DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES NO REINO 481
rio insistir na minha proposta, porque o sr. ministro do reino entendeu que era a sua ultima palavra.
Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria.
Eu não acredito que o governo possa levar a cabo todas estas suas reformas, e estou certo que as ha de modificar segundo as circumstancias o exigirem, e isto para honra da liberdade, d’essa liberdade que o sr. Sampaio tanto defendeu em outro tempo contra as maiorias ficticias do parlamento, pois que as verdadeiras maiorias residem no paiz e na opinião publica.
Estas opiniões que s. exa. professava, e de que hoje se não lembra talvez, não as olvidei, nem as olvido. Sustentava-as s. exa. na imprensa, e honra lhe seja, porque é preciso que a imprensa seja uma instituição, uma verdadeira instituição, e não um meio de cada um tratar dos seus interesses.
O que se diz na imprensa, ò que se sustenta e defende n’aquella tribuna augusta, e necessario que se sustente sempre; aliás a imprensa desvirtua-se e desauctorisa-se completamente dando-nos o triste espectaculo de sustentar idéas apenas com um pretexto, para depois na pratica as renegar ou esquecer.
É necessario que o que se diz pela imprensa se sustente depois no poder; senão, não.
Eu hei de aqui tratar n’esta casa, antes de se encerrar a sessão, de um assumpto que se prende com a imprensa e com a censura.
É necessario que a imprensa não seja um meio especulativo, para se escalarem os altos cargos, atacando-se quem pela lei fundamental é irresponsavel.
Não é possivel que continue este estado de cousas, e é indispensavel que se ponha cobro a este abuso, que não é liberdade mas licença, deixando constantemente atacar e insultar quem pela propria lei está superior a esses ataques e insultos, e que deve ser sagrado.
Sr. presidente, eu reservo-me para opportunamente tratar d’este assumpto; e pelo que diz respeito ao projecto, eu, pelo muito que prezo a verdade, devo declarar, que de todos os erros que se votam, não é só culpado o governo, mas a maioria que o apoia. Que repartam entre si essas responsabilidades, por mim não as acceito.
É necessario dizer todas estas verdades ao paiz e ao governo, porque a situação hoje é mais grave do que muita gente pensa, não nos illudamos; e se se deve sempre dizer a verdade, esse dever cresce na rasão directa das circumstancias.
Sr. presidente, a situação do paiz é muito grave, e é necessario que não exageremos os bens. Ainda não ha muito que se nos apontava com um grande symptoma do prosperidade a creação de tantos bancos, e s. exas. sabem perfeitamente quaes foram as consequencias d’esse ligeiro symptoma. A febre dos bancos, a essa vertigem monetaria succedeu a crise financeira e a crise operaria, crises com que nos vimos a braços, e com que ainda hoje infelizmente lutamos.
Muitas vezes, sr. presidente, eu tenho um grande sentimento de não ver na sua cadeira o sr. conde de Thomar, que não resuscite o sr. conde de Cabral, e outros que o sr. Sampaio tanto combateu, para que s. exas. se podessem ver bem vingados, pelo que presentemente se pratica, e ficariam bem desaggravados de todos os ataques que foram feitos á sua administração, e a muitos actos que se diziam de inqualificavel despotismo, e que eram combatidos por tantos homens do antigo partido setembrista, que hoje não têem feito mais do que aggraval-os com todas estas medidas que apresentam.
O povo deve arrepender-se de confiar em tribunos que só procuram lisongeal-o, mas não lhe promovem o bem estar de que elle tanto carece.
Esses tribunos, sr. presidente, seguem sempre o seu caminho, e não têem outra mira senão approximarem se dos altos logares; para o conseguirem atacam as classes e a realeza, e o governo deixa ludibriar uma entidade irresponsavel, porque não tem força para obstar a tão indigno procedimento, emquanto não pedir a revogação de um artigo do codigo; d’esse codigo que foi um presente do partido regenerador, e que ainda bem não estava promulgado, já esse mesmo partido, que antes se devia chamar o partido dos codigos, tinha nomeado uma commissão para o examinar e reformar; commissão que, segundo a propria confissão do sr. Barjona, tinha muitos dos seus membros impossibilitados, e por isso nunca concluiu os seus trabalhos!
Pois esse artigo hei de eu obrigar o governo a revogai-o, e se elle o não revogar, ha de ouvir muitas verdades, que se podem dizer, e que é preciso que se digam, para fazer com que elle não consinta que a corôa venha para as discussões.
Eu não sou um lisonjeiro, nem um cortezão, mas honro-me de sustentar os principios, que devem fazer com que a liberdade não seja uma palavra vã, e não degenere em anarchia.
É preciso que não se apresente como tolerancia aquillo que não passa de uma completa fraqueza.
Já que não foram admittidas quasi nenhumas das emendas apresentadas durante a discussão da reforma administrativa, o sr. relator da commissão, que creio ser o digno par Barros e Sá.
O sr. Mártens Ferrão: — Eu é que soa o relator d’este parecer.
O Orador: — Julgava que era o sr. Barros e Sá.
Antigamente havia um logar de ministro assistente ao despacho, e hoje, embora tudo tenha mudado, eu aconselharia que se nomeasse o sr. Barros e Sá ministro assistente ao despacho; porque s. exa., com a muita erudição que tem, e como homem de trabalho que é, tem ajudado o governo a levar a cruz da administração a um calvario, que não sei aonde é.
O sr. Barros e Sá é o relator de quasi todos os projectos importantes, tem tomado a palavra em todas as questões notaveis, e por isso não admira que me persuadisse que s. exa. tambem era relator d’este projecto. Enganei-me. O relator d’esta reforma administrativa é o meu amigo, sr. Mártens Ferrão.
Tambem não é mau cyrineu, porque é um homem distincto, uma illustração digna de todos os respeitos.
Prestando toda a homenagem da minha consideração ao sr. Mártens Ferrão, não posso prestar o meu assentimento ao projecto.
(Entrou o sr. Barros e Sá.)
Eu acabava de dizer agora, quando o sr. Barros e Sá estava ausente, o que vou repetir na sua presença.
Julgava que s. exa. era o relator do projecto em discussão, porque s. exa. tem ajudado o governo a levar a cruz a um calvario, não sabemos onde fica.
O sr. Barros e Sá: — Eu cedo a s. exa. todas as honras.
O Orador: — Eu acceito a beneficio do inventario, e quando se fizer a avaliação antes de se tratar da liquidação, para ter seguimento o inventario, para a fórma da partilha, não é o digno par que me ha de chamar á autoria, quem ha de distribuir as dividas d’este inventario, do qual nada ha a receber e só a pagar, porque são muito maiores as dividas para com o paiz, que as que elle tem de gratidão para comnosco, é o paiz mesmo.
Mas nessa partilha não espero eu ter de pagar dividas, comquanto tenha acompanhado varias vezes estes cavalheiros, excepto os srs. Thomás Ribeiro e Lourenço de Carvalho.
Tambem tenho acompanhado outros algumas vezes, mas a todos elles só quando a minha consciencia me não accusa de ter que entrar como herdeiro na partilha para o pagamento das dividas.
O meu nome não se vê filiado, nem registado nos registos dos regeneradores nem da Granja.