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N.° 47

SESSÃO DE 21 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr, Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila

Rodrigo Pequito

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia.- São lidas na mesa duas representações da associação commercial de Lisboa e da associação dos legistas, e approvada a sua publicação no Diario do governo.- O digna par o sr. Barros Gomes faz varias considerações para motivar o seu voto a respeito daquellas representações.- Responde-lhe o sr. ministro da fazenda.- O digno par o sr. Coelho de Carvalho acompanha e amplia as considerações do sr. Barros Gomes.- Prestam juramento e tomam assento na camara o sr. marquez das Minas e o sr. Ferreira de Novaes.- O sr. ministro dos negocios estrangeiros offerece se para responder ás interpellações do digno par o sr. Barros Gomes.- Este digno par usa da palavra para tratar a questão da Inglaterra, e seguidamente alarga-se em considerações acerca dos limites das nossas colonias. - Responde extensamente o sr. ministro dos negocios estrangeiros.- O digno par o sr. Barros Gomes torna a fallar, tratando especialmente de historiar o nosso dominio na região de Zumbo e Tete, e da questão de Lourenço Marques. Refere-se ainda ao emprestimo de D Miguel, á execução da concordata e á naturalisação brazileira.- Responde minuciosamente o sr. ministro dos negocios estrangeiros.- Pi esta juramento e toma assento na camara o sr. Rebello da Silva.- O digno par o sr. Jeronymo Pimentel propõe a prorogação da sessão, que é approvada.- O digno par o sr. Barros Gomes diz que não quer demorar a camará.- O sr. presidente designa a mesma, ordem do dia, e levanta a sessão.

As duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 21 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente. Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. ministro da marinha, remettendo 100 exemplares do primeiro volume da Descripcão da viagem á Mossumba do Muatianvua, pelo major Henrique de Carvalho.

Officio do sr. ministro da marinha, enviando os documentos pedidos pelo digno par o sr. Luiz de Lencastre, em sessão de 21 de junho ultimo.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho de ministros, e ministros dos negocios estrangeiros e da fazenda.)

O sr. Presidente:- Vão ler-se duas representações que me foram entregues para serem apresentadas a esta camara, uma da associação commercial de Lisboa, representada por uma grande commissão, e outra da associação dos legistas, representada tambem por uma grande commissão.

Ambas as commissões pedem para que as suas representações sejam lidas á camara e publicadas no Diario do governo.

Vae ler-se a representação da associação commercial.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que esta representação seja publicada no Diario do governo tenham a bondade de se levantar.

Fui approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a representação da associação dos legistas de Lisboa,

Leu-se na mesa.

O sr. Barros Gomes: - Não é meu pensamento impugnar a publicação no Diario do governo desta representação, mas simplesmente motivar o meu voto.

Sr. presidente, não posso deixar neste momento de chamar a mais seria attenção do governo, e especialmente do sr. ministro da fazenda, para esta demonstração tão correcta, tão respeitadora da ordem e feita em termos tão dignos pelas corporações, que representam o nervo do paiz, que defendem por impulso proprio e em região serena e alevantada, não interesses politicos, a que por Índole e essencia são alheias, mas unicamente os interesses importantes do commercio e da industria, do trabalho, emfim, interesses que vão ser feridos com as providencias do governo.

Na primeira das representações que acabam de nos ser lidas, a da associação commercial, diz-se muito especialmente o seguinte:

"Precisamos, não de augmentar impostos, mas unicamente de economisar e administrar sabiamente, e com prudencia, a nossa já muito importante receita. Esta tem se elevado extraordinariamente nos ultimos annos, e continuará, havendo ordem e bom governo, progressivamente a augmentar com o desenvolvimento notavel da riqueza publica."

Sr. presidente, as circumstancias do credito do paiz, taes quaes ellas se revelam, principalmente depois da iniciação tão pouco feliz do sr. ministro da fazenda ao recorrer pela primeira vez aos mercados estrangeiros, impõe aos poderes publicos, mais do que nunca, a necessidade das economias e a reducção nas despezas publicas. (Apoiados.)

Confesso, por minha parte, francamente, que, tendo nos ultimos annos subido o nosso credito a cotações sem precedente, graças á grande abundancia de recursos, ao forte desenvolvimento do fomento no nosso paiz, que se tem traduzido em augmento de receita publica, e á incontestavel e superior habilidade do sr. Marianno de Carvalho, se foi talvez mais longe do que era prudente nos gastos publicos, mas por isso mesmo existe hoje mais fôlego para diminuir a despeza publica, sem ferir o que sejam propriamente serviços essenciaes e inadiaveis.

Faço sinceros e ardentes votos para que o sr. ministro da fazenda, a quem todos prestam homenagem pela pureza das suas intenções e vontade que tem de acertar, medite o teor destas representações, e que, se ainda for possivel, o seu animo se modifique no sentido de as attender n'aquillo em que poderem ser attendidas a bem do paiz.

Voto, pois, que esta representação seja publicada no Diario do governo.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Disse que não esperava que o sr. Barros Gomes, a proposito da publicação dessas representações no Diario do governo, aproveitasse o ensejo para fazer um discurso verdadeiramente politico.

Não foge a dar uma resposta a s. exa.; mas reserva-se para o fazer em occasião opportuna.

Em relação ás representações, a sua consideração e o seu respeito pelos membros das associações que representaram á camara não são menores que os de s. exa.

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As suas opiniões estão consignadas.

Demais está persuadido de que essas associações não procedem senão movidas pelo interesse geral do paiz, mas a camara, a quem compete resolver, se pronunciará conforme julgar conveniente, assim como tambem já se pronunciou a camara dos senhores deputados pela forma por que julgou mais util ao paiz.

Emquanto ao resto, o nosso credito tem-se elevado, e a camara conhece as cotações das praças estrangeiras, muito mais favoraveis do que nos ultimos mezes da gerencia do sr. Barros Gomes, que deixou os fundos portuguezes numa cotação inferior á que encontrara. E quando o orador tomou conta da pasta da fazenda, encontrou as cotações com a differença que ha entre ellas e as que actualmente semantêem.

Ninguem mais do que elle tem pugnado pela economia, e as disposições, que consignou no lei de meios, não representam só uma aspiração que não possa ser traduzida em factos, mas representam uma necessidade e um modo de administrar que realisa economias verdadeiras. É essa a vontade do paiz e o orador já deu provas de seguir esse caminho.

(O discurso do digno par será publicado na integra, em appendice a esta sessão, logo que sejam entregues as notas respectivas.)

O sr. Coelho de Carvalho: - Sr. presidente, associo-me inteiramente aos desejos do sr. Barros Gomes, quanto á necessidade de que esta camara tome na maxima consideração e attenção as representações das duas associações, que acabam de ser lidas.

Aproveito a occasião para declarar que vi com o maximo prazer, consignado na primeira das representações que se leram na mesa, o principio que eu e os meus amigos politicos temos sempre sustentado nesta casa, de que não é possivel recorrer-se na administração do estado ao expediente do augmento de impostos, sem entrar de vez no caminho de economias.

Effectivamente, o sr. ministro da fazenda algumas economias fez, quando apresentou a lei de meios, mas estão ainda muito longe das que se podem e que é indispensavel fazer.

Nestas circumstancias, estimarei que o sr. ministro da fazenda, abstrahindo completamente de considerações de ordem politica, acceite, na discussão das propostas de fazenda, o pensamento das representações e as emendas convenientes, sem prejuizo do regular andamento da fazenda publica, attendendo assim ás justas reclamações das duas classes do commercio e dos lojistas; mas faço minhas iguaes exigencias por parte da agricultura. No projecto a que se refere a representação da associação commercial, e que vae ser discutido, adoptaram-se ainda pela outra casa do parlamento algumas alterações em beneficio de outras classes de industrias, mas nenhuma em beneficio da agricultura.

Espero pois, que o sr. ministro, isolando-se de quaesquer considerações partidarias, attenda ás alterações propostas nesta camara, e que possam ser acceitas sem prejuizo da causa publica.

De resto, voto pela publicação das representações no Diario do governo, mas peco a v. exa., sr. presidente, que de as suas ordens a fim de ellas virem já publicadas no diario de amanhã para nós termos cabal conhecimento do seu conteudo, visto termos entrado na discussão do addicional de 6 por cento.

(S. exa. não reviu.)

(Consultada a camara sobre a publicação da representação na folha official, resolveu afirmativamente.)

O sr. Presidente: - Está nos corredores o sr. marquez das Minas, que vem tomar assento. Convido para introduzirem s. exa. na sala os dignos pares, os srs. conde de Linhares e conde do Bomfim.

O sr. marquez das Minas prestou juramento e tomou assento,

O sr. Presidente: - Tambem consta na mesa achar-se noa corredores, com o fim de tomar posse do seu logar de par do reino, sr. Ferreira de Novaes. Peço aos dignos pares os srs. Bernardo de Serpa e Jeronyino Pimentel queiram introduzir s. exa. na sala.

O sr. Ferreira de Novaes prestou juramento e tomou assento.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Disse que, tendo o digno par o sr. Barros Gomos manifestado numa das sessões precedentes o desejo de o interpellar acerca de differentes assumptos tratados polo seu ministerio, vem por-se á disposição de s. exa. para responder, no que possa, ás perguntas e explicações que s. exa. julgar conveniente fazer e pedir.

O sr. Barros Gomes: - Sr. presidente, agradecendo a promptidão com que o sr. ministro dos negocios estrangeiros se deu por habilitado para me responder, eu vou, S3 v. exa. mo permitte, formular as perguntas que tenciono dirigir ao governo; mas antes de começar desejo referir-me a um facto de sua natureza muito grave e que profundamente nos veiu sobressaltar a todos, e peço que acerca delle, s. exa. o sr. Hintze Ribeiro - nos declare se póde eu não responder-me, e, no caso afirmativo, esclareça sem demora a camara e o paiz.

Refiro-me, inutil é dize-lo, a uma correspondencia inserta em um dos numeros recentes do jornal o Times, chegado a Lisboa no sabbado ultimo.

Nessa correspondencia dão-se informações precisas e minuciosas acerca do resultado provavel das nossas negociações com a Gran-Bretanha, informações que parece terem una caracter official, pois que indicam em tudo provir de quem está bem ao corrente do estado dessas negociações, e ainda por ser costume invariavel e salutar do governo inglez, que não carece, como a camara sabe, de sancção parlamentar para dar vigor a qualquer pacto internacional que celebre, o sondar por maneira similhante a opinião publica e a dos interessados, e ver até que ponto estas se mostrara favoraveis ou adversas ás condições e clausulas, mais ou menos combinadas e tratadas para bases desses pactos internacionaes.

Ora o que nessa correspondencia do Times se assevera, sr. presidente, visto a gravidade que tal asserção assume pelas considerações que acabo de fazer á camara, não podia deixar de causar, como causou, a maior impressão em Portugal; pois se, como creio, ella representa as exigencias e aspirações da Inglaterra, ve-se quanto estas se teem exagerado, e excedido as que nos foram tão duramente impostas pelo ultimatum de 11 de janeiro.

Seja como for, porem, o que eu não posso admittir é que semelhantes condições se considerem tratadas ou resolvidas, porque não quero crer que o governo da minha nação se encontrasse no duro extremo de as acceitar.

Nos termos da correspondencia a que me venho referindo, a nossa provincia de Angola ficará delimitada ao sul pelas fronteiras definidas no convénio que eu tive a honra de firmar, em dezembro de 1886, com o ministro da Allemanha nesta côrte, já fallecido, o sr. barão de Schmidthals. Ahi se estabeleceu e consignou felizmente que essas fronteiras seguiriam da foz do Cunene até ao Zambeze nos rapidos de Catima. O presente convénio anglo-germanico, que respeitou nisso, como em tudo, os compromissos tomados pela Allemanha para comnosco, veiu facilitar agora o reconhecimento pela Inglaterra da fronteira sul de Angola em toda esta extensão.

A leste constituiria a fronteira o mesmo rio Zambeze, que nesse ponto do seu curso toma a direcção norte sul, o a linha de limites do Estado Livre do Congo, vindo assim a ser encorporado na provincia o territorio Lunda, isto é os dominios do Muata-Yanvo. Pelo norte delimitaria a provincia o Zaire e a linha negociada era 1885 com o Estado Livre.

Nada tenho a oppor por minha parte a este traçado,

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Nem o poderia fazer porquanto elle é precisamente o que fora acceito por mim nas negociações que tiveram logar em abril e maio do anno passado a respeito dos nossos dominios naquellas regiões e nas da costa oriental.

O reconhecimento da Lunda a Portugal é a consequencia não só da circumstancia de não ter até hoje potencia alguma civilisada procurado ali estabelecer o seu dominio, ficando este territorio, como o está, encravado para o interior entre o Quango e o Estado Livre, mas ainda da doutrina do chamado Hinterland, em que a nossa imprensa quiz ver uma novidade, sendo aliás um velho principio de direito internacional, a que eu tive occasião de fazer referencia e de que me vali sempre no decurso das negociações em documentos alguma dos quaes serão presentes á camara. E incontestavel tambem que desde muito todo o paiz da Lunda era explorado pelo commercio de Malange, e ainda não ha muitos annos que se dirigira para ali a expedição organizada pelo major Henrique de Carvalho, a fim de firmar o nosso predominio nessa região, expedição custosa, mas que de tamanho proveito foi para a geographia e para a sciencia, como a camara hoje mesmo póde verificar pelos volumes que ha pouco lhe foram distribuidos.

Nestas circumstancias, sr. presidente, os limites de Angola ficariam constituidos de accordo com as convenções já firmadas, e com os trabalhos e expedições realisados por iniciativa do governo portuguez.

Com respeito, porem, aos limites da nossa provincia oriental, as revelações do Times são por tal forma contrairias ao que, em sessão de 7 de maio, o nobre ministro dos negocios estrangeiros, affirmara na camara dos senhores deputados, que eu não posso deixar de crer que essas revelações representam talvez, no estado actual das negociações, uma pretensão por parte da Gran-Bretanha, mas nunca condições já acceitas pelo nosso paiz. Repillo essa hypothese por impossivel.

Nos termos da correspondencia os limites de Moçambique ficariam constituidos ao norte pela fronteira do convénio luso-germanico de 1886, isto é seguirião o curso do Rovuma até á confluencia do M'singe e a partir desse ponto um parallelo até ao lago Nyassa.

No que se refere ás regiões ao sul e a leste deste lago, parece que nada ganharemos sobre os termos do ultimatum de 11 de janeiro.

Não quero occultar, no entanto, antes consigno com um patriotico sobresalto o facto de que, segundo se diz, ainda não está de todo excluida a esperança, embora tenuissima, que os nossos direitos e reclamações com respeito ao alto Chire possam ser attendidos; mas o que se dá como quasi definido, ou mais provavel, é que o Ruo continuará a ser o limite da nossa esphera de acção.

Com relação ao Zambeze, porem, e ás regiões de Machona, ao sul daquelle rio, não só as exigencias do ultimatum de 11 de janeiro são inteiramente mantidas, mas, a serem exactas as informações do Times, ser-nos-iam arrebatadas vastissimas regiões, que foram em todo o tempo consideradas portuguezas, acerca das quaes nenhuma disputa se levantara, e onde a nossa occupação tem sido reconhecida por todos, o, muito especialmente, como o demonstrarei á camara, pela propria Gran-Bretanha, em documentos officiaes, escriptos numerosos e cartas geographicas.

Não é pois crivei que percamos as regiões que demoram entre Tete e Zumbo, ficando esta ultima villa internada a sessenta legoas de Tete no meio de territorios perfeitamente inglezes. Não posso crer, repito, que tenha havido, para uma clausula desta ordem, qualquer acceitação por parte do governo de Portugal.

Os argumentos, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros poderia oppôr a uma tão estranha pretensão são por tal forma concludentes, fornecem-os em tal abundancia os nossos proprios adversarios, que é impossivel verificarem-se, ao menos nesta parte, as previsões do Times.

Pergunto pois ao sr. ministro se s. exa. contesta, ao menos n'esta parte, repito, as informações dadas pelo Times, ou quaes são em todo o caso os esclarecimentos que s. exa. julga opportuuo dar á camara nesta occasião, para serenar o justificadissimo sobresalto em que se encontra o paiz.

Depois do sr. Hintze Ribeiro ter respondido a esta minha pergunta eu pedirei a v. exa. novamente a palavra, caso o entenda necessario, e farei as considerações que então reputar oportunas.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro), responderá ao digno par, com relação ao estado das nossas negociações com a Inglaterra, que essas negociações estão adiantadas, mas não concluidas. Nestas circumstancias, seria, a seu ver, imperdoavel leviandade sua o antecipar quaesquer explicações sobre uma negociação que ainda não está finda. Toda a discussão sobre um assumpto ainda não definido, (e desde que se refere ao assumpto das negociações, não estando elle ainda definido, tem dado a unica resposta que podia dar ao digno par, ácerca das suas considerações era relação ao artigo do Times) será evidentemente, não só inopportuna, mas prejudicial neste momento, em que os representantes dos dois governos, tendo a peito os interesses dos seus respectivos paizes, se esforçam por chegar a uma solução, mas uma solução que concilie devidamente os interesses de uma e de outra nação. Ir perturbar nesse momento as negociações, no estado em que se acham, com qualquer discussão ou apreciação ácerca dellas, seria isso de tamanha responsabilidade, que o orador não a pede para si, nem julga que o digno par a deva tomar para si.

S. exa. sabe bem que a missão do governo* é negociar, e a do parlamento é esperar e apreciar os resultados.

No estado em que as cousas se acham, com uma negociação ainda pendente, é absolutamente indispensavel que o governo tenha inteira liberdade de acção, fora da fiscalisação parlamentar, para favorecer os interesses do paiz como julgar mais conveniente.

Desde que as negociações estejam findas, abre-se inteira e completamente o direito ao parlamento, para chamar ás suas responsabilidades o governo no desempenho da sua missão.

Até então, o orador julga do maior interesse da nação não fazer, nem discutir cousa que possa envolver embaraço ou prejuizo para as negociações, no estado em que ellas estão.

E quando falla deste modo, refere-se, sem duvida ao parlamento, onde tem voz.

Mas estimaria muito poder ainda fazer um pedido a todos, e portanto tambem á imprensa, para que guarde a devida reserva e a necessaria abstenção, emquanto os resultados não forem conhecidos.

Discutir o que não se sabe que é, é extremamente difficil.

O compromisso que o orador toma em compensação é que, tão depressa qualquer resultado se ache accordado virá immediatamente dar conta delle ao parlamento.

É possivel que dentro em pouco a negociação se ache finda, mas isso não depende só de si, absolutamente o que é sobremaneira conveniente para o paiz, é chegar a uma solução; mas relativamente ás actuaes condições, o que compete ao paiz é esperar os resultados para os apreciar.

Póde essa solução convir ou não convir, consoante as condições que se fizerem e se poderem acceitar; todavia, se chegar dentro em pouco, o digno par sr. Barros Gomes póde ter a certeza de que o orador, não só virá dar immediatamente conta della ao parlamento, porque, uma vez findo o assumpto toda a reserva cessou, e sua obrigação é esclarecer os representantes do paiz; mas ainda mais, se esse resultado se traduzir em uma convenção, procurará acompanha-la desde logo com todos os possiveis esclareci-

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mentos ácerca das phases e incidentes que a negociação teve no seu decurso.

Não póde ser outra cousa.

Tomando este compromisso, mostra que não desconhece a gravidade das responsabilidades que lhe impendem, ao tratar de um assumpto tão grave. No momento em que vê que elle se encaminha para uma solução, parece-]he que todos devem comprehender tambem a enormissima responsabilidade que assumem, para prejudicar por qualquer forma uma negociação que, em absoluto não é exclusivamente do ministro dos negocios estrangeiros.

Tomado o compromisso de esclarecer o parlamento tão prompto como possa, crê que o digno par concordará em que a discussão se reserve para quando ella se possa effectuar á vista de um resultado feito, á vista de um accordo concluido, á vista portanto de um assumpto claro e positivamente definido.

Até ahi, seria intempestiva, inopportuna e prejudicial qualquer discussão. Quem quizer que o faça, mas a responsabilidade e sua.

A obrigação do orador, porem, é pedir ao parlamento que, compenetrado das responsabilidades que lhe cabem, lhe deixe ampla liberdade de acção e de reserva num assumpto por tal maneira grave.

(O discurso do orador será publicado na integra logo que sejam revistas as notas respectivas.)

O sr. Barros Gomes: - Quem durante quatro annos vergou, por muitas vezes em momentos difficilimos, sob o peso de toda a responsabilidade da direcção dos nossos negocios internacionaes, comprehende e avalia as palavras que acaba de proferir o sr. ministro dos negocios estrangeiros. Nessa comprehensão se inspirou o meu procedimento na actual sessão parlamentar e ainda na legislatura dissolvida em janeiro, e creio achar-se bom demonstrado que nem eu riem os meus amigos politicos da camara alta temos querido constituir ao governo o menor embaraço, sendo ardentes os nossos votos para que elle chegue o mais breve possivel nesta difficil questão internacional a uma solução que, não podendo ser satisfatoria, seja comtudo honrosa para Portugal.

Por isso, sr. presidente, de accordo com estes precedentes, e com a aspiração unica que domina o meu animo, não pergunto mais nada ao governo, não estranho o seu silencio, não lhe levo a mal o elle não procurar no parlamento força para negociar, se entende que o não deve fazer, mas não abdico todavia o direito de mais tarde, em face dos resultados, dos documentos e das explicações do nobre ministro, pedir ao governo a responsabilidade inteira que lhe couber pela direcção das negociações.

Disse o sr. ministro que a missão do governo é negociar e a missão do parlamento é fiscalizar, rejeitando, quando assim entenda conveniente, o que tiver sido condicionalmente pactuado. Esta doutrina, verdadeira em these, não tem na realidade das cousas a applicação que pareceria legitimo corollario della. Será sempre difficilimo, ou quasi impossivel para um parlamento, sem que este assuma uma responsabilidade gravissima, rejeitar um convénio internacional, firmado, como no caso actual, com uma grande potencia.

E é por isso que todos os parlamentos do mundo, sem exigirem explicações importunas, sem se envolverem em discussões de que resultem difficuldades, accentuam comtudo no decurso das negociações, pela voz de um ou mais dos. seus membros, o modo de ver e sentir nacional sobre o assumpto dessas negociações, entendendo-se que é sempre vantajoso que a opinião do paiz seja conhecida por aquelle com quem se trata, e de parte a parte se aprecie até que ponto as clausulas que se negoceiam podem ser mutuamente acceitas.

Não peço ao governo quaesquer explicações, mas parece-me que não me arredo do procedimento adoptado até hoje, nem dos conselhos dados com toda a auctoridade do seu cargo pelo nobre ministro dos estrangeiros, acrescentando ao que tenho já dito algumas considerações unica e exclusivamente destinadas a dar forca ao governo, e referindo alguns factos que será sempre conveniente commemorar e que se fundam muitos delles, no testemumho insuspeito e auctorisado de escriptores, estadistas e geographos inglezes, considerações e factos que a meu ver provam á evidencia os direitos que assistem a Portugal n'aquella região do Zambeze que vae de Tete ao Zumbo.

Nada direi, sr. presidente, sobre outras clausulas importantissimas a que &e refere a correspondencia do Times. Não alludirei á livre navegação do Zambeze e do Chire, nem á abertura pelo Pungue e através do districto de Manica de um caminho para a Machona. A este ultimo facto, que tanto sobresalto produziu no espirito publico, liga-se a promessa de compensações e vantagens ignoradas.

O governo que as conhece apreciará até que ponto ellas sejam equivalentes á grandeza das facilidades que similhante concessão representa para a South África Company, e á imminencia dos perigos de ordem diversa, que ella poderá vir a suscitar nos.

Referir-me-hei apenas á perda que se diz imminente, mas que eu não quero crer que o esteja, das margens do Zambeze, e para alem de Tete.

Estou tão convencido, repito, da excellencia dos direitos que temos á manutenção da posse, pelo menos, dessa região, que me parece opportuno que em toda a parte se saibam as rasões em que nos fundámos para isso, e, portanto, creio não haver inconvenientes, antes vantagens, em que no seio do parlamento portuguez se erga desde logo uma voz, apenas conhecida, como o foi, asserção para nós tão extraordinaria, referindo algumas das innumeras rasões que assistem a Portugal para affirmar e sustentar esses direitos, que outras gerações fundaram, mas que a nossa tem mantido e avigorado á custa de sacrificios, de trabalhos e até de perda de vidas, por tanto titulos preciosas.

Sr. presidente, na exposição que vou fazer perante a camara, resumir-me-hei o mais possivel.

A occupação do Zumbo data do tempo de El-Rei D. Sebastião, que ali estabeleceu um presidio com o seu capitão mór e soldados portuguezes. Essa occupação manteve-se ininterrupta até 1836; cessou nessa data, mas em 1862 novamente foi restabelecida e conservada até á actualidade. É uma posse tres vezes secular...

Parece-me perceber no sr. ministro dos negocios estrangeiros evidentes signaes de contrariedade. Nada querendo eu perguntar a s. exa. limitando-me como membro desta camara, a pugnar, onde tenho voz para fazel-o, pelos direitos do meu paiz, firmando-me para isso sem recriminação ou apreciação extemporaneas e inconvenientes na auctoridade de escriptores e geographos nacionaes e inglezes, e na citação de trechos das suas obras que constituem a mais cabal demonstração dos nossos direitos, não posso comprehender a contrariedade do sr. Hintze Ribeiro.

No emtanto, se ainda assim o sr. ministro julga ser até isto mesmo prejudicial para o andamento das negociações, declare-o s. exa., porque nem mais uma palavra acrescentarei.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Observou que o digno par fora ministro dos negocios estrangeiros; sabia bem o que era uma negociação; comprehendia bem o alcance das palavras que em resposta a s. exa. elle proferira; s. exa. é tão interessado ne.-5ta questão como o orador e como todos. Por isso deixava s. exa. completamente juiz de qualquer apreciação que entendesse conveniente fazer.

O sr. Barros Gomes (Continuando):- Vistas as palavras do sr. ministro, nada mais direi a tal respeito.

Callo-me immediatamente, e passo a realisar a minha interpellação sobre os outros assumptos que indiquei ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Liais tarde liquidarei com s. exa. as responsabilidades resultantes do seu proceder.

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Pondo, pois, de parte, absolutamente, a ordem, de considerações em que ia entrar, eu vou, sr. presidente...

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro):- Levantou-se para dizer que era preciso definir bem as respectivas responsabilidades. Deixa ao digno par liberdade de fazer ou deixar de fazer a sua exposição, conforme julgar mais conveniente, em face das palavras que já proferiu. Aqui fica, e daqui não sáe.

O sr. Barros Gomes (Continuando).-Bem. Vista a nova opinião do sr. ministro, reato o fio das minhas primitivas observações.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (interrompendo):- Nova não. É a mesma.

O sr. Barros Gomes (Continuando):- Data do reinado de El-Rei D. Sebastião o estabelecimento dos portuguezes no Zumbo

Verificara-se pouco antes a doação famosa e tantas vezes com memorada do imperador Panzagutte, e era em reconhecimento dessa doação, que ao capitão mór e soldados portuguezes residentes no Zumbo cabia o dever de acompanharem ao seu Zimbaoé aquelle monarcha.

Essa occupação, interrompida em 1836, por causa das nossas tão infelizes dissenções intestinas, foi comtudo reordenada em 1858, reinando ainda El Rei D. Pedro V, e verificada com toda a solemnidade em 25 de março de 1862, em nome ainda daquelle tão estremecido soberano, apesar de que um anno antes elle havia sido arrebatado ao affecto profundo de todos nós. Tenho presente o termo dessa reoccupação, não o leio á camara para a não fatigar, mas peço licença para o addicionar ao meu discurso, a par de outros documentos a que faço referencia e que assim ficarão archivados nos annaes parlamentares.

Sebastião Xavier Botelho, ornamento que foi desta camara, refere-se largamente na sua tão valiosa Memoria estatistica sobre os dominios portuguezes na África Oriental, ao nosso dominio no Zumbo, á forma por que ali commerciavam os portuguezes, partindo daquelle ponto para todas as regiões da África Central, á tradição religiosa da familia dominicana, cujo desapparecimento, como o dos jesuitas, das regiões do Zambeze, foi o golpe mais fatal para a segurança do nosso dominio naquellas regiões.

"Em alguns manuscriptos achei este logar do Zumbo com o nome de ilha de Merué, e dão-lhe por fundador a um natural de Goa, de appellido Pereira, o qual, capitaneando um troço de gente que andava dispersa, veiu com elle fundar nesta ilha uma pequena colonia commerciante. Com o andar do tempo se tornou rica e poderosa; e ora está tão minguada e pobre que tem apenas quatro moradores, com uma freguezia de invocação de Nossa Senhora dos Remedios, quasi demolida, sem ornamentos e sem parocho; em tudo differente do que fora em melhores tempos (isto era escripto em 1835.)

"Esta parochia, da missão dos religiosos de S. Domingos, foi sempre das mais bem providas de vigarios, exemplares em virtudes e doutrinas e conserva ainda a memoria de frei Pedro da Trindade, que ali residira por mais de quarenta annos, respeitado dos moradores, e venerado até aos confins do mais remoto sertão, sendo parte de se acabarem em seu concelho odios inveterados, compondo suas differenças, conciliando os animos e dispensando do seu cabedal de que gastara largamente em beneficies do estado. Pouco mais de 6 leguas do logar do Zumbo jazem as minas de Barda Pomba, de que se tem extrahido grande copia de ouro; hoje estão cansadas, dão pouco, se bem que o não ha melhor. Ha outras minas alem destas, onde já mineraram os moradores de Tete."

Mais tarde, Francisco Maria Bordallo, nos seus Ensaios, continuação dos de Lopes de Lima, descrevendo os sete governos militares era que se dividia a provincia de Moçambique, referindo-se igualmente á situação em que nos encontravamos no Zumbo, era 1858, assim como ao direito que tinhamos á posse daquella região, diz textualmente o seguinte:

"Do governo de Tete dependem os terrenos a oeste do districto de Sena até á villa do Zumbo, que está nas circumstancias de Manica." (Reoccupação ordenada pelo governo da metropole á data em que Bordallo escrevia).

Mas ha um ponto que mais que tudo assignala para nós portuguezes a posse ininterrupta daquella região.

É a circumstancia de se conservar de ha muito aquelle territorio dividido em prazos da corôa que teem estado arrendados a cidadãos portuguezes, verificando-se a arrematação dos mesmos prazos em Moçambique ou Quelimane, e sendo ali paga annualmente a renda por elles exigida.

Ora se isto não significa uma occupação effectiva caracterisada pela forma a mais positiva e real, não sei então o que se exija para confirmar essa occupação.

De uma das tres vezes que eu tive a honra de administrar interinamente a pasta da marinha, nomeei uma commissão para estudar a questão tão excepcionalmente importante do regimen dos prazos da corôa na provincia de Moçambique.

Essa commissão formulou pouco depois um trabalho, por todos os titulos notavel, e que constitue um documento do mais elevado interesse historico e economico. Redigiu-o a penna de Oliveira Martins, que reproduzindo nelle o resumo dos trabalhos e estudos de todos os membros competentissimos da commissão, accentuou ali muito especialmente as poderosas faculdades de pensador que caracterisara e impõem ao respeito dos seus concidadãos aquelle illustre escriptor.

Nesse relatorio, que tenho presente, vem reproduzida uma relação completa dos nomes dos senhores e arrendatarios dos prazos da coroa, relação primeiro inserida por Francisco Maria Bordallo na sua obra já citada, e que é continuação dos Ensaios sobre a estatistica das possessões portuguezas no ultramar.

Por ella se ve, que ao passo que Xavier Botelho mencionara apenas a existencia de cem prazos, dos quaes cincoenta e quatro em Tete, trinta e um em Sena, quinze em Quelimane, na epocha em que Bordallo publicou a sua obra o numero de prazos ascendia ao dobro, sendo quinze em Quelimane, cento e vinte e sete era Tete e cincoenta e oito em Sofala, figurando entre estes ultimos o do Zumbo.

Tenho presente essa relação, e julgo util annexal-a tambem a este discurso.

Os nomes dos arrendatarios, os logares da sua residencia, as rendas, foros e dizimos que pagavam, o numero de colonos e escravos habitando era cada prazo, tudo aqui vem mencionado.

Mas, sr. presidente, poderão dizer que estes documentos se referem a uma data antiga.

Se assim é, eu acrescentarei que no mesmo trabalho se encontra uma outra relação de todos os prazos de Moçambique, com a data de 31 de julho de 1886 para os cento e vinte um de Tete, relação era que vem igualmente mencionados um por um os nomes de todos os cidadãos portuguezes que estavam naquelle momento na posse dos mesmos prazos, o preço da arrematação que pagavam ao estado, e as datas em que foram realisados e deviam terminar os seus contratos e arrendamentos, os quaes, por uma decisão ministerial do governo progressista, foram indefinidamente prorrogados até que a questão dos prazos tivesse uma definitiva resolução.

Ora, sr. presidente, estes elementos são tão precisos e minuciosos, os nomes de todos os individuos que estavam na posse destes terrenos são tão portuguezes, o facto é tão recente, tão signficativo, que realmente não sei como só possa sequer contestar o nosso dominio e occupação effectiva naquellas regiões.

Mas ha mais e muito mais a referir, para demonstrar essa posse. Sem mencionar mesmo as duas edições da carta da Zambezia, pelo marquez de Sá da Bandeira, a que eu

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sempre fiz referencia no decurso das negociações, lembrarei que a commissão de cartographia do ministerio da marinha e ultramar publicou ainda ha pouco uma carta grande do Zambeze, na escala de 1/200:000, intitulada Esboço do curso do Zambeze; carta que foi distribuida por todos os membros desta camara, e na qual vem mencionados e descriptos alguns destes prazos existentes já para oeste de Tete, e entre elles, ao sul do Zambeze, o prazo Boroma, onde está estabelecida desde muito a missão catholica de S. José, ha pouco reconhecida oficialmente, por um decreto referendado pelo sr. Ressano Garcia, como missão do padroado, largamente dotada pelo estado, e para a qual se dirigiram grande numero de ecclesiasticos, a maior parte dos quaes portuguezes. Como admittir o pensamento de que nestas condições possa sequer entrar em litigio a posse para Portugal do praso Boroma? Nem por hypothese o quero suppor.

Todos estes factos e documentos são importantissimos, são uma prova incontestavel do nosso dominio naquella região e da occupação effectiva, por nós ali mantida hoje e diariamente affirmada com mais vigor.

Mas se tudo isto, que nenhuma outra nação póde allegar, não constitue ainda um titulo sufficiente de soberania e de occupação effectiva, pergunto então em que circumstancias baseia a Gran-Bretanha a prova do dominio, ella que o firmou para si e o reconhece na Allemanha, no estado do Congo, na Itália e na propria Franca, em regiões onde a todas estas nações escasseiam não um, mas todos 03 titulos, que nós podemos allegar por nossa parte com respeito á Zambezia. .

A carta da provincia de Moçambique, publicada tambem ha pouco pela commissão cartographica, marca ao lado das duas margens do Zambeze e até ao Sanhate, o local das residencias, dos estabelecimentos commerciaes e dos prazos de Mendonças, Andrade, Araujo Lobo e de tantos outros portuguezes que possuem, ou estão senhores, por arrendamento, dos prazos da coroa, existentes por- todas aquellas vastas e riquissimas regiões.

Mas abandonemos as cartas geographicas e consultemos agora um livro que anda nas mãos de todo o mundo, escripto pelos srs. Capello e Ivens, e que descreve a viagem que elles effectuaram de Angola á contra costa, livro que, diga-se de passagem, tem uma fama europea.

O que lemos nós ahi?

"A villa de Zumbo, dizem os srs. Capello e Ivens, está assente na margem esquerda do Zambeze, exactamente a jusante da confluencia do Aruangua com este rio.

"Se houvéssemos de fazer uma resenha debaixo do ponto de vista da salubridade, do pittoresco e do attrahento, de quantos pontos pelo interior vimos, diriamos que o Zumbe, depois do plateau da Iluilla, é o ponto que mais sympathias nos inspirou.

"Os grandes rios que junto a elle deslisam, as serranias que o circundam, as brisas frescas que o varrem, fazem deste logar, sobretudo quando se attenta que se tbrilhantes compatriotas escrevem:

"Por entre os vultos tisnados dos indigenas destacavam-se as caras brancas dos nossos compatriotas, os uniformes militares, as casas de paredes caiadas, o aspecto, emfim, de alguma cousa differente daquillo a que vinhamos affeitos.

"Convenientemente installados numa casa construida ao feitio dos tembés arabes, e collocada á beira do rio, ahi passámos dezenove dias, cercados dos nossos, em ociosa indifferença e embebidos na leitura."

Os srs. Capello e Ivens foram assim recebidos e obsequiados no Zumbo por portuguezes e o mesmo sucedeu ao longo do rio e nas suas immediações entre Zumbo e Tete, per quantos dos nossos compatriotas ali exerciam a auctoridade em nome de Portugal.

Aquelles illustres viajantes testemunham de vista até que ponto são nossos os terrenos comprehendidos entre Zumbo e Tete, que é a região de que estamos tratando.

Não lerei, para não fatigar a camara, o trecho completo que descreve a viagem entre aquellas duas villas, mas lerei uma parte delle que é muito importante e significativa:

"Chegou alfim o dia 23 de maio, escrevem os srs. Capello e Ivens, dia por nós indicado para a partida rio abaixo, e logo que amanheceu, promptas as canoas que deviam transportar a expedição, nos embarcámos em companhia do commandante militar e do alguns negociantes ali residentes, como Manteigas, Goerinho e outros em direcção á embocadura do Panhame."

Note a camara que se diz aqui a embocadura do Panha mo e que esta se encontra a leste de Zumbo e entre Zumbo e Tete:

o Ahi se acha estabelecido o capitão mór Araujo Lobo, em bella e bem construida vivenda, onde nos recebeu principescamente, proporcionando-nos um dia de distracção bem agradavel; e tambem tivemos ensejo de ver gentes do N., muizes e outros, que vinham trazer a noticia do fallecimento de um regulo do Nyassa, e perante nós executaram danças e meneios, á feição daquelles que têem logar no Kasembe."

Na foz do Panhame, que é situada, repito, entre Tete e o Zumbo, e proximo deste ultimo ponto, existe assim a casa de um portuguez que vive nas circumstancias que, são aqui relatadas.

Mais adiante, rio abaixo, encontrámos o seguinte:

"Dormindo uma noite na ilha de Macota-cota, a meio do rio, passámos até ao dia 25 na residencia de duas novas auctoridades, Sebastião de Moraes, sargento mór do Macomo, prazo que pela sua posição geographica merece toda a attenção, pois nos pareceu ser a chave da região aurifera do Mazôé e serra Macomo (serra esta que carecia de uma seria exploração, pois della derivam todos esses rios de leitos auriferos, que tributam o Sena e Aroenha) e Miguel Lobo a juzante.

"Para o N. do rio e longe estirava-se a serra Mussendaruze, afamada pela sua riqueza em cobre.

"A 26, deslisando entre montanhas, pois tão accidentada e pittoresca é a Chedima como a Senga, viemos topar com o Caxombe, fronteiro á aringa de Xaquaniquire, regulo dos pimbis, desembarcando ahi, para por terra fazer caminho até Tete."

Vê se, pois., claramente, que nesta região entro Tete e Zumbo estiveram os srs. Capello e Ivens constantemente hospedados em casa de portuguezes, taes como Araujo Lobo, Sebastião de Moraes e Miguel Lobo, entre outros.

"O melhor que decidimos, proseguem os dois viajantes, foi dirigir-nos ao quartel general das operações, Diu, residencia do capitão mór Firmino, e ahi aproveitar o ensejo da partida de alguma força, para com ella ir em companhia, abrindo o caminho.

"A 29 estavamos ali em meio de um brouhaha immenso, de quasi 1:000 sipaes, que para o dia seguinte muito felizmente preparavam o assalto á libata do regulo já falindo, topando cabeças de sobetas vencidos por todos os cantos por onde nos viravamos, e despojos das ultimas luctas travadas ao NO.

"O paiz é falto de agua. No leito do rio Daqui, afluente do Zambeze, encontrámos a hulha, de que ha nesta região um grande jazigo, que vae até Tete e alem talvez.

"Numa serra proxima a Diu existe uma plantação de chinchonas (quina amarella) de cuja proveniencia não vos podemos dar conta.

"Os traços geraes do paiz são extremamente pittorescos,

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os accidentes" do terreno numerosos, as riquezas mineralógicas grandes no dizer de todos."

Creio pois, em vista de quanto tenho lido á camara que o livro de Angola á contra costa é o melhor documento da occupação effectiva e da existencia da auctoridade portugueza em toda a região comprehendida entre Zumbo e Tete.

Ainda ha pouco o Commercio fie Portugal publicou nos numeros de 17 a 21 de dezembro ultimo uma serie de cartas do secretario geral de Moçambique, actual residente em Gaza, José de Almeida, nas quaes vem referidos e meneio nados por extenso todos os actos de vassalagem realisados naquella região do Zumbo, actos de vassalagem que são numerosos, e que não deixam equivoco de qualidade alguma ácerca da nossa influencia sobre os chefes indigenas e do nosso estabelecimento naquellas regiões.

As particularidades e minudencias a que descem para melhor fundamentar a nossa soberania são de tal ordem, que me parece que não podem deixar a minima duvida no espirito de ninguem.

Juntarei tambem esses autos de vassalagem a este meu discurso, quando publicado, colligindo assim elementos para a nossa defeza.

Poderia citar alem destes documentos, e referir a par dos testemunhos para que appelei, um sem numero de outros não menos valiosos e que todos elles provam a effectividade da posse secular e occupação effectiva por parte de Portugal das regiões que constituem as duas margens do Zambeze entre Tete e Zumbo, e ainda para oeste desta ultima villa.

A existencia dos prazos, os contratos de arrendamentos d'esses prazos A individuos ali residentes, e que ali viviam em condições de conforto e de bem estar, a florescência de missões religiosas larga e generosamente dotadas pelo governo portuguez, tudo isto, basta, porem, e amplamente para que, repito, não possa levantar-se a menor sombra de duvida sobre a realidade e permanencia do exercicio da soberania portugueza naquellas regiões.

Mas, ponhamos de parte o testemunho de Portugal. Consultemos os geographos estrangeiros, e veremos que Malte-Brun, Elysée Reclus, Karl Ritter, Charles Vogel, todos elles são unanimes em consagrar o facto da occupação portugueza ao longo do Zambeze ainda para alem do Zumbo.

Assim para não citar senão um e dos mais recentes entre todos, Charles Vogel no tratado de geographia intitulado Le Monde terrestre diz o seguinte na 3.ª parte do tomo in, descrevendo a colonia portugueza de Moçambique:

"A environ 200 lieues de la cote, au double confluent de l'Aruangoana du nord et de le Ganyna (Panhame) du sud avexc le Zambeze on voit les ruines de l'église et du fort du Zumbo, le poste de trafic le plus reculé des portugais a l'intérieur. Long temps abandonné, puis occupé de nouveau en 1861, il parait s'être repeuplé depuis".

Com Charles Vogel sito concordes, repito, todos os outros geographos que referi, em affirmar que a influencia e a soberania de Portugal chegam pelo menos ao Zumbo e portanto abrangem todos os territorios entre Tete e aquella villa.

Mas é para os testemunhos officiaes e officiosos de estadistas, escriptores e geographos inglezes que finalmente vou appellar, para inteira e solemne confirmação dos factos que assevero, e dos direitos de Portugal.

Era acima de tudo por causa desta parte do meu discurso que eu desejava não deixar de apresentar estas considerações, alem do mais, pelo echo que espero ellas poderão encontrar na imprensa, e pelo caracter absoluto e completamente insuspeito e auctorisado dos testemunhos que invoco. E no que acabo de dizer provo mais uma vez que não entra no meu espirito o crear embaraços ao governo, mas sim e unicamente contribuir para a defeza dos direitos do nosso paiz, fazendo-o no seio do parlamento, na camara dos pares, porque é aonde tenho voz, e porque considero util tornar conhecido lá fora, por todos os meios, qual é a opinião publica, muito firme, de Portugal sobre este assumpto.

Sr. presidente, referindo-me a testemunhos de inglezes, não podia deixar de citar primeiro o nome do illustre explorador David Livingstone.

É nos seus trabalhos que mais a miudo se encontram apreciações desfavoraveis para o dominio portuguez ultramarino.

É ás suas obras que se tem ido buscar com mais frequencia material para nos atacar, e comtudo, sr. presidente, nós portuguezes temos o direito de affirmar que o exito sem rival das primeiras viagens de David Livingstone foi devido em grande parte ás informações valiosas, aos esforços e auxilio das auctoridades portuguezas.

Temos disso testemunhos officiaes de um valor inapreciavel, e foi a voz da consciencia que obrigou Livingstone a confessar, nos seus primeiros escriptos, quão grande fora a parte que nos coubera nos resultados da sua para sempre memoravel exploração.

Foi só mais tarde, era epocha de lucta e competencia, que os serviços prestados por Portugal e pelos portuguezes se obliteraram da memoria do famoso missionario, que no seu proposito de aggredir-nos, chegou ao desvario de accusar em um dos seus escriptos o marquez de Sá da Bandeira de protector dos negreiros de Lisboa, e de por elles ser influenciado nos seus actos officiaes! Foi só mais tarde que se tornou necessario que, por parte de Portugal e em sua defeza, D. José de Lacerda escrevesse o Exame das viagens do dr. Livingstone, esse verdadeiro monumento de erudição e patriotismo.

Atravessando a África da primeira vez, na direcção L.-O., Livingstone, como é sabido, resolveu effectuar uma segunda travessia, partindo, de S. Paulo de Loanda onde viera parar, em direcção á costa oriental pelo valle do Zambeze. Chegado ao Zumbo com os seus cento e quatorze makololos, e descrevendo a sua permanencia naquelle ponto, Levingstone torna saliente a sua admiravel situação, e, confessando e reconhecendo a actividade dos negociantes portuguezes por todos aquelles sertões, mostra que elles penetravam atra vez delles na direcção N.-NE., pelo Aruangua, S.-O. pelo Zambeze e O. pelo Kafué.

Fez tambem sobressair a multiplicidade das relações para o norte do Zambeze. Allude ás expedições ao Muata Kazembe do dr. Lacerda e de Pereira, e aos esforços e tentativas repetidas vezes feitas para a communicação da contra costa e ligação final das duas provincias de Angola e Moçambique.

Considera o Zumbo o centro para todas estas expedições.

Não tenho presentes, por demasiado volumosas as obras de Livingstone; nem "por isso deixarei, comtudo, de fazer leitura á camara de alguns significativos trechos dessas obras, que se encontram extractados em o numero de março ultimo de um jornal chamado LAfrique esplorée et civilisée; onde mr. Charles Faure, desde fevereiro deste an-no, tem defendido em uma serie de artigos notaveis, com conhecimento perfeito de causa e abundancia de factos, e com toda a força de uma convicção profunda é fundamentada, o procedimento de Portugal e os nossos direitos em face do procedimento e das exigencias da Gran-Bretanha.

E eu folgo nesta occasião, sr. presidente, de prestar aqui o testemunho da minha sentida gratidão, para com aquelle escriptor que com tamanho desinteresse e competencia, e só por amor da justiça e sympathia pelo nosso paiz, acudiu por tal forma em favor do seu direito.

Não se póde conhecer e sustentar melhor uma questão, não se póde defender melhor os interesses de um paiz, que lhe é estranho, do que o fez este distincto geographo.

Neste testemunho eu sou de certo o interprete fiel do sentimento de todos os meus compatriotas que tiveram co-

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nhecimento do trabalho de Charles Faure. Aproveitando-o, pois, citarei"alguns pontos deste escripto, que bem revelam qual foi o sentimento que primeiro animou David Livingstone a nosso respeito e quanto são inexactas certas accusações, que ainda hoje encontram echo no parlamento inglez, e que não acharam infelizmente entre os membros do governo d'aquelle paiz quem as repellisse em attenção á verdade e preito á justiça.

Assim resolvido a regressar para a Europa e não querendo reenviar para o alto Zambeze os makololos que o acompanharam, deixando-os por isso em Tete, Livingstone escreve:

"Le coramandaut (Tito Augusto de Araujo Sicard) leur a donné des terres ou ils vont recolter de quoi vivre et, en attendant la moisson, il les a genereusemt approvisionés de blé."

Bem pagos fomos destas generosidade"!

"En outre il a permis aux plus jeunes de chasser l'éléphant avec ses domestiques, aiin quils pussent, en vendant livoire et Ia chair, acheter differents objects pour empor-ter dans leur pays. Ils ont tous été ravis de Ia generosité du major et soixante-dix dentre eux en ont immediatement profite, II m'avait été impossible de trouver de 1indienne pour vetir mes hommes, mais le coramaudant a eu Ia bonfcé de leur fournir des vetements, et de méquiper mói meme des pieds à Ia tete. Jai insiste pour qnil acceptat en echan-ge une certaine quantité divoire; il a refusé jusquau moindre dédommagement, et cest avec une profonde re-connaissance que je me rapelle toutes sés bontés."

Tal foi a maneira por que Liviugstone foi auxiliado pelas auctoridades portuguezas em Tete, centro de um districto, de que hoje se diz dever ser Portugal privado. É por esta forma que nós somos um estorvo para a civilisação em África, quando o que é certo, e este exemplo o prova entre muitos, é que as nações mais poderosas careceram de nós para iniciar e desenvolver a sua influencia naquellas regiões!

Disse ha pouco que num parlamento estrangeiro se fizera recentemente uma referencia injusta a Portugal. Mais uma vez nos accusaram em Londres de proteger nas nossas colonias a escravatura. Seja ainda a este bello trabalho de Charles Faure que eu recorra para de prompto julgar, baseado em auctoridades inglezas que as destroem pela base, essas accusações tão injustas e malévolas:

"Il ne manque pás de publicistes qui, au mépris des temoignages les plus authentiques des autorités anglaises (diz Charles Faure, em uma nota a pagina 92), ne cessent daccuser Ia nation portugaise detre esclavagiste. Nous avous sous les V eu X des dépeches adressésau gou-vernement britannique par les consuls de Ia Grande Bretagné à Mozambique, de 1876 à 1889; Mrs. Eison, O'Neill, Hatves, rendeut tous le meilleur teraoiirnage à Mrs. Coelho, Francisco Maria da Cunha, A. de Castilho, Sarmento, gouverneurs de Mozambique, et à quantité d'officiers de marine, pour Ics eftbrts déployés par eux en faveur de la suppression de la traite. Déjà le 24 septem-bre 1880, 1amiral Jpnes ecrivait à 1almiranté anglaise: "La proclamation de la liberte faite par les portngais et la declaration de 1illegalité de la traite dans leurs possessions ontbeaucoup aidé le gouvernemeht anglais à la supriinero.

É um almirante inglez que presta assim homenagem aos officiaes da nossa marinha, e ás auctoridades ultramarinas, e que diz ser devido á acção e concurso1 desses officiaes e dessas auctoridades que a Inglaterra conseguiu o seu nobre proposito de extinguir o trafico e diminuir a escravatura.

Sr. presidente, a miudo se tem censurado, e tambem acremente, os meios historicos de que Portugal tem usado até nossos dias para manter na Zambezia a sua influencia; são repetidas e por vezes muito graves as accusações levantadas contra os homens a quem naquellas regiões Portugal confia a representação da sua auctoridade.

Refiro-me á instituição dos prazos, no que conservam do caracter feudal, e ao poder administrativo judiciario, fiscal e militar que os seus arrendatarios mantem entre as populações indigenas.

Nada póde dar melhor idéa das condições diversissimas em que se encontram os prazos da Zambezia do que um trecho que passo a ler do bellissimo relatorio do sr. Oliveira Martins, a que já tive occasião de alludir. É o seguinte:

(Depois de maduramente estudados todos os documentos offerecidos ao seu exame, a commissão teve de reconhecer que, sob a denominação generica de prazos, abrangendo, póde dizer-se, todos os territorios da Zambezia, se incluem, como é obvio, os mais diversos estados de condições sociaes, e economicas, desde a barberie similhante, se não igual á das tribus negras, reinante nos sertões de Tete, até ao estado de civilisação industrial-agricola que se observa em alguns prazos litoraes do districto de Quelimane.

"Tomando o Zambeze como nucleo, ve-se que, á medida que nos afastámos para o norte ou para o sul, mais para este do que para aquelle, ou que subimos o curso do rio, vamos gradualmente passando da civilisação para a barberie.

"Nas terras do delta do Zambeze e na zona sarjada de correntes, que da sua margem esquerda se estende até ao rio dos Bons-Signaes, acham-se os prazos de culturas exoticas,, onde encontrámos verdadeiras fazendas coloniaes.

"Acerca desta região escrevia o governador de Quelimane no seu ultimo relatorio:

"A parte mais importante da industria consiste no fabrico do tijolo, com o qual são quasi exclusivamente constituidas todas as habitações, e na distillação da canna saccharina e fabrico de aguardente.

"São três os principaes industriaes que se entregam a esta industria, e já no Mahindo a casa Correia & Carvalho substitua em grande parte o trabalho do negro pelas machiuaa de vapor mais modernas. O mesmo acontece em Molinquine na fabrica de José Balthazar Farinha. No Inhassunge distilla-se igualmente a canna; no Marrai faz-se aguardente de flor Maura, importada da India; no Inhamungo fabrica-se azeite de amendoim, e no Mahindo, Marral e Nameduro construem-se lanchas e escaleres para a navegação fluvial."

"Cercando estes prazos, vem os da segunda categoria, zona media em que aqui ou alem aponta um ensaio de cultura, e que se insinuam em regra ao longo das margens do Zambeze e do Chire. Finalmente, envolvendo tudo, alastram se os prazos do sertão, onde a caça do elephante extincta repelle os exploradores; onde os rendeiros, seguindo as regras dos emphyteutas, seguem as tradições barbaras dos antigos régulos ou sultões, capitaneando os seus mercenarios em correrias e rapinas constantes, intercaladas de batuques guerreiros, prólogo de matanças com frequencia bem crueis para nós.

"Se quizermos caracterisar socialmente estas três categorias geographicas, temos de reconhecer que na primeira o principio dominante é a lavoura industrial, e a questão que a todas sobreleva é a questão do trabalho: são as fazendas coloniaes. Por isso ahi vemos em regra os colonos mais bem tratados. A segunda categoria é a dos prazos fiscaes, e dizemos assim, porque o principio dominante e a cobrança do mussoco, sem preoccupações de lavoura, seguindo a antiga tradição absenteista dos emphyteutas, e obedecendo á mesma ostentação vaidosa que na metropole inspirava os morgados. O prazo fiscal é com effeito um morgadio; e o arrendatario vive da renda do mussoco, indolente e despreoccupadamente, distribuindo aos seus colonos a menor somma de beneficios que pôde. Em terceiro logar vem, finalmente, aquelles que chamaremos prazos feudaes, em que o principio dominante não é a lavoura, nem a renda, mas sim o imperio sobre colonos armados em batalhões, a quem o chefe regala patriarchalmente com

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a abundancia da terra e com os despojos das correrias constantes.

"Estes prazos da peripheria do dominio portuguez, se têem os inconvenientes repetidamente notados no ponto de vista dos districtos interiores, onde a vida é pacifica, teem tambem, não devemos esquece-lo nunca, a vantagem de serem a barreira que defende esses mesmos districtos dos cofres, e que, no debate internacional dos direitos territoriaes africanos, attesta a effectividade do dominio portuguez nos sertões da Zambezia.

"Tudo quanto ácerca dos prazos deste genero disséssemos seria ocioso por ser inexequivel. A unica cousa possivel é estabelecer nessas regiões a força militar bastante para manter a ordem e garantir os direitos. Só depois disso feito, chegará a occasião para tratar de reformas que, de resto, terão de obedecer ao systema de medidas expostas no de correr deste trabalho, como adequadas, no entender da commissão, aos prazos da primeira e segunda categoria.

"Havemos de incluir ainda na terceira os prazos, especialmente do sul do Zambeze até Sofala, invadidos pelos cafres, como o Cheringuina, com as terras da corôa em Inhambane, prazos embryonarios em que o tributo devido pelos chefes indigenas raras vezes é pago, se alguma vez o é, e que no cadastro formula-lo por Francisco Maria Bordallo, no seu Ensaio já citado, vem descriptos com estes numeros summarios:

"22 régulos, governando em 109 chefes, devendo contribuir com 1:035 panjas de mantimento, para a fazenda;

"23 cabos, governando em 107 chefes, devendo contribuir com 505 panjas de mantimento para a fazenda;

"8 cabos muuhames, governando em 23 chefes.

"Em todas estas terras, mais ou menos invadidas como estão pelos cafres, em todas estas terras e porventura ainda nas de Angoche e de Cabo Delgado: em todas ellas se deveria procurar estabelecer arrendatarios, embora da especie que no alto Zambeze provoca tantos clamores. São esses rudes campeões, como os Ferrões, como Manuel Antonio, os portadores da bandeira portugueza contra os cafres; e os seus serviços não devem ser negados, embora esteja na natureza das cousas o produzirem tambem os Bongas.

"Lembremo-nos sempre de que em Moçambique temos de defender a nossa occupação de um modo totalmente diverso do da costa Occidental, onde as populações de congos degenerados são pacifica?. O cafre é bellicoso porque a .sua raça é forte; e alem disso o cafre é muitas vezes o instrumento cego de povos europeus que nos disputam a posse d'essa parte da África.

"Seria excellente que dispozessemos de recursos bastantes para prescindirmos do auxilio de uma especie effectivamente perigosa de collaboradores, como são os arrendatarios de prazos sertanejos; mas, na carencia desses recursos, parece-nos ocioso e até inconveniente declamar contra as consequencias de um mal necessario. Desde que as circumstancias nos permitiam, porem, ir gradualmente resolvendo esses problemas, é claro que a nosso ver os prazos sertanejos, existindo agora no regimen a que chamamos feudal, deverão progressivamente ir entrando no regimen agricola-industrial que nos parece mais conveniente para o fomento economico da Zambezia."

Justificada assim a conservação da organisação dos prazos no seu elemento feudal, como meio do qual podemos conservar atra vez dos seculos, e em epochas de grande depressão da metropole a nossa soberania n'aquelles vastissimos sertões, e confessando com franqueza que especialmente depois que ali faltou a correcção do elemento religioso, representado pelos dominicanos e pelos jesuitas, os homens que lã exercem a auctoridade, dispondo de um grande poder não fiscalisado hão de ter abusado; não podendo contestar que por vezes tenham praticado actos dignos de severa censura, devo comtudo acrescentar que ainda assim elles representam um elemento relativamente

benéfico, e um instrumento por meio do qual se facilita, a quem póde maneja-lo, a introducção da civilisação européa naquellas regiões.

Ao lado muitas vezes bom dessa acção presta Livingstone um testemunho insuspeito e por isso mesmo valiosissimo.

Livingstone, referindo se a Ferrão, ascendente daquelle a quem ha pouco foram mortos de um modo tão infeliz e doloroso para nós, dois sipaes. diz o seguinte:

"Le sr. Ferrão est un homme duu grand coeur, dune hospitalité large, dune bienveillance et dune generosité sans borues. Le pauvre noir des provinces lointaines, qui traverse la ville, se rend tout droit chez lui, et nen sort jamais sans avoir été rassassié. Quand la recolte manque, cest le sr. Ferrão qui nourrit les indigènes. Il y a des centaines de &es subordonnés quil ne voit jamais quen pareille occasion; le seul béuétice quil en tire est detre leur chcf patriarcal, dapaiser leur differends, de venir à leur secours et de leur sã u ver la vie quand la secheresse produit la famine."

São os lados bons do systema feudal, e não é sem uma larga insuflação do elemento christão e europeu que se chega a produzir factos desta ordem.

Aqui tem, pois, a camara a maneira como é muitas vezes exercida esta acção benéfica, e é com verdadeira satisfação que eu lhe leio, a par de outros, este trecho de Livingstone. Prova elle a natureza favoravel da acção e influencia de Portugal, que Livingstone confessa, como a camara viu, abranger as regiões que medeiam entre Tete e Zumbo.

Sr. presidente, vou agora referir-me a outro viajante inglez tambem notavel e que uma morte prematura roubou á sciencia e ao seu paiz, Montagu Kerr. Diz elle no seu Far interior, o seguinte (texto inglez):

"The district of Tette extends from a point a short distance west of Senna to somewhere eight days journey to the west of Zumbo. This definition of boundaries can hardlv satisfy the exacting topography, but it is the only one I could get.

"Zumbo is the farther portuguese station inland on the Zambesi, being about 500 miles from the sea. Its foundation dates from 1740. The nativo tribu which inhabits its belt of country gets the name of Wazeruro from the portuguese."

Traduzindo:

"O districto de Tete comprehende o territorio que vae de um ponto a pequena distancia a oeste de Senna até a pouco mais ou menos oito dias de distancia a oeste do Zumbo. Esta definição de limites poderá talvez não satisfazer uma topographia exigente, é, porem, a unica que eu pude alcançar.

"O Zumbo é a estação portugueza sobre o Zambeze mais afastada para o interior, achando-se a 500 milhas do mar. Data a sua fundação de 1740. As tribus nativas que habitam este tracto de terreno receberam dos portuguezes o nome de Wazeruros."

Aqui tem v. exa. e a camara as palavras de um inglez que esteve naquellas regiões, e que refere que não só os territorios entro Tete e Zumbo, mas ainda aquelle? que estão até a oito dias de viagem para oeste deste ponto constituem, o que é inteiramente exacto, dominio de Portugal.

Vou agora citar uma outra obra ingleza importante e recente, que attrahiu a attenção do mundo já pela notoriedade e auctoridade politica de quem a escreveu, já pelo seu contexto, que é um monumento da grandeza incomparavel da Inglaterra. Refiro-me a sir Charles Dilcke e aos dois bellos volumes da sua Greater Britain.

É conhecida a tendencia politica deste estadista a respeito de Portugal e as suas sympathias em nosso favor. Manifestam-se taes sentimentos em mais de um trecho da sua obra recente. Lamenta nella sir Charles Dilcke que uma opposição mesquinha tivesse inutilisado em Inglaterra

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o tratado de 1884, negociado por lord Granville com o sr. Barbosa du Bocage. Insiste na necessidade de liquidar as questões pendentes com Portugal ácerca da África central e oriental por meio de um accordo honroso. Mostra que o procedimento contrario nos lançaria irremessivelmente nos braços da Allemanha, o que sir Charles reputava poder ser muito nocivo para o dominio inglez na África. Referindo-se especialmente á questão pendente com a Inglaterra, sir Charles escreve:

"The real Portuguesa claim is to that portion of Mashonaland which lies eastward of a mountain chain known as the Mashona Mountains, and this they ask for in the ground of first discovery aud of constaut commerciai le-lations through the sixteenth century. It is probable that if the Portuguese obtain the Mashona Mountains they may obtain also valuable gold-fields, the existence of which is vaguely known; but it is no t certain on which side of the Mashona Mountains the richest gold-fields lies. The fact that the Portuguese are in occupation of Zumbo in the Zambesi, which lies slightly to the westward of the Mashcaia Mountains gives colour to their claim; and it is to be desired that whatever is to he the boundary between the British sphere of influence in Northern Beshuanaland and the Portuguese colony of Mozambique, the matter should be settled without delay."

Ou em vulgar:

"O que os portuguezes realmente reclamam é aquella porção da Machona que está situada a oeste da serra de Machona, e essa reclamação baseiam-a no facto da primitiva descoberta e de constantes relações commerciaes mantidas desde o XVI seculo. É provavel que se os portuguezes obtiverem a posse da serra de Machona elles alcancem com ella valiosos campos de oiro, cuja existencia é vagamente conhecida; mas não é sabido com certeza de que lado da serra de Machona jazem os mais ricos campos auriferos. O facto da occupação do Zumbo pelos portuguezes, sobre o Zambeze, ponto aquelle situado um pouco para oeste da serra de Machona, dá probabilidade ás suas affirmações; e é para desejar que, seja qual for o limite que venha a separar a esphera britannica de influencia ao norte de Beshuanaland e a colonia portuguesa de Moçambique, o assumpto venha a ser resolvido sem demora."

Aqui está, portanto, o que se diz neste livro que foi lido por todos os que se interessam pelas questões coloniaes; affirma-se aqui de um modo positivo o nosso direito á posse do Zumbo e até se baseia nella um argumento em favor das nossas reivindicações na Machona.

Passemos agora a examinar o depoimento de outro escriptor tambem, embora por motivo differente, de grandissima auctoridade em Inglaterra, que foi dos primeiros a assegurar a importancia dos jazigos auriferos nestas importantes regiões do sul e a tornar melhor conhecida a sua geographia; refiro-me a Thomás Baines, e ao seu livro: The, gold regions of south eastern África.

Este homem conhecido na Inglaterra pelas concessões successivas, que primeiro do que outro inglez obteve de Lo-Bengula nas regiões entre o Panhame e o Guai, concessões que já então provocaram o protesto do governador dr. Quelimane Carlos Pedro Barahona da Costa, e ainda põe causa desta sua obra, claramente designou num mappa que a acompanha os limites da provincia de Moçambique por urna, linha pontuada, e embora o traçado dessa linha seja visivelmente influenciado pelo desejo de Baines de resalvar a area inteira das suas concessões, fal-a partir ainda assim de um ponto muito a oeste do Zumbo na foz do rio Nakedi, que elle designa sob os nomes de rio Jole ou Banyeka, reconhecendo a nossa soberania em toda a região que medeia entre Tete e Zumbo.

Ora Thomás Baines, repito, é uma auctoridade indisputavel, d'aquellas que se citam sempre quando se trata de descrever e apreciar as regiões entre o Limpopo e o Zambeze, porque é de individuo que lá esteve, e que mais do que outros ajudou a torna-las conhecidas.

Temos, portanto, Livingstone, depois de Livingstone, Moutagu Kerr, depois de Montagu Kerr, sir Charles Dilko e agora Thomás Baines, todos elles conformes na affirmação de um direito, cuja manutenção é essencial, assim o julgo por minha parte, ao nosso dominio em Moçambique.

Prossigamos, porem, na nossa demonstração e seja agora chamado a depor Henry Drumond e o seu livro intitulado Tropical África.

Esta obra é de propaganda contra nós. Tiraram-se della 6:000 exemplares que &e espalharam por toda a Gran-Bretanha.

Aqui se estudam apparentemente diversas questões de geographia, de historia natural, de meteorologia. Figura entre os capitulos da obra um estabelecendo uma theoria ácerca da formiga branca (termite); no meio de tanta sciencia apparecem, porem, uns estudos sobre a escravatura, e a par d'isso um capitulo intitulado Á pulitical waning. É neste capitulo que a meu ver está o fim principal da obra.

Ahi se contesta e se combate por todos os meios o reconhecimento da nossa soberania nas regiões do Chire e Nyassa, e se insiste com a Inglaterra para que em epocha alguma venha a reconhece-la.

A falta de lisura e boa fé de muitos dos argumentos empregados por Drumond resumbra da leitura de cada pagina.

Isto explica-e porque a affirmação da nossa influencia, pela qual combatia o governo portuguez, contrariava de momento uma certa ordem de interesses de uma nação tão poderosa como a Gran-Bretanha.

Mas apesar do caracter que este escripto tem, evidentemente adverso a Portugal, acompanha-o um duplo mappa da África, onde se traçaram e compararam os limites das possessões africanas das diversas potencias, taes quaes resultam das suas aspirações e reclamações, com os que são pelo auctor do livro reconhecidos como representando a realidade dos factos.

Pois ainda neste proprio mappa vem a região do Zumbo marcada como região portugueza, sendo o seu limite o rio Nakedi, muito para oeste, como já tive occasião de o dizer, daquella villa.

Deixemos, porem, os livros e as cartas geographicas, e vamos aos jornaes e ás revistas.

Os acontecimentos que occorreram em janeiro ultimo provocaram em Inglaterra uma acção muito diversa da que se deu entre nós.

Aqui o sentimento publico excitou-se, procurando-se por todas" as formas, muitas vezes as menos proprias para se alcançar o fim que se tinha em vista, que o nosso direito, que reputavamos cruelmente offendido, podesse tornar-se respeitado.

Diligenciavamos obter de qualquer maneira uma compensação ou satisfação que lançasse um bálsamo sobre a ferida profunda feita aos nossos brios patrioticos, ás nossas tradições mais queridas.

Não analyso neste momento, nem isso vem para o meu proposito, e caracter desse movimento, o que elle produziu de facto, e o que elle talvez poderia ter produzido. O que direi é que em Inglaterra houve tambem um movimento correspondente de concentração patriotica de apoio e defeza do governo em face da condemnação unanime da imprensa continental.

Em todos os jornaes, nas innumeras revistas e publicações hebdomadarias ou mensaes que se imprimem naquelle paiz appareceram artigos, não só discutindo a questão portugueza e defendendo o governo inglez, mas procurando de todos os modos isenta-lo do que parecesse prepotencia e achar rasões justificativas do seu procedimento.

Nas revistas de jurisprudencia, e eu tenho presente uma The Law Magazine and Review, no seu numero de feve-

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reiro ultimo, foi discutida e apreciada em face dos principios do direito internacional a acção dos dois governos.

Outros jornaes e revistas de caracter mais ou menos encyclopedico, discutiram a questão sob o seu aspecto geral, todas, porem, a analysaram, como aliás era natural, á luz das conveniencias da Gran-Bretanha.

Entre estas ultimas citarei agora a Fortinghtly Review, que publicou no seu numero de janeiro um artigo cujo titulo, só por si, accusa o espirito que animou o seu auctor ao escreve-lo.

Era: As agressões de Portugal e o dever da Inglaterra.

Pois nesse artigo, onde eu sou severamente condemnado, e os direitos de Portugal por todas as formas e com todas as armas combatidos, diz-se o seguinte:

"On the river itelf a semblance of occupation up to Zumbo may be granted, though that even is doubtful."

"Sobre o rio Zambeze pude reconhecer se uma similhança de occupação até ao Zumbo, mas isso mesmo é duvidoso."

A verdade impunha-se até num escripto todo elle impregnado de má vontade contra nós.

Sr. presidente, antes de terminar esta primeira parte do meu discurso, desejo referir-me a um ultimo escriptor, para todos insuspeito, cujas palavras encerram para mini, como membro do ministerio demissionario, como antigo ministro da marinha e dos estrangeiros, um testemunho valiosissimo pela confissão que nellas se faz da energia e actividade com que durante os ultimos quatro annos foram de fendidos os direitos de Portugal.

É esse testemunho prestado por um individuo que mais auctoridade tem hoje para escrever ácerca das regiões que demoram entre o Zambeze e o Limpopo, e que recentemente e por mais vezes as tem percorrido.

Quero referir me á carta dirigida ao Times em 2 de dezembro ultimo, da cidade do Cabo da Boa Esperança, por Frederico Selous, e publicada em o numero de 2 de janeiro da folha da City.

Selous estava na Zambezia na epocha em que se verificavam as nossas expedições, e escreveu a respeito do resultado dellas essa extensa correspondencia para o Times, que é por muitos titulos interessante e na qual se conteem as seguintes passagens que mais particularmente se referem ao Zumbo e que eu vou ler á camara:

"I am prepared to grant without cavil that the portuguese have a certain amount of political influence along the south-east coast of África, north of Delagoa Bay (an influence which they have strained every nerve to extend inland during the last five years), and along the course of the Zambezi, from its mouth as far as Zumbo, or even as far as the mouth of the river Kafukwe. But the last three years, owing to jealousy of British expansion, have been a period of unprecedent activity with the portuguese government in south-eastern África, and by the judicious employment of such men as Manuel Antonio and Ignacio de Jesus Xavier, and other influential native chiefs, that government has very rapidly extended and is still extending its influence all over south-eastern África."

"Não tenho duvida em concordar, sem difficuldade, que os portuguezes possuem uma certa dose de influencia politica ao longo da costa oriental de África, para o norte da bahia de Lourenço Marques, influencia que durante os ultimos cinco annos elles têem, n'um maximo de tensão nervosa, procurado alargar, e ainda ao longo do curso do Zambeze, desde a sua foz até ao Zumbo, ou ainda mesmo até á confluencia do Kafué. O ciume da expansão britannica fez, porem, com que os ultimos tres annos fossem um periodo de uma actividade sem precedente do governo portuguez no sul da África oriental, e pelo emprego judicioso de homens como Manuel Antonio, Ignacio de Jesus Xavier e outros chefes indigenas influentes, aquelle governo tem alargado rapidamente e está ainda expandindo a sua influencia sobre todo o sul da África oriental."

Aqui temos, pois, comprovada uma primeira vez e de todo o tempo a soberania de Portugal ao longo do Zambeze não só até ao Zumbo ou até ao Nakedi, mas até á foz do Kafué, e, portanto, já muito perto do Sanhate.

Mais adiante diz Selous o seguinte:

"I am not altogother unacquainted with the early records of Portuguese conquest and discovery in South-Eastern África in the 16th, 17th, and 18th centuries, nor of the enterprises undertaken in the same region during that period by the zealous and self denying disciples of Francis Xavier and Ignatius Loyola. In those records will be found accounts of numerous expeditions, military, diploma-tic, and philanthropic, both along the coarse of the Zambezi, as far as Zumbo and into the interior of the country lying between the lower Zambezi and the river Sabi."

Traduzindo:

"Não desconheço as memorias antigas das conquistas o descobertas realisadas pelos portuguezes no sul da África Oriental durante os XVI, XVII e XVIII seculos, nem ignoro tambem os emprehendimentos realisados na mesma região durante aquelle periodo pelos discipulos zelosos e cheios de abnegação de Francisco Xavier e Ignacio de Loyola. Nessas memorias se encontra menção de numerosas expedições militares, diplomaticas e philantropicas, tanto ao longo do Zambeze até ao Zumbo, como para o interior do paiz situado entre o baixo Zambeze e o rio Save."

Aqui temos pois uma segunda vez a affirmação de que o nosso dominio ao longo do Zambeze attingia o Zumbo.

Mas é mais que tudo para os trechos que passo a ler que eu chamo toda a attenção da camara. Depois de ter affirmado a decadencia em modernos tempos da influencia portuguesa outrora tào grande em todo o sul da África, depois de haver alludido á insurreição do Bonga e á de outros chefes, Selous acrescenta:

(Still no one can deny the historic associations of Portugal with the Zambezi from its mouth as far as Zumbo, nor with the immense tract of country between the lower Zambezi and the Sabi, generally known as the Manica country: and if Englishmen are inclined to laugh or sneer at the tenacity with which a country that is often stated to have lost all its ancient vigour clings to "mere historic associations" at any rate they ought to admire the energy and enterprise (without any loud talking) which the Portuguese are now displaying in South-Eastern África in order to make good their claims and reestablish their ancient supremacy. As an Englishman I wish to see Portuguese enterprise in Eastern África met and checked by British expansion from the West, though I would not have Portugal jockeyed or bullied out of a single inch of territory to which she can prove any real claim."

E vertendo para portuguez:

"Ninguem de certo poderá negar a ligação historica de Portugal com o Zambeze desde a sua foz até o Zumbo, e ainda com o immenso tracto de terreno entre o baixo Zambeze e o Save, geralmente conhecido como paiz de Manica; e se os inglezes estão inclinados a rir ou a zombar da tenacidade com que um paiz, do qual tão a miudo se tem dito que de todo perdera o seu antigo vigor, se agarra "a meras recordações historicas," bem pelo contrario deveriam admirar a energia e espirito de aventura (desacompanhado de toda a vangloria) que os portuguezes estão recentemente manifestando na África oriental no sentido de dar força ás suas reivindicações e restabelecer a sua antiga supremacia. Como inglez eu desejo ver contrariados e inutilisados os emprehendimentos portuguezes na África oriental pela expansão britannica vinda do occidente, mas de modo algum desejo ver Portugal despojado ou esbulhado de sequer uma pollegada de territorio a que elle prove ter realmente direito."

É para este trecho, repito, que eu mais chamo a attenção da camara. Prova elle bem a importancia da recente acção portugueza n'aquellas regiões, e é consolador ver

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como num artigo em que nos não são poupadas acres censuras, e escripto para nos combater, Selons, em homenagem á justiça e apezar de ser inglez declara que por forma alguma deseja ver diminuida a grandeza de Portugal nem arrebatado ao nosso paiz um palmo de territorio a que prove ter direito.

E em que assenta Selons esse direito actual de Portugal ás regiões de que se trata? Na existencia dos prazos e na auctoridade dos capitães mores, auctoridade cujo exercicio elle aliás critica severamente.

"For my part, escreve Selous, I always speak of countries governed by the native capitães mores as being indirectly under Portuguese rule. But give Portugal all the territory ruled over by these men (surely she cannot claim any thing more) and not an acre of Mashonaland will come under her jurisdiction."

"Por minha parte eu fallo sempre das terras governadas por estes capitães mores indigenas, como estando indirectamente sob a soberania de Portugal. Mas de-se a Portugal todo o territorio governado por essa gente (e de certo elle nada mais póde pretender) e nem um só acre de terra machona ficará sob a sua jurisdicção."

Eis aqui, pois, um testemunho que para ninguem póde ser suspeito da nossa soberania effectiva ao longo do Zambeze até ao Kafué, e qual é a nação que a ella possa apresentar melhores titulos?

Que admira, pois, em face de tudo quanto precede que o proprio lord Salisbury no seu despacho de 20 de novembro de 1889 a mr. Petre, despacho de que officialmente me foi dada uma copia, se exprima nestes termos:

"You will inform His Excellency that Her Majesty's government recognize on the Upper Zambesi the existence of Portuguese occupation at Tete and Zumbo, etc."

"Queira tambem informar s. exa. de que o governo de Sua Magestade reconhece a existencia da occupação portugueza no Alto Zambeze, em Tete e Zumbo," etc.

Sr. presidente, tanto como o sr. ministro dos negocios estrangeiros, eu desejo que nós possamos chegar a um ao acordo honroso com a Inglaterra.

No dia 13 de janeiro, em que eu me apresentei a esta camara para dar leitura da correspondencia diplomatica trocada entre mim e a legação ingleza, servi-me dos seguintes termos ao concluir o discurso que então proferi:

"Sr. presidente, a todo o tempo o governo responderei, amplamente pelos seus actos, pela sua maneira de proceder nesta pendencia, e mostrará que procurou sempre inspirar-se nos interesses e direitos nacionaes para os defender convenientemente, diligenciando primeiro um accordo directo e appellando por fim para a arbitragem.

"Quanto ao ultimo passo que deu, depois de ouvir a opinião do conselho d'estado, fe-lo convencido de que, em face das circumstancias inesperadas que se apresentavam, não podia seguir outro caminho sem comprometter mais gravemente os interesses da nação.

"Talvez hoje pareça a alguns animos mais exaltados que o governo andou mal; porem, mais tarde, quer nesta, quer na outra casa do parlamento, provaremos que o governo se inspirou sempre em todos estes actos e negociações, no desejo unico de defender briosamente os interesses da nação e de chegar a um accordo com a Inglaterra, que podesse dizer-se honroso para ambas as partes. E declaro que se o tivesse conseguido, eu me julgaria chegado ao dia mais feliz da minha administração.

"Ha muitos documentos que provam o empenho que sempre me animou neste sentido.

"Quer na minha carta á sociedade de geographia, carta que traçou o programma colonial e politico do governo, quer nas conferencias repetidas que tive com os delegados do governo britannico, quer Da minha correspondencia com o nosso ministro em Londres e com a legação britannica em Lisboa, tenho a confiança de que poderei sempre provar que pugnei constantemente pela dignidade e interesses da minha patria, e pela necessidade de uma intelligencia decorosa com a Gran-Bretanha.

"Devo acrescentar que até ao fim confiei na justiça da nossa causa e nunca perdi a esperança de uma solução satisfactoria.

"Citarei uma prova do que acabo de affirmar.

"Em maio do anno passado veiu a Lisboa um agente officioso do governo britanico para tratar das questões pendentes na África oriental, e o governo portuguez acolheu esse fuuccionario nos melhores termos, existindo documentos que provam ter elle saido daqui plenamente satisfeito pelo modo por que havia sido recebido e levando comsigo as bases de um accordo territorial e economico.

"Não foi por culpa do governo portuguez, posso bem afirma-lo, que esse accordo deixou ele ir por diante. Em Inglaterra mesmo se fizeram, devo confessa-lo, todos os esforços para obter tal resultado, mas, a final, tudo foi inutil e as diligencias perseverantes, empregadas durante quatro annos, vieram naufragar perante as ultimas instrucções dadas ao representante britannico nesta côrte e que se traduziram nos factos de que a camara acaba de ser informada.

"Lamento profundamente que os meus esforços não fossem coroados de exito, evitando-se ao paiz a situação grave em que se encontra, collocado como está entre a consummação de factos contrarios ao sentimento publico e a um direito secular, e a renovação dos perigos gravissimos que recentemente ameaçaram outra ordem de altos interesses nacionaes."

Eu reputo hoje, como sempre reputei, da mais elevada conveniencia para o interesse publico que nós cheguemos a um accordo com a Inglaterra, accordo que satisfaça quanto possivel as aspirações dos dois paizes.

Portugal não podo deixar de reconhecer que tem de ceder em muito das suas pretensões. Nós não podemos hoje de modo algum sustentar as mesmas aspirações por que insistiamos noutras circumstancias.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros sabe que eu por mim já tinha abdicado de muitas das nossas pretensões, reconhecendo que nós as não podiamos fazer triumphar sem fazer correr grave risco o paiz.

Hoje todos os portuguezes, e todos os partidos politicos conhecera já a situação verdadeira das cousas, o que dantes não succedia.

Todos devemos ter a convicção de que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, apesar de todos os seus recursos de intelligencia, apesar de todos os seus esforços, e do seu zelo em bem servir o paiz, não póde sustentar nem levar por diante todas as reivindicações que a opinião publica de Portugal e a tradição muito viva da nossa passada grandeza, haviam em tempo energicamente sustentado.

O desejo de celebrar um tratado com a Inglaterra, e do pôr um termo a este periodo de incertezas e de lucta, por muito grande que seja não pôde. porem, importar uma abdicação deshonrosa.

São tão fortes e convincentes as rasões e os argumentos que podemos allegar era defeza do nosso direito, que eu quero acreditar que poderemos chegar a um accordo honroso, unico possivel e conforme com o que ainda não ha muito nos promettia o sr. ministro dos negocios estrangeiros, por occasião das suas declarações na outra casa do parlamento, em resposta ao meu amigo o sr. deputado Emygdio Navarro, um accordo que de em resultado o acabarem de vez estes ressentimentos, que são um mal para qualquer das duas nações.

Creio que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, impulsionado por um nobre enthusiasmo que não póde deixar de sentir, visto que é portuguez e patriota e como tal deseja o bem da sua nação, envidará todos os esforços, empregará toda a diligencia para conseguir o que é aspiração de todos nós.

Por minha parte o proposito que me anima, resalta, pa

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rece-me, de tudo aquillo que tenho dito, e das palavras até agora proferidas perante a camara. Dar força ao governo do meu paiz, fazer votos pelo bom exito das negociações, eis o fim unico que tenho em vista.

E dito isto, e não insistindo mais no que respeita a este assumpto, vou agora referir-me a outras questões, ácerca das quaes o sr. ministro dos negocios estrangeiros de certo não terá duvida de fornecer á camara todos os esclarecimentos, que a habilitem a julgar da situação em que actualmente ellas se encontram.

Em primeiro logar vou tratar da questão do caminho de ferro de Lourenço Marques.

Sr. presidente, a camara conhece a situação difficil em que se encontrou a governo de que eu fiz parte ao ter de resolver os assumptos que diziam respeito ao caminho de feiro de Lourenço Marques.

Como é de todos sabido, os interesses coloniaes de Moçambique exigiam a construcção immediata daquella linha ferrea; ninguem ignorava porem, o que se passou com o concessionario fallecido E. Mac-Murdo e ab difficuldades sempre renascentes até que a linha começou a construir-se, ainda assim por couta a principio do governo portuguez.

Por um lado o governo lactava coai os embaraços resultantes da interpretação que se tinha dado a algumas das condições do contrato de 14 de dezembro de 188-" no que se referia á fixação das tarifas.

A companhia queria a plena liberdade de as fixar sem a menor interferencia do governo. A par disso exigia, para concluir a linha ferrea e leva-la á fronteira do Transvaal, que se fixasse previamente, o que aliás era natural, o ponto terminus da mesma linha.

Por outro lado o presidente Kruger, com aquella tenacidade que o caracterisa, a elle especialmente e á raça bóer em geral, havia declarado terminantemente aos representantes da companhia neerlandeza que não consentiria que se movesse uma pá de terra (phrase textual) para construcção da secção transvalense da linha, emquanto entre as duas companhias se não tivesse chegado a um accordo pleno na questão essencial das tarifas. Fazia tambem condição para o governo portuguez desse acccordo previo, antes de fixar o ponto da fronteira, ácerca do qual se haviam propositadamente levantado divergencias, e insistia, quando sé não chegasse a accordo, no cumprimento por parte de Portugal da promessa contida no memorandum de 17 de maio, ácerca da concessão ao Transvaal de um tramway até Lourenço Marques, concessão que dificilmente se conciliava com as clausulas do contrato de 14 de dezembro de 1883.

Foram, pois grandes, as difficuldades em que o governo se encontrou; o seu procedimento, porem, obedeceu a um pensamento unico, o de assegurar pela melhor forma, e o mais rapidamente possivel, a ligação appetecida entre Lourenço Marques e Pretoria. N'esse procedimento posso affirma-lo a camara, que nunca nos animou um sentimento qualquer de hostilidade contra a companhia.

Procurei sempre pela minha parte encontrar uma formula em virtude da qual se podesse chegar a um accordo entre as duas companhias, ou a uma modificação amigavel das clausulas do contrato de concessão.

A pressão que por vezes se exerceu mais recentemente, após tantas e tão repetidas provas do benevolencia, não tinha outro intuito.

Depois de muitas diligencias e como resultado destas consegui a final que a companhia portugueza chegasse a formular e apresentar uma proposta de tarifas, que ella dizia accordada com a companhia transwaliana, e que eu fiz examinar por uma commissão de engenheiros e empregados do ministerio da marinha nomeada ad doc, O projecto de tarifas era com effeito equitativo; mas o que succedeu depois, quando tudo fazia prever uma conclusão agradavel? Succedeu que, estando o accordo quasi a estabelecer-se, para o que Lord Castletown e um outro director haviam ido a Amsterdam, Mac-Murdo apresentou repentinamente a exigencia de que o Transwaal se sujeitaria á garantia do pagamento pela companhia neerlandeza de uma multa de 2.000:000 de libras, caso se eftectuasse, a todo o tempo com ou sem auctorisação do estado, a união de Pretoria com qualquer dos caminhos de ferro inglezes vindos ou do Cabo ou do Natal. Ora, não ha no mundo estado algum que se sujeitasse a acceitar similhante condição, ficando condemnado a não ter indefinidamente senão uma ligação com o mar por meio de uma linha ferrea, e acceitando a imposição de uma multa de 2.000:000 de libras. Era isto absolutamente inacceitavel. Dahi se viu, sem duvida possivel, que nunca tinha estado na intenção daquelle concessionario o realisar effectivamente um accordo equitativo sobre tarifas com a companhia portugueza.

Em todos os passos que se deram então e mais tarde por parte do governo para resolver tamanhas e successivas dificuldades, tenho a satisfação de o dizer neste momento, procedemos sempre de accordo com a procuradoria geral da coroa.

O assumpto foi sempre debatido entre os ministros respectivos e o procurador geral da coroa, o integerrimo e intelligentissimo magistrado, a cuja memoria eu desejo neste momento prestar mais um tributo de sentida homenagem e saudade, o sr. conselheiro Cardoso Avelino. Nós não demos um passo unico, repito, que não fosse apoiado no conselho e parecer daquelle distinctissimo magistrado.

Das pretensões insustentaveis e extraordinarias- exigencias do concessionario nasceram as dificuldades que a camara bem conhece, e que levaram por fim o governo a rescindir a concessão. Quando essa rescisão se verificou, levantou-se, como todos sabem, em Inglaterra uma tempestade quasi similhante em intensidade aquella que mais tarde se desencadeou contra nós, a proposito do incidente occorrido nas margens do Chire.

Os jornaes, de todas as cores, fallavam na necessidade que a Inglaterra tinha de se apoderar da bahia de Lourenço Marques, o para ella se disse terem partido immediatamente vasos de guerra inglezes.

As censuras acerbas e as criticas contra Portugal manifestavam-se o mais que era possivel em toda a imprensa de Londres e da provincia.

Mas nessa occasião, quer por effeito dos esclarecimentos fornecidos directamente pelo governo portuguez á imprensa ingleza, por intermedio dos seus correspondentes em Lisboa, quer tambem, pela traducção e publicação do relatorio do sr. ministro da marinha, que precedeu o decreto de rescisão, conseguiu-se fazer conhecido da opinião recta e no fundo imparcial do grande publico inglez, .que em todo aquelle negocio estava envolvida uma pouco sympathica especulação financeira, e isso fez com que muitos jornaes e individuos que a principio tinham entrado por patriotismo na discussão, se afastassem do assumpto e deixassem serenar as paixões.

Uma outra rasão houve, porem, alem de todas as que venho de mencionar, para que esta questão não chegasse a assumir um caracter muito agudo, e essa rasão folgo em accentua-la bem.

A auctoridade consular ingleza em Lourenço Marques, o sr. Knee, accumulava com as funcções de vice-consul o logar de agente da companhia Delagoa Bay, e como tal, naturalmente interessado em nos desacreditar, não duvidou dirigir, era data de 28 de junho de 1888, um officio ao contra almirante Wells, que era o commandante da esquadra ingleza na Cabo, no qual dizia:

"Ao receber esta communicação, reconheci que assim como era impossivel contar com o animo de conciliação por parte dos portuguezes, tambem não havia melhor segurança com respeito a conterem-se os individuos de proveniencia diversa, fallando inglez, e por isso resolvi pedir pelo telegrapho um navio de guerra britannico, com o

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fim de proteger os importantes interesses inglezes, aqui existentes."

Isto lê-se e mal se acredita!

Foi por esta occasião que a imprensa ingleza annunciou que tinham sido enviados para Lourenço Marques alguns navios de guerra, mas foi tambem nestas circumstancias que o contra-almirante Wells, depois de ter recebido o relatorio do tenente Balfour, com mandante da canhoneira Stork, que elle enviara a Lourenço Marques, escrevia o seguinte officio ao seu governo.

(O contra-almirante Wells ao almirantado.- A bordo do Raleigh na bahia Simon - 24 de julho de 18S9. - Referindo-me a um telegramma que me dirigiu o vice-cunsul interino em Delagoa Bay, ao seu telegramma de 30 do passado, á minha resposta da mesma data, ao meu telegramma de 5 do corrente, ao vosso de 7, ao meu de 8, ao vosso de 9, ao meu de 15, ao vosso de 21, e ao meu de 23 observo que a correspondencia inclusa mostra até que ponto se tem abusado (mismanaged) este embroglio (textual) da Delagoa Bay raihway, devido isto exclusivamente ao procedimento absurdo e grosseiramente inconveniente do vice cônsul britannico interino, mr. Knee.

2. Succede por fortuna ser o governador de Lourenço Marques um official que serviu na nossa marinha, e o seu procedimento parece ter sido muito cortez e prudente.

3. Foi em Port Elisabeth que eu recebi o primeiro telegramma de mr. Knee, de 24 de junho, expedido de Delagoa Bay, nos termos seguintes:

"O governo portuguez resolveu confiscar a linha ferrea ingleza. Mande com urgencia um navio de guerra para proteger a vida dos subditos britannicos; quando poderá chegar?"

"Respondi o seguinte:

"A Stork sáe esta tarde para serviço da fiscalisação em direcção a Durban e Lourenço Marques. Informe telegraphicamente para aqui o estado das cousa? Não posso comprehender como a vida dos residentes britannicios corra perrigo sob o governo portuguez".

"4. Ordenei ao tenente Balfour da Sturk, que me relatasse desenvolvidamente o occorrido, e o seu relatorio vae incluido ueste officio. Mr. Knee partiu já, e mr. Gulliford, superintendente da companhia telegraphica, foi nomeado vice cônsul com pleno assentimento do governo portuguez. = Ricardo Wells."

Tive prazer em ler este officio. A linguagem singela, franca e veridica deste official da marinha britannica, que não desejava que esta questão se aggravasse entre os dois governos e os dois paizes amigos, poz termo a todas as intrigas, a todos os improperios, a todas as calumnias e falsas accusações que os interessados espalhavam pelas folhas de Londres, excitando contra nós a opinião e arrastando talvez o proprio governo.

Aqui tem v. exa., como procedia este illustre official, e nesse mesmo sentido escrevera o tenente Balfour commandante da Stork, pequena canhoneira mandada como disse a Lourenço Marques, cessando desta forma o que havia de perigoso para nós neste incidente. Não foi esta a primeira e unica vez, no decurso da minha administração, em que os officiaes da marinha de guerra ingleza desfizeram, pela singela exposição dos factos e inteiro preito a verdade, muitas intrigas levantadas contra Portugal, e se o procedimento das auctoridades consulares britanicas no Chire, podesse tambem ter sido fiscalisado por officiaes de marinha inglezes, como infelizmente não o foi nem o podia ser, talvez que se não tivessem dado os factos que ali se deram, e cujas consequencias tão desastrosas foram para Portugal e para a causa da justiça e do mutuo respeito entre os povos.

Voltando, porém a rescisão do contrato do caminho de ferro de Lourenço Marques que tantas duvidas mais tarde levantou, o que é facto é que o governo portuguez por muitas vezes declarar nesta e na outra camara, e fizera constar ao governo da republica do Transvaal, que era nossa intenção firme rescindir o contrato da companhia em 25 de junho, caso a linha não estivesse terminada nesta data.

É certo que nas vesperas desse dia a Inglaterra e a America diligenciaram modificar a resolução do governo.

Era porém muito tarde para que tal diligencia podesse ser attendida.

Posteriormente suscitou-se entre os três paizes uma correspondência diplomatica, que se manteve sempre nos termos mais correctos, e no decurso da qual o governo sustentou constantemente os principios em que firmará o seu procedimento.

A ultima communicação de lord Salisbury por mim recebida, tem a data já antiga de 10 de setembro. No final desse documento, lê se o seguinte:

"Em sua opinião, os portadores britannicos de obrigações, soffreram um damno injusto por effeito do confisco forçado pelo governo portuguez da linha ferrea e do material pertencente a companhia britanica, e sobre a garantia dos quaes se havia adiantado dinheiro pelas obrigações e por esse prejuizo está o governo de Sua Magestade auctorisado a pedir uma compensação ao governo de Portugal.

"Os documentos juntos contem uma nota das importancias a indemnisar, e dos prejuizos que a companhia affirma ter soffrido.

"A exactidão dessa avaliação pode talvez ser contestada, e quando assim seja, deverá ser devidamente demonstrada.

"Se o governo portuguez admitte a sua obrigação de compensar a companhia britanica por qualquer prejuizo soffrido na sua propriedade e interesses pelo confisco da linha e do material, o governo de Sua Magestade admitirá por seu lado que a importancia da indemnisação é assumpto proprio para uma arbitragem.

"Estaes auctorisado a ler este despacho ao sr. Barros Gomes, e a deixar delle copia. Ao faze-lo significareis que o governo de Sua Magestade deseja anciosamente uma solução amigavel, e confia no sentimento de justiça do governo portuguez para que seja reparado o prejuizo soffrido por effeito do seu procedimento."

Já a camara vê em que termos moderados e até amigaveis foram redigidas estas communicações.

Na nota de resposta eu escrevi o seguinte:

"O governo de Sua Magestade não hesita em tractar directamente com os representantes da companhia portugueza legalmente constituida, no intuito de fixar os termos da indemnisação que pareça equitativo conceder-lhe por effeito da rescisão do contrato de dezembro de 1883, recentemente decretada. A companhia ingleza, que possue, como mais de uma vez tenho tido occasião de o affirmar, a quasi totalidade das acções da companhia portugueza, pode, como o governo de Sua Magestade Britannica e não ignora, exercer uma influencia decisiva sobre a escolha dos directores e constituição da companhia portuguesa, com quem o governo de Sua Magestade terá de tratar.

"É menos provavel que o governo de Sua Magestade não possa chegar a um accordo directo e equitativo. Mas se esse caso improvavel se der, o governo de Sua Magestade nenhuma duvida terá de submeter a uma arbitragem o ponto que se debate. O tribunal arbitral poderia ser constituido de accordo com o que dispõe o artigo 53.º do contrato, ou de outra forma, visto que se trata de uma hypothese diversa, mas em todo o caso de modo a segurar pormutuo accordo a mais stricta imparcialidade no seu procedimento.

"Confio em que v. exa., ao dar conhecimento a lord Salisbury do conteudo desta nota, o informará devidamente acerca dos sentimentos de boa vontade e do espirito manifestamente conciliador de que o governo de Sua Magestade está animado com respeito a este assumpto."

Esta minha nota tinha a data de 13 de novembro

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Com o governo dos Estados Unidos se trocou, ainda mais tarde, em dezembro e janeiro, uma correspondencia identica, e em termos igual e mutuamente deferentes.

Portanto, já v. exa. e a camara vêem a situação exacta em que o assumpto se achava quando o governo progressista abandonou as cadeiras do poder.

Era com a companhia portugueza e só com ella que queriamos tratar, de accordo com o conselho persistente, firme e tenaz do procurador geral da coroa, o sr. Avelino, de que nós de forma alguma negociássemos com outra entidade que não fosse a companhia portugueza, o que unicamente havia a tratar era ácerca da indemnisação, e quando não chegássemos a um accordo directo com a companhia portugueza, só então e para esse caso acceitariamos a arbitragem no intuito de fixar a indemnisação, realisada essa arbitragem ou nos termos do contrato ou nos que se convencionassem.

Era intenção primitiva do governo, cumprir era tudo o contrato, levando a linha á praça depois de concluida. A propria intervenção do governo inglez e americano nos tolheu este caminho, que aliás era perigoso e não isento de inconvenientes, e obrigaria em todo o caso a uma intelligencia final com a companhia.

O que; porem, eu vejo hoje nos jornaes estrangeiros, e nos nossos que delles se tornaram echo, é que a arbitragem já acceita pelo governo se verifica, não com a companhia portugueza, mas com a Delagoa Bay, entidade que officialmente é desconhecida do governo portuguez.

Pergunto, pois, ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, o que ha a este respeito.

S. exa. me responderá, ou não, como julgar mais conveniente; das eu entendo que s. exa. não deve ter a minima duvida em esclarecer a camara e o paiz, desde que o governo inglez já deu e ha muito as precisas informações ao seu parlamento.

Que circunstancia ponderosa obrigou o governo a desviar-se tão essencialmente do procedimento seguido pelo governo que o precedeu?

Já disse que os precedentes que eu expuz não podem justificar, nem fazer presuppor a necessidade de uma tal mudança.

Uma prova do que digo está no seguinte facto.

Os agentes da companhia ingleza, na defeza que enviaram a lord Salisbury, pretenderam refutar os augumentos que eu tinha exposto em a nota que dirigi a Mr. Petre, e de que li á camara as conclusões.

Os agentes da companhia analysaram a minha nota e redigiram o memorandum que enviaram a lord Salisbury; mas, a julgar pelos proprios documentos parlamentares publicados pelo governo inglez, parece que esse memorandum não produziu nenhuma impressão no Foreign office.

Com effeito, remettendo-o para Lisboa a Mr. Petre, lord Salisbury acompanhava-o com o seguinte singelo officio de remessa, datado de 20 de dezembro ultimo:

"Incluo uma carta da companhia do caminho de ferro de Delagoa Bay, commentando a nota do sr. Barros Gomes, de 13 do corrente."

Nem uma palavra no sentido de me apresentar este documento, ou de pugnar no sentido das idéas nelle manifestadas.

Formulo pois as seguintes quatro perguntas, e confio que o governo responderá a ellas com precisão igual aquella com que as redigi.

l.ª

Acceitou o governo a arbitragem internacional da Suissa?

2.ª

Verifica-se esta entre o governo e a companhia Delagoa-Bay Railway?

3.ª

Nesse caso qual foi o motivo por que o ministerio abandonou o solido terreno em que sempre se manteve o governo anterior, e que lhe era aconselhado pela procuradoria geral da coroa?

4.ª

Está ou não fixado o compromisso que deve servir de base á arbitragem, e na hypothese affirmativa excluem ou não os termos daquelle compromisso tudo quanto possa referir-se á apreciação do acto do governo em si, e ao direito com que elle procedeu á rescisão do contrato de dezembro de 1883?

Desejo ser esclarecido a este respeito, e saber se a attitude do governo britannico e a do governo dos Estados Unidos se alteraram posteriormente a 14 de janeiro por forma a explicar o procedimento do governo portuguez e o completo abandono por sua parte do terreno em que o gabinete transacto sempre se mantivera.

Na conclusão do officio do secretario da companhia, a que ha pouco alludi, por elle enviado a lord Salisbury, aquelle agente suggeria que talvez o mero exercicio of a lith more pressure, de um bocadinho mais de pressão, bastasse para assegurar um accordo satisfatorio para todos.

Seguiriam os dois governos este conselho de M. W. J. Horn? Aguardo sobre isso as informações do governo.

E agora vou dirigir uma outra serie de perguntas ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, referentes ás negociações com o governo francez - para a cotação na bolsa de Paris, do ultimo emprestimo de 9.000:000$000 réis.

Todos conhecemos essa velha, incommoda e impertinente questão dos portadores de D. Miguel, e os vexames a que ella nos tem sujeitado.

Ha a este respeito um escripto que deriva uma grande austeridade do seu auctor, e que discute de uru modo, a meu ver completo, esta questão.

Refiro-me ao capitulo ácerca da soberania na obra colossal do sr. Carlos Calvo sobre direito internacional, capitulo em que este publicista, apreciando o emprestimo de 1832, se firma no parecer, entre outros, do Odilon Barrot e de Rolin Jacquemyn, o ministro do interior do ultimo gabinete liberal belga, e redactor principal da bem conhecida Revista de direito internacional, cavalheiro que ha pouco esteve entre nós, e indirectamente ainda nas doutrinas de Bluntschli e Phillimore.

O sr. Carlos Calvo é de opinião que o governo portuguez procede segundo o direito, recusando attender as pretensões dos portadores dos titulos de D. Miguel; affirma que D, Pedro tinha direito a considerar boa presa de guerra o dinheiro que encontrou nos cofres do estado, e fora levantado para o guerrear; mostra que os governos de D. Pedro e D. Miguel, o legitimo e o intruso, coincidiram, e não se seguiram um ao outro; declara que o decreto de D. Pedro não liga o governo por lhe faltar a sancção parlamentar exigida pela constituição; e, assim, e por tudo isto, demonstra de um modo, a meu ver completo, que o procedimento do governo portuguez, n'esta questão, tem sido perfeitamente legal; acrescenta, porem, depois de tudo isto as seguintes palavras, como conclusão ultima do estudo a que procedeu:

"Que le refus du gouvernement da Portugal est, comme nous 1avous demontré, fondé eu droits trict, mais nous pensons quil aurait fait un acte de bienveillance et de bonne politique en respectant 1iniciative gencreuse qua inspire à D. Pedro le decret du 31 juillet 1833."

Tal é a opinião deste distincto publicista ácerca dos individuos que teem incommodado os ministros da fazenda, os quaes todos teem sido victimas dos manejos dos portadores dos titulos de D. Miguel, especialmente succedendo isso commigo quando tive por duas vezes, de 1880 a 1881 e em 1889, a honra de gerir a mesma pasta, e pouco antes e no mesmo anno de 1889 quando, na minha qualidade de ministro dos negocios estrangeiros, tive de intervir a fim de alcançar, como consegui, a cotação dos ultimos emprestimos de conversão feitos pelo sr. Marianno de Carvalho. Nesta occasião, como hoje, elles chegaram ao extremo

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da diffamação e da injuria de que já haviam lançado mão mas a principio em menor escala.

Bastará lembrar o processo por diffamação de 1880 e o arresto judicial de 188 nas quantias provenientes do emprestimo, o que tudo nos obrigou a despezas avultada.- e a vexames inqualificaveis.

Sr. presidente, as considerações do sr. Carlos Calvo, embora muito valiosas, significam no emtanto uma opinião particular, mas hoje acrescenta-se á rasão de equidade a de conveniencia publica, e acresce tambem que o governo francez, embora sempre oficiosamente, tem continuado a mostrar um certo interesse e insistencia em que não sejam desattendidas as pretensões daquelles seus subditos, e por isso reconheço por minha parte que talvez tivesse sido conveniente para nós que essa questão houvesse sido liquidada ha muito.

Mas aqui o declaro bem alto, para que todos me ouçam, os culpados unicos disto não haver succedido até hoje são os proprios portadores dos titulos de 1832.

Com as suas injurias e com os insultos com que teem pretendido atacar o credito de Portugal, elles têem tornado impossivel uma conciliação honrosa e de proveito para todos.

Ainda ha pouco eu recebi, e o mesmo succederia aos meus collegas, uns cartazes e pasquins que andaram affixando pelas esquinas de Paris, e passeando nos trens de aluguer, cartazes e pasquins injuriosos para o nosso credito, e, o mais que é possivel sel-o, attentatorios e affrontosos da nossa dignidade como nação.

Não é por esta forma, sr. presidente, que se disporá o governo portuguez a seguir os conselhos de uma auctoridade eminente como é o sr. Carlos Calvo; não é difamando e injuriando, que se conseguirá captar a benevolencia do nosso governo, e o apoio da opinião publica em Portugal.

Não é por esta forma que se alcançará, a final, essa equidade tão recommendada em França, e cujo uso sei ia talvez do interesse de todos.

Mas pondo de parte esse ponto neste momento, sr. presidente, eu quero limitar-me a dizer que não comprehendo que um governo amigo, como é o governo francez, continue a oppôr directa ou indirectamente embaraços á cotação do nosso emprestimo em Paris.

Eu fui victima de dificuldades similhantes, e durante bastante tempo luctei para as vencer.

Mas consegui-o, appellando precisamente para as relações cordiaes que existiam entre os dois governos.

Pergunto pois agora: estarão quebradas com o governo francez essas nossas boas relações? É nesta ordem de idéas que eu baseio as duas perguntas que vou fazer ao governo sobre este assumpto.

Desejo saber muito especialmente se o sr. ministro dos negocios estrangeiros tem duvida em mandar a esta camara a correspondencia trocada entre a legação de Portugal em Paris e a secretaria dos estrangeiros, e entre os contratadores do emprestimo e o ministerio da fazenda.

Digo isto, porque tendo sido pedidos por um sr. deputado, o sr. João Cesario de Lacerda, na outra casa do parlamento, estes documentos, s. exa. o sr. Hintze Ribeiro enviou aquella camara um officio na sessão de 21 de junho recusando a sua remessa.

Ora, eu devo lembrar que era tempo do ministerio progressista toda a correspondencia trocada entre os ministros dos negocios estrangeiros e da fazenda, de então e a nossa legação em Paris e os contratadores do emprestimo, veiu logo ás camarás, até nos proprios originaes, para ser examinada pelos dignos pares e pelos srs. deputados.

Daqui, sr. presidente, resulta a minha interrogação ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, sobre se s. exa. entende dever continuar a reservar estes documentos ou se está ré solvido, como eu espero, a envia-los sem demora ao parlamento.

As minhas duas perguntas são, portanto, as seguintes:

Primeira. Persiste ou não o governo francez em oppor, directa ou indirectamente, difficuldades á cotação do emprestimo recente?

Segunda. Persiste o sr. ministro na recusa do esclarecer o parlamento, enviando-lhe a correspondencia trocada b obre o assumpto com a nossa legação em Paris e com os contratadores do emprestimo?

Esgotados assim os meus pedidos de informações ao governo, com respeito a questão de Lourenço Marques e ao emprestimo de 9.000:000$000 réis, eu vou referir-me agora as negociações complementares para o exercicio do nosso padroado na India e Execução da concordata de 1886.

Sr. Presidente, em Portugal existe, a meu ver, uma muito inexacta comprehensão do que é hoje a questão do nosso padroado no oriente. Continuamos, por motivos que eu quereria considerar justificaveis, mas que me parece que o não são ver unico e exclusivamente como inimigos de Portugal os representantes da congregação da Propaganda fide. Não se imagina, nem sequer parece suspeitar-se, a existencia de outro e bem mais poderoso elemento de resistencia contra este direito singular que assiste a Portugal de apresentar prelados que exercem auctoridade e jurisdicção em um imperio estranho.

Não deve, porém, occultar-se que na propria India ingleza a sua imprensa politica, e não exclusivamente a que ali representa os interesses e as ideas dos bispos nomeados directamente pela Santa Sé, tem manifestado e continua a manifestar um movimento persistente e bem pouco favoravel a manutenção do nosso padroado. Em Bombaim e Madrasta acham-se constituidas associações chamadas catholicas, em que não entra o elemento eclesiastico. Estas associações são moldadas pelo typo da muito influente associação catholica da Gran-Bretanha, a que preside, como é sabido, o duque de Norfolk o qual representa, a par do cardeal Manning e dos prelados inglezes, o elemento director do movimento catholico na Inglaterra.

Estas associações da India e da metropole mantêem entre si relações. Ainda ha pouco a associação catholica de Bombaim enviou para Londres por intemedio do governador, um extenso memorial, em que se accumulam os argumentos, embora muitos d'elles assentes em factos deturpados, para combate a vigencia da concordata de 1886, não reconhecida officialmente na India como não ha muito foi declarado ao reverendo bispo de Meliapor pelo governador de Madrasta. A associação catholica de Londres secundou os esforços daquellas, entregando o duque de Norfolk directamente ao governo uma memoria contraria a manutenção do exercicio do nosso padroado, querendo os jornaes da India fazer suppor que assim procedera de accordo com o cardeal Manning o que é impossivel, visto que isso significaria uma opposição feita por um membro do sacro collegio as determinações da Santa Sé.

Tudo isto, sr. Presidente, é necessario te-lo bem presente quando se queira conhecer e apreciar as condições em que nos encontramos para a conservação deste antigo e historico privilegio.

Cumpre muito notar ainda que as relações do governo britannico com a Santa Sé são já inteiramente diversas das que existiam em 1857, por exemplo.

Todos vimos em pouco tempo duas missões inglezas dirigirem-se ao Vaticano, e já se annuncia a possibilidade de uma terceira ser enviada junto á Santa Sé.
O duque de Norfolk representando a pessoa da soberana de Inglaterra foi a Roma felicitar o Santo Padre pelo seu jubileu sacerdotal, sendo portador do artistico presente que a Rainha enviara ao Pontifice.
Mais tarde o general Lintorn Simons foi na qualidade de enviado extraordinario e ministro pelnipotenciario encarregado de uma missão especial do proprio governo inglez junto ao Papa. A elle se dirigiram logo, deve notar-se esta circunstancia, os catholicos inglezes da India, pedindo a

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modificação da concordata. O general respondeu-lhes, porem, que outro era o fim da sua missão, e que se dirigissem por isso immediatamente ao governo inglez, o que elles fizera m.

Hoje as relações entre 03 dois poderes, governo supremo do catholicismo e poder executivo da Inglaterra, são pois muito diversas do que foram em tempo e é conveniente que em Portugal haja conhecmento disso, para que se não exijam impossiveis, e se não contribua para noa alienar os proprios esteios em que nos firmamos.

Muitas vezes como ministro combati com energia pelo direito de Portugal, e disso encontra testemunho claro o sr. ministro dos negocios estrangeiros nos archivos da sua secretaria, mas hoje, que estou fora das cadeiras do poder, posso dizer que o actual soberano pontifice tem sido um elemento sempre moderador entre as diversas correntes, entre os differentes interesses, que se agitam e digladiam nesta questão do Padroado, manifestando-se, porem, no todo favoravel á acção portugueza, e a conservação das nossas tradições, que elle presa e em todas as occasiões tem sabido exaltar do modo mais grato para o nosso sentimento nacional.

É preciso que isto se saiba em Portugal e que se diga bem alto para que só não imagine poder-se conseguir hoje, com os nossos recursos actuaes e em as nossas condições politicas, tudo quanto se alcançou e realisou nos tempos áureos de D. Manuel e dos seus successores.

Dizendo isto, sustento porem igualmente, que os decretos de setembro e dezembro de 1887, das sagradas congregações da propaganda fide e dos negocios ecclesiasticos extraordinarios, alargados por decreto e cartas do arcebispo de Acrida, monsenhor Ajuti, delegado apostolico na Índia a todas as dioceses desta, sendo publicados, como o foram, sem conhecimento previo do governo portuguez, offendiam gravemente, e os factos o demonstraram, os direitos garantidos pela concordata.

Esses decretos suscitaram desde logo grande resistencia em toda a India, contra elles reagiram os nossos prelados, e á frente de todos o patriarcha, que pessoalmente empenhou em Roma diligencias officiosas para os modificar, até que mais tarde o governo iniciou, como não podia deixar de ser, uma negociação, em que pedia que tornasse a vigorar a verdadeira interpretação da doutrina estabelecida pela concordata, e o respeito pelo nosso direito que este diploma nos garantia.

A negociação foi demorada, difficilima e cortada de incidentes, por vezes bem desagradaveis, deu porem em resultado o vencimento para Portugal na questão mais importante de quantas se debatiam, que era a conservação nas christandades de Bombaim daquelles goanos que venham accidentalmente residir naquella cidade.

Como é sabido o numero desses goanos é muito consideravel, sobe a muito milhares de individuos, constitue o grosso da população catholica portugueza- de Bombaim e a rasão porque esta excede tanto a que se acha sob a juris dicção do arcebispo de Bombaim

Se a doutrina estabelecida pelos decretos das congregações romanas, a pedido dos prelados inglezes de Bombaim e de outras dioceses, tivesse vingado, a jurisdicção do bispo de Damão naquella capital extinguir-se-ia em periodo cuja curta duração antecipadamente se podia calcular.

Sobre este ponto a satisfação foi completa, e conseguiu-se que o arcebispo de Craganor, bispo de Damão, pro tempove, seja investido em faculdades apostolicas extraordinarias, que lhe permittem ficar pastoreando os individuos, que, sendo de origem goana, vierem residir em Bombaim; ficando tambem convencionado que dentro de uma mesma diocese os individuos sujeitos á jurisdicção portugueza, e que vierem de territorios continuos para as missões situadas em territorios estranhos, fiquem permanecendo sob a jurisdicção portugueza.

Isto tinha especial importancia para aquelles christãos catholicos que se dirigissem de Goa a Poonah e a Belgão, ou de Madrasta a Calcuttá, por exemplo.

Finalmente definiu-se tambem em que condições se podiam crear novas igrejas e capei Ias, sempre que as necessidades do culto e o desenvolvimento da população catholica o exigissem.

Quando eu sai do ministerio todos esses pontos estavam accordados, restando apenas pendente uma questão, que versava acerca da jurisdicção disciplinar e criminal dos nossos prelados sobre os seus subditos, naquellas localidades onde elles não tinham jurisdicção territorial.

Eu desejava que essa jurisdicção fosse exclusiva e unicamente dos bispos portuguezes. A tal respeito levantou se, porem, uma duvida por parte da Santa Sc1, que ella apoiava nas prescripções do direito canonico. Não me conformando com a redacção proposta pela Santa Sé para esta clausula, e esperando ainda modirica-la, deixai por isso de ultimar a negociação antes de sair do ministerio.

Por vezes a correspondencia trocada no decurso das negociações adquiriu um tom mais vivo do que poria para desejar; mas por fim foram attendidos os principaes pedidos por parte de Portugal, nos termos constantes fias notas reversaes á concordata, de 27 de fevereiro e 3 do março ultimos, notas que foram trocadas entre o cardeal secretario d'estado e o nosso embaixador em Roma, o qual, como sempre, prestou neste assumpto serviços relevantes, demonstrando mais uma vez o seu amor e zelo pelos interesses da nação, e a sua competencia, sem rival entro nós, nos assumptos difficeis cuja defeza lhe tem estado commettida como embaixador de Sua Magestade em Roma.

As resoluções assentes nas notas reversaes foram por decreto datado de Ootaccamund em 7 de abril ultimo e firmado pelo delegado apostolico na India, mgr. Ajuti, communicadas ás aivlu-dioccses de Goa, Bombaim, Madrasta e Calcuttá, caos bispos de Damão, Poonah, Meliapor, Daccá, Cochim e Coulão, isto é, a todos os pontos onde subsistem catholicos das duas jurisdicções.

De tudo isto se póde ter informação pelos jornaes da India. Officialmente nada consta sobre o assumpto ao parlamento portuguez.

Desejava eu bem saber, porque, achando-se assim terminada esta negociação e publicados na Índia os decretos que della se derivaram o governo se não apressa a apresentar, como devia, ao parlamento a correspondencia trocada, habilitando-o assim a apreciar a forma por que foram zelados os nossos direitos, e defendidas as prerogativas historicas e os interesses da corôa de Portugal?

Mas se acerca das questões jurisdiccionaes temos esta informação, ao menos pelos jornaes da India, um outro ponto ha, relativo a execução da concordata, a respeito do qual nada sã sabe neste momento. Alludo á execução dos artigos do annexo á mesma concordata referentes á constituição definitiva da diocese de S. Thomé de Meliapor. Não é uma questão jurisdiccional, é uma questão de circumscripção ecclesiastica.

Pelo § 2.° do n.° 2.° do artigo 4.° do annexo ao artigo 3.° da concordata ficou estabelecido que ficariam fazendo parte do bispado de Meliapor as christandades com as suas igrejas e capellas actualmente sujeitas exclusivamente á jurisdicção do arcebispo de Goa, sitas no actual vicariato apostolico de Madure.

Com relação ás pequenas aldeias que houvesse sujeitas ás duas jurisdicções, os dois bispos de S. Thomé e do Madure proporiam equitativamente, para ser resolvido pela Santa Sé e o padroeiro, a qual das jurisdicções deveriam ficar pertencendo de futuro.

Sobre este adverbio exclusivamente levantou se duvida, entendendo mgr. Ajuti, delegado apostolico, que ficariam pertencendo ao bispo portuguez apenas aquellas christandades onde havia exclusivamente christãos portuguezes; o sustentando o reverendo bispo de Meliapor, D. Henrique Reed da Silva, baseado na interpretação resultante de uma

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serie de documentos das negociações que claramente a definiam, que em todas as christandades do Madure onde tinhamos jurisdicção ficariam a ella sujeitos exclusivamente os christãos que já antes da concordata a reconheciam, continuando os demais sob a jurisdicção do prelado da propaganda.

Ficariam de facto, sendo christandades mixtas, como as de Bombaim, Cochim, Poonah, Calcutá, etc.

Esta duvida assim levantada importava a perda de quasi todas as quatorze populosas christandades que conservavamos no Madure, a algumas das quaes se ligam as melhores tradições de S. Francisco Xavier e S. João de Brito.

Por outro lado a nossa resistencia formal á acceitação da interpretação dada na Índia e adoptada em Roma para esta disposição da concordata foz com que a Santa Sé se recusasse tambem a dar cumprimento ao preceituado no § 2.° do n.° 1.° do artigo 15.º da concordata que dispunha que ficariam fazendo parte do bispado de Meliapor.

"2.° No actual vicariato apostolico do Maduré:
As christandades de uma e de outra jurisdicção, comprehendendo todas as suas igrejas, capellas e quaeSquer outros estabelecimentos dependentes situados Nos districtos de Tanjore, Negapatam e Manargudi, tendo por limites a leste o golpho de Bengala, a norte os rios Vettar e Vemar; a oeste e ao sul os limites dos districtos de Tanjore, Manargudi e Negapatam; constituindo tudo assim territorios diocesanos continuos."

Ora a entrega destes três importantes districtos não se fizera, as negociações estavam muito adiantadas, direi mesmo quasi concluidas, quando eu sai do ministerio dos negocios estrangeiros, mas do que occorreu posteriormente nada se sabe, e não havendo inconveniente, estimava que o sr. ministro me dissesse alguma cousa a tal respeito.

Finalmente, uma terceira e ultima pergunta desejo dirigir ao sr. ministro sobre este assumpto.

Estabelece a concordata nos seus artigos 7.° e 8.° o seguinte:

"Com relação ás quatro dioceses de Bombaim, Mangalor, Coulão e Maduré, que serão erectas com a instituição da gerarchia nas indias, os metropolitanos com os seus suffraganeos na vagatura de qualquer das ditas sés episcopaes, assim como igualmente os suffraganeos da respectiva provincia, quando a vacatura seja da sede archi-episcopal, á sua livre escolha formarão e commuuicarão uma lista de Ires nomes ao arcebispo de Goa, que a enviará a Sua Magestade El-Rei de Portugal, o qual no praso de seis mezes deverá apresentar á Santa Sé um candidato escolhido dentre os tres da proposta. Se no praso indicado de seis mezes esta apresentação não tiver sido feita, a livre escolha será devoluta á Santa Sé."

E no artigo 1.°:

"O summo pontifice nomeará pela primeira vez os arcebispos e bispos das quatro dioceses indicadas no precedente artigo, que serão fundadas com a instituição da gerarchia ecclesiastica."

Desde ha muito que está vago o bispado do Madure, e o arcebispado de Bombaim vagou no decurso do anno passado.

Ora, é precisamente esta questão da apresentação dos bispos uma das que tem suscitado mais resistencia entre os adversarios do padroado.

Nos termos da concordata, esse direito de apresentação fica pertencendo claramente ao Rei de Portugal.

Pergunto, pois, ao sr. ministro dos negocios estrangeiros as rasões por que se não tem dado cumprimento a esta disposição da concordata? Porque continuam vagas as sés de Bombaim1 e do Madure?

Taes são os pontos, ácerca das nossas relações com a Santa Sé, que eu desejo ver esclarecidos por s. exa., o que succederá quando o nobre ministro me tenha respondido ás seguintes tres perguntas:

l.ª Qual é o estado actual das negociações relativas á circumscripção definitiva da diocese de Meliapor, e á difficuldade suscitada ácerca das christandades do Madure?

2.ª Existe ou não qualquer difficuldade com respeito á execução dos artigos 7.° e 8.° da concordata?

3.º Porque se demora a publicação dos documentos relativos a uma negociação finda?

E terminarei por chamar a attenção da camara para um facto que é por certo desconhecido de v. exa. e dos dignos pares.

El-Rei o Senhor D. Luiz, para apressar a solução favoravel de toda esta pendencia com a Santa Sé, escreveu em agosto de 1889 uma carta ao Summo Pontificie Leão XIII, respondendo Sua Santidade a essa carta já depois do fallecimento do soberano, e dirigindo por isso a sua resposta a El-Rei D. Carlos.

Essas duas cartas são documentos historicos importantes e constituem por certo uma das phases mais interessantes desta complicada e difficil negociação.

Parece-me que o teor de ambos os documentos devia de ha muito ser do dominio publico.

Eu sei perfeitamente que o sr. ministro dos negocios estrangeiros tem estado occupado em assumptos muito importantes e graves; não censuro s. exa. por esta falta de publicidade, mas apenas pergunto se haverá inconveniente, o que não creio, em apressar essa publicação, bem como a de todos os documentos que dizem respeito á parte desta negociação que póde reputar-se finda.

Resta-me agora fallar do Brazil e de um assumpto que constituo uma questão importante e grave para o nosso paiz.

Eu peço desculpa á camara de me ter alongado tanto n'estas minhas considerações; diligenciarei, porem, resumir o que me resta ainda a dizer.

Todos nós conhecemos as differentes phases por que tem passado no Brazil a questão da naturalisação.

A constituição primitiva do imperio deixara para leis especiaes o regular definitivamente o assumpto.

Para se dar direito de cidadão brazileiro a qualquer estrangeiro exigia-se a principio e nos termos dessas leis primitivas uma residencia de quatro annos e a posse de bens ou o exercicio de uma profissão, estabelecia-se igualmente que o individuo que se queria naturalisar professasse a religião catholica e não sei quantas outras exigencias mais se faziam

Era o caso de recordar o antigo proceder das republicas gregas, como a de Athenas, por exemplo, que exigia não menos de 6:000 suffragios para naturalisar cidadão um subdito estrangeiro.

Por tal forma se tornara evidente que esta velha doutrina de difficultar a naturalisação de estrangeiros não podia ter applicação ao Brazil, pois que lhe tolhia o augmentar rapidamente o numero de braços, que os seus primitivos rigores foram modificados por leis successivas até ao ponto de se exigir apenas dois annos de residencia para se ser considerado como cidadão brazileiro; e em relação aos colonos e suas familias, quer vindos espontaneamente para

0 Brazil, quer contratados pelo estado, facultava-se-lhes até imediatamente os direitos de cidadão por se destinarem a agricultar as terras. E ainda mais, os filhos dos estrangeiros nascidos no Brazil eram ira mediatamente ali naturalisados como brazileiros.

Isto deu mesmo logar a uma, viva discussão com alegação de França em 1873 por causa dos mancebos que tinham a cumprir a obrigação militar no seu paiz.

Nestas condições não parecia muito urgente facilitar ainda mais a naturalisação; no emtanto apenas proclamada a republica, um dos primeiros actos do novo governo foi decretar em 14 de dezembro do anno passado que todos os estrangeiros residentes no Brazil no dia 15 de novembro anterior, data da proclamação da republica, ficassem considerados cidadãos brazileiros, se dentro de seis mezes

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não fizessem perante as auctoridades municipaes a declaração do seu proposito de permanecerem fieis á sua nacionalidade respectiva.

Este decreto produziu, como era natural, grande impressão em todas as nações que tinham subditos seus no Brazil, e como Portugal fosse por elle especialmente affectado, eu dirigi-me aos governos de Itália, Alemanha e França para combinar uma maneira de proceder uniforme, sem intuito, claro está, de exercer uma qualquer especie de pressão, o que nunca poderia convir á nossa politica.

A Itália foi das primeiras potencias a responder-me succedeu até que as comunicações dos dois governos sobre assumpto se cruzaram no caminho.

Como esta diligencia tivesse logar no fim do anno passado e principio do actual, não cheguei a tomar conhecimento da resposta das outras potencias, e menos sei o que mais tarde se passou com o gabinete do Rio de Janeiro.

Seja como for, o que e corto é que ali se usou de successivos temperamentos ao que havia de nimiamente absoluto nas disposições do decreto primitivo da naturalisação.

Tenho presente um numero do Memorial diplomatique, o qual insere um novo decreto do governo brazileiro, publicado em 16 de maio no Liaria official da republica e datado do dia antecedente, que é evidentemente uma attenuação do primeiro, porque estabelece que as declarações podem realisar-se não só perante as municipalidades, mas ainda perante os commissariados e sub-commissariados de policia, e muito especialmente tambem, perante as auctoridades diplomaticas e consulares das respectivas nações.

Vem tambem inserido neste numero do Memorial uma circular do ministro dos negocios estrangeiros da republica o sr. Quintino Bucayuva, dirigida a todas as legações do I3razil, explicando que se não quer violentar ninguem, e aununciando que de boa vontade se teria annuido ao desejo de prolongar alem dos seis mezes o periodo das de clarações, se se não desse a circumstancia de deverem realisar-se em novembro as eleições, o não poder deixar de se saber para essa epocha quem era ou não cidadão brazileiro, isto é, quem tinha o direito de votar.

Conservara-se por isso o praso de seis mezes para as declarações perante as auctoridades municipaes e policiaes; mas quanto ao p raso em que era valida a declaração perante as auctoridades diplomaticas e consulares, nada se diz de um modo claro na circular. Apenas aqui se encontra a tal respeito o seguinte paragrapho:

"Não se prolongou o praso, mas isso em nada prejudica os estrangeiros que não queiram ser brasileiros, por isso que segundo o § unico do artigo 4.° do decreto de 15 do corrente já citado, as reclamações, que os agentes diplomaticos e consulares fizerem em favor dos seus compatriotas que tiverem declarado perante elles querer conservar a sua nacionalidade, serão acolhidas.

Parece, pois, que os direitos dos nossos nacionaes ficarão resalvados, ainda mesmo na hypothese de se verificarem as suas declarações alem dos seis mezes marcados no decreto de 14 de dezembro.

E este um dos pontos sobre que desejava ser esclarecido pelo sr. ministro dos estrangeiros.

Referindo-me ao Brazil, eu não posso tambem deixar de dizer alguma cousa ácerca do estado geral das nossas relações com aquelle grande paiz.

O meu desejo é que as relações com o novo governo que venha definitivamente a estabelecer-se sejam as roais intimas, as mais cordiaes e sinceras.

O facto de não termos reconhecido ainda o governo provisorio não significa de certo um proposito de afastamento que todas as conveniencias nos desaconselhara.

É do interesse do paiz, é do interesse da nossa numerosissima colonia que a intelligencia muito estreita e affecttuosa que ultimamente mantivemos com o governo imperial, subsista nesses mesmos termos com o governo, seja

qual for a sua forma, que venha definitivamente a estabelecer-se no Brazil.

Accentuei a situação em que ha pouco nos encontravamos no Brazil, e não posso deixar a esse respeito de fazer justiça ao nosso representante no Rio de Janeiro, o sr. Nogueira Soares.

Todas as questões que tinhamos pendentes com o Brazil receberam, durante a sua missão, a solução a mais satisfactoria.

Aquelle nosso representante encontrou ali a principio uma questão difficilima de resolver, envolvendo interesses consideraveis e até por modo indirecto a dignidade do paiz.

Refiro-ma ás percentagens exigidas indevidamente pelas auctoridades judiciaes nas heranças de subditos portuguezes, arrecadadas pelos nossos consulados.

Esta questão, que durou muito tempo, que obrigou, emquanto não esteve resolvida, a um deposito previo da importancia das percentagens exigidas, deposito que se elevou a quantia muito importante, foi a final debatida perante os tribunaes, mas a acção destes; como sempre ou quasi sempre, leve do sor acompanhada com zelo e intelligencia, sem o que as causas podiam eternisar-se ou ter um resultado menos conforme com a justiça. Neste caso os tribunaes julgaram, e julgaram a favor do governo portuguez e da justiça incontestavel que lhe assistia, apesar da pressão violenta dos interesses adversos, representados no seio dos proprios tribunaes. Hoje já não são exigidas como o eram anteriormente as percentagens sobre as heranças arrecada-las pelos nossos consulados.

As questões relativas ao nosso commercio de vinhos com o Brazil e á protecção das marcas industriaes foram estudadas pelo sr. Nogueira Soares com a maxima intelligencia e desvelo, e os relatorios e correspondencia daquelle funccionario já publicados pelo ministerio dos estrangeiros são documentos cuja leitura se recommenda a todos que commerceiam com o imperio e abonam por si só o superior criterio e o bom serviço de quem os escreveu.

Na ausencia de uma convenção consular denunciada ha muito, como o foram posteriormente todas as que o imperio celebrara com outras potencias, conseguiu ainda assim o sr. Nogueira Soares que no acto, privativo do governo do Brazil, decreto imperial, que regulou a situação e modo de exercicio da jurisdicção consular estrangeira no imperio, fossem introduzidas as clausulas essenciaes e favoraveis do decreto correspondente de 1851, e a par dellas alterações tendentes a melhor garantir a acção e fazer respeitar as prerogativas das auctoridades consulares.

A larga correspondencia trocada a tal respeito com o ministerio imperial das relações exteriores, e o accordo a que nella só chegou, accentuam por seu lado a acção da nossa legação no modo final por que foi resolvido este assumpto delicado e importante.

Mas ainda ha mais.

Todos sabem quanto era desejada pelos nossos homens de letras, e pelas corporações scientificas em Portugal a celebração de um convénio litterario com o Brazil.

Pois tivemos a fortuna de ver firmado esse convénio, isto devido era grande parte ás diligencias incessantes daquelle activo e diligente funccionario.

Quando se deu a mudança de forma de governo, estavam tambem assentes os principios fundamentaes de um tratado de commercio sobre a base de favores privativos para regular o nosso trafico com o Brazil. Tinha-se chegado mesmo a enviar para o Rio os plenos poderes, ainda firmados por El-Rei D. Luiz, para que esse tratado fosse assignado, facto que não se chegou a realisar per causa da inesperada mudança de regimen.

Citando todos estas particularidades, tenho apenas por fim o manifestar quanto desejo que se mantenham no mesmo pé ab nossas relações com o Brazil.

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Faço justiça aos homens que estão á frente do governo d'aquelle paiz; elles são de certo os primeiros a comprehender os motivos de delicadeza e sentimento que nos, tolheram até hoje o estabelecer relações officiaes com a republica. O velho soberano, cuja esposa veia exhalar o ultimo suspiro em terra portugueza, e juntar os seus despojos aos dos Reis portuguezes, era filho de D. Pedro IV. A dynastia representava para nós mas um laço que nos prendia ao Brazil. Não o podiamos nós ver romper sem uma magna profunda, e este era um sentimento tão natural, que nunca poderá ser-nos censurado.

Não nos cumpre, porem, apreciar, mas sim respeitar, as rasões que possam ter determinado o procedimento do povo brazileiro, e o governo portuguez de certo será dos primeiros a reconhecer o seu novo modo de ser governativo, e nesse caso eu só poiso fazer votos para que a cordialidade das relações officiosas, existente desde a mudança de regimen, seja sanccionada pelo facto externo do reconhecimento official, e produza os mesmos fructos para bem dos dois povos, que estava produzindo em tempos de D. Pedro II.

Dito isto, sr. presidente, eu vou dirigir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros as seguintes perguntas:

1.ª Qual tem sido o procedimento do governo até hoje e que meios se propõe adoptar, para resolver quanto possivel a nacionalidade portugueza dos nossos compatriotas residentes no Brazil?

2.ª O praso para a naturalização tacita expirou ou não em 15 de junho ultimo?

3.ª Que informações officiaes tem o governo ácerca da execução do decreto de l5 de dezembro, no que diz respeito á colonia portugueza e ácerca da proporção maior ou menor das declarações realisadas pelos nossos compatriotas no sentido de resalvarem a sua nacionalidade?

Finalmente, sr. presidente, dispondo o artigo 22.° do nosso codigo civil o seguinte:

Perde a qualidade de cidadão portuguez:

"l.° O que se naturalizo cem paiz estrangeiro; póde porém, recuperar essa qualidade, regressando ao reino com animo de domiciliar-se nelle, e declarando-o assim perante a municipalidade do logar que eleger para seu domicilio."

Pergunto se o governo julga ou não esta disposição applicavel tambem aquelles dos nossos concidadãos que não tenham agora manifestado no Brazil as suas intenções relativamente á sua nacionalidade; porque a annuencia tacita parece que não se coaduna com o que dispõe o nosso código civil, que não podia prever esta hypothese nova.

Pretendo, portanto, saber se o sr. ministro entende que em vista d'esta resolução do governo do Brazil, é necessario modificar ou ampliar o nosso codigo civil.

E com esta pergunta termino, sr. presidente a minha exposição, de cuja indispensavel largueza peço desculpa á camara, agradecendo-lhe tambem a benevolencia e attenção com que se dignou escuta-la.

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DOCUMENTOS A QUE SE FAZ REFERENCIA NO DISCURSO PRECEDENTE

I

Cadastro dos prazos da Zambezia em 1856, segundo Francisco Maria Bordalo

Districto de Quelimane

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Jurisdicção de Sena

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II

Cadastro da prasos da Zambezia em 1886 segundo o relatorio do sr. Oliveira Martins

Prazos da corôa do districto de Manica

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III

Extractos dos numeros do "Commercio de Portugal"
de 19, 20 e 21 de dezembro de 1889

1.ª

"Lisboa, 18 de dezembro de 1889.- Meu prezado amigo.- Occupar-nos-hemos agora da região do Zumbo. Affirmou a imprensa ingleza, na celeuma desesperada que contra nós se tem dignado erguer, que nesta vastissima area territoral apenas, até hoje, havemos exercido dominio na villa fundada em 1710 por Francisco Rodrigues, em seguida á sua retirada de Dambara invadida pelo regulo Changamira. Affirmou isto, o nós vamos provar-lhe, com documentos officiaes, que mais uma vez faltou á verdade.

"Não nos referiremos aos avassalamentos feitos por Paiva de Andrada e por Cordon nestes ultimos tempos; traremos á luz varios termos de submissão de régulos daquella zona, que toda a gente poderá encontrar publicados nos boletins officiaes de Moçambique relativos aos annos de 1863, 1865, 1884, 1885, 1886 e 1887, etc.

Não são pecas de combate forjadas no momento; são testemunho mais ou menos antigo e indestructivel da deslealdade com que sempre nos accusam e das falsas affirmativas que a nosso respeito fazem.

"Que a Inglaterra diga ainda, depois de os ter lido, que a nossa influencia e dominio no novo districto que creamos não tem passado para fora da antiga villa do Zumbo!

"Diga-o, e mostre sem rebuço a má fé com que está comnosco discutindo e tratando; diga-o, mas convença-se de que todas as potencias nos farão justiça e julgarão como devem o seu incorrecto procedimento.

"A falta de espaço e a natureza desta carta não nos deixa transcrever para aqui todos os autos de vassalagem que conhecemos; mas aquelles que ao acaso vão ser transcriptos bastam para certificar que são bem nossas as terras de Chiperera no Dando, Chingonomo no sertão da Senza, Luanga, Chanaso, Chiringa, Huviga, Cafonho, Chouambo, Moringunge e varias outras.

"O primeiro termo que se vão ler é o da reocupação da antiga feira do Zumbo, realisada a 25 de marco de 1862.

"Este documento alem da sua importancia historica, tem o valor de demonstrar que, por essa occasião, se declarou publica e oficialmente que Portugal alem de reoccupar aquella feira, reoccupava todas as terras que naquella região lhe pertenciam.

"Por um officio que precede o mesmo documento tambem se vê que foram os régulos do paiz que nos pediram a ida para ali das auctoridades do governo.

"Conhecemos que esta carta vae pouco amena, mas é que nós resolvemos substituir a rhetorica por documentos.

1862

"Copia. - Capitania mór do Zumbo.- N.° 2.- Illmo. e exmo. sr. - É do meu dever levar ao alto conhecimento de v. exa., para o fazer constar onde convier, que tendo chegado a esta villa no dia 4 do corrente, passei immediatamente a avisar os régulos de Bruma, Majombue e Mutunda, nossos vizinhos e alliados, dizendo-lhes: "que em nome de Sua Magestade El-Rei o Sr. D. Pedro V, nosso augusto monarcha, por ordem de v. exa., e a pedido dos mesmos régulos, eu vinha reoccupar a antiga feira do Zumbo, na qualidade de capitão mór interino da referida feira; mas só no dia 25 do actual mez é que pude tomar a competente posse, em consequencia da demora que teve o dito regulo em apresentar-se, já pela grande distancia em que se acha deste estabelecimento e já para entregar-se ás cerimonias que, segundo as crenças, objecto de que é escravo, deviam preceder á sua vinda,

"O acto correu o melhor possivel entre jubilosas acclamações e enthusiasticas festas, na esperança de um futuro lisongeiro para o estabelecimento. Oxalá que eu possa concorrer para a sua prosperidade.

"Não compareceram a este acto os régulos Majombue e Matunda porque, pelo que me mandaram dizer, não estava isso em pratica desde os primitivos tempos, quando a causa primordial deste passo é a persuação em que vivem de não poderem os régulos achar-se face a face uns com os outros, porque morrem instantaneamente.

"Mandei afinal lavrar o termo de reoccupação, assignado por todas as pessoas presentes, e junto dou a v. exa. o original a fim de ser archivado na secretaria desse governo e impresso no Boletim official do governo, para perpetua memoria.

"Deus guarde a v. exa. Quartel da capitania mór do Zumbo, 26 de março de 1862. - Illmo. e exmo. sr. Antonio Tavares de Almeida, dignissimo governador de Tete e Zambeze. - Albino Manuel Pacheco, capitão mór do Zumbo.

"Está conforme. Secretaria do governo do districto de Tete, 2 de maio de 1862. = José Leocadio Botelho Torrezão, tenente de caçadores 2."

Termo de reoccupação da antiga feira do Zumbo e de todas as terras a que no mesmo logar tem direito a corôa portugueza, em nome de Sua Magestade EI-Rei de Portugal.

"Aos 25 dias do mez de março do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1862, achando-se reunidos no local da antiga feira do Zumbo, o capitão mór interino da mesma, Albino Manuel Pacheco, e 20 praças do batalhão de caçadores de Moçambique n.° 2, que formam o destacamento da dita feira, e presentes tambem a este acto o regulo Bruma e os grandes do seu Zumbaué, o capitão mór de Quelimane, Hypolito José de Mello e os moradores de Tete, José Agostinho Xavier, Luiz Francisco de Brito Collaço, Gabriel do Rosario Andrade e os desta mesma feira, Manuel do Rosario Andrade e João de Abreu, todos juntos no baluarte de S. José da referida feira, içada ao amanhecer a bandeira nacional com tres descargas de fuzilaria, com a tropa formada e dados os vivas a Sua Magestade El-Rei de Portugal o senhor D. Pedro V, a toda a familia real portugueza, á ventura de Portugal e dos seus dominios, á prosperidade do Zumbo, a s. exa. o governador geral da provincia e ao sr. governador de Tete: declarou o referido capitão mór que, em nome de Sua Magestade El-Rei o senhor D. Pedro V e por ordem do sr. governador de Tete, reoccupava hoje a antiga feira do Zumbo, e todas as terras a que no mesmo logar tem direito a corôa portugueza, abandonadas desde 1836, e que de hoje para o futuro fica de novamente constituido este estabelecimento, onde se poderão empregar livremente todos os subditos portuguezes no commercio, na agricultura, na industria e em todas as artes pacificas, promettendo-lhes o referido capitão mór, em nome de Sua Magestade e do sr. governador de Tete, toda a protecção e garantia, bem como aos régulos nossos visinhos emquanto amigos e alliados.

"E para tudo constar competentemente, mandou o dito capitão mór lavrar o presente termo, que todos assignaram, depois de lhes ter sido lido por mira, Achiles Antonio Gonçalves de Macedo, primeiro sargento e commandante do dito destacamento, que o escrevi e assignei.

"Feira do Zumbo, 25 de março de 1862.- Achilles Antonio Gonçalves de Macedo, primeiro sargento commandante - Albino Manuel Pacheco, capitão mór de Quelimane - José Agostinho Xavier - Luiz Francisco de Brito Colaço - Signal da cruz do regulo Bruma - Signal de Gabriel Rosario de Andrade - Signal de Manuel do Rosario de Andrade- Signal de João de Abreu.

"Está conforme. Secretaria do governo do districto de Tete, 2 maio de 1862.= José Leocadio Botelho Torrezão, tenente de caçadores n.° 2.

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1863

"Termo de reoccupação do territorio da Chiperera, no Dando, cedido aos antigos moradores da villa do Zumbo e que de hoje para diante fica fazendo parte dos dominios portuguezes pertencentes á corôa de Portugal.

"Aos 14 dias do mez de maio do anno de 1863, no quartel do capitão mór interino do Zumbo, Albino Manuel Pacheco, onde se achavam presentes os enviados do principe Mamou, Donde e Inhamaféca, Bumbe, Mamechica, e reunidos a convite do dito capitão mór os moradores deste mesmo logar Manuel do Rosario Andrade, José do Rosario, Ignacio Candido de Loyola Diniz, João de Abreu, o capitão mór de Quelimane Hypolito José de Mello e os moradores do Tete José Anselmo Sant'Anna, José Agostinho Xavier, Gabriel do Rosario, comigo, Achilles Antonio Gonçalves de Macedo, alferes com mandante do Zumbo, foi declarado pelos referidos enviados, perante todas as pessoas presentes, que tendo o seu "mambo" recebido um aviso do mesmo capitão mór, de cuja transmissão se encarregou o dito José Anselmo Sant'Anna, a fim de fazer entrega á corôa de Portugal, por lhe pertencer por cessão antiga o illudido territorio, que confina pelo O. com o riacho Hare; pelo E. com o riacho Ronga; pelo N. com o Zambeze; pelo ti. com o territorio do mesmo principe e abrange quasi 1 milha do extensão e 1 1/2 na maior largura; de muito boa vontade solemnemente e com todas as formalidades legaes vinha hoje fazer entrega, por intermedio dos ditos seus enviados nas mãos do mesmo capitão mór do supra dito territorio, esperando que o referido capitão mor lhe continuaria a conceder a prestação de vestuario annual que lhe davam as antigas auctoridades do Zumbo.

"E de como assim se convencionou mandou o dito capitão mor lavrar o presente termo, em que todos se assignaram para constar perpetuamente.- E eu, Achilles Antonio Gonçalves de Macedo, alferes commandante do destacamento do Zumbo, o fiz e assignei.- Albino Manuel Pacheco, capitão mór - Signal de cruz de Manuel do Rosario Andrade.- Signal de cruz de José do Rosario - Signal de cruz de Gabriel do Rosario - Signal de cruz de João de Abreu - Ignacio Candido Loyola Diniz - Hypolito José de Mello, capitão mór do Quelimane - José Anselmo de Sant'Anna - José Agostinho Xavier - Signal de cruz de Marmechica.

"Está conforme. - Secretariado governo do districto de Tete, 16 de junho de 1863. = Joaquim Sergio Telles de Avelar, alferes ás ordens, encarregado do expediente."

"Mas ha mais e melhor para destruir completamente toda a argumentação ingleza contra nós São novos documentas, com todo caracter official. Reservo-os para nova carta, que amanha, enviarei, contando sempre com a sua benevolencia. Sempre seu = José de Almeida.

2.ª

"Lisboa, 19 de dezembro de 1839. - Meu prezado amigo.- Continuo a reproduzir os termos de vassallagem realisados nos territorios, hoje comprehendidos no districto do Zumbo. Por elles verão os leitores elo seu illustrado jornal perfeitamente comprovado o que disse o sustentei nas minhas anteriores cartas.

1865

"Termo de offerecimento e cessão feita pelo regulo Senga Chirina ao governo portuguez dos terrenos de que era senhor, denominados Clingonono, no sertão Senga e limitrophes com as terras da corôa portugueza no Zumbo. "Aos 5 dias do mez de outubro de 1865, nesta villa de Tete e na casa da residencia do sr. governador do districto, achando-se presentes o mesmo sr. governador e os individuos abaixo assignados, apresentou-se ahi o regulo Senga, Chirina, senhor das terras denominadas Chingonono, limitrophes dos prazos da corôa portugueza no Zumbo e disse: Que o regulo Metunda, seu vizinho, lhe tinha assassinado traiçoeiramente e sem causa alguma dois irmãos seus, e roubado algumas pessoas de sua familia e que receiava ser elle proprio assassinado, porque o mesmo Metunda tinha maior torça que a sua e desejava apoderar-se das suas terras e por isso que vinha queixar-se d'isto ao sr. governador do districto e pôr-se debaixo da protecção da bandeira portugueza, pedindo que as suas terras sejam incorporadas nos prazos da corôa no Zumbo; e que depois disto seja "brigado o referido regulo Metunda a fazer-lhe entrega das pessoas de sua familia.

"Disse mais o mesmo Chirina que, sendo-lhe acceito este offerecimento, elle desejava ficar nas mesmas terras como chuanga (administrador) e se sujeitaria neste caso a todas as condições que o sr. governador lhe impozesse. a O sr. governador do districto, sabendo que na desordem com o referido regulo Metunda e o queixoso a justiça está da parte deste, porque a esse respeito tem informações officiaes do capitão mór do Zumbo, desejando reprimir a barbaridade do Metunda e defender o Chirina, visto que veiu procurar a protecção da bandeira nacional, e tendo em vista que os terrenos offerecidos limitam com aquelles de que nos achamos de posse no Zumbo, acceitou, em nome de s. ex a o sr. governador geral da provincia, o offerecimento do regulo Chirina com as condições seguintes:

"1.° Os terrenos denominados Chingonono no sertão Senga, passam desde hoje para todos os effeitos a fazer parte dos prazos da corôa portugueza no Zumbo, por offerecimento e cessão voluntaria do seu proprietario, o regulo Chirina.

"2.° O mesmo Chirina ficará nelles residindo na qualidade de chuanga (administrador).

"3.° Todos os rendimentos provenientes da agricultura feita pelo mesmo Chirina, seus parentes e mais habitantes da terra Chingonono lhe ficam livres, devendo delles pagar annualmente ao estado, a titulo de dizimos, trinta panjas de mantimentos.

"4.° Da caça de elephantes que se fizer nos mesmos terrenos a ponta de marfim chamada de baixo, isto é, que pertence ao senhorio da terra, pertencerá por effeito desta cessão, desde o dia em que o capitão mór d'aquelle ponto tomar posse, á fazenda publica.

"5.° O Chirina fica obrigado a fazer entrega do mesmo marfim ao capitão mór do Zumbo, e receberá nesta occasião uma quantidade de jardas de algodão para seu vestuario, em proporção da importancia do marfim arrecadado.

"6.° O governador de Tete promette, em nome de s. exa. o sr. governador geral, obrigar o regulo Metunda á entrega das pessoas da familia roubadas ao Chirina e a defende-lo para o futuro, como subdito portuguez que é, e a todos os habitantes do terreno Chingonono, para o que dará com brevidade as precisas ordens ao capitão mór do Zumbo.

"Sendo estas condições acceitas pelo regulo Chirina, declarou que faz entrega ao governo portuguez dos terrenos denominados Chingonono, no sertão Senga, dos quaes era proprietario, cedendo desde hoje para sempre, ao mesmo governo, todos os seus direitos ao dominio e posse dos mesmos terrenos.

"E para constar mandou o mesmo sr. governador lavrar este termo, que elle, o regulo Chirina e individuos presentes assignaram commigo José Leocadio Botelho Torrezão, tenente do segundo batalhão de caçadores - Miguel Augusto de Gouveia, governador interino do districto do Tete - Signal da cruz do regulo Chirina - Clementino de Sousa - Joaquim Romão de Miranda, capitão mór interino do districto - Valentim Fernandes, bub-delegado - José Maria Gomes Ferraz, juiz ordinario.

"Está conforme. Quartel do governo de Tete, 15 de ou-

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tubro de 1865. = Miguel Augusto de Gouveia, capitão, governador interino de Tete."

1884

"Termo da terra Huviza. -Tem de extensão 80 kilometros no seu maior comprimento e 60 na sua largura approximadamente, e tem os seguintes limites pelo N.º com a terra do regulo Mazembe; nascente com a terra do regulo Cachembere; S. com a terra Cafanga na serra Matucute e poente com a terra do regulo Marunja; consta de terra para semeadura propria do paiz, bem como de minas de ferro que existem em abundancia.

"Cachomba, 24 de abril de 1884.

"Está conforme. Secretaria do governo em Tete, 1 de maio de 1884. No impedimento do secretario. - Bruno Anselmo Sant'Anna, segundo sargento.

"Visto e conferido. = Braga."

"Termo da terra de Cafongo. - Tem de extensão 100 kilometros no seu maior comprimento e 80 na sua maior largura approximadamente, e tem os seguintes limites: pelo N. com a terra Unvisa na serra Matucuta; nascente com a terra do regulo Nhaburu na terra Chigoma; S. com a terra da corôa Pangura na serra Aléza, e poente com o riacho Muranzi; consta de terra propria para semeadura do pai x.

"Cachomba, 24 de abril de 1884. - José de Araujo Lobo, capitão-mor do Zumbo.

"Está conforme. Secretaria do governo de Tete, 1 de maio de 1884.= No impedimento do secretario, Bruno Anselmo de Sant'Anna.

"Visto e conferido. = Braga, major."

"Provincia de Moçambique - Districto de Tete - Commando militar do Zumbo - Termo de vassalagem.- Aos 7 dias do mez de abril de 1884. nesta villa do Zumbo e na secretaria do commando militar, por onze horas do dia, estando presentes o sr. José Luiz, alferes commandante militar, capitão mór José Miguel Lobo, Luiz Lourenço Lobo, os habitantes da villa e commigo Alfredo de Aguiar, escrivão nomeado ad-hoc que este termo escrevo; compareceu o preto de nome Nhamusama, por commissão do seu irmão o regulo Marima, acompanhado de dois grandes ou fumos da sua côrte de nomes Cauaugi e Cacherêra, e declarou que do muito espontanea vontade do regulo Marima, seu irmão, vinha entregar o seu territorio denominado Chouambo ao governo de Sua Magestade debaixo de cuja bandeira desejavam viver como subditos obedientes e tributarios á fazenda publica.- Pelo que prestou juramento de fidelidade perante o sr. José Luiz, alferes, commandante militar, segundo a sua forma de superstição, da maneira seguinte: Eu Nhamusama, por mandado do meu irmão o regulo Marima, juro pela nossa fé e por todos os nossos parentes fallecidos que desde hoje ficámos sendo vassallos e obedientes ao governo de Sua Magestade, ás leis vigentes e todas as auctoridades constituidas da nação portugueza, e como vassallos promettemos pagar a finta ou tributo á fazenda publica assim o jurámos."

"O territorio Choluambo está situado na margem esquerda do rio Zambeze e estende-se a 40 kilometros para o interior desta villa para baixo 90 kilometros de circumferencia na sua maior extensão. Limita pelo ONO. e NO. com o rio Mucangázi ou prazo do governo Musingue, pelo N.º a NNE. com o sertão da Senga; pelo ENE. .e ESE. com o territorio do regulo Musseca, ao SE., o SSE. e S. com o prazo do governo Musingue. E de tudo isto se lavrou o presente termo de vassalagem que vae assignado pelo sr. José Luiz, alferes commandante militar, os representantes do regulo Marima, habitantes da villa, presentes a este acto e por mira, Alfredo Augusto de Aguiar, escrivão ad-hoc, o escrevi.- José Luiz, alferes, commandante militar - A rogo dos pretos Nhamuzuma, Cahuanzi, Cacherica, representantes do regulo Marimba, Alfredo de Aguiar.- A rogo de José Miguel Lobo - Antonio Caetano de Sousa - Luiz Lourenço Lobo - Manuel Manteigas - Adriano Philomeno de Miranda - José André Gourinho.- O escrivão ad-hoc, Alfredo Augusto de Aguiar.

"Está conforme. Secretaria do governo do districto de Tete, 31 de maio de 1884. = No impedimento do secretario, Bruno Anselmo de Sant'Anna, segundo sargento amanuense.

"Visto e conferido. = Vieira Braga, governador.

"Para outra carta reservo, te v. o permittir, a publicação de mais alguns documentos que, creio bem, darão por convencida a imprensa britannica de que quem tem rasão neste pleito somos nós. Sempre seu. = José de Almeida.

3.ª

"Lisboa, 20 de dezembro de 1889.-Meu prezado amigo.- Desculpe se abuso, talvez, da sua bondade e da paciencia dos seus leitores, prolongando a citação dos documentos que comprovam a precedencia do dominio e auctoridade portugueza na região do Zumbo, mas creia que esta é a mais irrefutavel das respostas que podemos dar ás asserções da imprensa britannica, tão ferteis em affirmações vagas e tão pobres em documentos serios. Tambem vou já no fim deste meu trabalho. Pouco mais terei a dizer.

1885

"Commando militar do Zumbo.- Termo de vassalagem.- Aos 26 dias do mez de março de 1885, nesta villa do Zumbo e na secretaria do commando militar, pelas dez horas da manha, estando presente o sr. João Antonio Vaz, tenente da guarnição desta provincia e commandante militar do destacamento e alguns habitantes desta villa abaixo assignados e eu José Anselmo de Sant'Anna, segundo sargento do batalhão de caçadores n.° 5, nomeado escrivão ad-hoc que escrevo, compareceu o regulo Membe acompanhado do cidadão Ignacio Anselmo de Sant'Anna e dois grandes, de nome Muavi e Inhamembe, a chamamento do referido commandante, por a este lhe constar que o mesmo regulo Membe desejava fazer entrega das suas terras ao governo de Sua Magestade.

"E sendo perguntado ao mesmo regulo pelo referido sr. tenente João Antonio Vaz, commandante militar, se era verdade o que constava e se desejava fazer entrega do seu territorio denominado Luango ao governo de Sua Magestade, respondeu que, tendo elle e seus antepassados sido sempre donos e senhores do territorio denominado Luango, de hoje para o futuro desejava fazer entrega ao governo de Sua Magestade do referido territorio, e que de hoje em diante, como vassallo do Rei portuguez, será sempre fiel subdito e respeitador das leis vigentes da monarchia portugueza e tributario á fazenda publica.

"E novamente perguntado pelo commandante militar o sr. tenente João Antonio Vaz, se de boa vontade prestava o juramento de fidelidade sobre a sua declaração, respondeu que sim, polo que prestou o juramento perante o sr. tenente João Antonio Vaz, segundo o seu costume supersticioso, da forma seguinte: Eu, regulo Membe, juro pela minha fé e por todos os meus parentes já fallecidos, que nesta data faço entregando territorio denominado Luango ao governo de Sua Magestade, que sou e serei de hoje para o futuro obediente ás leis da constituição politica da nação portugueza e ás auctoridades em geral; assim o juro.

"O territorio Luango é situado na margem esquerda do rio Zambeze e acima desta villa 60 kilometros e á extensão de 5 kilometros no seu comprimento e outros 5 de largura; limita pelo N. com o rio Ruagua e pelo S. com as terras do regulo Bruna não avassallado.

"E de tudo se lavrou este termo de vassalagem, que vae ser assignado pelo sr. tenente João Antonio Vaz, regulo Membe e mais individuos presentes a este acto e por mim, José Anselmo de Sant'Anna; que na qualidade de escrivão

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Ad-hoc o escrevi e assignei. - João Antonio Vaz, commandante militar - A rogo do regulo Membe, Ignacio Anselmo de Sant'Anna - José André Godinho - Manuel Manteigas - Antonio Caetano de Sousa-Ignacio Anselmo de Sant'Anna - José Anselmo de Sant'Anna, escrivão ad-hoc.

"Está conforme. Secretaria do cominando militar do Zumbo, 26 de abril de 1885.= O commandante militar, João Antonio Vaz, tenente."

"Está conforme. Secretaria do governo de Tete, 1 de junho de 1&85. = O secretario interino, Antonio da Camara Glindo, tenente.

"Visto.- Vieira Braga, governador."

"Commando militar do Zumbo. Termo de vassalagem.- Aos 9 dias do mez de marco do anno de 1880, nesta villa de Zumbo e na secretaria cio commando militar, pelas onze horas do dia, estando presentes os srs. João Antonio Vaz, tenente, commandante militar, capitães mores da villa, abaixo assignados, e comungo, José Anselmo de Sant'Anna, escrivão ad-hoc que este termo escrevo, compareceu o preto de nome Muerno, acompanhado de dois grandes, Muadenga e Canhama, a chamamento do mesmo sr. commandante militar, a tini de tomar conta do territorio de nome Chanaso, ultimente conquistado pelo capitão mór desta villa o sr. José de Araujo Lobo, para que em substituição do seu sobrinho de nome Murumguja, que foi batido em 13 de janeiro findo do corrente anno, entrar butaca e tomar conta das referidas terras. E sendo perguntado pelo sr. tenente João Antonio Vaz, commandante militar, ao referido Muerno se de boa vontade prestava juramento de fidelidade sobre a sua declaração. Respondeu que sim, pelo que prestou juramento perante o mesmo sr. commandante militar e as pessoas abaixo assignadas segundo o seu costume supresticioso, da forma seguinte:

Eu regulo Muerno, juro pela minha fé e por todos os meus parentes já fallecidos que tomo conta do territorio chamado Chonaso, que sou e serei sempre obediente ás leis da constituição politica da nação portugueza e ás auctoridades em geral constituidas, e como vassallo prometto pagar a finta ou tributo á fazenda publica e facilitar o commercio que vier ao meu territorio; assim, o juro.

"O territorio Chanaso está situado na margem esquerda do rio Zambeze e estende-se approximadamente 60 kilometros para o interior desta dita villa para o referido praso 60 kilometros, e mede 120 kilometros de circumferencia na sua extensão, limita pelo N.º com as terras de Senga, pelo NO. com o rio Ruagua, pelo N. com as terras de Vinga e pelo S. com as terras de Mazombue.

"E de tudo se lavrou o presente termo de vassallagem, que vae assignado pelo sr. João Antonio Vaz, commandante militar, o regulo Muerno, habitantes da villa presentes a este acto e por mim, José Antonio de Sant'Anna, escrivão ad-hoc, que o escrevi. - João Antonio Vaz, tenente commandante militar - A rogo do regulo Muerno, Antonio Francisco Lubelino - José de Araujo Lobo, capitão mór, a rogo do capitão José do Rosario de Andrade - Manuel Manteigas - Antonio Caetano de Sousa e José Anselmo de Sant'Anna, escrivão ad-hoc.

"Está conforme. Secretaria do commando militar do Zumbo, 9 de março de 1885.

"Está conforme. Secretaria do governo do districto de Tete, 1 de julho de 1885. = O secretario, Antonio da Camara Cylindo, tenente.

"Visto = Vieira Braga, governador.

1886

Copia - Commando militar do Zumbo - Dezembro de 1886. - Relatorio. -

"Occorrencias extraordinarias.- No dia 16 foram entregues ao governo as terras do prazo Chiringa e arrendadas por 30$200 réis annuaes.

"Secretaria do commando militar do Zumbo, 31 de dezembro de 1886.== O commandante militar, Alberto Carlos, tenente."

1887

"Districto de Tete - Departamento do Zumbo.- Termo da entrega das terras denominadas Moringunge.- Aos 8 dias do mez de abril do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1887, nesta villa do Zumbo e na secretaria do commando militar, compareceu Antonio Francisco Lubrino, ajudante das terras, acompanhado do preto de nome Vembe, que foi devidamente reconhecido por legitimo irmão do Mambo Chiarula.

Declarou o dito preto que seu I recuo o encarregara de vir entregar ao governo de Sua Magestade as terras que possuo denominadas Moringuge na margem esquerda do riacho do mesmo nome e pedir auxilio e protecção ao governo.

"Acceite o offerecimento prometteu o citado Vemba, em nome de seu irmão Chiarela, prestar inteira obediencia ás auctoridades e leis portuguesas de quem fica desde hoje vassallo obediente.

As citadas terras limitara pelo norte com as terras do regulo Mecupo, pelo sul com as terras do regulo Cuica-Cuica; pelo nascente com o arvoredo ongue e pelo poente com as terras do regulo Nachane.

Que distam desta villa 240 kilometros approximadamente e têem de extensão 40 kilometros, pouco mais ou menos.

"Fez-se sciente ao alludido Vemba das obrigações que têem os colonos das terras da coroa; prometteu de tudo fazer sciente a seu irmão.

"Procedeu-se ao respectivo juramento de fidelidade ao governo portuguez, o qual foi feito pela forma seguinte: Eu, Vemba, irmão legitimo e representante do mambo Chiarula, juro, em seu nome, prestar ao governo inteira obediencia e cumprir com os deveres de fiel subdito portuguez; ter desimpedidos os caminhos nas terras que constituem o prazo Moringuge e auxiliar o commercio na parte que for possivel ás minhas forças.

E não tendo mais do que tratar lavrei este termo, eu, Alberto Carlos, tenente ajudante de caçadores 5, commandante militar do Zumbo, por não haver quem podesse ser nomeado escrivão, o qual assigno conjunctamente com os habitantes da villa presentes, convidados a assistirem a este acto. = Carlos Alberto, tenente ajudante de caçadores 5, comandante militar do Zumbo = Signal de José do Rosario Andrade - Antonio Francisco Lubrino = João de Mendonça Lopes = Antonio Pedro = Assignatura de Chemessidi - Signal de Vembo = Signal de Messonda - Signal de Carimazengo."

"Ahi ficam os documentos todos que pude colleccionar na defesa do direito portuguez. Se v. m'o permittir, numa outra carta farei algumas considerações geraes sobre a situação de Portugal em África, refutando ainda algumas das mais impressionadoras accusações inglezas. Continue a acreditar-me seu = José de Almeida."

O sr. Presidente: - Consta na mesa achar-se nos corredores o sr. Rebello da Silva, para dar ingresso nesta camara como par do reino. Convido os dignos pares o sr. Vaz Preto e o sr. Coelho de Carvalho para conduzirem s. exa.

O sr. Rebello da Silva deu entrada na sala, prestou juramento e tomou assento.

O br. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Ia responder ao digno par nos quatro assumptos que elle tinha tratado: caminho de ferro de Lourenço Marques, negociações com a praça de Paris para o emprestimo portugues e manejos dos portadores de titulos de D. Miguel, execução da concordata com a Santa Sé, e naturalisação brazileira.

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Como ministro, a sua posição era de defeza, e por isso não discutia os actos do digno par quando tambem fora ministro, limitando-se a responder ás perguntas que lhe dirigira.

De passagem observava que teria sido muito difficil ao digno par, como ministro que foi da pasta dos estrangeiros, pôr o caminho de ferro de Lourenço Marques em praça dentro dos seis mezes contados do decreto de rescisão, publicado no tempo do governo progressista; porque s. exa. devia lembrar-se de que era condição essencial desse decreto que o caminho de ferro seria posto em praça nos termos da primitiva concessão, mas esses termos achavam se alterados, desde que o governo fizera o accordo ácerca das tarifas vigentes.

Era, pois, impossivel cumprir o decreto nos precisos termos em que elle fora feito em face deste accordo.

O digno par perguntara-lhe se havia acceitado a arbitragem do governo suisso, se esta arbitragem era uma questão posta entre o governo portuguez e a companhia Delagoa Bay, e qual a rasão por que não se tinha adoptado o terreno solido em que o governo transacto a collocara.

O orador ia narrar muito succintamente o que se passara.

Aparte o decreto de rescisão, entendia que o governo transacto tinha collocado a questão no terreno de direito; nisso fazia justiça ás considerações com que o digno par procurara justificar a rejeição da arbitragem entre o governo e a companhia.

Era tambem sua opinião que não devia reconhecer senão a companhia que resultou da concessão, e que, tendo recaido esta nas mãos de uma companhia portugueza, era ella quem tinha o direito de reclamar uma arbitragem.

Desde o momento em que havia um contrato em que se estipulava que a companhia tinha de ser portugueza, tinha ella de sujeitar-se em bom direito ao veredictum dos tribunaes portuguezes.

O que aconteceu depois? Aconteceu que esta posição, em que o governo portuguez se collocou, não foi acceita pelos governos inglez e americano porque prejudicava os interesses dos respectivos subditos.

Reconhecendo-se, pois, a impossibilidade de um accordo directo entre o governo portuguez e os interessados, tornava-se necessario recorrer a uma arbitragem internacional.

Segundo informações que o orador tinha, a avaliação do caminho de ferro, collocada a questão no terreno de uma indemnisação, era extraordinariamente inferior ás reclamações dos interessados inglezes e americanos, as quites importavam em milhares de contos.

O sr. Costa Lobo: - Mas quantos contos? V. exa. recorda-se?

O Orador: - Respondeu que pediam cerca de onze mil e tantos contos, o dobro do seu valor.

Nisto estava a sua justificação.

Sobre que bases havia de fazer o accordo?

Suppondo que cortava a questão ao meio, e dava não 11.000:000$000 réis, mas 5.000:000$000, 4.000:000$000, 3.000:000$000 réis ou ainda menos por aquelle caminho de ferro por meio de accordo directo com os interessados, quem o absolveria dessa responsabilidade, tendo o orador documentos no seu ministerio que mostravam que o valor do caminho de ferro era extraordinariamente inferior?

Absolutamente ninguem.

Por virtude de uma decisão judicial que de garantias ao paiz, ainda que este tenha de vir a pagar mais do que o orador suppõe rasoavel, é que consentirá no pagamento, mas depois do ter sustentado todos os argumentos e defendido a sua causa até onde poder ser.

Por accordo directo, nunca.

É esta a rasão porque não podemos chegar a um accordo.

O governo portuguez sustentava que só devia entrar em transacções com a companhia portugueza. O governo inglez dizia que a companhia portugueza tinha caducado, e que, havendo interessados inglezes e americanos, estes estavam no pleno direito de vir reclamar uma indemnisação perante o governo portuguez. segundo os principios de direito internacional.

Collocada a questão nestes termos, nem o orador podia convence-los, nem elles o podiam convencer; restando-lhe pois a arbitragem, todos os seus esforços foram então para que ella fosse constituida era termos que dessem ao paiz as maiores garantias de imparcialidade.

Desde o momento que a rescisão se realisara, e que havia capital gasto, a indemnisação tornava-se necessaria nos termos que fossem julgados equitativos, porque o paiz não queria locupletar-se com jactura alheia.

Não se podia concordar noutra cousa, porque, alem do mais, seria um aggravo para Portugal o discutir-se se elle tinha ou não direitos naquellas regiões,.

Em consequencia de differentes notas que se trocaram, e que opportunamente serão publicadas, chegou-se a assentar o seguinte: que a arbitragem seria referida por tres governos, de mutuo accordo e simultaneamente com o governo suisso, para que este nomeasse tres jurisconsultos dos mais distincto -, que, constituidos em tribunal arbitrai, liquidassem a importancia da indemnisação devida por Portugal.

São estes os termos que se acham approvados. Nesse sentido mandou o orador instrucções ao nosso representante em Berne para que elle, de accordo com os representantes da Inglaterra e dos Estados Unidos, submetesse ao governo suisso a arbitragem d'estes termos e sobre estas bases.

O sr. Barros Gomes: - O que desejo é que v. exa. mande para esta camara toda a correspondencia antiga e moderna até ao momento da arbitragem.

O Orador: - Observou que nenhuma duvida tinha em a enviar, tanto mais que julga conveniente que o parlamento só esclareça a este respeito. Toda a correspondencia já está collecionada, vem no Livro branco que está a imprimir.

Passando á questão da cotarão do ultimo emprestimo, o orador declarou estar inteiramente de accordo com as premissas do digno par o sr. Barros Gomos.

Entende que o procedimento do governo, com relação ao emprestimo de D. Miguel, não póde ser censurado, porque foi baseado era principios de direito, e em considerações historicas.

Não ha duvida de que os, manejos dos portadores dos titulos do emprestimo de D. Miguel compromettem a sua causa, se porventura tivessem a justiça por seu lado.

Julga todavia de grande conveniencia pôr termo a esta malfadada questão em qualquer tempo, pelo embaraço que causa ás nossas operações financeiras.

Não reconhece direito absolutamente nenhum aos portadores d'aquelles titulos para usarem contra o governo portuguez meios que não são os mais proprios para as suas pretensões serem attendidas. Crê que em relação a isto todos estão perfeitamente de accordo.

Não está ainda decidida a cotação do ultimo emprestimo em França; em todo o caso deve dizer que o governo francez, nunca poz em duvida a cotação do nosso emprestimo, apenas tem dito que não póde tomar uma resolução sem que as camaras lhe apresentem uma auctorisação.

Este facto mostra o desejo do governo francez de que se liquide esta questão do chamado emprestimo de D. Miguel, e a forma por que o deseja fazer é perfeitamente correcta.

Outra cousa não se podia esperar da parte daquelle governo, de quem temos inequivocas provas e testemunhos de sympathia e boa vontade, muito recentemente recebidos, e, para exemplo ainda ha poucos dias, quando se tratou do bloqueio de Dahomé, na parte em que comprehen-

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dia o nosso forte de Ajuda, foi o governo avisado de que o governo francez dava as maiores provas de segurança de que os nossos direitos seriam absolutamente respeitados, o que não podia senão justificar um testemunho de boa vontade da parte do governo francez.

Espera que em breves dias a cotação do nosso emprestimo apparecerá, não ignora de certo o digno par o sr. Barros Gomes, que, quando tratou do emprestimo contrahido durante a sua administração, tambem surgiram destas difficuldades até que apparecesse a cotação.

O orador passou em seguida á questão da concordata. Quando entrou no ministerio, que está a seu cargo, encontrou duas questões que respeitavam á execução da concordata.

Uma dellas era relativa ao exercicio da dupla jurisdicção, a outra prendia-se com a interpretação do § 2.° n.° 2 do annexo A da concordata. Em relação ao primeiro assumpto houve já negociações por parte do digno par quando ministro, cujo resultado consta das notas a que s. exa. alludiu. O digno par estranhou que essas notas reversaes não tivessem sido apresentadas ao parlamento, mas o orador observa que as questões da concordata, e principalmente aquellas que têem passado pelas suas mãos serão apresentadas ao parlamento no principio da futura sessão. O que é certo é que segundo as notas reversaes, a que o digno par alludiu, ficou estabelecido que o bispo de Damão terá a sua residencia no territorio de Bombaim, e que os bispos do padroado exercerão a sua jurisdicção no territorio da China.

Nesta parte a execução da concordata ficou terminada.

Ha algumas divergencias. O orador deteve-se depois em algumas considerações e explicações ácerca da applicação do artigo do annexo citado, e da sua execução nas diferentes dioceses do padroado onde hajam subditos da propaganda, esperando que as negociações se resolvam no sentido que Portugal deseja.

Resta fallar a respeito da naturalisação brazileira. O governo brazileiro publicou um decreto estabelecendo a grande naturalisação para todos os subditos estrangeiros que, residindo já no Brazil em 15 de novembro, declarassem dentro de seis mezes que desejavam conservar a sua naturalisação, ou residindo no Brazil ha dois annos não fizessem declaração; sendo propostas vantagens aos subditos naturalisados brazileiros, podendo exercer logares publicos e politicos, á excepção do logar de chefe do estado.

Os governos dos differentes paizes julgaram que era preciso reclamar contra aquelle decreto, porque o praso de seis mezes não era sufficiente para que todos os estrangeiros podessem receber instrucções nos sitios distanciados em que se encontravam ácerca do acto da importancia da naturalisação.

Foi o governo italiano o que teve a iniciativa de propor uma acção commum contra o decreto.

O governo portuguez deu ao seu representante no Brazil, e fez chegar ao conhecimento dos agentes consulares instrucções as mais precisas e rigorosas, para que exercessem toda a sua auctoridade, influencia e acção de propaganda, esclarecimentos e persuasão de modo que os subditos portuguezes mantivessem a sua nacionalidade.

Era o dever do governo, e nisso não havia offensa para o governo brazileiro.

Concertada a acção commum dos governos, a questão foi posta ao governo brazileiro, que prorogou o praso de seis mezes.

Depois, apesar de por um novo decreto ser mantido o praso de seis mezes, facultou se todavia aos estrangeiros fazer qualquer declaração não só ante as auctoridades administrativas, mas ante os agentes diplomaticos ou consulares.

O pensamento do governo brazileiro, segundo uma circular publicada, não era impor a nacionalidade aos estrangeiros, mas franquear a hospitalidade da nação a todos os que a desejassem acceitar.

Sendo a intenção do governo brazileiro attender a todas as reclamações, o motivo por que não prorogou o praso de seis mezes foi, consoante allegou, ser indispensavel fazer-se o recenseamento para as eleições proximas, e não se poder incluir nelle os estrangeiros que quizessem votar, se dentro do praso de seis mezes ficasse incerta a sua qualidade de estrangeiros ou brazileiros.

O orador leu em seguida, com o fim do tranquillisar quaesquer apprehensões, o artigo 70.° e seu § do decreto que promulgou a constituição brazileira, para ser votada pelas constituintes. Este decreto, como todos os outros, é provisorio, e por isso só depois de ratificado pelas côrtes é que definitivamente se hão de verificar as declarações dos estrangeiros.

(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa.- restitua as notas respectivas.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre só resolve que, sendo preciso, seja pró rogada a sessão até se liquidar este incidente.

Consultada a camara, approvou o pedido de prorogação.

O sr. Barros Gomes: - Sr. presidente, eu creio que o requerimento do digno par era absolutamente escusado.

O zelo ministerial de s. exa., aliás muito explicavel, levou o digno par a suppor que era meu proposito crear qualquer embaraço ao governo.

Ora, sr. presidente, a minha altitude nesta camara, a natureza da questão que hoje tenho debatido, e a forma por que o fiz, mostram bem que me anima um pensamento muito diverso.

Eu pedi a palavra unicamente para agradecer ao sr. ministro dos negocios estrangeiros as respostas que s. exa. me deu, e que não poderam satisfazer-me em pontos muito essenciaes; abstenho me, comtudo, por agora de analisar os actos do governo, reservando-me para em occasião opportuna e á face dos documentos o apreciar devidamente, eu e os meus amigos politicos, a acção governativa, na direcção dada ás graves e complexas questões a que fiz referencia.

Eu pediria no entanto desde já ao nobre ministro que fizesse constar o mais breve possivel na folha official qual tem sido realmente o numero das declarações realisadas pelos nossos concidadãos residentes no Brazil no intuito de resalvarem a nacionalidade portugueza.

Deve haver nos differentes consulados uma estatistica approximada da importancia numerica da população portugueza nos differentes districtos; se esta estatistica existe, como creio, facil será, em vista do numero das declarações, apreciar as consequencias absolutas e relativas para a população portugueza no Brazil da execução do que preceitua o decreto de dezembro de 1889.

De resto, sr. presidente, eu reconheço com o sr. ministro que as disposições da constituição recentemente publicada, quando approvadas, attenuam consideravelmente os perigos resultantes para nós dos preceitos daquelle decreto.

O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada e por isso vou encerrar a sessão.

Peço aos dignos pares que compareçam amanhã um pouco mais cedo para se abrir a sessão ás duas horas, a fim de se poder entrar na ordem do dia, meia hora mais cedo.

A proxima sessão é amanhã e a ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje: o parecer n.° 61.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e quarenta minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 21 de julho de 1890

Exmos. srs.: Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes, das Minas, de Vallada; Arcebispo-

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Bispo do Algarve; Condes, das Alcáçovas, de Alte, d'Avila, do Bomfim, de Castello de Paiva, da Folgosa, de S. Januario, de Linhares; Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Alemquer, da Azarujinha, de Moreira de Rey, de Soares Franco, de Valmor; Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Pereira de Miranda, Sousa e Silva, Antonio José Teixeira, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bazilio Cabral, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Hintze Ribeiro, Firmino J. Lopes, Barros Gomes, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Rosa Araujo, José Luciano de Castro, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Camara Leme, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Rodrigo Pequito.

Rectificações

Ma sessão de 15 de julho, pag. 615, col. 2.ª, linha 37, onde se lê "decreto", leia-se "alvará"; pag. 616, col. 1.ª, linha 21, onde se lê "sentiria", leia-se "sentirei".

O redactor = F. Alies Pereira.

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