artigo não estabelece a obrigação de tal pagamento, pois que essa tomara a nobremente sobre si El-Rei, por acto espontaneo. Mais de uma vez o tem declarado o Sr. Presidente do Conselho e agora mesmo o está confirmando. Esse artigo reproduziu, pois, só uma generosa proposta do Monarcha, e como tal proposta não pode ter effeito sem a competente acceitação, que no caso consiste na sancção das Côrtes da nação, isso, e só isso, é o que, a meu juizo, representa tal disposição.
Sr. Presidente: farei agora ainda algumas considerações, não já sobre o projecto, mas a proposito d'elle.
O Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, illustre chefe do partido progressista e dignissimo membro d'esta Camara e ao qual todos prestam homenagem (Apoiados), desejava comparecer aqui para tomar parte nesta discussão; mas se aqui não veio, foi isso devido somente ao aggravamento da sua doença, que todos lamentam. (Apoiados).
Eu disse em tempo que o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro viria, brevemente aqui.
Era esse o seu intento. E viria aqui, não para obedecer a quaesquer intimamações, e isto digo sem quebra ou prejuizo da consideração devida a qualquer dos meus collegas que tivesse manifestado o desejo de o ver neste logar, mas digo-o como affirmação do meu direito de assistir ou não ás sessões da Camara, pois que aqui não ha, como me parece que na Camara dos Senhores Deputados existe, perda do logar por faltas. Viria para falar sobre o projecto, como era seu ardente desejo, e é possivel que a sua impossibilidade de aqui comparecer não haja sido indiffe-