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346 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

execranda, e as mais tristes tradições! Sinto, não posso deixar de deplorar, que o meu velho e respeitado amigo, o nobre marquez de Sá, que na maior parte das cousas está innocente (peço licença para pelo amor da justiça separar a sua responsabilidade) continue a associar o nome illustre, a reputação illibada e a sua gloriosa espada a similhante governo, que nem já mesmo a auctoridade do glande nome de s. exa. póde sustentar, que vacilla, que estende para se conservar as mãos até aos adversarios que injuriou na véspera, que traz duas pastas quasi em leilão sem encontrar em quinze dias quem as aceite com a responsabilidade de se associar a elle, e que nos faz assistir á scena nunca vista de uma agonia, que arrasta sem dignidade, estorcendo-se nas vascas de uma ambição esteril, que nem sabe viver, nem póde acabar de expirar com resignação, olhando para o futuro.

Os negocios publicos correm quasi ao desamparo. A contradicção reina em tudo como soberana. Diz-se uma cousa hoje e faz-se amanhã outra. Estamos em 30 de julho, e não ha um projecto util de que a camara dos senhores deputados se occupe. Hontem fechou-se a sessão, porque não compareceu um só ministro, e não havia assumpto de que se tratasse. A mesa desta casa não tem que propor á nossa discussão! É assim que se cumpre o famoso programa da salvação publica, ao cabo de mais de tres mezes de sessão a iniciativa deste gabinete nem uma só das grandes medidas tributarias conseguiu fazer votar, e das largas e profundas reformas, com que prometteu organisar por uma vez a fazenda publica, nem uma só appareceu ainda. Appello para a lealdade do valente general, que me honra com a sua amisade, e que está junto de mim para me ouvir; elle que diga com a mão na consciencia se esta e a situação a que tinha desejado ligar o seu nome, se é este o programma que tinha riscado, se está, ou não vinculada a sua palavra perante a coroa, perante as côrtes, e perante o paiz ao que se não cumpriu, nem póde já ser cumprido.

Lembremo-nos de que estamos no seculo XIX, e que neste seculo não póde haver governos compostos de elementos hermaphroditas (riso geral). Estamos em um seculo, em que se não allia facilmente o sagrado com o profano na gerencia dos negocios publicos. Essas aggregaçõas hibridas, que exerceram certo predominio no tempo das ordens monásticas, no tempo da sua grande influencia, foram proscriptas ha muito. Infelizmente o que vemos nós? Um governo largamente dotado pelo parlamento, auctorisado para fazer reformas importantes (de que usou e abusou), aproveitar-se de um incidente parlamentar para dissolver a camara, e, em vez de reunir logo os conselhos da nação, demorar a sua convocação, para empolgar a dictadura. Recorrer para o paiz, e quasi na véspera delle nomear os deputados, por uma especie de emboscada sem exemplo, alterar a circumscripção dos circulos, violando a lei e os principios, e fazendo suppor á Europa, que Portugal no fim de trinta e cinco annos de governo representativo está abaixo de alguns estados da America do sul (apoiados).

E este golpe fundo na dignidade do systema cobriu-se com o pretexto das famosas economias, que passaram á superfície dos serviços na maxima parte, e que nos que feriram de mais perto deixaram tudo demolido, arrasado ou anarchisado! Dessas economias a deducção nos vencimentos dos empregados publicos, não chega para a multa que ha de pagar-se a Goschen, e as geraes, realisadas em toda a despeza orçada em 1867, não bastam para satisfazer uma só das annuidades do emprestimo contratado em 16 de abril. Arrancou-se o óbolo ao pobre, reduziram-se familias á miseria, atrazou-se o progresso do paiz unica e exclusivamente para saciar a avidez daquelles argentarios estrangeiros, que o governo no momento em que cortejava a popularidade disse que ia proscrever para sempre, como representante da politica de resistencia (apoiados). Daquelles argentarios que o governo disse que havia de repellir, figurando-se na posição heróica do archanjo com o pé sobre o peito do dragão para pouco depois - evolução deploravel I - cair quasi de joelhos diante delles, aceitar suas condições leoninas e offensivas, e ajustar até o resgate da honra e do credito do paiz em uma multa sem precedente (apoiados), para depois estender as mãos a todos, soltar sobre as praças colonias de corretores (apoiados), e expor a nação a receber na face a injuria de um delles, do mais arrojado, como vituperio do nome portuguez, e a humilhação do principio da auctoridade. Facto incrivel! Até os corretores de peior nota na Europa vieram quasi como envergonhados declarar á imprensa que não eram corretores do governo de Portugal (apoiados). Tão baixo nos fez descer!

Quando o governo se demittiu sabe a camara, e sabe o para que a crise se espaçou por quinze dias, como agora, e que um personagem illustre, que se achava ausente foi chamado para formar novo gabinete. Foi neste intervallo que um festeiro de manifestações nacionaes muito conhecido saido de certa officina aonde se forjavam antes alacridades contra o ministerio do sr. conde d'Avila, tentou salvar a vida do ministerio, que lhe é quasi tão caro coroo a propria vida, implorando a cooperação dos antigos alliados. Diz-se que os illudiu com promessas de regeneração politica, que teve logo depois o cuidado ou a ingenuidade do esquecer, ou de quebrar. Foi á sua iniciativa só fecunda nestas campanhas, que em grande parte se deveram as girandolas estrepitosas de foguetes, que ouvimos estalar, os bramidos dos trombones e os rufos dos tambores, depois aquellas representações enthusiastas de rhetorica arriscada, e finalmente todas as simulações da verdadeira opinião publica, que por um caminho mais, ou menos tortuoso obrigaram a recuar a corôa indirectamente para passar da escolha já feita para a reconducção do ministerio, e para substituir ao governo das camaras o governo das dictaduras, das invasões, e dos attentados constitucionaes. Mas o que a camara talvez ignore ainda é que, quando se discutiu o emprestimo, o gabinete receioso de não obter nem mesmo o unico voto moral, que alcançou, esteve indeciso sobre o rumo que seguiria, e que o mesmo festeiro intrépido, que ensaiara as manifestações de janeiro intentou renova-las em julho, tornando para isso a procurar os mesmos individuos, que da primeira vez tinham sido o apoio o a salvação dos ministros, que os recompensaram como é voz publica. Mas a experiencia tinha aberto os olhos a todos, os devotos estavam desenganados do que eram o valiam os informadores, e a camara dos pares deveu á repugnancia das victimas logradas o não ser regalada com uma innocente e clamorosa serenata patriotica. Não faltou vontade nem emprezario. Faltaram sómente figurantes que se quizessem associar.

De novo torna a periclitar a situação, não sei porque causa, nem me importa. Repete-se ainda a comedia, mas com scenario e personagens diversos. Representa-se o terceiro acto, e espero que seja a conclusão de toda a peça, que já saiu bem cara ao paiz. Agora as manifestações suo de outra especie, e as coacções ensaiadas pertencem a differente cathegoria. Umas vezes espalha se que a commissão de faseada da camara dos senhores deputados projecta de um só traço reduzir a metade a lista civil, o que é falso, e isto para depois apregoar a influencia que desviou o golpe (apoiados). Outras vezes, porque alguns membros desta e da outra camara se mostram desenganados da politica do governo, forjam-se contra elles calumnias e insinuações, attribuem-se-lhe ambições e projectos, que nunca tiveram, e ensaia-se o plano das suspeições na larga escala, em que os claustros sabiam applica-lo para gerar desconfianças e indisposições entre collegas, e para illudir a opinião publica (apoiados). Num dia fazem-se edições de ministerios que os confidentes divulgam (apoiados), noutros criam-se entidades que no systema representativo não podem ter representação (apoiados), convocando reuniões sem o conhecimento do chefe do gabinete, para lhes pedir votos que a livre acção do poder moderador não comporta, e que se a