DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 461
imposto, em larga escala, para se libertar das humilhações estrangeiras, apesar da sciencia economica, administrativa e financeira ser ali perfeitamente cultivada, tambem não alterou o seu systema de imposto, e lá tem ainda a contribuição de repartição! E porque procedem assim os homens politicos a quem estão confiados os destinos destas duas nações? É porque elles entendem que é extremamente perigoso sujeitar o paiz a experiencias audaciosas, e que a responsabilidade é enormissima quando com essas experiencias se póde atacar a propriedade e o bem estar de uma nação.
Sr. presidente, tendo motivado o meu voto, concluirei, aconselhando ao sr. ministro prudencia, persistencia e moderação.
O sr. Fontes Pereira de Mello: - Não approva a generalidade do projecto, posto que concorde com algumas das suas disposições, porque entende que a transformação do systema de repartição pelo de quota, póde trazer graves perigos. Julga que o projecto ou não é cousa alguma, ou é um grande perigo.
Se não é cousa alguma, para que trazei-o ao parlamento? Se se trata, porém, de reformar ás matrizes, de se chegar por esse processo á verdade dos factos, que nesse caso lhe cumpre, declara francamente que nenhum governo terá força para executar esse projecto.
Acredita no zêlo, na intelligencia e nos conhecimentos dos seus successores e antecessores na pasta da fazenda, mas o que não acredita é que tenham mais zêlo e mais vontade que elle, orador.
Trabalhando oito annos, como ministro da fazenda, não logrou conseguir o que a outros ministros se afigura facil e realisavel.
Acha que andam em erro os que querem ir buscar á propriedade os meios de equilibrar o orçamento. Não póde condescender com a opinião, se é que a opinião leva o governo a querer este projecto.
Nota que a transformação mais ou menos immediata para o systema da quota com a inspecção directa, é mal vista pelo paiz; com a medição de todas as propriedades, a apreciação de todos os seus rendimentos e a deducção de todos os encargos, é que ha de fazer apparecer os perigos.
(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolverá)
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Sr. presidente, quando eu vi o digno par, o sr. Fontes Pereira de Mello, cuja influencia no nosso paiz é tão grande, cuja voz eloquente é sempre escutada por esta assembléá com tanta attenção e respeito, levantar-se da sua cadeira e deixar como que irromper com tanto enthusiasmo a voz da consciencia, temi ver operar uma grande transformação na atmosphera politica d'esta casa, pouco antes trio desanimada, e aquecendo de repente a ponto da que todos os animos pareciam deixar-se arrastar pela voz eloquente de s. exa., que n'esse momento era de. certo movido por uma convicção profunda, que o levava a consignar solemnemente a declaração formal do seu voto e a rejeição terminante de um projecto que reputava não só inconveniente, mas inconstitucional.
E esse escrupulo era tamanho que nem bastou para o dominar o respeito que ao digno par declarou merecer-lhe a opinião auctorisada de um eminente jurisconsulto e distincto membro d'esta casa, que todos nós considerâmos e respeitâmos em extremo, (Apoiados.} pelas suas altas qualidades de intelligencia, vastos conhecimentos, seriedade de caracter e profundeza de convicções: refiro-me, inutil o dizel-o, ao sr. Mártens Ferrão. (Apoiados.)
Ouvindo asseverar ao digno par do modo mais terminante que era firme a sua convicção, não obstante ser outra a opinião de um homem que é considerado com rasão mestre em direito publico, declaro a v. exa. e á camara que eu, homem novo, reconhecendo amplamente a fraqueza das minhas faculdades, cheguei a, assustar-me e pensei por um momento de natural incerteza sobre se a camara, arrastada pela voz inspirada do digno par, não acabaria por julgar em sua saboderia que neste projecto o governo havia sido menos bem inspirado e que a sua apresentação representava de facto um insulto á constituição do estado.
Porem o correr de tão apaixonada oração depressa me socegou, porque vi que s. exa. não apresentava argumento algum que podesse modificar o meu modo de pensar a tal respeito, e parecesse de natureza a influir no animo da camara.
Sr. presidente, fallou-se em menosprezo da constituição! Onde está a inconstitucionalidade d'este projecto? Pois v. exa., sr. presidente, que respeita como aquelles que mais respeitam a constituição do estado, poderia acaso apoiar um governo que formulasse propostas que por alguem podessem com fundamento taxar-se de inconstitucionaes?
Duvida constitucional poderia havel-a, mas sómente no que respeitasse á votação annual do imposto: mas a tal respeito fiz já declarações categoricas na outra casa do parlamento, e como prova do meu respeito pelos escrupulos com que devem ser mantidas as disposições constitucionaes, concordei na introducção na minha proposta de uma clausula no sentido de tornar bem claro o pensamento do governo no assumpto.
Nem creio mesmo que houvesse governo que viesse propor ao parlamento a abdicação de uma das suas prerogativas essenciaes, cerceando-lhe o direito de votar annualmente as contribuições directas, nem parlamento que sanccionasse um tal attentado.
Mas disse eu, que no momento em que ouvi uma voz tão auctorisada, uma opinião tão respeitada dentro e fora desta casa, como é a do sr. Fontes, estadista illustre que todos consideram, afiançar era plena sessão da camara dos dignos pares que o projecto de lei que se discute era inconstitucional, temi que esta asserção, de cujo fundamento aliás eu duvidava podesse influir no animo d'esta camara; mas depois ao ouvir os argumentos, já por mais de uma vez apresentados, e por mais de uma vez rebatidos em que tal opinião se firmava, soceguei o meu espirito, confiado na bondade da minha causa, e em que a camara havia de fazer d'ella apreciação imparcial; e forte com essa confiança, seguro das minhas convicções, e auctorisado até com os proprios precedentes dos meus illustres adversarios, entendi, se bem que reconhecesse a fraqueza dos meus recursos intellectuaes, que podia n'este ponto acceitar a lucta, embora tivesse em minha frente um homem tão distincto, um tribuno tão eminente como o digno par o sr. Fontes.
Tenho bem presente no meu espirito as opiniões da s. exa. consignadas no seu relatorio de 1872, a que já me tenho referido por mais de uma vez, documento que estudo sempre, como estudo todos os trabalhos de tão eminente estadista que me podem servir de guia nos actos da minha vida publica.
Acceitando e partilhando essas opiniões do digno par a quem alludo, eu na minha proposta que hoje se discute, não fiz senão o que s. exa. já praticara quando substituiu em uma das nossas contribuições o processo de repartição pelo da quota.
Pois em verdade o que fez o digno par quando em 1872 veiu propor ao parlamento a transformação da contribuição pessoal?
Porventura essa contribuição deixa de ser uma contribuição directa, e transformando-a s. exa. n'uma contribuição de quota, entendeu-se acaso que ferira por esse facto a carta constitucional?
Propondo hoje uma transformação similhante para outra contribuição directa, acabando com o imposto de repartição, tal qual s. exa. não hesitou em transformar em tempo o imposto pessoal, será isto offender a carta?