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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 345

resolvida promptamente a crise ministerial, sem duvida a financeira em que o paiz se acha ha de ressentir-se, e hão de ser terríveis as suas consequencias, porque vão aggravar os ónus que já pesam sobre o thesouro.

Sr. presidente, o estado em que se acha o para é temeroso, desgraçadamente a tripulação e os pilotos que teem dirigido a nau do estado, pela sua audacia e impericia, conduziram-na a um mar tormentoso e cavado, sem a saberem dirigir para o porto de salvamento, vendo-se por toda a parte cercados de baixios e de tempestades tormentosas, que sem duvida a farão sossobrar, se outros mais hábeis, peritos e conhecedores daquelle mar não lhes acudirem na hora da agonia e do naufragio! Fatal ignorancia, indesculpavel audacia! Sr. presidente, eu desconheço este systema, e assombra-me o desassombro com que os srs. ministros se sentam ainda hoje aqui depois de tantos desvarios, de tanta irreflexão, de tanto desleixo, de tanta incuria e de tanta imprudencia!! Sr. presidente, todas essas minguadas economias, tiradas ao sustento de centenares de familias, e em prejuizo e com a desorganisação dos serviços publicos, teem sido levadas em offerenda á avidez dos argentarios estrangeiros. O paiz nada tem lucrado, porque os seus encargos subiram extraordinariamente. Lance-se os olhos sobre essas repetidas operações em que o nosso credito diminuiu todos os dias, contemple-se as operações a 70 e 80 por cento, na realidade desgraçadissimas, e reconhecer-se-ha facilmente que a crise é grave, terrivel, temerosa e assustadora, e que se não for de prompto resolvida, entendo que o governo tomará sobre si immensa responsabilidade; comtudo, nesta occasião suprema, o governo não pôde, nem deve deixar de proceder com toda a prudencia e sisudez, mas ao mesmo tempo com a maior brevidade. (O sr. Rebello da Silva: - Agora é que eu peço a palavra.) Compenetrado pois bem das circumstancias difficeis e das difficuldades numerosas que assoberbam a actual situação, o governo, se entende poder completar-se em boas condições, deve declarar á camara se está resolvido a reconstruir-se, e apresentar-se no primeiro dia de sessão cheio de força, e resolvido a affrontar os perigos e obstáculos que o circumdam, na certeza de que toda a demora póde trazer graves prejuizos á causa publica.

Note v. exa., sr. presidente, e a camara, que as circumstancias em que nos achamos são anormaes, e que por consequencia estas divergências que ha entre o governo e as duas casas do parlamento aggravam todos os dias os nossos males, pois mais do que nunca nesta occasião é necessario que o governo seja forte, que apresente as medidas tributarias, e que as faça passar, bem como discutir o orçamento, e não continuar uma crise latente que existe já ha mais de vinte dias, crise que só agora veiu a lume (mesmo na occasião em que menos devia apparecer), desapparecendo o ministro que acaba de fazer um contrato, que ainda não está definitivamente approvado pelas camaras. Este procedimento é pouco constitucional, de mau precedente e novo. Como vejo o sr. presidente do conselho, homem essencialmente liberal, e acostumado a proceder como deve, nestas lides, tenho até certo ponto a convicção intima de que s. exa. conhecedor de factos que lhe teem sido occultados, não desmerecerá do seu glorioso passado, e desfazer-se-ha de collegas que o teem altamente compromettido, encobrindo-lhe os acontecimentos com as circumstancias que se têem dado.

Sr. presidente, termino pois aqui as minhas reflexões e perguntas, e espero que o nobre marquez de Sá, sem trangiversões, declare terminantemente á camara as causas que determinaram a saída dos seus collegas, e explique como a demissão delles nada envolve a solidariedade ministerial.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros:- 0 sr. conde de Samodães tem assento nesta casa, e o sr. Pequito na camara dos, senhores deputados, e elles darão as explicações convenientes quando terminar a crise.

O caso de se demittirem alguns ministros e de continuarem outros é muito vulgar no systema parlamentar. Ainda ha pouco saiu o sr. Carlos Bento por motivos pessoaes, e os outros ministros ficaram.

Em Inglaterra, como v. exa. sabe, acontece o mesmo frequentemente. No tempo do ministerio de lord Palmerston, lord Russell saiu do ministerio e os outros ministros ficaram. E ainda não ha muito tempo que em Hespanha saiu o ministro das obras publicas.

Para sair o ministerio todo é necessario ou um acto do poder moderador ou uma votação do parlamento; não é só a vontade de um ou outro ministro que deve fazer demittir um ministerio. Eu espero porem que brevemente será resolvida esta questão.

Agora peço á camara o favor de me dispensar, porque acabo de receber um bilhete do sr. presidente da outra camara, avisando me de que se vae entrar na ordem do dia, que é a discussão de um projecto importante que pertence á minha repartição.

O sr. Rebello da Silva:- Diz o sr. presidente do conselho que tem negocios que o prendem na outra casa do parlamento, então peço que venha para aqui algum dos seus collegas, porque o debate não póde parar. Isto é que é constitucional.

Não quero prender a s. exa., mas o que desejo é que venha assistir á discussão um dos seus collegas.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva: - A camara ha de ter notado que desde que tenho a honra de lhe pertencer esta é a primeira sessão em que me apresento combatendo o governo com um grau de vigor, que até hoje não julguei conveniente empregar contra outros gabinetes. Vou dar a rasão.

E porque até hoje ainda não encontrei governo, que me suscitasse apprehensões tão vivas, nem situação que se desvairasse por caminhos tão próximos do precipicio, calcando com ousadia sem exemplo aos pés os principios - que reputo mais sagrados! Este governo saiu da constituição sem causa justificada, invadiu todos os poderes, demoliu sem reconstruir, é inferior ás circumstancias, e desafia todos os perigos. Eis a rasão por que o combato com toda a energia, e hei de continuar a combate-lo sem trégua, nem repouso de um momento (apoiados). Nem de um momento, repito! Este governo representa para mim duas feições, ambas obnoxias, ambas fataes, que não posso aceitar por forma alguma.

Não póde viver com a tribuna aberta, porque se esfacela diante da critica dos seus actos, detesta a luz, sustenta-se por meios subterraneos, engana as paixões para as explorar, e sacrifica os mais preciosos interesses do paiz ao pensamento egoista de vegetar mais alguns dias sem idéas, sem iniciativa, sem plano. Capitula coagido com as exterioridades do systema representativo, mas mina-lhe os principios, e desconceitua-lhe a sancção. Funcciona com o parlamento, mas não é um governo que honre a tribuna, e que se não assuste com a publicidade. Se podesse amanhã fechava as camarás, e ia legislar nos gabinetes das secretarias. Já o fez, e renovaria o attentado se o ousasse! A sua presença é uma ameaça, ou pelo menos uma reticência gravida de suspeitas para as instituições parlamentares e para o respeito profundo devido á magestade da lei.

Este gabinete é o governo das dictaduras. Este gabinete é o governo que se valeu das manifestações das praças publicas para resurgir de uma queda voluntaria, e se refugiar na omnipotencia de uma usurpação audaz do poder legislativo. Este gabinete é o governo, que para prolongar a existencia, não hesitou em levantar o presente contra o passado, em frechar de recriminações todos os ministerios que o precederam, e em se prevalecer de meios, que a acção regular do systema não auctorisa, que o senso do paiz reprova, e que a nação ha de geralmente condemnar um dia, porque desde já me atrevo a prophetisar que poucos mezes mais serão precisos para elle deixar de si uma memoria

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