SESSÃO N.° 47 DE 24 DE AGOSTO DE 1908 17
O Sr. João Arroyo: - Tendo assinado o projecto que foi posto em ordem do dia, com declarações, vou apresentar, em poucas palavras, a razão do meu procedimento, mesmo porque o que a tal respeito se me offerece dizer, não poderia constituir a base de um longo discurso.
É fora de duvida que o nobre Ministro dos Negocios Estrangeiros é digno de encómios, por se ter occupado de um assunto, que tanto interessa á nossa administração publica, e por ter, no uso da sua iniciativa, apresentado á consideração do Parlamento o projecto em discussão.
S. Exa. revela um criterio são, e uma nitida comprehensão das necessidades do país.
A verdade é que tudo quanto se faça, no sentido de acudir á situação economica em que nos encontramos é digno dos maiores elogios.
Se o assunto me é sympathico, e se a iniciativa do illustre Ministro é digna de incondicional louvor, não posso em todo o caso deixar de expressar á Camara algumas reservas, que ao meu espirito acudiram, quando tive de escrever o meu nome no fundo do diploma que está submettido á ponderação da Camara.
A situação economica internacional portuguesa é, sem duvida nenhuma, mais do que grave e alarmante, extremamente perigosa.
No momento em que os países da Europa, quer nas suas ligações com os europeus, quer nas ligações com os americanos, empregam o derradeiro esforço para defender o seu modo de ser economico, e as conveniencias do seu fomento, nós encontramo-nos desprotegidos nesta luta internacional.
Não dou nenhuma novidade á Camara, dizendo-lhe que no Ministerio, dos Negocios Estrangeiros, logo em seguida á denuncia do tratado luso-francês, se procedeu a trabalhos, a tentativas e a diligencias, no sentido de se melhorar a nossa situação internacional economica; mas a verdade é que taes diligencias entre o Governo Português e a Chancellaria Allemã ou vieram a fallecer, ou a ser relegadas para um plano relativamente secundario.
Quem conhece as minucias d'essas negociações, pasma de que um motivo qualquer obstasse ao seu seguimento, e todavia, a revisão de um tratado entre Portugal e a Allemanha não representava só para a nossa chancellaria o valor e o merecimento que d'ahi nos adviria, mas era a porta aberta para negociarmos com a França.
É absolutamente impossivel que Portugal entre no convivio das nações centraes da Europa, sem que se tenha entendido com o Imperio Allemão.
Nós encontramo-nos com uma pauta convencional, secundaria ou terciaria, para países relativamente aos quaes os nossos interesses economicos são de pouco valor.
Encontramo-nos, em relação aos dois grandes centros de producção industrial, como são a França e a Allemanha, inteiramente desprevenidos.
Quanto á Inglaterra, não podemos alimentar a mais pequena esperança de obter uma troca de favores, ou ainda alcançar qualquer cousa de favor para nós.
Creio que não é a primeira vez que digo e sustento a ideia de que nós, no que respeita a assuntos commerciaes, nunca chegaremos a acordar com a Inglaterra, cousa que valha a pena.
Nós encontramo-nos com a Inglaterra, precisamente na mesma situação de qualquer outro povo europeu.
A nossa situação, em frente da Inglaterra, é difficil, não direi de aclarar, mas de melhorar.
Creia o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que a Inglaterra, dentro da esfera exclusivamente europeia, nada nos dará. Poderá conceder-nos quaesquer favores em materia consular, ou outros, mas no que respeita a taxas fiscaes, fiel aos principies do livre cambismo, não se presta á concessão de qualquer beneficio especial.
Será absolutamente impossivel ao actual Sr. Ministro, ou a qualquer dos successores de S. Exa. alcançar qualquer favor pautal da Inglaterra. Não o fez, não o faz, nem o fará.
Fazer com a Inglaterra qualquer cousa de geito e de valor, dentro da area dos interesses europeus, é absolutamente impossivel.
Nos nossos entendimentos com a Inglaterra, em assunto commercial, tem de intervir materia colonial.
Se o Sr. Ministro se der ao incommodo de tocar nos papeis da nossa chancellaria, lá encontrará um plano ou uma base de estudos, de que derivou uma serie de instrucções que eu enviei ao nosso representante em Londres, pouco antes de sair do Ministerio.
Entendia que era conveniente alargar a esfera do modus vivendi de 1891, feito sobre o Caminho de- Ferro de Lourenço Marques.
Não entro neste momento, em quaesquer pormenores com relação a este assunto, porque sei que as palavras proferidas nesta casa poderão de qualquer maneira embaraçar a acção do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros; mas peco a S. Exa. que, no estudo das nossas relações com a Inglaterra, tenha em vista o que nos possa ser dado como favor indispensavel á nossa agricultura, mas não no terreno europeu.
Dito isto em relação á Inglaterra, peço licença para chamar a attenção do nobre Ministro para as nossas relações com o Brasil. Nós não fazemos quaesquer favores ao Brasil.
Seria possivel a fixação de um differencial que servisse de base a uma convenção com o Brasil; mas dispense-se o nobre Ministro de occupar o seu talento, que é muito e vasto, os seus esforços, que são bons e valiosos, a sua vontade, que é excellente e decidida, que não conseguirá que a Secretaria da Marinha, se preste ao estudo de tal assunto, quanto mais a dar a sua adhesão a um principio de tal ordem.
Pode o Sr. Ministro pedir, exorar, obsecrar, empregar todos os seus esforços, que a Secretaria do Ultramar será completamente inaccessivel, defendendo para todos os nossos generos coloniaes a integridade da sua taxa.
Tem o illustre Ministro de recorrer a outras bases, e bom será que para isso aproveite o proximo interregno parlamentar, tendo talvez em vista o estabelecimento de um porto franco, e uma estação carbonifera, desde que ella não attinja por forma alguma a soberania nacional.
E apressando-me a fazer as minhas declarações, porque não quero abusar da paciencia da Camara por largo tempo, parece-me que tenho direito, não a censurar, mas a lamentar, que a, iniciativa do Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima não fosse melhor utilizada.
Quanto ao projecto, dada a situação dos países da Europa, nada conseguiremos no que respeita ao regime de nação mais favorecida.
Louvo a iniciativa do illustre Ministro, e os seus desejos de fazer obra que seja de utilidade para o país; mas creio que S. Exa., pelo que respeita ao conseguimento de beneficies que para os nossos producios nos podem advir de algumas disposições do projecto, terá de soffrer a mais completa dos illusão.
Aproveite S. Exa. melhormente o interregno parlamentar, e trate então de encarar a resolução do problema economico internacional, tendo em vista a Inglaterra e o Brasil.
Dou por concluidas as minhas considerações, porque sei que estes assuntos não são d'aquelles que concitam a attenção dos meus dignos collegas.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Wenceslau de Lima): - O Digno Par Sr. João, Arroyo concluiu o seu discurso, dizendo que o assunto de que trata 6 projecto, não é d'aquelles que prendem a attencção da Camara.
Não é exacto. Quando esses assuntos são tratados com a competencia e elevação com que o fez o Digno Par,