O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 501

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 47

EM 5 DE ABRIL DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Sebastião Custodio de Sousa Telles

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Francisco José Machado

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Sr. Presidente do Conselho discursa sobre a questão do jogo de azar, em resposta ás considerações apresentadas na sessão anterior pelo Digno Par Sr. Hintze Ribeiro.

Ordem do dia (continuação da discussão do parecer n.° 34 referente á crise duriense). - Conclue o seu discurso o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, mandando para a mesa algumas propostas de emendas, additamentos, eliminações e substituições. - O Sr. Presidente consulta a Camara sobre se admitte á discussão estas propostas; mas o Digno Par apresentante requer que ellas sejam entregues á commissão competente para sobre ellas, e opportunamente, emittir o seu parecer. Este requerimento é approvado, depois de algumas observações feitas pelos Dignos Pares Srs. Teixeira de Sousa, Ernesto Hintze Ribeiro e Luciano Monteiro. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 40 minutos da tarde, verificando-se a presença de 19 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Deu-se conta do expediente, que constava de um telegramma da Associação Commercial do Porto.

O Sr. Pedro de Araujo: - Peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se consente que o telegramma, que acaba de ser lido, seja publicado nos Annaes da Camara.

O Sr. Presidente: - O Digno Par o Sr. Pedro de Araujo pede que seja publicado nos Annaes da Camara o telegramma da Associação Commercial do Porto, referente á questão vinicola.

Foi approvado.

O telegramma é do teor seguinte:

Porto, 4 (Bolsa). - Acabo de ser procurado pelos proprietarios das fabricas de alcool do Porto e Gaia, solicitando a interferencia d'esta Associação Commercial do Porto junto de V. Exa., por se julgarem lesados com as emendas apresentadas ao projecto vinicola em discussão na Camara dos Dignos Pares. Realmente, desde ha muito que successiva e progressivamente veem estas fabricas sendo sacrificadas nos seus direitos e contra o que já varias vezes tem esta associação reclamado. Não pode, portanto, a Associarão Commercial, em face das emendas apresentadas, que evidentemente importam a ruina d'aquella industria, deixar de chamar mais uma vez a attenção da Camara a que V. Exa. mui dignamente preside, para a flagrante injustiça como são tratadas, sobretudo pela desigualdade manifesta, as fabricas açoreanas e as do continente, quando são igualmente legitimos os seus direitos e igualmente respeitaveis os interesses que representam.

O Presidente da Associação Commercial do Porto. = Julio de Araujo.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: desejo ainda, mais uma vez, ao começar as breves considerações que vou ter a honra de apresentar á Camara, em resposta ao Digno Par o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, agradecer a S. Exa. as palavras tão affectuosas e de intima amizade que me dirigiu pelo facto de me ver aqui restabelecido do incommodo de saude que durante algum tempo me reteve em casa, e á Camara tambem a maneira como, sem discrepancia de côres partidarias, se associou a essas palavras.

Sr. Presidente: entrando agora na materia para que o Digno Par chamou a minha attenção, vou procurar responder a S. Exa., com inteira isenção, despido de qualquer preoccupação partidaria ou politica, e, alem d'isso, com uma sinceridade perfeitamente igual áquella com que o Digno Par falou sobre este assumpto, sem querer fazer ataques ao Governo, como eu tambem não tenho a este respeito de arguir as administrações que me precederam.

As considerações do Digno Par, divido-as em duas partes: em uma d'ellas, sem a mais pequena acrimonia politica, sem o mais ligeiro espirito de aggressão, S. Exa. referiu-se ao meu modo de proceder acêrca da questão do jogo; na outra o Digno Par referiu-se á forma definitiva que conviria adoptar para a resolução do assumpto.

Em relação á primeira parte, Sr. Presidente, serei breve, e apenas a ella farei ligeiras referencias. Houve pequenas inexactidões quanto ao que se passou no verão passado.

Chegando ao Governo, nas circumstancias que todos conhecem, não foi a minha principal preoccupação immediata a questão jogo.

Outras de maior importancia, e de natureza mais urgente, demandavam a attenção de quem, pela primeira vez, presidia aos Conselhos da Corôa. Na realidade só me dediquei ao assumpto quando pela imprensa começaram as reclamações acêrca de abusos que se estavam praticando, e tambem quando, por cartas anonymas que me eram di

Página 502

502 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

rigidas, se apontavam determinados factos occorridos em algumas localidades.

Em vista d'isso, convergida a minha attenção para o assumpto, procedi como em 1893-1897, sob a presidencia do Digno Par, e conforme S. Exa. hontem aqui referiu.

O pensamento de S. Exa., como o meu, era contrario ao abuso do jogo.

Procedi pela forma por que o devia fazer, expedindo uma circular a todas as auctoridades, e que S. Exa. leu a esta Camara, em que chamava a attenção dos governadores civis, e de outras auctoridades, para o cumprimento da lei.

Em relação ao jogo, succede como em toda a parte, relativamente á repressão de um facto que, muito embora abusivo e illegal, não é d'aquelles que despertam uma grande repugnancia, por isso que é praticado por muitas pessoas dignas de estima e consideração. Não foram só as minhas auctoridades que, n'essa parte, assim procederam: sempre assim tem acontecido em diversas epocas.

A circular foi recebida, mas as instrucções que n'ella foram ministradas parece que não alcançaram o devido acatamento.

Em vista d'isso, Sr. Presidente, continuaram as reclamações nos jornaes, e começou se a accusar o Governo de, por se estar no periodo eleitoral, não tornar effectivo o cumprimento das instrucções da circular. Foi então que eu mandei expedir a segunda circular.

Mandei expedir a segunda circular, fazendo-a acompanhar de recommendações particulares aos governadores civis, nas quaes eu instava pelo cumprimento das minhas ordens, porque da falta d'esse cumprimento e de respeito á lei podiam tirar-se illações de que resultasse desprestigio para o poder.

Disse o Digno Par que essa segunda circular não foi cumprida em todas as estancias balneares.

Não tenho conhecimento de que assim sucedesse.

O Digno Par Sr. Teixeira de Vasconcellos, que era então governador civil do Porto, sabe perfeitamente que, muito antes de se realizarem as eleições, foi a circular pontualmente cumprida no seu districto.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Apoiado.

O Orador: - Tudo quanto se disse por parte dos que pretendiam sustentar o contrario foi absolutamente contratadictado, provando se que era uma completa falsidade, uma pura invenção. A circular foi rigorosamente cumprida, exactamente n'um dos poucos pontos do paiz em que se travava uma lucta eleitoral difficil para o Governo, e que podia merecer mais importancia, como era, pela sua vastidão, a cidade do Porto.

Em relação a Cascaes, succedeu a mesma cousa: jogou-se até á segunda circular. Depois de expedida a segunda circular, não se jogou mais. É o que posso affirmar a S. Exa., em vista das informações que pude colher de ante-hontem para cá.

Em relação a Espinho, mais de uma vez nos jornaes se afiançou que se continuava a jogar.

Pedi informações ao governador civil de Aveiro, e por elle me foi participado que se não jogava.

Seria na realidade desagradavel para mim que tivesse fundamento a affirmação -feita, é claro, sem mais pequena acrimonia, e apenas por informações a que eu, aliás opponho aquellas que estou dando á Camara - de que no periodo eleitoral se tinha sido, em relação ao jogo, mais tolerante para com umas localidades do que para com outras.

O que posso assegurar é que durante o periodo balnear, as prescripções da circular foram pontualmente cumpridas, assim como o teem sido depois.

Recentemente tornei a receber cartas anonymas e informações de que se jogava na cidade de Lisboa. Dei as mais terminantes ordens para que se cumprissem as prescripções anteriores, e que fossem tão apertadas, quanto possivel, n'esta cidade, como em outro qualquer ponto do paiz.

É claro que o jogo, muito embora seja prohibido pelas leis, muito embora seja condemnavel, não produz a repugnancia e repulsão que provocam actos de outra gravidade, como é o roubo e como é o assassinio, crimes que denunciam da parte de quem os pratica um rebaixamento moral. Ora se não ha meio de evitar que estas monstruosida desse pratiquem, não admira, portanto, que se não possa impedir completamente o jogo, a que, aliás, se entregam muitas pessoas a quem dedicamos estima e consideração, e que, por tal, se não julgam infamadas.

Expostas estas informações, passo a referir-me á segunda parte, que é a mais importante, do discurso do Digno Par.

Estou de accordo relativamente á forma como S. Exa. poz a questão, dizendo que sobre, este assumpto é necessario de duas uma: ou cumprir as leis com egual rigor e efficacia em toda a parte do reino, sem excepções, que seriam por parte; do Governo dignas da maior censura e fundada critica, ou então regulamentar o jogo, não sob a forma de um exclusivo, de um monopolio, mas pela maneira por que em Franca se consente em algumas localidades, terras de aguas, de banhos, estações climatericas, etc.

O Digno Par apresentou a sua opinião contraria ao jogo, o que está em harmonia com os actos de S. Exa. quando foi Presidente do Conselho e Ministro do Reino, mas que tambem se conforma perfeitamente com os meus actos, porque eu tambem penso, como o Digno Par, que da regulamentação do jogo, mesmo nas condições da lei franceza, sob o ponto de vista moral, resultariam inconvenientes que não compensariam aã vantagens materiaes que por esse facto as localidades poderiam alcançar. Estou convencido de que se não evitava aquillo para que o Digno Par chamou a minha attenção, isto é, não evitariamos que se continuasse a jogar onde o jogo não fosse permittido.

Vou expor as razões por que assim penso.

Uma cousa é o facto de se jogar n'uma ou n'outra localidade, umas vezes por negligencia das auctoridades, outras vezes a despeito mesmo do rigor que ellas empregam, outra cousa é o introduzir-se na legislação do paiz um preceito, que vae contra todas as tradições, contra tudo o que está aconselhado pelos bons principios, sob o ponto de vista moral e economico.

N'um paiz como o nosso, em que as praias abundam, tendo, certamente, umas mais importancia do que outras, desde que o jogo fosse regulamentado, não seria facil restringil o a um numero limitado de localidades.

Alem do que, como consequencia fatal, apesar da repugnancia que, pode dizer-se, em alguns espiritos existe contra o jogo, o vicio entraria nos nossos costumes, e augmentaria de intensidade, sem aquellas vantagens que muitos lhe attribuem.

Vou lêr á Camara o projecto que se está discutindo em França, e d'essa leitura se verá que são muito diversas das nossas as circumstancias que determinaram o proceder do Governo d'aquelle paiz.

Em França já existia mais alguma cousa do que a tolerancia do jogo.

Havia concessões feitas pela autoridade, o que em Portugal nunca se deu.

M. Clemenceau, o actual Presidente do Conselho e Ministro do Reino de Franca, não permittiu o jogo nos cercles e casinos, isto em razão dos abusos que se praticaram em muitas terras do paiz, e especialmente em Paris, em relação ao que a lei já preceituava.

A primeira circular que ali se publicou acêrca do jogo não excedeu as instrucções que eu dei, e as que S. Exa. tambem publicou quando Presidente do Conselho.

Quando aqui se facultam instrucções apertadas com relação ao jogo, são sempre as terras onde se joga em mais larga

Página 503

SESSÃO N.° 47 DE 5 DE ABRIL DE 1907 503

escala, e que maior proveito auferem d'esse abuso, que mais reclamam, allegando então que se é mais rigoroso n'um ponto do que n'outro.

Foi o que succedeu em Franca. Mas ali as circumstancias eram outras. Ha muito tempo que havia verdadeiras autorizações das camaras municipaes, e até das autoridades administrativas para se consentir em alguns casinos o jogo de azar. Em Biarritz e Vichy, principalmente, jogava-se com toda a liberdade e com conhecimento da autoridade, por uma concessão que se tinha feito a troco de certas vantagens que revertiam em favor d'essas terras.

As reclamações das regiões interessadas encontraram echo em muitos dos membros das duas casas do Parlamento, em muitos que teem os seus interesses politicos ligados a essas localidades, e foi então que se apresentou o projecto, que foi approvado na Camara dos Deputados, e que passou já para o Senado.

Vejamos se algumas das disposições d'este projecto estão em harmonia com a situação de Portugal, e se do jogo nós podemos tirar as mesmas vantagens que a França usufrue.

Em França, como disse, o jogo era consentido, se não por uma lei geral, ao menos por concessões especiaes dos delegados do Governo em algumas localidades, o que em Portugal nunca se deu.

O projecto que está sendo discutido no Senado é possivel que ali experimente algumas alterações, porque interessa a varias localidades, e porque certas individualidades fazem prevalecer a sua influencia nos corpos legislativos.

Este projecto expõe no seu artigo 1.° o seguinte:

(Leu).

Como V. Exa. vê, a França, no que pensa não é em regulamentar o jogo para os francezes; é para os estrangeiros que concorrem em grande numero ás estacões thermaes, e o que constitue um dos principaes rendimentos d'aquelle paiz. Como o Digno Par hontem disse, de Biarritz ou de Ostende poderiam afastar-se muitos estrangeiros, só lhes faltasse alguns d'esses attractivos.

Em França, repito, o que se procura regulamentar mão é o jogo para os francezes; é para os estrangeiros. Para estes é que se procura organizar as cousas de forma que não deixem de frequentar essas estações, mas ainda a que concorram a ellas em maior numero. Mas, logo que os estrangeiros se retiram, todas essas liberdades desapparecem, que aliás, são unicamente limitadas a terras de banhos e a estações climatericas.

Pergunto eu, Sr. Presidente: o elemento estrangeiro é o que principalmente alimenta o jogo nas nossas estações thermaes e nas nossas praias?

Como V. Exa. sabe, o nosso paiz agora é que começa a ser visitado por estrangeiros, que pouco se demoram e que procuram tudo em Portugal, menos o jogo.

Quando muito, em dois ou tres pontos do paiz, como o Estoril, Figueira da Foz e Caldas da Rainha...

O Sr. Francisco José Machado: - Nas Caldas da Rainha todos os annos se joga e em diversos sitios.

O Orador: - Não era isso que estava dizendo. O que eu dizia era que o elemento estrangeiro n'essas terras não era senão o hespanhol. Os outros que veem a Portugal é apenas para admirarem as bellezas do nosso clima, a grandiosidade dos nossos monumentos, a nossa civilização, e isto mesmo ha pouco tempo, e depois de umas certas visitas regias, mas nenhum d'esses vem aqui jogar.

O unico paiz de onde vem alguem que effectivamente procura o jogo é apenas a Hespanha, e isso limitadamente em relação ao Estoril, porque quem o frequenta são principalmente portuguezes.

Portanto, como V. Exa. vê, nós iamos fazer cousa completamente diversa do que se procura estabelecer em França. Iamos estabelecer o jogo para os portuguezes, e, porventura, somente no Estoril, em que os que exploram as bancas são estrangeiros, e os que jogam são portuguezes.

O que o Digno Par não quer, nem eu desejo, é o monopolio do jogo e n'este ponto, como se vê, estamos perfeitamente concordes.

Imitar o procedimento do Governo Francez julgo que seria absolutamente contraproducente, sob o ponto de vista material e economico, e sob o ponto de vista moral.

Ora quer V. Exa. ver qual o modo de ver em França:

(Leu).

Como V. Exa. vê, a propria lei reconhece que já existia auctorização para o jogo: o Parlamento Francez julgou que essa auctorização fôra dada por quem a podia dar:

(Leu).

Isto não podiamos nós dizer n'uma lei em Portugal. Aqui não ha auctorização alguma para o jogo.

Em França, o Presidente do Conselho e Ministro do Interior entendeu que devia proceder assim, porque muitos abusos se praticavam nas casas de jogo.

Este projecto da lei franceza destina se a dois fins: visa ao estrangeiro especialmente, e pretende dar mais força de legalidade áquillo que já haviam tolerado as auctoridades administrativas.

As nossas circumstancias são diversas das da França. Nós não temos uma larga clientela de estrangeiros que aqui pudessem ser attrahidos por concessões, nos termos em que as permitte a lei franceza.

Portanto, Sr. Presidente, como conclusão do que acabo de dizer, acho que não ha por emquanto razoes que aconselhem o Governo Portuguez a regulamentar o jogo, e eu, pela minha parte, e por parte dos meus collegas, não estamos dispostos a proceder a essa regulamentação.

Farei que se prohiba o jogo com todo o rigor possivel e com igualdade absoluta para todas as terras.

Se, porém, Sr. Presidente, da parte dos membros das Camaras ha quem de outra fórma pense, e quizer usar da sua iniciativa sobre o assumpto, apresentando um projecto para, a regulamentação do jogo, o Governo combatel-o-ha, mas as Camaras decidirão no pleno uso da sua soberania.

Eu entendo que não chegou o momento, nem as circumstancias o aconselham, de abandonarmos uma velha tradição de alto valor moral e de indiscutivel proveito social, para irmos estabelecer em nossa casa uma cousa que não teem algumas nações mais adeantadas, como são a Allemanha e a Inglaterra, que combatem o jogo.

Se n'um grande e poderoso paiz, de uma adeantada e brilhante civilização, agora se pensa em consentir o jogo, é isso em condições que não são adaptaveis a Portugal.

A minha opinião é fazer cumprir a lei com severidade, rigor e igualdade, sem a mais pequena excepção.

Repito, se qualquer dos membros do Parlamento quizer usar da sua iniciativa, póde fazel-o, mas a opinião do Governo aqui fica bem expressa e clara sobre o assumpto.

Se se entender que esse assumpto deve ser ventilado, as Camaras resolverão na sua sabedoria, como julgarem que é mais conveniente aos interesses moraes e materiaes da nação.

Tendo exposto a opinião do Governo, creio tambem ter interpretado o sentir e o querer da grande maioria dos portugueses.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: - Envio para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, me seja enviada com urgencia copia do relatorio do commandante da columna de opera-

Página 504

504 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ções ás terras da Ginga e Holo (Angola, Lunda).

Camara dos Pares, em 5 de abril de 1907. = F. J. Machado.

Foi expedido.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 34, relativo á crise duriense

O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: concedeu-me V. Exa. a palavra pela terceira vez. Devo declarar que não é com grande prazer que d'ella faço uso; é por obrigação. Não falo para fazer obstruccionismo, e devo declarar a V. Exa. que as considerações, que sobre o assumpto faço, representam muito trabalho (Apoiados) e não proposito de demorar a discussão.

Caminharei muito rapidamente no meu discurso, porque desejo acabal-o ainda hoje.

Sr. Presidente: ha uma estreita relação entre a questão do Douro, e a viticultura do sul.

Uma grande parte, ou metade dos vinhos generosos exportados como Porto, eram enviados do sul do paiz para os armazens de Gaya. Assim, a viticultura do sul obteve e fixou um mercado importante entre alguns exportadores de vinho do Porto. Não lhe pertencia tal mercado, mas a conveniencia em harmonizar todos os interesses, aconselhava que ao sul fosse dada ama compensação em troca do exclusivo da barra do Porto, dado aos vinhos do Douro. Era um principio de equidade e um acto de boa administração interna. (Apoiados).

É opinião geral que em cada anno o sul mette nos armazens de Gaya cêrca de 25:000 pipas de vinho. Partindo da hypothese de que o vinho natural é de 12° e de que vae para Gaya em 16°, o vinho que ali entra representa cerca de 33:300 pipas. Era um mercado abusivo, mas é um facto que ali o tinham os vinhos do sul do paiz.

Tudo aconselhava que, de uma vez para sempre, acabasse a fabricação do alcool industrial. Na verdade, não se comprehende que, havendo no paiz uma superproducção de vinhos de queima e, portanto, de aguardente, ainda se mantenha um regimen legal do fabrico de alcool industrial. Traduzi o meu pensamento no projecto que apresentei em 1906, da seguinte maneira:

«É prohibido no continente do reino o fabrico de alcool de qualquer graduação, empregando na sua producção substancias que não sejam vinho.

§ unico. Do disposto n'este artigo exceptua-se a fabricação de aguardente de bagaço de uvas, quando não exceda a graduação de 50 graus centesimaes».

«É applicavel ao alcool de qualquer procedencia o imposto estabelecido no paiz para o alcool estrangeiro no artigo 73.° do decreto de 14 de junho de 1901.»

Traduzi o meu pensamento no meu projecto de 1906, prohibindo o fabrico do tal alcool industrial no continente do reino e applicando a todo o alcool de qualquer procedencia o direito fixado no decreto de 14 de junho de 1901, ou fossem 2$500 réis por decalitro. Era um imposto prohibitivo para o alcool açoreano o que se fixava, ou fossem 133$950 réis por pipa. Acabava assim o alcool industrial e ficava somente a aguardente de vinho. Vem a proposta de lei de 2 de outubro, que serviu de base ao projecto que se discute.

Era silenciosa a respeito dos vinhos do sul, a respeito da aguardente e ácerca do alcool industrial.

Desde logo eu aqui vaticinei ao Governo grandes difficuldades á viabilidade da proposta de lei, por não considerar os diversos interesses. Entretanto, estes faziam-se ouvir em representações, protestos e resistencias, de que resultou sair o projecto de lei conforme foi elaborado pelas commissões da outra Camara, de acordo com o Governo, tomando, pelo caminho das compensações. A uns deu a permissão para que os vinhos do sul, que foram arrolados, entrassem em Gaya; a outros os premios de exportação, o desconto de warrants emittidos com garantia das aguardentes. Foram então ao orçamento proposto para 1907-1908 e eliminaram a verba de 172:000$000 réis, que no orçamento do Ministerio das Obras Publicas estava, pela primeira vez, descripta e destinada ao pagamento de premios de vinhos para consumo em Lisboa e exportados, dando-lhe nova applicação a warrants a premios e a outras despesas.

Mais do que isto valia um premio de fabrico de aguardente de 10$000 réis por pipa. A despesa a fazer era, pouco mais ou menos, a mesma que o projecto implica, mas dava-se um beneficio util e duradouro, que forçosamente havia de melhorar as circumstancias em que se encontra a viticultura do sul. O systema do projecto é muito inferior em resultados. Está exposto na base 6.ª

O Governo fará inscrever annualmente no orçamento a verba de réis 180:000$000, destinada a fazer face aos encargos provenientes dos warrants sobre aguardente e alcool vinico; como esta despesa não pode exceder o limite de 90:000$000 réis, o restante é applicado a premios de exportação aos vinhos de 11° a 17°, sendo dois terços para os vinhos de 14° a 17° e um terço para os de 11° a 14.º Os warrants serão descontados Depositos? Está isto estabelecido nos §§ 1.° e 2.° da base 6.ª do projecto nos seguintes termos:

«A Caixa Geral de Depositos deverá sempre descontar os warrants a que se refere esta base, emquanto a importancia a empregar n'esse desconto não exceder 1.200:000$000 réis, podendo essa importancia subir a réis 1.800:000$000, dadas certas circunstancias».

Esta afigura-se-me nova em folha. Descontar sempre? Para isso é preciso que a Caixa tenha depositos. Ora a Caixa tem tudo no Thesouro em divida fluctuante. É o que eu affirmo e que eu sei ser absolutamente exacto. Ha de, pois, descontar warrants quando para isso tenha meios.

Deverá descontar sempre? Com que direito se faz essa imposição á Caixa? Com que direito se impõe á Caixa a transacção commercial que consiste no desconto de warrants?

O dinheiro da Caixa não é do Estado, para o Estado d'elle dispor: é de particulares, pelos depositos a que por lei são obrigados em certas circumstancias; é das camaras municipaes pelo dinheiro da viação; e é sobretudo dos pequenos depositantes da Caixa Economica Portugueza, que ali levem as suas economias. Esses dinheiros são administrados por um conselho de administração, por um conselho fiscal, com um orçamento proprio e com applicação especial dos lucros da Caixa. É uma administração autónoma, com a qual o Estado contrata emprestimos quando á administração da Caixa convem e quando ella quer. Contrata com o Estado, no que diz respeito a formulas contratuaes, como sendo uma entidade juridica, como de igual para igual. A Caixa Geral de Depositos descontará os warrants se os quizer descontar ou quando quizer descontal-os. (Apoiados).

Veja-se agora o. beneficio que para a viticultura do sul resulta do desconto dos warrants. Nos termos do § 5.° da base 6.ª, o desconto maximo será de 60 por cento sobre o preço da aguardente de 2,62 réis por cada grau centesimal e litro.

Para aguardente de 76°, de que fala o § 6.° da base em questão, o valor é de 106$330 réis. O maximo de desconto é de 63$798 réis.

O que dá o Estado aos aguardenteiros? Paga-lhes o juro de 5 por cento ao anno e por um anno. Logo, cada pipa de aguardente de 76° recebe o beneficio de 3$189 réis. E como, em regra, para fazer um volume de aguardente são precisos sete de vinho, aquelle

Página 505

SESSÃO N.° 47 DE 5 DE ABRIL DE 1907 505

beneficio distribuido pelo vinho que produziu a aguardente corresponde a 455 réis por pipa.

Já se vê que tão insignificante beneficio é quasi inutil nos seus effeitos economicos. (Apoiados). Mas não é esse o maior mal. Supponha-se que a aguardente em um anno não tem preço superior a 2 réis por grau e litro ou 81$068 réis por pipa; supponhamos que, tendo-se fabricado 12 milhões de litros, 6 milhões não vieram ao mercado e ficaram servindo de garantia a warrants. No fim, do anno vence-se o warrant correspondente a 6 milhões de litros. Então, vencido o warrant, obrigando a pagamento immediato a aguardente que o caucionara, ha de para isso ser vendida pelo que der, por preço vil.

Mas, poderá dizer-se que, segundo o § 10.° da base 6.a, o desconto, passado um anno, pode ser prorogado por outro. Mas então, se em um anno foi emprestada a quantia maxima que se pode emprestar, de 1:800. contos de réis, e prorogando se por outro anno o desconto, a aguardente no anno immediato não pode servir de garantia a warrants, por estar esgotada a verba maxima dos descontos, o lavrador tem de vendel-a pelo preço que correr, que certamente é inferior ao da tabella, por isso que o depositante, logo que a aguardente chegue ao preço official de 2,62 réis por grau e litro, é obrigado a vendei-a. Se não foi vendida, foi porque o preço é inferior ao da tabella. No fim de dois annos, não podendo haver mais prorogação de descontos, vem para o mercado toda a aguardente depositada, para ser vendida por todo o preço. Então a venda será de aguardente, mas o preço pouco superior ao da agua. (Apoiados).

Era preferivel o premio de fabrico de 10$000 réis por pipa de aguardente, mas eliminando os premios de exportação agora criados. Nada proponho a este respeito. Esta parte do projecto parece ter sido feita de accordo com os viticultores do sul, e se a acceitam e defendem, é porque entendem que os vexa. Eaço somente uma excepção, aos meus propositos de não propor alteração a esta parte do projecto.

É o § 19.° da base 6.ª que não permitte a distillação de vinho dentro da região demarcada do Douro, excepto de vinhos alterados que tenham defeito que os torne improprios para o consumo, e n'este caso a distillação poderia fazer-se em postos que o regulamento determinar, sob a fiscalização do Governo.

É indefensavel esta disposição. (Apoiados). O lavrador, dentro da região demarcada, que não pode vender o seu vinho para vinho generoso ou para vinho de pasto, terá de lançal-o á rua, ficando elle na miseria. Poderão dizer que é facil metter no vinho qualquer defeito que o torne improprio para o consumo, podendo então ser distillado; mas, como só de vinho deteriorado é que no Douro se poderia fabricar aguardente, este conhecimento bastaria para que ninguem, nos termos da lei, a comprasse. E, todavia, encravadas na região do Douro, por ser impossivel excluil-as, ha regiões, embora muito limitadas, onde se applica o vinho á caldeira nas colheitas abundantes.

Em meu parecer, o maximo de producção de aguardente que no Douro se pode fabricar n'um anno de abundancia de vinho, não excederá 3:000 hectolitros quando todo o vinho licoroso for comprado no Douro. Proponho a eliminação do § 19.° da base 6.ª (Apoiados).

O § 20.° da base 6.ª supprime os premios criados pelos decretos de 14 de junho de 1901 e 14 de janeiro de 1905. Vejamos o que isto é. O decreto de 14 de junho de 1901 criou o premio de l$000 réis por cada pipa de vinho exportado pela barra do Douro de graduação superior a 19°. Estes premios morreram durante a discussão. Porquê? Porque a sua manutenção não se comprehenderia ao lado da extravagancia dos premios para os vinhos de 17°. A situação era esta: o decreto de 1901 criou os premios para os vinhos licorosos saidos pela barra do Douro, mas sob a condição de serem de graduação não inferior a 19°; vem o projecto de lei e cria premios de l$000 réis por hectolitro para os vinhos de 14° a 17°, o mesmo que dizer, sob condição de não serem de graduação superior a 17°. Os réprobos eram os vinhos comprehendidos. entre 17° e 19°. (Riso).

Quando attentaram n'isto, que era extravagante, durante a discussão do projecto na Camara dos Deputados, supprimiram os premios de 1901, que representavam um beneficio importante ao commercio dos vinhos do Porto, o qual tem em media, por anno, recebido cêrca de 40 contos de réis.

Para bem se comprehender o caso dos premios criados pelo decreto de 14 de janeiro de 1905, é preciso dar algum desenvolvimento á apreciação d'este decreto, que tratou de vinhos, vinhas, aguardentes e outros assumptos de caracter viticola; alterou e estabeleceu impostos, fundado na auctorização contida na lei de 1 de 1 de julho de 1903, que vigorava até o fim d'esse anno, auctorização que em janeiro de 1905 estava mais do que caduca.

Era uma auctorização para reformar serviços agricolas, mas sem augmento de despesa. Pois até criaram impostos! Se não era auctorização, era dictadura, e se não era dictadura, era o uso de uma auctorização, que o partido progressista jurara não fazer.

Consistiu principalmente esse decreto: 1.°, em applicar o direito de consumo, em Lisboa, de 33,92 réis por kilogramma, que, pela lei que até então vigorava, era applicado a todo o vinho até 15°, ao vinho de 12°, augmentando de 4 réis por cada grau e litro; 2.°, em promover a formação de companhias vinicolas com certas vantagens; 3.°, em criar premios de exportação de 250 réis por hectolitro para o vinho de marcas regionaes; 4.°, em criar os premios de 1$600 réis por hectolitro de vinho de pasto de marca regional e typo registado que entrasse em Lisboa.

Para que era tudo isto ?!

Dizia-o o relatorio do decreto:

«D'esta forma julgo se poderá debellar a causa principal, senão unica, dos prejuizos sofridos pela viticultura e pelo commercio interno de vinhos durante o ultimo anno agricola».

E logo definia a causa unica: era a fraude e a falsificação dos vinhos. Em materia de vinhos e azeites, o Ministerio das Obras Publicas só vê o mal da falsificação e o remedio da fiscalização.

Não vou discutir o decreto. Em 1905 annunciei ao Governo de então uma interpellação, que se não realizou. Agora somente apreciarei o que do decreto de 1905 tem relação com o projecto.

O decreto, modificando a escala alcoolica da tabella do imposto de consumo, teve em vista: 1.°, tributar fortemente os vinhos de mais de 12°, para evitar o desdobramento dentro de barreiras e a falsificação; 2.°, criar receitas para premios ao vinho entrado em Lisboa e para o fundo do fomento vinicola.

O relatorio do decreto esperava um augmento de receitas de 319:200$000 réis, proveniente do vinho de graduação superior a 12°.

Via se logo que era uma singular maneira de resolver a crise.

Em 1904 tinham-se importado em Lisboa 38.732:000 litros de vinho, que pagaram 1:313 contos de réis de imposto de consumo. A mesma quantidade de vinho passava a pagar 1:632 contos de réis.

Quem pagava mais 319 contos de réis? Evidentemente a viticultura, á qual pagariam os vinhos por preço inferior. O relatorio do decreto suppunha que, sendo os vinhos de 14° e 15° e desdobrados dentro de barreiras para

Página 506

506 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

11° ou 12°, pelo addicionamento de 25 por cento de agua, davam ao retalhista 25 por cento de lucro e ao Thesouro um prejuizo equivalente. Fazendo o calculo, em taes bases, encontrar-se hia para o Thesouro, não um lucro de 319 contos de réis, mas, tomando em consideração a quantidade de vinho entrado em Lisboa em 1904, cerca de 329 contos de réis, que eu encontro, usando da seguinte operação:

x= 38.732:000 lit. X 15° = 48:415:000 lit.
12°.

48.415:000 X 33,92 = 1.642:236$800 réis

Contos de réis

Pelo novo regimen 1:642
Pelo antigo 1:313

Differença 329

Mas era pura phantasia o augmento de receita, e não só não evitava os desdobramentos, antes o novo regimen os provocava e estimulava fora de barreiras.

Para eu fazer a demonstração é preciso fixar: 1.° que, pelo decreto em questão, o imposto de consumo sobre o vinho de 12° é de 33,92. por kilogramma: 2.°, que o imposto augmenta de 4 réis por cada grau centesimal e litro. Tomo para unidade de tributação o litro, pondo de parte a differença para a unidade kilogramma.

Façamos o exemplo seguinte: um individuo tem 1:000 litros de vinho de 14°,3 para introduzir em Lisboa. Pode mettel-o com esta graduação, conforme o obteve, ou desdobral-o fora de barreiras. Vejamos o que mais lhe convem, o que deve derivar do conhecimento da tributação nas duas hypotheses, começando pela primeira.

Como o vinho é de 14°,3, está sujeito ao pagamento seguinte, sem entrar em linha de conta com addicionaes:

1:000 litros de vinho de 12°, a 33,92 réis 33$920
4 réis por grau e litro acima de 12° 8$000

Total 41$920

Vejamos a segunda hypothese, desdobrando fora de barreiras.

Usava o seguinte calculo:

X=1:000 x 14.º,3 » 1.191 litros
12.º

Quer dizer: com 191 litros de agua addicionada em 1:000 litros de vinho de 14°,3 obtinha 1:191 litros de 12°, que pagavam:

1:191 litros X 33 92 = 40$389 réis

Desdobrando fora de barreiras lucrava, pois, 1$531 réis.

O projecto de lei, no § 21.° da base 6.ª, mantem o systema do decreto de 14 de janeiro de 1905, modificando o apenas na graduação a que corresponde o imposto de consumo minimo de 33,92 réis por kilogramma, o qual passa a ser cobrado pelo vinho de 13.° e não pelo de 12°. Os inconvenientes são os mesmos. O convite ao desdobramento fora de barreiras mantem-se.

Façamos a hypothese de uma importação em Lisboa na quantidade importada em 1904, ou, em numeros redondos, 38.732:000 litros, e que todo o vinho era originariamente de 15°.

Vejamos como pagava.

Não desdobrando:

38.732:000 litros X

33,92° réis = 1.315:485$000

4 réis por grau e litro acima de 13.° = 310:256$000 1.620:741$000

Desdobrando, pelo emprego de litros 5.958:000 de agua:

x= 38.732:000 lit. X 15º = 44:690:000 lit.
13°

44.690:000X33,92 = 1.515:884$000 réis

O desdobramento dava, pois, aos importadores uma economia de imposto de 109:857$000 réis.

O resultado seria a viticultura vender a mesma quantidade de, vinho e pagar mais 319 contos de réis, conforme os calculos do Governo. (Apoiados).

Mas a verdade é que da execução do decreto de 14 de janeiro de 1905 não resultará augmento de receita, e por isso o § 22.° da base 6.ª não tem razão de existir.

Os 180 contos de réis que o Governo vae applicar a warrants, a premios e a outras despesas não saem de qualquer augmento de receita criada por providencia vinicola, mas das receitas geraes do Thesouro. Não regateio á viticultura do sul qualquer sacrificio, mas é bom que todos fiquemos sabendo que elle é feito pelas receitas geraes do Thesouro Publico. (Apoiados).

Terei feito a demonstração logo que demonstre que o imposto cobrado dos vinhos de graduação superior a 12º foi insignificante, visto ser d'ahi que o decreto de 14 de janeiro esperava os 319 contos de réis.

O § 2.°, artigo 1.° do decreto de 14 de janeiro de 1905, dizia:

«O augmento de receita annual do direito de consumo dos vinhos a que se refere o n.° 1.° d'este artigo, alem da receita cobrada em 1904, é destinado a fazer face aos premios...»

Veio depois o regulamento de 19 de unho de 1905 e estabeleceu no § 1.°, artigo 12.°:

«As importancias cobradas em cada anno civil, alem da referida quantia de 1:310 contos de réis (fora a da cobrança de 1904), serão transferidas para a Caixa Geral de Depositos á ordem do Ministerio das Obras Publicas».

Este regulamento foi referendado pelo Sr. Espregueira. Seguiu-se lhe na gerencia da pasta da Fazenda o Sr. Conde de Penha Garcia, e ao Sr. Penha Garcia succedi eu. Nenhum de nós deu cumprimento ao preceituado no regulamento de 19 de junho de 1905, porque, em verdade, se reconhecia do decreto de 14 de janeiro de 1905, regulamento em 19 de junho do mesmo anno, não resultar augmento de receita.

A cobrança de 1905 teve um augmento importante sobre a de 1904, mas em resultado: 1.°, de que em 1905 é que se formou o regimen proveniente do alargamento da area fiscal de Lisboa, tendo desapparecido o periodo transitorio de 1904; 2.°, no anno de 1904 consumia-se o vinho da colheita de 1903, que foi escassa e por isso mesmo cara, ao contrario do que aconteceu em 1905 com a colheita de 1904, condição que favoreceu o augmento do consumo. (Apoiados).

Rendimento em 1905. 1.598:468$000
» em 1904. 1.310:000$000

Augmento 288:468$000

É este vinho a que se refere o § 22.° da base 6.ª?

Foi este augmento devido á escala alcoolica do decreto de 14 de janeira de 1905?

Para prova de que o augmento de receita não proveio do decreto que estou apreciando, cito o primeiro semestre de cada um dos annos de 1904, 1905 e 1906, tendo em conta que o decreto de 14 de janeiro de 1905, que alterou a escala alcoolica, só começou a ser executado no segundo semestre de 1905.

É, todavia, grande o augmento denunciado no primeiro semestre de 1905 sobre o primeiro semestre de 1904, como se vê respectivamente das importancias de 800:200$165 e 631:711$034 réis. O segundo semestre de 1905, rendendo 831:052$674, representa um aumento sobre o primeiro de 33:852$509 réis, ou apenas 4,1 por cento, que deve-

Página 507

SESSÃO N.° 47 DE 5 DE ABRIL DE 1907 507

ser attribuido ao incremento natural da receita em questão. É que o vinho, que até 1905 entrava em Lisboa, era na maior parte, ou quasi totalidade, de cerca de 12 graus.

Da escala alcoolica, pela importação de vinho de mais de 12°, resultou um insignificante augmento de receita, como se vê do exemplo fornecido pelo primeiro semestre de 1906. O total do imposto foi de 834:052$674 réis, assim discriminado até a importancia de 823 contos.

O vinho até 12° pagou 713 contos de réis; 2.519:000 litros de 13° pagaram 99 contos de réis; 358:000 litros de 14° pagaram 15 contos de réis. Quer dizer que, a mais do que exigia a pauta do consumo antes do decreto de 14 de janeiro de 1905, o vinho de 13° pagou réis 10:076$000, correspondentes ao augmento de 4 réis por grau e litro; o vinho de 14° pagou mais 2:764$000 réis, correspondentes a 8 réis por dois graus a mais. Como agora a graduação minima é de 13°, segundo o projecto, o augmento seria somente de 2:864$000 réis em um semestre ou de 5:728$000 réis no anno, o que fica muito áquem dos 200 contos de réis que o Governo vae gastar por anno. (Apoiados).

Não combato este sacrificio feito em favor da viticultura do sul; mas quiz provar que é da receita geral que sairá. De resto, é opinião minha que, em logar de se dispender tal quantia em cousas a meu ver inuteis, devia ser applicada a premios de fabrico de aguardente, á razão de 10$000 réis por pipa. A despesa em questão sae das receitas geraes do Thesouro, e o Governo tem, para a compensar, apenas a verba de 40 contos, correspondentes aos premios aos vinhos de mais de 19° saidos pela barra do Porto, os quaes são, pelo projecto, supprimidos sem razão nem motivo. (Apoiados).

Sendo certo que se não pode comprehender que subsista o alcool industrial coexistindo com uma plethora de vinho de queima e de aguardente, pensava o sul encontrar uma certa compensação em se prohibir o emprego do alcool industrial na adubação dos vinhos; mas desde logo se afigurava justo indemnizar as fabricas dos prejuizos que de tal medida lhes resultassem.

Guiado por este principio de equidade, o que fez o Governo? Na sua proposta de lei nada poz a esse respeito. As fabricas de alcool não figuravam, por qualquer maneira, na proposta de lei inicial. Foi no projecto das commissões da camara electiva que appareceu a base 7.ª N'essa base era o Governo auctorizado a expropriar as fabricas de alcool dos Açores e do continente, mas em circunstancias que chegavam a ser extravagantes: logo que fosse fixado o preço da indemnização, as fabricas deixariam de laborar, mas este preço só seria pago, e sem accrescimo de qualquer juro, pelo lucro que o Estado auferisse na importação do alcool estrangeiro, quando o preço da aguardente ou do alcool vinico excedesse o maximo fixado na lei vigente.

Era uma forma singular de expropriação: logo que fosse fixado o preço da expropriação, as fabricas deixavam de laborar, mas o preço da indemnização havia de ser pago sempre pela receita que o Governo viesse algum dia a arrecadar pela importação do alcool estrangeiro. Francamente, se não era mangação, parecia-o. Mas como a expropriação das fabricas dos Açores só teria logar desde que mais de metade da producção declarasse sujeitar se ás condições que já referi, claro era que a expropriação não teria logar e que, por isso, as fabricas ficariam a poder laborar quando as circunstancias lh'o permittissem e, portanto, o alcool industrial em concorrencia com a aguardente de vinho. (Apoiados).

Os viticultores do sul mostraram-se dispostos a não transigir com systema que não excluisse definitivamente o alcool industrial. Houve reclamações, sendo procurados o Sr. Ministro das Obras Publicas e o Sr. Presidente do Conselho, solicitando-lhes que a expropriação se fizesse necessariamente. O Sr. Presidente do Conselho respondeu que, «emquanto fosse chefe do Governo, as fabricas não seriam expropriadas ».

Como de costume os factos demonstraram, os Açores podiam logo receber parabens.

Uma affirmação peremptoria, feita pelo Sr. Presidente do Conselho, é meio caminho para o Governo fazer exactamente o contrario. No caso presente, teve cabal e carissima realização, como demonstrarei. Os animos appareceram exaltados, o Sr. Presidente da Real Associação de Agricultura resignou o seu logar de Deputado, e os viticultores do sul, emquanto o Governo fazia votar na Camara electiva o projecto como estava, e como questão fechada, reuniam-se, faziam comicios e promoviam a formação de uma formidavel legião que havia de ir ao Paço das Necessidades dizer que «tal Governo não servia o Rei nem o paiz». (Apoiados).

Foi então que do lado da Rua dos Navegantes se annunciou a saida da pomba portadora, não do ramo de oliveira, traduzindo a paz e que a tempestade cessara, mas uma engenhosa e ao mesmo tempo formidavel ponte, por onde todos poderiam passar - o Governo, a junta agricola e os 40:000 homens da legião.

Muito se discutiu então se a ponte salvadora fôra da iniciativa do Sr. José Luciano de Castro, se saira das conferencias do Sr. João Franco com o Sr. Pinto Coelho, sendo certo que, n'este ponto, um grande silencio se fez em volta do nome do Sr. Ministro das Obras Publicas, como se nada tivesse com este assumpto da sua pasta.

Os primeiros jornaes que trouxeram a feliz nova da descoberta da ponte foram o Diario de Noticias e o Seculo, na noite d'esse dia, confirmada pelo Correio da Noite: o Sr. José Luciano tomara a iniciativa de obter uma solução que harmonizasse os descontentes e que fôra acceita por todos. Attribuia-se a informação a propositos gabarolas do Sr. José Luciano de Castro, que, amparando a actual situação politica, não se esquece nunca de mostrar que ella vive somente do seu apoio no Parlamento e das suas ideias na administração. Pois agora se vê que todos se enganaram. A informação, attribuindo a iniciativa da solução ao Sr. José Luciano foi mandada para os jornaes... pelo Sr. Ministro das Obras Publicas, que não quer a paternidade de tal monstruosidade, que prejudica ou para nada serve os viticultores do sul, mas que sacrifica grandes interesses do Thesouro. (Apoiados).

Não é uma ponte banal a inventada: é uma ponte que, pelo que custará ao Estado, se pode considerar feita de ouro. (Apoiados).

Apreciarei em primeiro logar aja celebre ponte, reservando para depois a avaliação do seu custo.

A ponte consiste na substituição á base 7.ª do projecto, desapparecendo a expropriação das fabricas, mas estabelecendo um regimen novo, nos termos seguintes:

1.° O alcool industrial será vendido por intermedio do Mercado Central dos Productos Agricolas, a preço não inferior a 2,62 réis por grau centesimal e por litro;

2.° O alcool industrial produzido até 1 de janeiro de 1907 fica exceptuado d'este regimen durante os primeiros seis annos posteriores á publicação da lei, mas o existente nos Açores não poderá entrar no continente, quer puro, quer desnaturado, em quantidade superior a 800:000 litros em cada um d'aquelles annos, a não ser que em algum d'elles a aguardente ou alcool venha attingir o preço de 2,62 réis por grau e litro.

Desde logo se vê que a base nenhuma cousa promette, faz ou garante, para que a aguardente se venda a 2,62 réis por cada grau e litro; desde logo se reconhece que isto em nada altera para melhor o preço da aguardente, mas que poderá alteral-o para peor.

Quem passa n'uma ponte assim, é

Página 508

508 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

porque tem demasiado medo á agua, ou quer acreditar o constructor.

Quem passa n'uma ponte assim, já é não ter medo á morte por submersão e asphyxia, mas ter o receio de se constipar, molhando os pés.

Uma cousa fica já adquirida para os fabricantes de aguardente; é que o preço da aguardente não mais será influenciado pela lei da offerta e da procura; é que nunca mais poderão pensar em vender a aguardente pôr mais de 2,62 réis, grau e litro, ou por mais de 109$000 réis por pipa de 534 litros e de 78°;

Grandes ou pequenas, abundantes ou escassas que sejam, as colheitas, a aguardente não poderá subir d'aquelle preço, pois logo virá o alcool industrial que se fabricar, os milhões de litros de alcool que estão fabricados e em deposito. (Apoiados).

Nunca mais poderá obter preço superior a 2,62 réis por grau e litro; não mais terá realização a elevação d'esse preço, nem ao que foi reconhecido como necessario para remunerar os vinhos de queima, em um congresso vinicola que ha alguns annos se reuniu em Lisboa.

Isto só aconteceria com a prescripção do alcool industrial, por maneira a não poder ser fabricado nem importado.

E depois, o preço de 2,62 réis, por grau e litro pelo alcool industrial, já era officialmente reconhecido.

O preço no alcool, que a lei de 21 de julho de 1893 se obrigou a proteger e fixar, foi o de 240 réis o litro, comprehendendo a tributação de 70 réis por litro.

Esta passou pelo decreto de 14 de junho de 1901 a 80 réis, e o preço official a 250 réis, o qual, em alcool de 95°, corresponde a 2,62 por grau e litro.

Agora o preço de 2,62 réis por grau e litro passa a ser o minimo. É a unica differença. (Apoiados).

Mas que influencia poderá isto ter no preço da aguardente?

Já agora não vendiam o alcool por menos de 2,62 por grau e litro; já desde 1905 que se não vende alcool industrial, nem caro nem barato, e todavia a aguardente tem oscillado entre 70$000 réis e 80$000 réis a pipa.

Nenhuma influencia terá o novo regimen no preço da aguardente?

Ha de tel-a, bem prejudicial.

Ainda em 19$4 a aguardente se vendeu a 160$000 réis a pipa. Não mais isto acontecerá.

Quando chegar a 109$000 réis, debater-se-ha na concorrencia do alcool industrial, que poderá ser vendido por esse preço.

Mas, para já, o regimen é prejudicial ao preço da aguardente, como vou demonstrar.

A primeira e larga concessão, que a substituição á base 7.ª, isto é, ao já celebre ponte, faz, é permittir que as fabricas açoreanas vendam, pelo preço que lhes convenha, todo o alcool fabricado e existente nas fabricas.

Esse alcool, na quantidade de litros 4.991:493 litros, existe em duas fabricas de S. Miguel - Lagoa e Santa Clara - sem falar em 80:000 litros que, por conta das fabricas, ha armazenados em Lisboa.

As emendas permittem que, nos primeiros seis annos que se sigam á promulgação da lei, o regimen não tenha execução relativamente ao alcool fabricado até 1 de janeiro de 1907, podendo entrar livremente no continente por qualquer preço, em cada, um d'esses annos, 800:000 litros.

Até aqui, sem a concorrencia, do alcool açoreano, que não tem sido vendido por preço inferior ao da tabella, a aguardente tem-se vendido em volta do preço de 80$000 réis a pipa ou 1,92 réis por grau e litro.

De futuro, e durante seis annos, terá em cada anno a concorrencia de litros 800:000, que os açoreanos poderão mandar vender pelo preço que quizerem e que fará baixar os preços fracos que já hoje existem. (Apoiados).

E todo o cuidado houve em que o alcool em deposito viesse para o continente em regimen livre, pois que 800:000 litros em cada um dos seis annos perfaz, com uma insignificante differença a quantidade de alcool existente nas fabricas.

Assim se vê o que vale a emenda que tão celebrada foi e que conseguiu hypnotizar o leão dos campos. (Apoiados).

Agora vou mostrar quanto ella custa; vou mostrar que o custo é ruinoso, indefensavel.

Se tivesse força politica para impedir que fosse lei o que se propõe na nova base que o Sr. relator mandou para a mesa, não seria lei.

Vae a Camara ver quanto custam os caprichos e imprudentes affirmações em relação ás fabricas de alcool. A nova base é assim concebida:

«É fixada nos termos seguintes a quantidade de assucares açoreanos a que é concedida a protecção consignada na lei de 15 de julho de 1903; terceiro anno, 3:500 toneladas; quarto anno, 4:000 toneladas.

§ 1.° Os assucares fabricados nos Açores com productos do solo açorea no, que forem exportados para o continente do reino, pagarão de imposto de importação, nas respectivas alfandegas 52,5 réis por kilogramma o superior ao typo 19 da escala hollandeza e 40 réis o assucar não especificado, alem dos impostos de fabricação e consumo e respectivos addicionaes.

§ 2.° Para terem este beneficio, as fabricas obrigam-se a pagar o preço minimo de 9 réis insulanos por kilogramma de beterraba cuja cultura contratassem».

Quanto custa esta concessão?

Para bem se comprehender a enormidade da concessão é preciso referir o que a pauta diz acêrca do assucar e as principaes disposições da lei de 15 de julho de 1903, que deu protecção ao assucar açoreano.

A pauta tributa o assucar superior ao typo 20 da escala hollandeza em 145 réis; o assucar não especificado em 120 réis, sujeitos ambos os assucares ao imposto do fabrico e addicionaes.

A lei de 15 de julho de 1903 estabeleceu:

1.° Que o assucar fabricado de productos do solo açoreano e destinado ao consumo nos Açores pagaria 30 réis por kilogramma, durante 15 annos;

2.° Que, durante o mesmo periodo, os assucares produzidos nos Açores, que forem exportados para o continente do reino, pagariam 50 por cento do direito da pauta de importação applicada ao assucar estrangeiro.

Da execução da lei resultava, sem ter em linha de conta o imposto de fabrico para o assucar exportado para a continente e os addicionaes para todo, que o assucar nos Açores pagava 30 réis por kilogramma; no reino, o superior ao typo 20 pagava 72,5 réis, o não especificado 60 réis.

Este regimen não era applicado a todo o assucar que fosse fabricado, mas, nos termos do § unico do artigo 1.° da lei de 1903, restricto ás seguintes quantidades: no primeiro anno 1:000 toneladas, 1:500 no segundo, 2:000 no terceiro, 2:500 no quarto, 3:000 no quinto, 3:500 no sexto, 4:000 no setimo e seguintes até o decimo quinto.

Em relação ao direito da pauta, e considerando o assucar que nos Açores fabricam superior ao typo 20, como de facto é, pois assim sae logo das turbinas, os prejuizos de receita que o Thesouro teria nos primeiros seis annos, pelo regimen de 1903, seriam assim avaliados. Nos primeiros seis annos a producção protegida era de 13:500 toneladas.

Como nos Açores o assucar açoreano é vendido mais barato que o estrangeiro, 20 réis em kilogramma, elle toma o mercado açoreano ou segundo a estatistica, cêrca de 1:000 toneladas por anno.

Da capacidade productora nos seis annos, deduzindo o consumido nos Aço-

Página 509

SESSÃO N.° 47 DE 5 DE ABRIL DE 1907 509

res, ficam 7:500 toneladas para metter no reino, computando-se assim o prejuizo de receita: 6:000 toneladas a 115 réis por kilogramma (consumido nos Açores), 690 contos de réis; 7:500 toneladas a 72,5 réis de prejuizo por kilogramma (introduzido no continente), 543 contos de réis, ou 1:233 contos de réis.

Agora, pelo regimen da emenda, a capacidade productora dos primeiros seis annos augmenta, passando para 17:000 toneladas, ou sejam 1:000 no primeiro anno, 1:500 no segundo, 3:500 no terceiro, 4:000 no quarto, 4:000 no quinto, 4:000 no sexto.

E o direito do assucar superior ao typo 20, que era 72,5 réis, passa para 52,5 réis; os prejuizos de receita são assim computados: 6:000 toneladas a 115 réis de prejuizo em cada kilogramma (consumo nos Açores), 690 contos de réis; 12:000 toneladas a 92,5 réis de prejuizo por kilogramma (introduzido no continente), 1:110 contos de réis.

Total do prejuizo nos primeiros seis annos: 1:800 contos de réis.

A quebra de receitas, em relação ao regimen de 1903, e até 1911 - vista a laboração fabril do assucar ter sido iniciada em 1906 - augmenta de 567 contos de réis.

Nos annos seguintes, quer o assucar seja superior ao typo 20, quer o não especificado, pagará, pela emenda, menos 20 réis do que pela lei de 1903.

Em 4:000 toneladas o Thesouro cobrará menos 80 contos de réis em cada anno ou menos 720 contos de réis em nove annos.

Nos quatorze annos do regimen do assucar açoreano a emenda vae custar mais, ao Thesouro, 1:287 contos de réis. É o grande jubileu! É quanto custa a ponte, alem da facilidade á venda de todo o alcool depositado! (Apoiados).

As colonias, que podem produzir 12:000 toneladas de assucar, pagando 50 por cento do direito da pauta, garantido por quinze annos, nos termos do decreto de 2 de setembro de 1901, pedirão e obterão um acto de justiça que lhes torne extensivo o beneficio concedido aos Açores, mas justificado ainda por mais precisar da protecção o assucar de cana do que o assucar de beterraba.

E então o prejuizo de receita augmentará de 240 contos de réis em cada anno,

É por quanto ficarão ao paiz os imprudentes compromissos do Governo e as pontes ou forcas que os amigos lhe lançaram.

E não se diga que é um beneficio reclamado pela economia dos Açores.

No districto da Horta não se cultiva batata doce nem beterraba; no districto de Angra ha tres annos que não se cultiva batata doce, nunca se cultivou a beterraba nem se fabrica alcool.

No districto de Ponta Delgada, a Ilha de S. Miguel cultiva agora a beterraba, em execução da lei de 1903.

São, pois, interesses muito restrictos, mais dos fabricantes do que dos povos, aos quaes o projecto vae sacrificar importantes receitas do Thesouro. Não se diga que a nova base torna os novos beneficios dependentes de os fabricantes pagarem a beterraba a 9 réis insulanos o kilogramma, conforme o seu § 2.°, e que isso é um grande sacrificio que se lhes impõe. Não é assim.

É certo que em 1906, primeiro anno do fabrico do assucar, os fabricantes pagaram a beterraba a 6,5 réis insulanos ou 5,2 réis fortes.

Tendo os cultivadores perdido réis 6:240$000 nos 7.715:000 kilogrammas que venderam, exigiram novos preços, que, muito antes de germinar a famosa ideia da ponte ou emenda, foram os contratos fixados em 8 réis insulanos, e aos 9 réis chegariam sem que se modificasse a tributação do assucar. Quando a beterraba contivesse mais de 12 por cento de assucar, o augmento de preço para 9 réis insulanos não passaria de 20 contos de réis.

E tudo isto porque o Governo não quiz indemnizar as fabricas pelos prejuizos que resultassem de não lhes ser consentido o fabrico de alcool industrial, allegando que as fabricas não laboravam.

Era exactamente por isso que nunca houve melhor opportunidade para a expropriação. (Apoiados).

Se a indemnização é equivalente aos lucros cessantes, sendo elles quasi nullos, a indemnização seria insignificante. Foi esse criterio que me determinou a incluir no meu projecto de 9 de fevereiro de 1906 uma auctorização para o Governo indemnizar as fabricas de alcool existentes no continente do reino e nas Ilhas de S. Miguel e Terceira, que tivessem laborado regularmente nos annos de 1902-1903, 1903-1904 e 1904-1905 que, á data da lei que se fizesse, não tivessem sido transformadas, ou em via de transformação, para o fabrico do assucar. Se fosse lei, a indemnização seria relativamente pequena. As fabricas que ha no continente, do Castello, de Paço de Rei, Devesas, Aforada e Cavaco, não laboram ha annos. As fabricas Nova Empresa Angrense e Ramo Curto, do districto de Angra, não laboram ha tres annos. No districto de Ponta Delgada, a fabrica Ribeira Grandense não laborou em 1904-1905 nem 1905-1906; a fabrica de Santa Clara foi transformada em fabrica de assucar. Nos termos do meu projecto de lei ficava apenas a fabrica da Lagoa. Esta ou todas não podiam fabricar mais de 3.000:000 de litros, descendo em cada anno a quantidade de 200:000 litros por annos, até o limite de 2.000:000 de litros.

Quando a venda do alcool se fazia, e pelos preços da tabeliã, adoptando para base do calculo os preços de materias primas e as despesas de fabrico que os fabricantes declararam em 1903, em diversas representações dirigidas ao Parlamento, cada litro deixaria um lucro de cerca de 25 réis. O lucro total seria de 50 contos de réis.

Mas seriam estes lucros que deixariam a producção e a venda do alcool? Não; para isso era preciso vender o alcool a 250 réis o litro. Vendendo a 225 réis, o lucro era nullo. Pois nem a 225 réis o podem agora vender. Já se vê que nunca houve occasião igual para acabar definitivamente com o alcool industrial, sem, todavia, desprezar interesses legitimos. (Apoiados).

O § 3.° da nova base diz:

«Da verba de 180 contos de réis, inscripta na base 6.ª, serão applicados 30 contos de réis a compensar o Thesouro da diminuição de receitas que resulta do novo regimen estabelecido para a fabricação do assucar».

Ora esses 180 contos de réis, como já ficou demonstrado, saem das receitas geraes do Thesouro, e não do excesso do imposto do consumo sobre o vinho, por virtude do decreto de 14 de janeiro de 1905. Quererá a emenda dizer que, promettendo-se gastar 180 contos de réis em warrants e premios, somente se gastarão 150 contos de réis? N'esse caso, descontando 90 contos de réis para warrants, 15 contos de réis por anno para armazens de alcool, ficam 45 contos de réis para premios aos vinhos a exportar.

Como d'estes, dois terços são para os vinhos de 14° a 17° e um terço para os vinhos de 11° a 14°, segue-se que estes receberão de premios 15 contos de réis, por meio de um rateio que dará alguns réis por pipa.

Porquê? Porque o novo arranjo ainda tira 10 contos de réis por anno aos premios aos vinhos de pasto.

As compensações que foram incluidas no projecto de lei, posteriormente á sua apresentação no Parlamento, para attender reclamações do sul, custam no periodo de 14 annos, pelos quaes vigorará o regimento do assucar açoreano: pela reducção da receita do assucar, 1:287 contos; despesa a fazer com os warrants, 1:260 contos; armazens de alcool, 210 contos; premios 630 contos.

Total 3:387 contos, correspondendo á media annual de 241 contos de prejuizo para o Thesouro. Isto para a vi-

Página 510

510 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ticultura do sul nada aproveitar, como se verá. (Apoiados).

Preferivel era o premio de 10$000 réis pelo fabrico de cada pipa de agua, ardente até 20:000 pipas.

Custava 200 contos por armo, mas que eram recebidos pelo viticultor.

O projecto inclue integralmente o artigo 8.° do meu projecto de fevereiro de 1906.

É relativo á isenção de contribuição predial no Douro até 1911 e annullação da contribuição predial lançada e não paga.

Era quasi de direito que isso pertencia a uma região que replantou todas as suas vinhas e que se não aproveitou da isenção da contribuição predial por 10 annos, estabelecida no decreto de 9 de dezembro de 1886. É um acto de justiça.

Levanta-se agora a duvida se a isenção abrange ou não o imposto municipal.

Não abrange, não pode nem deve abranger.

O imposto municipal, correspondendo a percentagens sobre contribuições directas, sobre a predial, por exemplo, não é a contribuição predial.

A isenção do imposto municipal privava as camaras municipaes das receitas de que carecem para a sustentação dos serviços que lhes estão incumbidos e para o pagamento dos empregados que recebem dos seus cofres. (Apoiados).

Mando para a mesa as segui ates propostas de alteração ao projecto:

Additamento:

Proponho que ao artigo 2.º do projecto de lei seja additado o seguinte:

«§ unico. O Governo indemnizará os escrivães de fazenda, pessoal das respectivas repartições e os recebedores dos concelhos a que é applicavel o disposto no presente artigo, completando-lhes a media do que pelo exercicio das suas funcções arrecadarem nos annos de 1903, 1904 e 1905».

Eliminação:

Proponho que do § 2.° da base 1.ª sejam eliminados os dois ultimos periodos, que acabam pelas palavras «região demarcada» e «quando funccione».

Proponho que seja eliminada toda a base 2.ª

Proponho que no § 8.° da base 3.ª sejam eliminadas as palavras: «podendo-o ser por qualquer outra barra do paiz, um certificado de procedencia passado pela Alfandega do Porto».

Proponho que no § 14.°, base 3.ª sejam eliminadas as palavras: «e que se inscreverem no registo a que se refere esta base».

Proponho que no § 14.°, base 3.ª, seja eliminado tudo o que vae das palavras: «Poderão tambem», até as palavras: «repartição da Alfandega».

Proponho que seja eliminado todo o § 15.°, base 3.ª

Emenda:

Proponho que no § 19.°, base 3.ª, as palavras: «dentro de oito dias, a contar da publicação do regulamento», sejam substituidas pelas seguintes: «trinta dias da sua data».

Additamento:

Proponho que á base 3.ª seja additado o seguinte paragrapho:

§ 21.° As disposições contidas nos §§ 1.°, 2.° e 3.°, ultima parte do § 4.°, §§ 5.°, 6.° e 7.° d'esta base, não são applicaveis á exportação dos vinhos generosos do Douro, que será permittida aos que tiverem vinhos armazenados no Porto, Gaia, Leixões, Bouças, Gondomar on Douro, arrolados em execução da lei de 3 de novembro de 1906, e aos que apresentarem as guias a que se referem os §§ 11.° e 12.° d'esta base».

Substituição:

Proponho que o § 15.°, base 6.ª, seja assim substituido:

«O excedente da verba consignada n'esta base será applicado a premios aos vinhos exportados para o estrangeiro, de 11° a 14º».

Eliminação:

Proponho que seja eliminado o § 16.° da base 6.ª

Proponho que seja eliminado o § 19.° da base 6.ª

Substituição:

Proponho que o § 20.° da base 6.ª seja assim substituido:

«São abolidos os premios criados pelo decreto de 14 de janeiro de 1905.»

Substituição:

Proponho que a base 12.ª seja assim substituida:

«É o Governo auctorizado a modificar a legislação sobre propriedade industrial na parte que seja preciso harmonizar com as disposições d'esta lei».

Eliminação:

Proponho que seja eliminada a base 4.ª

Sr. Presidente: As emendas teem em vista somente melhorar o projecto na parte que diz respeito ao Douro. Não mando qualquer emenda ao que se diz assentado com a viticultura do sul, e exactamente por essa razão.

O projecto não é bom, mas ficaria menos mau.

É um dever de todos collaborar n'esse proposito e honrar as palavras sinceramente sentidas, affectuosamente proferidas por El-Rei na Regua, ao affirmar que seria o protector do Douro, cuja desolada situação os seus olhos viram.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi abraçado por todos os seus correligionarios presentes e cumprimentado por quasi todos os Dignos Pares e muitos Senhores Deputados que assistiram á sessão.)

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que admittem á discussão as emendas mandadas para a mesa pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa tenham a bondade de se levanta.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Não é isso que eu pedia a V. Exa. O meu requerimento era para que V. Exa. consultasse a Camara sobre se permitte que as minhas emendas vão desde já á commissão, a fim d'ella as considerar em separado.

O Sr. Presidente: - As emendas ficam em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Hintze Ribeiro: - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa fez um requerimento, e V. Exa. tem de consultar a Camara.

O Sr. Teixeira de Sousa: - O meu requerimento é que V. Exa. tem de pôr á votação.

O Sr. Presidente: - Mas o Digno Par diz-me qual é o artigo do regimento que manda que as emendas vão á commissão emquanto se está discutindo o projecto?

O Sr. Teixeira de Sousa: - V. Exa. o que tem é de consultar a Camara sobre o meu requerimento; e eu não prescindo dos meus direitos. V. Exa. tem de pôr á votação o meu requerimento; a Camara que o approve ou rejeite, conforme entender.

O Sr. Presidente: - Mas as emendas não podem ir á commissão sem primeiro entrarem em discussão.

O regimento diz que ellas devem ser lidas para serem admittidas á discussão, e como é que podem ir á commissão sem entrarem em discussão?

Página 511

SESSÃO N.° 47 DE 5 DE ABRIL DE 1907 5ll

O Sr. Teixeira de Sousa: - Eu tenho o maximo respeito e a maior consideração por V. Exa.; mas V. Exa., se quer discutir commigo, tem de vir para aqui.

O Sr. Presidente: - Eu não posso pôr á votação um requerimento que é contra todas as praxes.

O Sr. Hintze Ribeiro: - Apresentado um requerimento, V. Exa. não é quem decide, é a Camara. Portanto, V. Exa. não pode recusar-se a pôr á votação da camara esse requerimento.

O Sr. Presidente: - Eu vou sujeitar á deliberação da Camara, mas com a consciencia de que se requer um absurdo.

Os Dignos Pares que entendem que as emendas apresentadas pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa teem de ir á commissão, mesmo antes de serem discutidas, tenham a bondade de se levantar.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Não é antes de serem discutidas.

Eu explico.

Apresentadas as emendas, pode-se seguir um de dois caminhos.

Um d'elles é ficarem as emendas em discussão juntamente com o projecto.

Outro caminho é resolver-se irem as emendas, sem prejuizo da discussão do projecto, á commissão, para esta dar sobre ellas o seu parecer em separado, e depois a camara pronunciar-se. (Apoiados).

O Sr. Luciano Monteiro: - O Sr. Teixeira de Sousa fez uma proposta para que as emendas que apresentou fossem á commissão, e entende que o envio d'essas emendas á commissão deve ser feito já, seguindo-se na discussão do projecto. Eu o que desejo, para votar com conhecimento de causa, é saber que destino se pretende dar a essas propostas.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - É muito simples o caso.

Em varios projectos teem sido apresentadas emendas para irem á commissão e a commissão dar o seu parecer em separado.

O que o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa pede é que, sem prejuizo da discussão e votação do projecto, as emendas que se apresentarem no decorrer da discussão, sejam enviadas á commissão, para a camara apreciar depois em separado o parecer que sobre ellas incida. É este o requerimento.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que entendem que estas emendas devem ir á commissão tenham a bondade de se levantar.

Pausa, e depois de verificar a votação:

Está approvado.

A proximo sessão é ámanhã com a mesma ordem do dia.

Está fechada a sessão.

Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 5 de abril de 1907

Exmos. Srs.: Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Pombal, da Praia e de Monforte; Condes: de Arnoso, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Paraty, de Villa Real, de Villar Sêcco; Viscondes: de Athouguia, de Monte São; Moraes Carvalho, Antonio de Azevedo, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Veiga Beirão, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Jacinto Candido, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão e Pedro de Araujo.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

Página 512

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×