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470 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES NO REINO

mara verá como fica destruida pela base toda a argumentação de s. exa., e as declarações formaes que fez na ultima sessão.

(Leu.)

Quer dizer, que s. exa. reconhece que as reformas, quando são constitucionaes, não podem ser feitas senão pelo poder constituinte.

Agora, passa s. exa. a mostrar a differença que ha era fazer uma constituição nova ou em reformar uma que já existe.

(Leu.)

Aqui tem a camara o que dizia o sr. Fontes em 1872.

S. exa. entendia, então, que para reformar a carta era necessario satisfazer as prescripções dos artigos 140.°, 141,° e 142.° da mesma carta, onde se estabelecem todas as cautelas, para que a reforma não seja um facto, e onde se manda dar conhecimento ao povo de quaes são os artigos que se pretende reformar, para que elle de os poderes competentes para essa reforma ser devidamente feita.

Os pontos sobre que devia recair a reforma, mencionava s. exa. serem o acabamento da hereditariedade do pariato, a modificação do direito do voto, do direito de dissolver a camara dos senhores deputados, do direito de perdoar, e a ampliação do direito de votar.

Se o sr. Fontes, como declarou na ultima sessão, não tinha considerado estes pontos como constitucionaes, para que apresentou uma proposta para estas reformas serem feitas em côrtes constituintes, em logar de apresentar um projecto de lei para ser discutido e votado em côrtes ordinarias, como agora se está fazendo com relação aos artigos da carta que tratam de eleições?

Vou ler ainda mais uma parte do relatorio, para mostrar a contradicção manifesta do sr. presidente do conselho sobre este ponto. Diz s. exa. no artigo 17.°:

(Leu.)

Quer dizer que s. exa. reconhece que este artigo não póde ser reformado em côrtes ordinarias; e tão convicto estava o sr. Fontes da sua opinião, que menciona para serem reformados segundo a carta, em côrtes constituintes, os artigos 64.º e 65.°, que são os que se referem a eleições.

Sr. presidente, a camara deve conhecer que estas contradicções nos dão direito a pedir explicações categoricas ao governo, e que elle tem o dever de declarar positivamente quaes são as suas opiniões sobre negocios tão serios.

Sabe a camara o que resulta d’este modo do proceder do governo, e da falta de respeito que elle tem pela constituição do paiz?

Resulta o cerceamento das attribuições do poder moderador, prejudicando se assim a monarchia, e principalmente a actual dynastia, que póde um dia ser victima d’estes desvarios de um governo fraco, que, para se sustentar, governa com a opinião dos outros.

Sr. presidente, isto revela a fraqueza do governo, que, não sabendo governar com os seus principios, sujeita se e humilha-se para attender a falsas idéas de popularidade, porque não tem coragem de se oppor a um pensamento que se diz liberal, posto que o seja só apparentemente.

Hoje, pois, o systema governativo do partido regenerador é a transigencia. Aqui transige com o digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro, que queria a reforma da camara dos pares; na outra camara acceita a reforma da lei eleitoral, contraria a carta para acceder aos desejos do sr. Osorio de Vasconcellos, redactor da Democracia e partidario dos republicanos.

Sr. presidente, quando os governos chegam a um estado de fraqueza d’esta ordem, ai das instituições, e ai do paiz, cujos destinos lhes estão confiados!

Quando os governos não governam com as suas idéas, mas sim com as dos contrarios, não são dignos do poder, e para se conservarem têem de passar por muitas e repetidas humilhações. O peior é que as instituições soarem sempre,

os governos representativos vão-se enfraquecendo, e os seus adversarios ganhando terreno todos os dias.

Demonstrei, pois, a contradicção do sr. presidente do conselho do ministros, lendo á camara as suas palavras textualmente; e demonstrei tambem que s. exa. tem opiniões conforme as occasiões e conveniencias, e que os seus principios não são certos nem definidos, mas sim perplexos e variaveis.

Tendo demonstrado isto, vou tratar a questão debaixo de outro ponto de vista.

Sr. presidente, tratarei agora de provar que este projecto de lei é revolucionario, por isso mesmo que revoga um dos artigos da carta constitucional, artigo que deve ser estavel emquanto não for revogado pelo poder soberano, que reside no povo, e que por meio de constituintes tem direito a modificar o codigo fundamental da monarchia.

N’este presupposto e com esta doutrina, conhece-se que os actos dos poderes publicos, atacando a constituição, são actos revolucionarios, e que a revolução está-se fazendo no poder.

Sr. presidente, os artigos da carta constitucional e do acto addicional declaram terminantemente, que só podem votar aquelles que provem ter o rendimento certo do 100$000 réis, e por este projecto de lei estabelece-se que o possam fazer, não só os que tiverem o rendimento de 100$000 réis, como tambem os que souberem ler e escrever, e os que forem chefes de familia.

O projecto presume que estas duas classes, pelo simples facto de saber ler e escrever, e do ser chefe de familia, têem o rendimento que a carta exige.

Esta doutrina é manifestamente contraria á letra e no espirito da carta, e, portanto, estes artigos introduzidos no projecto são evidentemente um acto revolucionario do poder. Parece-me que ninguem contestará a verdade e a justeza d’estas proposições.

Não obstante, reconhecendo-lhe a força, o sr. Barros o Sá, para lhe responder, serviu-se de um habil sophisma, o que prova a sua argucia como advogado e como jurisconsulto, e nada mais, porque as cousas são o que são, e a verdade fica sempre.

Esse sophisma foi ler os artigos do codigo civil, que estabelece o que é presumpção, o as suas diversas especies legaes e simples, concluindo que presumpções legaes fazem prova.

Sr. presidente, isto não passa de um mero sophisma, e eu tenho pena de não ver presente o meu collega, o sr. visconde de Bivar, porque s. exa. deu tanta importancia a este argumento do sr. Barros e Sá, que ficou extasiado diante d’elle.

S. exa. acaba felizmente de entrar na sala, e por isso repetirei mais uma vez, que este argumento é um puro sophisma, e vou demonstral-o.

Sr. presidente, a doutrina estabelecida no codigo civil, nos artigos 193.°, 194.° e 195.°, é copiada do codigo civil francez, artigo 1:349.°, que diz que as presumpções «são as consequencias que a lei ou o magistrado tira do um facto conhecido para um desconhecido.»

O mesmo codigo civil francez, em consequencia d’este principio, divide tambem as presumpções em legaes e simples. Presumpções legaes são aquellas que fazem prova em virtude da lei; e as simples são meios, dos quaes o magistrado tira certas illações.

Essa doutrina, pois, do nosso codigo e de todos os codigos da Europa, de que o sr. Barros e Sá se serviu para sustentar o projecto, serve-me a mira para lhe provar completamente o contrario.

O saber ler e escrever, e o ser chefe de familia, por ora não póde ser senão presumpção simples, e, portanto, não póde substituir a prova directa; mas mesmo para estas presumpções simples o codigo civil francez requer que sejam graves, precisas e concordantes.

Portanto, perguntarei eu: o facto de saber ler é presumpção grave, precisa e concordante?