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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 47

EM 24 DE AGOSTO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira
Coelho Conde de Figueiró

Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Pereira de Miranda propõe que seja aggregado á commissão de fazenda o Digno Par Fernando Mattozo. Por ultimo justifica a ausencia do Digno Par Eduardo José Coelho, e declara que se S. Exa. tivesse assistido á sessão em que foi votado o projecto fixando a lista civil, ter-lhe-hia dado a sua approvação. A proposta é approvada.- O Digno Par Francisco José Machado, requer que, com dispensa do regimento, entre já em discussão o parecer que recaiu no projecto de lei que se destina a dar uma gratificação aos empregados da Camara Legislativa. Approvado este requerimento, é em seguida approvado o parecer. - O Digno Par Pimentel Pinto envia para a mesa uma declaração de voto com respeito á fixação da lista civil. - O Digno Par José de Alpoim faz votos para que na proximo sessão legislativa seja expungido da legislação patria o decreto que criou o Juizo de Instrucção Criminal. Em seguida refere-se a uma syndicancia ao professor de Villar de Pinheiro, freguesia da Villa do Conde. Pede providencias contra os que transgridem a lei relativa ao defeso da caça, e, por ultimo, manda para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Marinha. Responde ao Digno Par o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Ordem do dia: Discussão do projecto de lei n.° 81, que autoriza o Governo a applicar os lucros de uma emissão de moeda de prata á construcção de um monumento dedicado á memoria do primeiro Marquez de Pombal. - Usaram da palavra o Digno Par Patriarcha de Lisboa, Sr. Presidente do Conselho e os Dignos Pares S ;bastião Baracho, José de Alpoim, Francisco Beirão e Dias Costa. - Esgotada a inscrição, é approvado nominalmente, a requerimento do Digno Par Sebastião Baracho, por 35 votos contra 2.- É posto em ordem do dia o parecer n.° 25. Foi approvado sem discussão. - O Digno Par Pimentel Pinto envia para a mesa uma declaração de voto com respeito ao projecto quee allude a erigir um monumento ao Marquez de Pombal. - É tambem posto em ordem do dia o parecer n.° 36, referente ás sobretaxas. É approvado, depois de considerações apresentadas pelo Digno Par João Arroyo, a que responde o Sr. Ministro dos Negocios Extrangeiros. - Encerra se a sessão, e designa-se a immediata, como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 20 Dignos Pares.

Lida a acta, da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Mensagens da Camara dos Deputados enviando os projectos de lei que teem por fim:

1.° Isentar da contribuição do registo o terreno cedido pela Camara Municipal de Lisboa para jazigo dos artistas dramaticos portugueses;

2.° Autorizar o credito de réis 1.241:258$870 para occorrer a despesas em divida da provincia de Angola e districto de Timor.

O Sr. Pereira de Miranda: - Por parte da commissão de fazenda, peço á Camara que annua que a essa commissão seja aggregado o Digno Par Sr. Fernando Mattozo.

Participo que o Digno Par Sr. Eduardo José Coelho, tendo de se ausentar de Lisboa, não póde assistir á ultima sessão. Se estivesse presente teria approvado o projecto de lei relativo á lista civil.

Consultada a Camara, approvou que fosse aggregado á commissão de fazenda o Digno Par Sr. Fernando Mattozo Santos.

O Sr. Francisco José Machado: - Requeiro que se consulte a Camara sobre se permitte que entre desde já em discussão o projecto referente á gratificação a dar aos empregados das Camaras Legislativas pelo excesso de trabalho que teem tido este anno.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

Leu-se na mesa o referido projecto e foi seguidamente approvado sem discussão.

É do teor seguinte:

Artigo 1.° Attendendo ao excessivo trabalho que os empregados das Camaras Legislativas teem tido na actual sessão, e a exemplo do que em outras occasiões e por motivo identico se tem praticado, são autorizadas as respectivas mesas a distribuirem aos seus empregados uma gratificação.

Art. 2.° Estas gratificações sairão dos saldos da dotação das Camaras, existentes no Ministerio da Fazenda e relativos ao anno economico findo.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 21 de agosto de 1908.

O Sr. Pimentel Pinto: - Declaro que se estivesse presente quando se votou o projecto da lista civil, teria rejeitado o artigo 5.°, e approvado todos os outros, em harmonia com a moção que mandei para a mesa.

Mando para a mesa a minha declaração por escrito:

"Declaro que, se estivesse presente, quando ante-hontem se votou o projecto de lei sobre a lista civil (parecer n.° 28), teria rejeitado o artigo 5.°, approvado todos os outros, frisando, porem, que votava o artigo i.°. dando-lhe a interpretação que indiquei na mo

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ção que tive a honra de mandar para a mesa.

Sala das sessões, 24 de agosto de 1908. = O Par do Reino, Pimentel Pinto".

O Sr. José de Alpoim: - Teria de fazer algumas reflexões acêrca da detenção, por parte do Juizo de Instrucção Criminal, de cinco cidadãos durante 81 dias, se o nobre Presidente do Conselho estivesse presente. Como S. Exa. não está, limito-me a dizer á Camara que faço votos por que, na proximo sessão legislativa, seja expungido da legislação portuguesa o decreto e regulamento pelos quaes foi criado o Juizo de Instrucção Criminal porque, sem o desapparecimento d'essa funesta instituição, não pode haver liberdade. Até para as instituições monarchicas do nosso país, é um beneficio que o Juizo de Instrucção Criminal desappareça.

Passo a occupar-me de um outro assunto, pedindo ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que transmitta ao Sr. Presidente do Conselho as minhas considerações.

Foi sujeito a uma syndicancia um dos mais estimados professores de instrucção primaria do país, o professor de Villar de Pinheiro, freguesia de Villa do Conde.

Este professor tem tido as mais altas classificações nos seus concursos, e possue uma folha de serviços, gloriosamente attestada pela camara municipal do concelho.

A syndicancia a que o sujeitam é uma obra de accinte e perseguição, e eu peço ao Sr. Presidente do Conselho que tal não consinta.

Chamo ainda a attenção do chefe do Governo para o cumprimento da lei relativa ao defeso da caça. Em alguns districtos e nomeadamente, naquelles que se avizinham do Porto, tem havido muitas, transgressões.

Mando para a mesa o seguinte pedido de informações, a que V. Exa. se dignará dar o devido e rapido andamento:

"Peço copia de todos os documentos relativos á exoneração de José João Gomes, nomeado pharmaceutico em commissão do quadro de Angola, S. Thomé e Principe. Esses documentos constam do Ministerio da Marinha e Ultramar.

Sala das sessões, 24 de agosto de 1908. = José Maria de Alpoim".

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Wenceslau de Lima): - Não deixarei de transmittir ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino os votos do Digno Par Sr. Alpoim, com respeito ao Juizo de Instrucção Criminal.

Acêrca da syndicancia, mandada fazer pelo Sr. Ministro de Reino, aos actos praticados pelo professor de instrucção primaria de Villar de Pinheiro, sabe o Digno Par, e sabe a Camara, que o facto de se fazer a syndicancia, não implica qualquer procedimento contra o referido professar.

Sendo certo que esse professor é digno de toda a consideração e estima, d'essa syndicancia não lhe resultará mal algum, pois será feita com justiça.

Com respeito ao defeso da caça, direi ao Digno Par que é difficil tomar providencias para que esse defeso seja em todo o ponto respeitado; todavia, o Governo dirá aos seus delegados, e especialmente ao governador civil do districto do Porto, que façam cumprir rigorosamente a lei.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Foi lido na mesa e posto em discussão o parecer n.° 31, que é do teor seguinte :

PARECEU n.º 31

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposição de lei n.° 31 autorizando o Governo a applicar os lucros de uma emissão de moeda de prata, até a importancia de 200 contos de réis, á construcção de um monumento dedicado á memoria de Sebastião José de Carvalho e Mello, primeiro Marquez de Pombal. Ministro de El-Rei D. José I.

Com este mesmo objectivo, mas que deveria ser realizado mediante subscrição publica, foi, por decreto de 28 de abril de 1882, nomeada uma commissão, presidida pelo eminente jornalista e membro d'esta Camara, Antonio Rodrigues Sampaio, sendo essa commissão tambem incumbida da celebração do centenario do grande estadista, na qual se incluia a dita construcção.

Reconstituida a commissão, por decreto de 9 de marco de 1905, tem ella recolhido até a presente data, 228 listas de subscrição de 10:940 cidadãos e collectividades, figurando cada uma d'estas sob o correspondente titulo, mas representando, de facto, alguns milhares de subscritores.

A importancia total das subscrições, variaveis desde o minimo de 10 réis até o maximo de 250$000 réis, e sendo, na maioria, de 500 réis, ascende a 15:162$455 réis.

Estas indicações se, por um lado, constituem manifesta prova de que é grata á nação a ideia de perpetuar por um monumento os relevantissimos serviços com que tanto a honrou e felicitou o maior dos estadistas portugueses, por outro lado mostram quanto é indispensavel o auxilio do Estado para que não se adie por mais tempo a realização de tal ideia.

Sem gravame para o Thesouro, e sem risco de perturbação no meio circulante, pode a projectada emissão de moeda de prata fornecer a receita bastante para, juntamente com a resultante da subscrição publica, poder construir-se o monumento pombalino.

Ficará assim paga uma divida nacional e ornada a capital do reino com imperecivel memoria do seu glorioso restaurador a attestar ás gerações vindouras que a patria sempre venera aquelles dos seus filhos que concorrem para a sua gloria e para os seus progressos por forma não vulgar.

Por estes motivos, a vossa commissão de fazenda, de acordo com o Governo, é de parecer que a mencionada proposição deve ser convertida em lei.

Sala das sessões, em 29 de julho de 1908. = Moraes Carvalho = Frederico Ressano Garcia = A. Teixeira de S ousa = Pereira de Miranda = J. de Alarcão = F. Beirão = Alexandre Cabral = A. Eduardo Villaça = Luciano Monteiro = F. F. Dias Costa, relator.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 31

Artigo 1.° É o Governo autorizado a mandar cunhar e fazer emittir moeda de prata de 500 réis com o toque e peso legal, até a importancia de 200 contos de réis, commemorativa e de homenagem ao primeiro Marquez de Pombal, sendo applicados os lucros d'esta amoedação exclusivamente para os fins para que foi nomeada a commissão de que trata o decreto de 9 de março de 1905.

§ unico. O Governo regulará por decreto a execução d'esta lei, dando conta ás Côrtes do uso que tiver feito d'esta autorização.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 24 de julho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga = João Pereira de Magalhães.

N.° 31

Senhores. - Em consequencia do determinado pala carta de lei de 27 de abril de 1882, foi, por decreto do mesmo mês, nomeada uma commissão para levar a effeito a ideia altamente patriotica, de se erguer em Lisboa um monumento, cuja pedra fundamental foi

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lançada em 8 de maio do referido anno, dedicado á memoria do primeiro Marquez de Pombal, esse notavel estadista que tantos e tão assinalados serviços prestou ao país, que retomou um papel importante entre as nações da Europa.

Essa commissão, recompletada por decreto de 9 de março de 1905, tem .sido desvelada em angariar os meios indispensaveis para dar execução áquelle objectivo, mas necessita que o Espado, por seu turno, alguma cousa faça mais do que dar-lhe o caracter de uma instituição official, e autorize, pela forma legal e sem encargo para o Thesouro, que lhe seja deferida a solicitação que deseja, da cunhagem de moeda espacial commemorativa e de prata até a importancia de 200 contos de réis, no intuito de fazer face, pelos lucros da amoedação, a uma parte das despesas precisas para realizar o pensamento que presidiu á formação da mesma commissão.

Considerando quanto á louvavel o intento da commissão e prestando, como é dever de todos nós, homenagem á memoria do grande vulto historico, a que o monumento é dedicado; e

Attendendo a que a cunhagem da moeda de prata commemorativa em caso algum perturba a circulação d'este numerario, dada a natural e certa ambição crescente dos colleccionadores de todo o mundo culto, ternos a honra de apresentar á Camara dos Senhores Deputados o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo autorizado a mandar cunhar e fazer emittir moeda de prata de 500 réis, com o toque e peso legal, até a importancia de 200 contos de réis, commemorativa e de homenagem ao primeiro Marquez de Pombal, sendo applicados os lucros d'esta amoedação exclusivamente para os fins para que foi nomeada a commissão de que trata o decreto de 9 Be março de 1905.

§ unico. O Governo regulará, por decreto a execução desta lei, dando conta ás Côrtes do uso que tiver feito d'esta autorização.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Deputados, em 21 de julho de 1908. = José Gonçalves Pereira dos Santos = Manuel Antonio Moreira Junior = Manuel de Brito Camacho = João Pinto dos Santos = Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos.

O Sr. Patriarcha de Lisboa (D. Antonio Mendes Bello): - Sr. Presidente por alguns momentos apenas occuparei a attenção de V. Exa. e da Camara, proferindo breves palavras, como justificação do voto que me proponho emittir acêrca do projecto submettido ao debate. Será esse voto a expressão clara, nitida e desassombrada do ditame da minha consciencia, desde ha muito formado, pelo estudo da historia patria, e leitura das obras que se occupam do estadista, cuja glorificação se pretende realizar agora, volvido longo periodo após o seu fallecimento.

Sr. Presidente: tenho sempre considerado como acto digno de applauso, e até como preito rendido á gratidão e ás reclamações da justiça social a homenagem prestada por um povo, por um país aos grandes vultos que, por seus trabalhos e fadigas, por seus feitos e sacrificios, pelas scintillações do seu espirito, pelos fulgores do seu genio, contribuiram para o bem geral e para a prosperidade publica, chegando ao termo da existencia, depois de haverem consagrado á patria, á sciencia, á religião, á civilização e á fé toda o esforço da sua intelligencia, todas as energias da sua vontade e todos os affectos do seu coração.

Dadas taes condições, comprehende-se que aos que nellas se encontrems e trate de perpetuar lhes a memoria, levantando columnas, erigindo estatuas, gravando medalhas, construindo arcadas, ou recorrendo a outros meios que se tenham como apropriados para transmittirem á posteridade a noticia de seus excepcionaes predicados e serviços relevantes.

Rememorando-se assim os varões esforçados que adquiriram e conquistaram afamado renome na governação dos Estados, nas sciencias, nas letras, na magistratura, nas armas, no commercio, na industria, e inscreveram datas gloriosas na historia do seu país, com a sua illustração, com a perseverança e singular firmeza com que, superando obstaculos, insistindo sempre e sempre lutando, se devotaram ao maior, bem da terra que lhes foi berço, poderão todos encontrar nessa recordação um estimulo para os imitarem no vigor da fé e nos elevados sentimentos de patriotismo, de que nos legaram exemplos grandiosos.

Uma estatua, que representa um vulto de taes proporções, uma lapide, que lhe testifique a heroicidade, um monumento, que lhe pregoe os meritos, lhe reconte as virtudes e recorde as datas das suas acções mais prestimosas em prol do engrandecimento da patria, tudo isso é muito de acceitar e de applaudir, especialmente se nesse vulto se admiram, alliançados em apertado vinculo, os fulgores da fé a mais viva com as scintillações da sciencia a mais pura.

Exprimo-me assim, porque julgo opportuno alludir a uma orientação, a que se mostram subordinados muitos espiritos nestes dias que vão correndo, dias tormentosos pelos infortunios soffridos, e por outros ainda maiores, que tanto nos ameaçam.

É frequente ouvirmos falar com enthusiasmo das nossas grandezas passadas, das nossas antigas glorias, das tradições brilhantes do povo português; recordam-se as navegações, os descobrimentos, as conquistas, os emprehendimentos arrojados e perigosissimos, tudo, emfim, quanto, em tempos idos, nos tornou respeitados e nos alevantou ao mais alto prestigio, parecendo, até, que nada satisfaz tanto o orgulho nacional como falar ou ouvir falar de tudo isso a cada instante: rarissimo é, porem, que, falando-se d'essas grandezas, se reconheça, se confesse e preste homenagem a uma das principaes causas que as determinou - á religião - e á origem fecundissima de onde derivam - a fé.

Os dias da nossa maior gloria e da nossa mais apregoada grandeza foram, inquestionavelmente, os da nossa fé. mais viva. os do nosso mais entranhado affecto ás crenças catholicas; mas isso, que é capitalissimo, esquece-se, despreza-se ou põe-se de parte.

É o fruto colhido das theorias e doutrinas subversivas, tão largamente proclamadas, e com tanta insistencia defendidas na epoca actual, doutrinas e theorias que, mirando a desthronar Deus do coração do homem, e a arrancar a fé nos destinos alem tumulo, visam tambem a destruição da familia pelo esfacelamento dos seus vinculos mais sagrados, e, por ultimo, como fatal corollario, a ruina e o desmoronamento das instituições sociaes, com o seu tristissimo cortejo de indisciplina, desordem e perturbação publica.

Sr. Presidente: nada honra tanto um povo, nada tanto o exalta e engrandece, como a alliança dos dois sentimentos mais nobres do coração humano: - a piedade e o patriotismo.

São esses dois sentimentos, em suas variadissimas manifestações, que, syinpathicamente unidos e combinados, produzem os eiFeitos sublimes e arrojadas empresas, que tornam um povo immortal na historia do mundo e da civilização.

Tivemos um berço illustre e tuna adolescencia brilhante, porque os nossos antepassados juntaram ao amor patriotico, que forma os heroes, a fé robusta, que os estimula, alenta e fortifica.

Os nossos pães honraram e amaram como ninguem a divina religião, em que nasceram e morreram, e amaram, sobretudo, a Santa Mãe do Autor d'essa religião. Amaram na com os labios e com o coração, com as palavras e com

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as obras; amaram na, associando-se a todos os feitos, invocando-a em todas as empresas, para ella appellando em todas as tribulações; amaram na, erigindo-lhe altares e templos e fazendo-lhe votos solemnes, e amaram-na, especialissimamente, sob a invocação gloriosa da sua Conceição Immaculada.

Assim devia ser: a razão e a gratidão assim o aconselhava.

A crença naquelle mysterio, coeva com o nosso berço, havia-se manifestado e robustecido, principalmente nas duas epocas mais notaveis da vida da nossa nacionalidade -no nascimento e na restauração- na conquista e na libertação, como que significando que os gloriosos feitos d'essas epocas eram uma recompensa merecida d'aquella fé, um favor particularissimo da Virgem, invocada sob o seu titulo mais augusto.

É assim que depois da tomada de Lisboa aos mouros, em seguida ao arrojado feito, que nos deu esta formosa capital, o Rei Fundador, o primeiro Monarcha português, collocou e fez venerar aqui a primeira imagem da Virgem com o titulo da Immaculada Conceição. É assim tambem que, depois da restauração de 1640, após essa revolução gloriosa, que nos quebrou os ferros do cativeiro, livrando-nos do estranho dominio, que tantos sacrificios, tanto sangue e lagrimas nos custou, o Rei Libertador, com o voto do povo, declara em auto sole ame de Côrtes a Virgem Immaculada Padroeira perpetua do Reino.

E nós, os portugueses de hoje, que sentimos girar nas veias o mesmo sangue dos portugueses de então, e no coração palpitar o mesmo amor, não deixaremos de, a exemplo de nossos maiores, render a Virgem Immaculada os nossos louvores e os nossos cultos, cada vez mais intimos e affectuosos, em todo o tempo, em qualquer occasião e conjuntura, porque são merecidos esses cultos e justas essas homenagens, sem que nos assalte o receio de que cousa alguma, nem mesmo um monumento, a significar e a symbolizar intuitos e sentimentos diversos dos significados por outro monumento, faça esmorecer e menos ainda extinguir o fervor dos cultos rendidos á Excelsa Padroeira do Reino.

A um monumento, ou á concessão dos meios para elle se erguer, se refere o projecto em discussão.

Sr. Presidente : não desconheço nem contesto o alto valor de algumas medidas emprehendidas e postas em pratica por Sebastião José de Carvalho e Mello, 1.° Marquez de Pombal; injustiça seria nega Io; outras houve, porem, devidas á sua iniciativa ou á sua influencia e poderio, que revestiram tão accentuado cunho de violencia, crueldade e prepotencia, e tão dolorosa impressão produziram no país e fora d'elle, como o registam e constatam em suas obras escritores e historiadores nacionaes e estrangeiros, que, por mais que eu medite e pense, não posso descortinar motivos plausiveis para em qualquer occasião, em qualquer epoca, e menos ainda na epoca actual, em que tão clamorosos hymnos se entoam e levantam á liberdade, se tratar de glorificar e exaltar aquelle que á verdadeira liber dade oppôs a mais tenaz e deshumana resistencia.

Não careço, Sr. Presidente, de adduzir argumentos ou citar factos que comprovem este meu asserto; bem os conhecem quantos são mais ou menos lidos na historia patria.

Não os recordarei, pois, agora.

Por essa razão, e por me parecer que a somma, relativamente importante, que se pede ao Thesouro Publico para ser despendida no monumento, a que o projecto se refere, alem de pouco compativel com a penuria do mesmo Thesouro, melhor e mais utilmente poderia ser applicada na realização de alguma das obras sociaes, tão urgentemente reclamadas pelas condições em que o país se encontra, não posso dar o meu apoio e voto de approvação ao projecto.

Supponho, Sr. Presidente, que, procedendo assim, vou pôr-me em desacordo com a esclarecida e autorizada opinião da grande maioria dos Dignos Pares, meus illustres e respeitaveis collegas presentes á sessão; espero, porem, não levarão a mal a minha attitude, inspirada, como já ponderei, pelos ditames da minha consciencia, como certamente o é a que for seguida pelos dos Dignos Pares.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Em resposta ao Sr. Patriarcha, devo dizer que S, Exa., na sua brilhantissima oração cheia de fé e propria de prelado tão distincto e virtuoso (Apoiados), mais defendeu o projecto do que o atacou.

Disse S. Exa. que era justo e patriotico levantar estatuas ou fazer quaesquer outras manifestações que recordassem os serviços prestados pelos vultos notaveis da nossa historia.

É effectivamente d'isso que trata o projecto, e não de pôr a liberdade em conflicto com a fé e a religião do Estado.

Na estatua que se levantar ao Marquez de Pombal não se commemoram os defeitos que elle pela sua condição humana tinha de ter, porque não ha ninguem que, na sua vida não tenha actos de que possa ser censurado; commemoram-se as virtudes d'esse estadista, d'esse Ministro, que foi um verdadeiro amante da sua patria, e que conseguiu que, durante o tempo em que dirigiu os negocios publicos, Portugal tivesse o periodo da sua maior importancia perante o mundo civilizado.

Não tenho a pretensão de fazer agora a historia do Marquez de Pombal; não é isso preciso para ninguem, porque a melhor justificação do projecto está nas palavras eloquentissimas do Sr. Patriarcha, quando definiu, e muito bem, as qualidades que em Sebastião José de Carvalho reconheceu.

Não ha despesas que provenham do projecto; bem pelo contrario ha a criação de receita que para o Estado advem de cunhagem da moeda que no projecto se estabelece.

As razões, portanto, invocadas pelo Sr. Patriarcha não me parece que possam levar o illustre chefe da Igreja Portuguesa a votar contra um projecto, que representa a homenagem raspeitosa e merecida a um grande português. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Sebastião Baracho: - Em conformidade com os preceitos regulamentares, vou ler a minha moção de ordem, que subsequentemente mandarei para a mesa.

É ella d'este teor:

A Camara presta a homenagem do seu respeito e da sua admiração pelo grande estadista que foi o Marquez de Pombal, e continua na ordem do dia. = Sebastião Baracho.

Prestei com effeito essa homenagem em tempos idos. Hoje reitero-a d'aqui, d'este logar.

Eu fui dos romeiros de 8 de maio de 1882. O ponto de concentração foi, nesse dia memoravel, o Terreiro do Paço.

D'ali desfilámos, em civica manifestação, nesse dia primaveril, alegre e garrido, em direcção ao alto da Avenida da Liberdade, onde foi collocada a primeira pedra do monumento projectado ao pujante reformador.

Não nos encontravamos então, positivamente sob a signa da soberania nacional triunfante. Mas a tolerancia cultivava-se intensamente, os direitos individuaes eram respeitados em toda a sua extensão, o parasitario escalracho rotativista nem sequer era presentido.

Depois, decorrem annos e annos; e, com elles, transparece, senão o completo esquecimento, a resignada insensibilidade dos depauperados opprimidos fraquejantes.

A homenagem devida ao glorioso Marquez cedera o passo ás exautorantes leis de excepção, com o associado e

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incessante funccionamento da execranda Bastilha inquisitorial, - refugio imprescindivel de periclitantes regimes, servidos por impudicas oligarchias, de faryantes e de inaptos.

Na sua farisaica doblez, os dirigentes dos ultimos tempos exercem o despotismo, sob disfarces mais ou menos grosseiros; e, simultaneamente, enfeitam-se com exteriorizações de liberalismo, de punica e desprezivel cultura.

Assim, postergam, calcam e repudiam, de facto, toda a obra recommendavel, na ara do patriotismo e da liberdade, conforme vou indicar:

De Manuel Fernandes Thomás, o infatigavel preparador da redemptora revolução de 1820,-da qual passa hoje o saudoso anniversario;

De Joaquim Antonio de Aguiar, o referendario do salubre decreto de 28 de maio de 1834, e cujo apodo de matafrades é mais expressivo do que um laudatorio poema;

Do Bispo de Viseu, o estrenuo defensor da moralidade no poder;

E de Antonio Rodrigues Sampaio, o emerito jornalista progressivo, o apostolo intemerato da honesta descentralização governativa, de que é padrão immorredouro o Codigo Administrativo de 6 de maio de 1878, reaccionaria e nocivamente substituido pelo de 17 de julho de 1886, por seu turno lançado igualmente ao limbo pelo de 4 de maio de 1896, hoje vigorante e positivamente inqualificavel.

Mas renegar os actos meritorios de avoengos illustres, não impede que hypocritamente se lhes celebrem os meritos e as façanhas, no arteiro campo do platonismo. A duplicidade rotativa entende-o por esse modo refalsado, proprio de tartufos.

Nesta orientação, os graduados da seita, que se refestelam nas cadeiras do Governo, não recusam o bronze official, que os admiradores dos varões illustres reclamam, para os perpetuar em estatuas commnemorativas. Não se esquecem mesmo, em lances taes, de se associar, com panegiricos e dithyrambos, aos idolatras, cuja iniciativa encarecem com retumbancia e espavento desusados. Não se pode ser, na verdade, mais protocollarmente rotativo.

Com o projecto em discussão, o norteamento é identico.

Pela parte que me respeita, lamento apenas que elle não tivesse sido approvado por acclamação, sem ser antecedido de quaesquer reparos ou impugnações. Seria mais adequado, consoante o meu criterio.

Desde, porem, que se enveredou por caminho differente, acompanharei os meus collegas, começando por desempoeirar o eptaphio traçado por Fr. Joaquim de Santa Clara, e que synthetiza os grandiosos serviços pelo Marquez prestados á Patria.

Ei-lo :

Aqui jaz

Sebastião José de Carvalho e Mello

Marquez de Pombal.

Ministro e Secretario de Estado

De. D. José I

Rei de Portugal.

Que reedificou Lisboa.

Animou a agricultura.

Estabeleceu as fabricas.

Restituiu as sciencias.

Reprimiu o vicio.

Premiou a virtude.

Desmascarou a hypocrista.

Desterrou o fanatismo.

Regulou o erario regio.

Respeitou a autoridade soberana.

Cheio de gloria.

Coroado de louro.

Opprimido pela calumnia.

Louvado pelais nações estrangeiras.

C"mo Richelieu. S

Mime nos projectos.

Igual a Sully,

Na vida e na morte.

Grande na prosperidade.

Superior na adversidade

Como philosopho,

Como heroe,

Como christão.

Passou-se para a eternidade,

Aos 83 annos da sua idade,

Em 27 de sua administração,

Anno de 1782.

No epitaphio, não esqueceu a menção do desterro do fanatismo, isto é, que ao grande Marquez se deve o luminoso decreto de 3 de setembro de 1759, que expulsou os jesuitas, e hoje está desgraçadamente esquecido.

O clero, coevo do genial estadista, soube affirmar-se tolerante, e fazer-lhe justiça, por occasião da sua morte. O Bispo de Coimbra. D. Francisco de Lemos, presidiu-lhe ás exéquias celebradas em Pombal, onde Fr. Joaquim de Santa Clara recitou o correspondente elogio funebre.

Este traço merece ser consignado aqui, nesta tribuna. Honra a memoria dos que piedosamente nelle collaboraram.

Neste momento, não é elle unanimemente acatado? Peor para os recalcitrantes,- que cooperam, com o seu estreito sectarismo, para que tenha ainda cabimento e propriedade a famosa apostrophe pombalina:

- Agora ê que Portugal vae á vela.

Todos nos deveriamos congraçar em holocausto pela Patria, sem distincções de classes, sem antagonismos de qualquer especie.

Na senda do progresso evolutivo, quão util seria avançarmos irmanados: civis e militares; seculares e ecclesiasticos.

Das antinomias profundas, que podem dar-se, só advirão prejuizos para o país, cujo sentir geral ha de prevalecer contra todas as resistencias, partam de onde partirem.

Occorrem-me estas reflexões, depois de ouvir o Sr. Patriarcha de Lisboa, no seu discurso, aliás muito correcto e eloquente, mas com cuja doutrina me é vedado concordar.

Começou o Digno Par por enumerai-os requisitos indispensaveis para que a posteridade e a fama d'elles se apoderem; nas pessoas dos seus possuidores, perpetrando as em estatuas e outros monumentos.

Muito apropriadamente ponderou o Sr. Presidente do Conselho que, dadas as indicações do Sr. Patriarcha a ninguem ellas cabiam melhor do que ao audaz reformador português.

NÍIO o tinha entendido, sob esse coherente aspecto, o Digno Par, cuja contradição, entre as premissas que assentara, e a conclusão que d'ellas tirou, é patente e manifesta.

Notou depois S. Exa. que um monumento se levante em frente de outro monumento, sendo licito inferir-se da affirmação do Digno Par que a estatua, projectada ao Marquez de Pombal, possa affrontar o que quer que seja.

Interrompe me o Digno Par, affirmando que não dissera em frente, mas sim defrontando.

A emenda, consinta S. Exa. que lhe objecte, é peor do que o soneto. O termo defrontando ainda melhor exprime a rivalidade que eu pus em destaque, perante a asserção que primitivamente attribui ao Digno Par.

Demais, o monumento pombalino tem. a prioridade sobre o outro. A sua primeira pedra foi lançada em 1882, consoante ha pouco notei.

Se alguem quis fomentar rivalidades, não foram, por certo, os liberacs. A estes em nada prejudica, nem incommoda, outro qualquer monumento, fronteiro ao que vae ser erigido ao inclito Marquez. A Liberdade, segundo me foi inoculada desde criança, e que tenho cultivado sempre com o maximo escrupulo, indigita-me que para todos ha logar, no inesgotavel filão da tolerancia, por mais discrepantes que sejam as ideias representativas dos vultos a perpetuar. É ella tão frondosa e vivificadora que á sua sombra, medram até os seus mais ferrenhos inimigos.

Já registei, pela voz autorizada de Frei Joaquim de Santa Clara, a obra reformadora do Marquez de Pombal. Tenho, porem, de entrar noutras minuciosidades, attentas as reflexões do Digno Par, o qual não vacilou em accusar de crueza e de deshumanidade o reformador eminente, a quem Portugal tanto deveu, e ainda hoje deve.

Crueza e deshumanidade!. . .

Patenteou-se ella, porventura, quando elle emancipou os indios no Brasil? ou quando equiparou os canarins aos homens livres da India? ou ainda

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quando aboliu a escravidão, no continente do reino?

Quem conta no seu activo reformas de indole tão generosa, não pode ser acoimado, em absoluto, de cruel e de deshumano.

De outras providencias e medidas é elle autor assinalado, as quaes lhe dão relevo e realce entre os inovadores e reformistas da mais elevada categoria. Transformou completamente o reino, fomentando a agricultura e a industria, desenvolvendo o commercio, engrandecendo as letras, aumentando a defesa do país, quer por mar, quer por terra. Foi assim que, referentemente á defesa terrestre, contratou o reputado conde de Lippe, cujos trabalhos profissionaes ainda attestam, na actualidade, concernentemente a fortificações, o alto valor d'aquelle afamado guerreiro.

Na instrucção primaria e secundaria, substituiu o ensino esterilizador dos jesuitas, pelo de professores estranhos a S3Íta tão prejudicial.

Nem menos; de 837 escolas fundou, para ministrar a instrucção primaria e a instrucção secundaria. Entre as d'esta indole sobresae o Collegio dos Nobres, em que tantos homens laureados se habilitaram, com proficiencia inilludivel, para bem gerir os negocios publicos.

Quanto á reforma da instrucção primaria, vigorava ella ainda ha bem poucos annos, e quiçá com mais uteis resultados do que a que prevalece ao presente.

Da Universidade de Coimbra fez a completa remodelação, introduzindo-lhe melhoramentos que lhe elevaram o conceito, que mais cabal o mio desfrutavam os outros institutos analogos europeus.

Para com a imprensa, não foi tambem indifferente. na sua maneira de proceder. Substituiu a acção que sobre ella exercia a censura ecclesiastica, pela da Mesa Censoria, o que representava um progresso para a epoca em que tal medida foi adoptada.

Como acto magistral, e imprescindivel para a regularização do viver do país, expulsou os jesuitas pelo decreto, nunca assaz celebrado, de 3 de setembro de 1759.

Perante a reacção que esta providencia salutar despertou no Nuncio Apostolico, foram a este entregues os seus passaportes; e, simultaneamente, recolhia a Lisboa o nosso representante junto do Vaticano, e que era proximo parente do chefe do Governo Português.

Após estes actos de dignidade e de força, que tiveram retumbancia em todo o mundo, collocou-se o infatigavel Marquez á frente da cruzada em que collaboraram nações tão accentuadameute catholicas, como a França, a Espanha e o reino de Nápoles, e de que resultou o golpe de morte dado na, ordem de Jesus, pelo Papa Clemente XIV.

A proposito vem considerar, neste momento, que o Sr. Patriarcha, na maneira como aprecia o Marquez de Pombal, não só está divorciado do clero nacional, coevo de tão preclaro vulto, a começar pelo Bispo de Coimbra, D. Francisco de Lemos, e por Frei Joaquim de Santa Clara, mas tambem do proprio Pontifice, cujas virtudes enristas a historia consagra.

Não teria, seguramente, Clemente XIV extinguido a ordem de Jesus, se não estivesse em intima concordancia de ideias com o Marques de Pombal, que anteriormente fulminara a mesma ordem, com o anathema da sua expulsão do territorio português.

Neste ponto, tem cabimento recordar que o Sr. Patriarcha de Lisboa, chega, na sua hostilidade contra o Marquês de Pombal, a ser mais papista que o Papa.

Do mesmo modo, consiitue tambem S. Exa. uma excepção, se comparar mós o que se passa agora, nesta casa, com o que occorreu, quando aqui foi approvado, em 24 de abril de 1882, o parecer que produziu a lei de 27 do mesmo mês e anno, iniciadora do monumento ao genial reformador. Então não houve, sequer, uma nota dissonante a registar.

Representa, Sr. Presidente essa differença a fruta do tempo, e bem gafada ella é.

Depois do detestavel decrete de 18 de abril de 1901, que restabeleceu as ordens religiosas, e que eu tenho quasi isoladamente combatido no Parlamento, o ultramontanismo criou alentos, procurando impor-se e dominar, com affoiteza e sem escrupulos.

São aos cardumes os estabelecimentos de congregações dos dois sexos, hoje existentes em Portugal; e o peor é que sobre elles não tem incidido a fiscalização tutelar do Estado, estatuida pelo malfadado decreto de 18 de abril. Em país conquistado, os triunfadores não dominariam por maneira diversa.

Este e outros syraptomas, de feição retintamente reaceionaria, evidenciam liquidação para breve, e estrondosa.

Os anachronismos que hoje se procuram arraigar não encontram terreno aravel, por muito que os altos pcderes apparentem compartilhar, com a sua desvelada protecção, de actos taes de retrocessso.

Agora, como na vigencia pombalina, prevalecerá o progresso em tecas as suas modalidades, que melhor se integrem, com as civilizadoras necessidades nacionaes. Para conseguir este desideratum, o Marquez de Pombal cultivou com frequencia o despotismo, que era o amparo, por assim dizer, quotidiano, dos dominadores das epocas absolutistas.

Não foi, indubitavelmente, isenta de erros e de atropelos, de especie varia, a administração do afamado Marquez. Todavia, a sua ditadura tyrannica, mas fecunda, preparou a aurora da Liberdade.

Foi elle - o denodado campeão reformador- a encarnação no governo, a encarnação na ditadura, da revolução que se aproximava, e que se desencadeou sete annos, após a sua morte, irradiando de França, por todo o orbe,, os seus emancipadores beneficios.

Não o podem esquecer os liberaes;. não o podem olvidar os patriotas de rija tempera.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Lamento que o projecto não seja votado por acclamação, bem que esse facto originasse um discurso tão erudito, brilhante e liberal come o do Sr. Baracho. Se houvesse ideia de votar por acclamacão, eu associar-me-hia a esse proposito. Mas o Sr. Patriarcha atacou o projecto em nome da crueldade e deshumanidade do Marquez de Pombal. É uma obrigação dizer o que penso.

Associo-me, em meu nome e dos meus amigos a um projecto de lei destinado a erguer um padrão de respeito e affecto á memoria do grande português, que sustou a profunda decadencia em que o nosso país se ia afundando desde os tempos de João III.

Vae erguer-se, emfim, uma estatua ao Marquez de Pombal nesta cidade de Lisboa, reconstruida pela sua mão, pagando-se assim a enorme divida de reconhecimento a quem a ergueu, soberba e altiva, de entre os escombros da velha povoação derruida pelos abalos de terra, devorada pelas linguas de fogo, invadida sinistramente pelas aguas do Tejo que, na ressaca formidavel, arrastaram para as suas profundezas tantas maravilhas e riquezas das nossas epocas gloriosas de navegação e de conquista.

A nossa patria recompensa, ao cabote largos annos, por um monumento erguido ao maior dos seus estadistas, a memoria gloriosa d'aquelle cujo nome soa pelo mundo inteiro, como um d'esses seres privilegiados que, em determinado momento, em si resumiram as aspirações de um povo e enchem a sua historia de jorros de luz e esplendor.

Extraordinaria vida, a d'esse grande homem português! Tem a feição de um romance aventuroso. O pequeno e desdenhado fidalgo, formoso e gentilissimo, de mocidade turbulenta e galanteadora, transforma-se no Ministro poderoso, de animo inflexivel e dominador, que, empolgando o espirito de um Rei, cuja figura mesquinha e nulla elle

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envolveu nos nimbos da sua gloria, arrancou Portugal á lenta agonia em que que se ia arrastando, na frase de Oliveira Martins, "amortalhado num sudario de brocados de sacristia, fedendo a incenso e a morrão".

Para nem sequer faltar a mancha da dor e da desgraça nessa nobre existencia, até padeceu a grande agonia das ingratidões humanas! Abandonaram-no os Principes, a quem elle entregou, poderoso, rico e temido, um povo que encontrara moribundo.

Renegaram-no os Ministros a quem elle dera a gloria suprema de seus socios na obra da regeneração nacional. Insultou-o o povo, que elle expurgou dos dois grandes inimigos: o jesuita e o inquisidor.

Os seus ultimos annos, no exilio de Pombal, decorridos entre padecimentos
physicos e agonias moraes, eivados de odio e cortados de perseguições, são de
uma dolorosa grandeza shakespereana.

Aquelle que fôra poderoso, e cujo avincar da fronte fazia tremer os mais fortes e audazes, infligiam-lhe injurias esses que elle mais engrandecera e que mais o haviam lisonjeado, humilhando-se a seus pés em rasteiras genuflexões.

Nos ultimos versos do soneto de um frade se condensa toda a hedionda philosophia da ingratidão humana. O clerigo que, num sermão encarecera a morte affrontosa do genovês Pelle, e tivera palavras de applauso para o supplicio que lhe mandava decepar as mãos, e despedaçar o corpo a repellões de cavallos, o frade que em Odivellas realçava os talentos e virtudes do Marquez, exclamava depois em torvo e infame rancor:

Digo já que o Marquez, alma damnada,
Foi termo da lisonja e da mentira
Foi fumo que passou, já não é nada.

"Já não é nada!" Eis a frase dos que, na covardia repugnante das almas inferiores, abandonam aquelles cuja mão lhes fez beneficios, quando julgam que d'ella não pode cair a chuva dourada dos favores e das grandezas. Ah! todos os homens publicos que um dia possuiram o poder, conhecem o vesgo e traiçoeiro bando!...

A vida, tão aventurosa e agitada do grande Marquez, a sua obra maravilhosa de energia e de resurreição nacional, não cabe nos estreitos limites de uma pequena oração parlamentar. Dominou a nobreza devassa e beata, que, á sombra do favor do Paço, lograra no tempo de D. João V uma força reputada universal. Soffreou as audacias e ambições do clero, que empolgara uma enorme parte da terra portuguesa, e que, pelo jesuita, affeiçoava os espiritos na cathedra e no commssionario, e, pelo inquisidor, afundava os corações nas sombras do terror e da superstição. Favoreceu a agricultura; incitou as industrias;, desenvolveu as artes; protegeu o commercio; restaurou o exercito; reorganizou a marinha; reformou a Universidade; criou a instrucção primaria e secundaria; refundiu fundamentalmente a nossa legislação civil; enriqueceu o Erario; impôs-se, pela sua energia, ao respeito das mais poderosas nações do mundo. A sua obra enche de orgulho a alma nacional. É como um grande relampago de luz entre a miseria e decadencia freiraticas e douradas de D. João V e os lugubres annos do reinado de D. Maria I, fanatica e louca. O pouco que ainda nos tempos do reinado da filha de D. José ha de sensato e patriotico foi devido aquelles Ministros, que o Marquez educara na sua grande escola politica. Elles eram como o reflexo do sol que, já transmontado, ainda deixa, nos seus clarões vermelhos, rastro de fogo da sua passagem!

Os que odeiam o Marquez de Pombal, ou sinceramente por ternura de corações compadecidos, ou por odio cego do fanatismo religioso, censuram-no pelo barbarismo com que foram cumpridas as sentenças dos tribunaes que condemnaram a horrendos supplicios os accusados de regicidio.

Levantam, deante de nós, os patibulos de Belem com os instrumentos de supplicios, a pingarem, a escorrerem sangue.

Fazem erguer aos nossos olhos, no lance formidavel da execução, os Tavoras, a varonil e ainda bella Marqueza, o heroico e altivo Marquez que beijou humildemente a aspa onde ia ser suppliciado, o gentilissimo e louro filho, de uma graça ainda quasi infantil, todas essas bellas figuras que contrastam com a personalidade repugnante do Duque de Aveiro, covarde e orgulhoso.

Uma immensa piedade se apossa do nosso coração, ao comparar o pavor das suas mortes, com os esplendores da sua existencia tão mimosa de regalos e venturas.

Mas acaso esses fidalgos, cujo supplicio foi menos horrendo que o do humilde plebeu, lambido vivo e devagar pelas linguas de fogo nutrindo-se do breu que lhe escorria pelo corpo, acaso esses fidalgos tiveram sorte mais angustiosa que a de tantos nobres e populares, christãos e israelitas, clerigos e seculares, torturados pelo Santo Orneio, deslocados nos cavalletes, fracturados nos borzeguins, desconjuntados no pô tro e, depois, já feitos uns miseros farrapos humanos, esfarelados nas fogueiras do Rocio entre os sorrisos da Côrte, o olhar indifferente dos Principes e os insultos da multidão?

O Sr. Patriarcha não teme os homens, e os acontecimentos hão de ser estudados á luz da epoca em que apparecem ou se produzem.

No tempo de Pombal, e pelo mundo fora, o Throno e a Igreja já eram de uma ferocidade cruel na applicação das expiações criminaes. Porque ha de a figura do grande Marquez ser desenhada num fundo pavoroso de deshumanidade e de rancor? Porque ha de o Sr. Patriarcha. pintá-lo feroz e deshumano ? Eram soturnos os carceres, humedecidos do Tejo ou do mar, em que jaziam fidalgos ou bispos?

Tambem o eram, ainda nos nossos dias, os carceres em que curtiram as maiores agonias, espancados e injuriados pelo filho de Telles Jordão, pelos soldados e carcereiros do Throno e do Altar, os desgraçados que amavam e defendiam a liberdade!

O mar que lhes coava, aos pulmões e aos ossos dos prisioneiros de Pombal, a doença e a morte, é o mesmo mar que cantava threnos funebres e uivava melancholias aos ouvidos dos desditosos encarcerados o absolutismo! Porque é que se hão de avolumar as agonias das victimas de Pombal, e não hão de os seus detractores ter igual piedade para as dores dos que, já no seculo XIX, soffreram pela causa santa da igualdade e da justiça? Esses carceres eram mais negros, mais pavorosos, que os de Almeida e Estremoz, onde tanto soffreram os inimigos da oppressão e despotismo? Sombrios, os carceres da Junqueira?! Morreram ali fidalgos? Perderam a razão, envelheceram na angustia suprema da saudade? E os carceres dos Estaos, ladrilhados de pedra, testemunhas de tanta dor, de tanta tortura, que não se percebe como as proprias lages se não fenderam de commoção e de horror ? E os ergastulos das Escolas Geraes, e as pocilgas de tantos edificios publicos para onde a Inquisição atirou as suas victimas? E as covas de Evora, e as cadeias de Coimbra, e as prisões de Goa. todos esses logares pavorosos onde a morte colheu tantas victimas, onde a demencia escureceu tantos cerebros, onde os olhos encegueciam de tantas lagrimas que choravam? Foi grande a ferocidade, a crueza de Pombal, exercida em cumprimento de leis acerbas, em nome da Razão do Estado? Seja!

Mas foi menos feroz, menos cruel, a morte dada a tantos infelizes, que, por ordem dos Ministros de uma religião de paz e de amor, marchavam para a fogueira, vendo erguer-se deante d'elles - irrisão suprema ! - o painel piedoso onde a imagem do Christo, escorrendo sangue que a fé diz ter remido a humanidade, só lhes falava de infinita compaixão, de ternura e de perdão?

Não, nobre prelado, não! A justiça manda até dizer que da obra de Pombal se ergue uma benção de ternura e bondade humanas.

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Elle libertou o país do jesuita mercador e dominador, que o Vaticano condemnou como o grande offensor da religião doce e caridosa de Christo; elle apagou para sempre as fogueiras do inquisidor, tão poderoso em Portugal, que o nosso grande Vieira dizia, numa carta de Roma para Duarte de Macedo, 4que em Portugal ,é melhor ser inquisidor que rei"; elle, como disse o Sr. Baracho, libertou os escravos em Portugal, extinguiu a horrivel distincção entre christãos novos e christãos velhos - e esta obra toda só fala de amor, de paz, de justiça e de bondade !

Tambem os seus inimigos o combatem como una grande adversario do catholicismo, e um grande perseguidor da Igreja.

Eu entendo que os prelados portugueses, os parochos das nossas freguesias, o humilde e baixo clero português, todos os que estremecem a religião verdadeira do Christo, devem amar, venerar, e defender a sua memora, porque elle amou, venerou, e defendeu a Igreja Portuguesa. Aos que morrem na impenitericia religiosa, não lhes tributa o catholicismo as suas funebres e piedosas cerimonias.

Quando Pombal morreu, o grande Bispo D. Francisco de Lemos fez-lhe, com toda a clerezia do seu bispado, o mais solemne enterro religioso. Junto do seu cadaver ergueu-se a voz de um dos mais eloquentes oradores do pulpito português.

Porque é que o Marquez de Pombal havia de ser repellido pela religião da sua patria? Expulsara o jesuita? Mas o jesuita é a mancha negra do catholicismo. Aos jesuitas, o maior e mais santo dos pontifices romanos, Benedito XIV, no seu Breve "in specula supremx digniiatis" accusa-os de serem "sem temor de Deus e sem pejo do mundo, em grave prejuizo das suas almas, e com geral escandalo dos fieis".

Aos jesuitas, prohibiu-lhes o Cardeal reformador Saldanha, o Cardeal Patriarcha e todos os bispos de Portugal a confissão e o pulpito. Aos jesuitas, aboliu-lhes a ordem o Papa Clemente XIV, que num consistorio celebrou as virtudes, como filhas da Igreja, do grande Ministro português.

Então, não é Pombal o inimigo do catholicismo!

Agora mesmo, neste instante, o Sr. Julio de Vilhena me diz que um pontifice romano enviara uma santa, de carne e osso, ao Marquez de Pombal, para elle tr-r na sua capella e junto d'ella fazer as suas orações... Foi porque extinguiu para sempre as labaredas do Santo Officio? Mas a Inquisição, com os seus horrores, é a arma vibrada ao peito dos catholicos pelos inimigos da sua fé, que nos mostram o rosto doce e maviosissimo do Christo ennegrecido pelos roles de fumo e ferretado cruelmente de laivos de sangue.

É porque numa prisão jazeu longos annos o Bispo de Coimbra, chefe da seita dos jacobeus, odiosa e maldita? Mas na historia de Portugal não apparece a Igreja a condemnar os Ministros e os Reis, que aferrolhavam nos carceres alguns bispos, por falsearem o seu soberano e a sua patria!

D. Pedro I, diz a historia, ergueu as suas mãos, gaguejando de cólera, sobre um bispo orgulhoso e devasso. D. João II fez morrer numa cisterna o Bispo de Evora. A Igreja não condemnou "o homem". Quando elle estava na agonia, rodeavam-no muitos dos bispos do seu reino e foi ao Bispo de Tanger, que, cuidando ser já finado, lhe fechava os olhos e a bo33, foi a elle que disse a humilde e triste frase: "Bispo, ainda não vem a hora". E não se associaram o Cardeal Patriarcha de Lisboa, o Arcebispo, Regedor, á obra de castigo contra o Bispo de Coimbra, como membros do Conselho do Estado?

A propria Roma sanccionou a morte civil do prelado, acceitando a sua deposição, e a sua substituição pelo Bispo reitor D. Francisco de Lemos.

Porque é, então, o Marquez da Pombal apontado á execração dos catholicos?

Porque criou a Real Mesa Censoria, arrancando ao Santo Officio a intervenção decisiva na publicação de livros?

Mas nessa Mesa Censoria sentava-se o Arcebispo de Evora, e d'ella faziam parte os mais abalisados e piedosos theologos do reino: o virtuosissimo Cenaculo, e até o futuro Arcebispo de Thessalonica, confessor da fanatica Maria I, essa figura plebeia de padre, rude mas generosa, tão admiravelmente descrita nas cartas de Beckford.

Se Roma, se o Vaticano sanccionaram toda a obra de Pombal, elles então, os Pontifices romanos, é que são os supremos inimigos do catholicismo.

Não, o Marquez de Pombal não perseguiu a fé catholica: perseguiu o fanatismo religioso.

Amou, serviu e defendeu a verdadeira religião do Christo e a gloriosa Igreja Portuguesa!

E essa religião é um catholicismo tolerante e generoso, compativel com a ideia santa da liberdade.

Vae erguer-se uma estatua ao Marquez de Pombal. Seja de bronze, como a sua alma inflexivel e heroica. A sua volta, no dia da inauguração, encontrem-se o Rei e o povo. O Rei, porque elle foi um grande servidor da Monarchia, illuminando a com os relampagos do seu talento e porque o Rei precisa de se identificar com a, alma e sentir nacional; o povo, porque elle foi um dos grandes precursores da obra de justiça e fraternidade social.

Não haja em torno da sua memoria odios ou paixões.

Nós, os liberaes, amemo-lo pela sua grande obra: os reaccionarios escondam o seu rancor, até porque a sua pequenez mais faz resaltar a grandeza do poderoso estadista.

Estremeçamo-lo todos, como portugueses.

O Marquez de Pombal não pode ser uma personagem de seita a dos democratas, para o transformarem em bandeira exclusiva das suas lutas; dos reaccionarios, para o converterem em pelourinho dos seus odios injustos e cegos.

A figura do grande Marquez é uma enorme figura nacional. Ergamos, nós todos, os olhos, á sua memoria, como a um dos astros radiosos que refulgem no céu da nossa historia, e cuja luz bemdita influe aos cerebros e aos corações uma confiança profunda nos destinos e no futuro da nossa patria. (Vozes: - Muito bem, muito bem,).

(S. Exa. foi cumprimentado por varios Dignos Pares).

O Sr. Francisco Beirão: - Tenho a dizer muito poucas palavras a respeito do assunto que se discute; mas a posição especial que occupo relativamente a elle, obriga-me a falar.

O ultimo Ministerio da presidencia do Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, e que tinha como Ministro do Reino o meu particular amigo Sr. Conselheiro Pereira de Miranda, considerando haverem fallecido o presidente e a maioria dos vogaes da commissão criada pelo decreto de 28 de abril de 1882 para execução da carta de lei de 27 d'esse mesmo mês, a fim de se erigir por subscrição publica um monumento á memoria do Marquês de Pombal, completou essa commissão, encarregando-a de promover a dita subscrição pela forma que julgasse mais conveniente e acertada.

Eu tive a honra de ser nomeado presidente d'essa commissão, e por isso posso dizer que dentro em pouco tempo serão publicadas as respectivas actas, as quaes mostram quanto ella se tem empenhado dedicadamente para levar a cabo a sua missão. E, posso dizer ou repetir o que já foi dito pelo Sr. relator no parecer que acompanha o presente projecto: embora a quantia adquirida não seja sufficiente para prover á construcção do monumento, é certo que a subscrição, pelo numero e qualidade dos subscritores, como pela importancia de algumas das quantias enviadas, representa um verdadeiro plebiscito, que mostra bem que Portugal deseja glorificar a memoria

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d'aquelle que foi o Marquez de Pombal.

Estou perfeitamente de acordo com todos os illustres oradores que teem tomado parte nesta discussão, ao prestaram devido culto á, memoria de um grande português.

Parece-me que seria asada a occasião para todos, sem preoccupações politicas ou de seita, poderem glorificar um dos maiores homens d'este país, e um dos seus mais prestantes filhos.

Foi esta a ideia que inspirou a Camara dos Senhores Deputados, que approvou a proposta que foi convertida na lei de 27 de abril de 1882, como se vê da moção que foi votada em sessão de 17 de abril e que dizia assim:

A Camara, occupando-se unica e exclusivamente de honrar a memoria de um grande cidadão sem entrar na apreciação especial de qualquer dos seus actos, e satisfeita com as explicações do Governo, continua na ordem do dia.

A commissão a que eu tenho a honra de presidir, devia conservar se fiel á mesma divisa. Assim, ao inaugurar os seus trabalhos, tive o cuidado de bem accentuar quanto seria estranho a qualquer ideia politica ou sectaria. E assim, na acta da sessão de installação, celebrada a 11 de abril de 1900, lê se o seguinte:

O presidente da commissão, convidado pelo Ministro a occupar o seu Jogar, assim que o fez, expôs este o pensamento que entendia dever presidir aos actos da commissão, afastando-se completamente de intuitos politicos e de sectarismo, vendo apenas na figura do Marquez de Pombal o português illustre que por tantos titulos tinha enaltecido a patria.

Não tenho duvida alguma em approvar a moção apresentada pelo Digno Par Sr Sebastião Baracho, tanto mais que essa moção, a meu juizo, traduz por outras palavras o espirito da outra a que me referi e que bem traduz o espirito com que foi vetada a lei de 1882. E devo dizer que como a Camara dos Senhores Deputados de 1882- tambem me satisfaço com as explicações que, por parte do Governo, deu o Sr. Presidente do Conselho.

Quando tive a honra de ser nomeado presidente da grande commissão, estava bem ao facto das variadas cambiantes da opinião politica em Portugal acêrca da obra do Marquez de Pombal, mas posso dizer que por isso mesmo tive sempre em mim prestar verdadeira homenagem ao grande estadista português, abstendo-me completamente, repito, de quaesquer intuitos politicos ou sectarios, e vendo-se apenas na figura do Marquez de Pombal, a de um português que por tantos titulos tinha enobrecido a sua patria.

Foi sempre este o norte que me dirigiu.

Vejo presente o Sr. Ferreira do Amaral, que é vice-presidente da commissão executiva, e vejo tambem presente o Sr. Marquez de Avila, que tambem d'ella faz parte. S. Exas. pedem ser testemunhas de como nessa commissão tem havido sempre a maior cordialidade, tratando-se de prestar homenagem áquelle a quem o país deve muito, e a capital deve tudo. (Apoiados).

Vou terminar as minhas considerações; mas, antes de concluir, agradeço desde já á Camara aapprovação do projecto com a qual conto, o que me permitto fazer em nome da commissão a que tenho a honra de presidir.

Todos por certo admiram a figura do Marquez de Pombal, todos prestam culto á sua memoria. É possivel que a respeito de um ou outro acto do grande Ministro se tenha opinião differente, mas isso não diminue a grandeza d'aquelle vulto.

A luz é só uma, embora, quando atravessa o prisma, se decomponha em cores differentes.

Muito se tem dito a respeito do Marquez de Pombal; mas para mim o melhor juizo está feito numa pequena comedia em tres actos, feita por Almeida Garrett e intitulada: A sobrinha do Marquez.

As comedias são muitas vezes a representação real da vida; e ninguem melhor que Garrett traçou, a meu juizo, o perfil do grande Marquez.

Era isto o que tinha a dizer. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

O Sr. Dias Costa (relator): - Direi duas palavras apenas.

Na minha qualidade de relator do projecto, ser-me-hia da maior satisfação que elle fosse approvado unanimemente pela Camara; mas, infelizmente, um dos seus membros mais illustres, que a todos inspira respeito pelos seus merecimentos e virtudes, e cujo voto teria, no caso sujeito, grande valor, attenta a posição que, com tanto brilho occupa de chefe da Igreja Lisbonense, pronunciou palavras que me causaram o maior pesar.

Disse o illustre Patriarcha de Lisboa que os tempos iam maus.

Será assim, mas já foram peores.

Mas, se os tempos vão maus, é isso mais um motivo para que todos os portugueses se unam para o fim que devem ter em vista - a glorificação da patria. E o Marquez de Pombal foi um dos grandes portugueses que mais contribuiram para a grandeza da sua nação.

Mas foi bom, em todo o caso, que um Digno Par manifestasse a sua divergencia, sobre o projecto, porque ' essa divergencia deu logar a que a Camara ouvisse duas brilhantes e eruditas orações, como foram as pronunciadas pelos Srs. Baracho e José de Alpoim, aos quaes se seguiu, em palavras eloquentes e sentidas, o Digno Par Sr. Beirão.

O illustre prelado de Lisboa justificou o seu voto, dizendo que o Marquez de Pombal foi inimigo da liberdade, e executor do um despotismo digno de toda a censura.

Ora, deve notar-se que os factos historicos só podem ser apreciados segundo o criterio da epoca em que se deram, pelo que, podem ser ou não legitimos.

Mas o Marquez de Pombal, não foi inimigo da liberdade: antes foi o seu precursor. Foi elle quem lançou a semente á terra; e, se essa semente não germinou em pás, a culpa não foi do grande estadista, e sim do despotismo d'aquelles que haviam feito d'este país um bando de escravos e fanaticos.

O despotismo é, como o vento leste, que deixa a terra resequida, um mal que tolhe todas as forças productivas de uma nação, e que só pode ter fim, quando ella é revolvida pelo ferro de uma revolução, ou pela energia e talento de um homem como o Marquez de Pombal. E a culpa, da decadencia de um país, é sempre obra do despotismo, e nunca obra da liberdade. (Apoiados).

Quanto aos encargos para o Estado, resultantes da approvação d'este projecto, taes encargos são nullos, como muito bem disse o Sr. Presidente do Conselho. O projecto cria uma receita especialmente destinada ao monumento, que tem de ser erguido por vontade da nação, expressa na lei de 27 de abril de 1882.

Se não me julgasse falho de benemerencias e de valimento, pediria ao Sr. Patriarcha de Lisboa que desse o seu voto ao projecto, sendo assim benevolo para com os seus subditos espirituaes da capital do reino, a quem mais interessa a homenagem devida ao grande restaurador d'esta formosa cidade.

Não me atrevo a fazer tal pedido; resta-me ao menos a consolação de que não erram os que concorrem para essa homenagem', porque, como muito bem se diz no relatorio da proposta de lei citada pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho: "Nestas canonizações civis das posteridades distantes pode crer-se na infallibilidade dos povos.

E agora direi simplesmente o seguinte, para findar a minha pequena oração.

O dia de hoje é de verdadeira festa nacional, porque se commemora o anniversario da revolução de 1820, que deve ser considerado por todos os portugueses como um dos factos mais gloriosos da historia patria.

Foi essa revolução que nos trouxe a

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10 ANXAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

liberdade, sem a qual não ha felicidade humana.

O sentimento da liberdade está hoje bem radicado no coração de todos os portugueses ; e, em nome d'esse sentimento, bom seria que todos elles, neste momento, se unissem para festejar a data memoravel da revolução de 1820, votando por acclamação um projecto já consagrado pela grande maioria do país. (Apoiados. - Vozes : - Muito bem, muito bem).

O Sr. Presidente: - Não havendo mais ninguem inscrito, vae proceder-se á votação do projecto.

O Sr. Sebastião Baracho: - Já que o projecto não é approvado por acclamação, que haja ao menos votação nominal sobre elle. Assim o requeiro.

Consultada a Camara, resolve affirmativamente.,

Feita a chamada, disseram approvo: Antonio de Azevedo Castello Branco, Marquez de Avilla e de Bolama, Conde das Alcaçovas, Conde de Arnoso, Conde de Bomfim, Conde do Cartaxo, Conde de Castello de Paiva, Conde de Castro, Conde de Figueiró, Conde de Lagoaça, Conde de Monsaraz, Conde de Sabugosa, Visconde de Athouguia, Antonio Augusto Pereira de Miranda, Arthur Alberto de Campos Henriques, Bernardo de Aguilar Teixeira Cardoso, Carlos Roma du Bocage, Fernando Larcher, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco Simões de Almeida Margiochi, Frederico Ressano Garcia, João Marcellino Arroyo, Joaquim da Cunha Telles de Vascon-cellos, Joaquim de Vasconcellos Gusmão, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Julio Marques de Vilhena, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Pedro Maria da Fonseca Araujo, Sebastião Custodio de Sousa Telles, Sebastião de Sousa Dantas Baracho. Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Disseram rejeito: Cardeal Patriarcha de Lisboa e Bispo do Porto.

O Sr. Presidente: - O projecto está approvado por 35 votos contra 2.

E lido na mesa, e posto em discussão o parecer n.° 25, sobre a proposição de lei n ° 19, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 25

Senhores.-Tem o projecto de lei n.° 19, vindo da Camara dos Senhores Deputados, por fim tornar extensivas ás familias dos officiaes e praças de pret da armada, que se impossibilitarem por motivo de desastre occorrido em acto de serviço, as disposições da lei de 19 de janeiro de 1827.

Existindo ha tão longo tempo esse beneficio para o exercito, que não representa mais que uma compensação ás familias d'aquelles a quem tantos sacrificios se exigem, justo será que a outros servidores do Estado, não menos dignos, a quem tão arduos serviços são impostos, antepondo muitas vezes ao amor da familia o serviço do Estado, que tal medida se lhes torne extensiva, provando que a justiça, sem distincção de classe, em todos os seus servidores reconhece o mesmo grau de amor, de sacrificios e o mesmo direito a recompensa e á mesma garantia.

Preenchida pelo projecto do Governo uma lacuna, que ha muito se fazia sentir, pois que, embora algumas disposições se houvessem já adoptado com relação a officiaes e praças de pret, não abrangiam essas disposições as familias d'elles, o que o presente projecto attende, é a vossa commissão de marinha de parecer que o mencionado projecto, tão equitativo nas suas disposições, deve ser approvado e convertido em lei.

Sala das sessões da commissão, em 22 de julho de 1908. = Julio M. de Vilhena = A. Eduardo Villaça = Jacinto Candido = F. J. Machado = Antonio Teixeira de Sousa = Gama Barros = L. M. Bandeira Coelho = José Maria de Alpoim = F. F. Dias Costa (relator).

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 19

Artigo 1.° As familias dos officiaes e praças de pret da armada que se impossibilitarem, por motivo de desastre occorrido em acto de serviço, serão applicaveis as disposições da carta de lei de 19 de janeiro de 1827, com relação ás tarifas que vigoravam em 1901, logo que esses officiaes e praças vierem a fallecer.

Art. 2.° Fica revogada a legislação era contrario.

Palacio das Côrtes, em 22 de junho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Metia Veiga = Antonio A. Pereira Cardoso.

N.º 13

Senhores. - A carta de lei de 19 de janeiro de 1827 determinava que os officiaes, officiaes inferiores, soldados e mais praças do exercito, inteiramente impossibilitados de servir ou trabalhar por motivo de feridas recebidas na guerra, percebessem, em quanto vivos fossem, os soldos da tarifa fie paz; e que ás familiar dos que por aquella causa tivessem morrido, ou viessem a morrer, se dessem taes soldos, nos termos indicados na mesma carta de lei.

Ao exercito foi esta lei, por outra de 12 de junho de 1901, mandada applicar - e, assim, os officiaes e praças de pret do exercito quando no serviço se impossibilitem, ou as suas familias, quando em serviço ou por causa d'elle morram, percebem os soldos da tarifa de 1901.

Para a armada, se é certo que em relação aos officiaes e praças se acha isso regulado pelo artigo 154.° do decreto de 14 de agosto de 1892 e pelo artigo 191.° do decreto de 30 de junho de 1898, é certo tambem que nenhuma disposição de lei existe em relação ás familias de officiaes e praças que se impossibilitem por motivo de desastre occorrido em acto de serviço, quando d'esse desastre venham a fallecer.

É uma injustiça e uma deshumanidade.

E porque não é justo que a quem se exigem tamanhos sacrificios, a quem se exige um tão arduo viver, em que aos sentimentos mais queridos a um coração humano se antepõe um dever difficil a cumprir, se não dê a garantia da segurança do futuro d'aquelles de quem tanta vez se viveu longe, com tanta saudade, com tamanhã dor;

E porque não é razoavel que, sendo ao exercito dada essa garantia, o não seja á armada tambem, sendo todos, soldados e marinheiros, membros da mesma familia porque a uns e outros se* exige a tarefa gloriosa, sim, mas ardua, da defesa da Patria Portuguesa;

E ainda porque não seria humano que na triste necessidade de estender a mão á caridade publica, a braços com a miseria, em luta com a fome, se deixassem as familias d'aquelles que, morrendo no serviço da Patria, bem mereceram do seu nome de Portugueses.

Por tudo isto, a vossa commissão de marinha, apreciando a proposta de lei n.°
3-B, entende que, acorde com o Governo, pode ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Ás familias dos officiaes e praças de pret da armada que se impossibilitarem por motivo de desastre occorrido em acto de serviço, serão applicaveis as disposições da carta de lei de 19 de janeiro da 1827, com relação ás tarifas que vigoravam em 1901, logo que esses officiaes e praças vierem a fallecer.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 8 de junho de-1908. = Manuel Antonio Moreira Junior = Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos = Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça = João do Canto e Castro Silva Antunes = Ernesto Jardim de Vilhena = Manuel Telles de Vasconcellos = Joaquim Anselmo da Mata Oliveira = Antonio Macedo Ramalho Ortigão = Antonio Hintze Ribeiro = Alvaro Rodrigues Valdez Pe-

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SESSÃO N.° 47 DE 24 DE AGOSTO DE 1908 11

nalva = Augusto Pereira do Valle = Thomaz de Aquino de Almeida Garrett (relator).

N." 3-B

Senhores. - A carta de lei de 12 de junho de 1901 mandou applicar a de 19 de janeiro de 1827 aos officiaes e praças de pret do exercito, ou ás suas familias, por motivo de incapacidade physica ou morte em resultado de desastre no serviço, com as tarifas que vigoravam em 1901.

Aquella lei determinava que os officiaes, officiaes inferiores, soldados e mais praças do exercito, inteiramente impossibilitados de servir ou trabalhar por causa de feridas recebidas na guerra, percebessem, em quanto vivos fossem, os soldos da tarifa de paz; e que ás familias dos que por aquella causa tivessem morrido ou viessem a morrer se applicassem taes soldos nos termos indicados pela mesma lei.

Na marinha nada está legislado n'este sentido, e é de incontestavel justiça que a carta de lei de 19 de janeiro de 1827 seja applicada ás familias dos officiaes e praças de pret da armada, visto que para estes está providenciado pelo artigo 154.° do decreto de 14 de agosto de 1892 e pelo artigo 191.° do decreto de 30 de junho de 1898.

Tenho, pois, a honra de submetter á vossa illustrada apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Ás familias dos officiaes e praças de pret da armada que se impossibilitarem por motivo de desastre occorrido em acto de serviço serão applicaveis as disposições da carta de lei de 19 de janeiro de 1827, com relação ás tarifas que vigorarem em 1901, logo que esses officiaes e praças vierem a fallecer.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, 12 de maio de 1908. = Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha.

Ninguem pedindo a palavra, foi o projecto approvado sem discussão.

É lido na mesa, e posto em discussão o parecer n.° 36, sobre a proposição de lei n.° 41, que é do teor seguinte :

PARECEK N.° 36

Senhores. - As vossas commissões de negocios externos e de fazenda examinaram com a devida attenção o projecto de lei n.° 41, vindo da Camara dos Senhores Deputados, projecto pelo qual o Governo fica autorizado a estabelecer, dentro de limites fixados, regime fiscal que corresponda ao tratamento que nos seja applicado nos paises com os quaes temos relações commerciaes.

O lucido relatorio que precede a proposta do Governo, depois de examinar os systemas adoptados na legislação fiscal dos países da Europa e da America conclue, e com razão, que o nosso regime fiscal' não dá meio de lutar contra o desfavor de que soffra o nosso commercio nos mercados estrangeiros.

Com effeito, adoptado como está entre nós o systema de pauta geral e pautas convencionaes, mais ou menos particularizadas, mais ou menos autónomas, a nossa pauta geral com 36 annos de existencia, se não satisfaz as justas exigencias internas, muito menos tem a necessaria maleabilidade e a precisa especialização para se prestar á negociação de tratados de commercio.

Para o mais rapidamente possivel obstar á desvantajosa situação do nosso commercio nos mercados externos -e dá-se isto ainda naquelles de que somos dos melhores clientes- recorrer ao systema da pauta maxima e da pauta minima, tomando para base a nossa actual pauta geral, seria se não contraproducente, absolutamente inefficaz. Alem d'isto o systema de pauta minima perdeu muito do favor de que a principio gozou. A pauta maxima ora tem sido empregada como expediente para aumentar ainda a natural elasticidade dos impostos aduaneiros; ora, tal pauta, como na Russia e na Noruega, funcciona como regime de sobretaxas, mas unica e geral, portanto, sem plasticidade que permitta
accommodá-lo em cada caso particular ao fim que se deseje; ora a pauta minima, que, como pareceria deprehender-se do nome, deveria fixar o minimo dos direitos, transformou-se no minimo das concessões, ou o que importa o mesmo no maximo dos direitos convencionaes.

Não resumido, como era ideia inicial, a dois diplomas unicos, pauta maxima e pauta minima, o systema de que se trata, juntando á pauta minima pautas convencionaes com direitos inferiores aos d'aquella, como o tem feito a Espanha, a França, a Russia, etc., perdeu na applicação pratica - de prever era assim aconteceria - a vantagem que theoricamente o recommendava. Passou a ser o systema de pauta geral e pautas convencionaes complicado com uma pauta minima. As variadissimas condições no modo de ser das relações commerciaes não se compadecem com a uniformidade e invariabilidade dos meios para as aproveitar ou corrigir-

Impondo-se a necessidade de prover rapidamente de remedio aos estorvos e prejuizos que cria á nossa exportação o termos quasi fechados ao commercio nacional mercados de que no entretanto somos importantes consumidores e não podendo adoptar-se nem desde já, nem de modo absoluto, quer o systema da pauta geral e pautas convencionaes, quer o da pauta maxima e pauta minima, no projecto que examinamos perfilha-se systema que de um e de outro participa, mas que permitte attenuar os inconvenientes do antiquado da nossa pauta e consente sufficiente liberdade de acção para attender e defender as conveniencias tanto internas como externas da nossa industria e commercio. É mais - completo e mais adaptavel ás actuaes exigencias da politica economico fiscal - o systema que os Estados Unidos da America do Norte adoptaram com a pauta Dingley.

As disposições do projecto pelo que respeita aos artigos da pauta vigente para que se permitte vinculação, elevação ou reducção de direitos, disposições que as vossas commissões cautelosamente examinaram, não se lhes afigura possam prejudicar interesses criados, antes, sem prejuizo para o commercio, será possivel obter mais efficaz protecção ao trabalho nacional, sem pesar sobre o consumidor.

São pois as vossas commissões de negocios externos e de fazenda de parecer que o projecto de que se trata deve merecer a vossa approvação para ser convertido em lei.

Sala das sessões, em 14 do agosto de 1908.== D. João de Alarcão = Teixeira de Sousa = Frederico Ressano Garcia = Alexandre Cabral = Conde de Figueira = Marquez de Penafiel = F. F. Dias Costa = João Arroyo (com declarações) = Conde de Sabugosa = Sousa Costa Lobo = Mattozo Santos (relator).

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 41

Artigo 1.° É o Governo autorizado: 1.° A conceder, mediante reciprocidade e concessões compensadoras, o tratamento de nação mais favorecida em tudo o que disser respeito:

a) Ao exercicio de qualquer profissão ou industria, e aos impostos correlativos;

b) Á protecção da propriedade industrial;

c) Ás taxas de navegação;

d) Aos direitos de importação e consumo.

2.° A convencionar, quando se torne conveniente para obter vantagens compensadoras em favor de productos portugueses, a permanencia dos direitos de importação para consumo, sobre mercadorias comprehendidas nas classes e artigos seguintes da pauta vigente:

Classe I - Animaes vivos: em todos os artigos.

Classe II - Materias primas:

- animaes: excepto nos artigos 20 a 23;

- vegetaes: excepto no artigo 75;

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12 ANXAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

- mineraes:. em todos os artigos excepto 85, 86 e 93;

- metaes: em todos os artigos;

- productos: chimicos: excepto nos artigos 130, 146 e. 148.

- diversos: excepto no artigo 107 e o zarcão comprehendido no artigo 153.

Classe III - Fios, tecidos, etc

- lã: excepto nos artigos 168, 171 a 174 e 176;

- seda: excepto nos artigos 188 e 189;

- linho e similares: excepto nos artigos 275, 276 e 290;

- diversos: excepto nos artigos 295 a 297, 299 e 305 a 308.

Classe IV - Substancias alimenticias:

- cereaes: excepto no artigo 331;

- generos coloniaes: excepto no artigo 345;

- pescarias: em todos os artigos;

- diversos: excepto nos artigos 353, 358, 362 e 365.

Classe v - Apparelhos, instrumentos, machinas, etc.:

- apparelhos e machinas: excepto nos artigos 370 a 373 só na parte relativa a relhas, 381, 392 a 392-b;

- embarcações e vehiculos: excepto nos artigos 406, 408, 418, 420;

- armas: em todos os artigos. Classe vi - Manufacturas:

- obras de materias animaes: em todos os artigos.

- obras de materias vegetaes: excepto nos artigos 444 a 446 :;

- obras de materias mineraes: era todos os artigos excepto azulejos comprehendidas no artigo 456 e tubos de grés comprehendidos no artigo 458.

- obras de metaes: excepto nos artigos 478, 479, 482 e 487 ;

- papel e obras de typographia: excepto nos artigos 498 e 514;

- diversos: excepto nos artigos 530, 512 e 577.

3.° A diminuir de 10 a 30 porcento nos direitos de importarão para consumo as taxas, recaindo sobre as mercadorias comprehendidas nas classes e artigos seguintes da pauta vigente, em troca de concessões compensadoras.

Quando os direitos da pauta actualmente pendente do Parlamento forem inferiores áquella diminuição de 30 por cento, poderá o Governo adoptá-los para os effeitos d'este numero.

Classe II - Materias primas:

- vegetaes: excepto nos artigos 62 a 65 e 69 a 74;

- mineraes : excepto nos artigos 83, 85 a 88 e 90 a 97 ;

- metaes: todos os artigos, excepto o 106, comprehendendo-se no 128 o zinco polido, planificado e em fio;

- productos chimicos: excepto o artigo 146;

- diversas: excepto no artigo 155.

Classe III - Fios, tecidos, etc.:

- lã: artigos 161 e 162;

- sedas: artigos 181, 185 e 136, excepto setins e semelhantes;

- diversos: artigos 301} 303 e 304. Classe IV - Substancias alimenticias:

- pescarias: todos os artigos, excepto os artigos 350 e 352;

- diversas: excepto os artigos 353, 354, 357, 358, 362, 363, 365 e 367.

Classe V - Apparelhos., instrumentos, machinas, etc.:

- apparelhos: excepto os artigos 372 a 372-d, 373 só na parte relativa a relhas, 377, 378, 381, 387 a 389, 392 a 392-b, 400, 401 e 402.

Nota. - No artigo 383 ter-se-ha como comprehendido o mobiliario cirurgico.

— armas: todos os artigos.

- Classe VI - Manufacturas:

- obras de materias animaes: excepto os artigos 433 e 434;

- obras de materias vegetaes: artigos 450 e 451;

- obras de materias mineraes: artigos 461 e 462;

- obras de metaes: artigos 465 a 467, 484 e 486.

Nota. - Igualar as taxas do aço e ferro.

- papel e obras de typographia: artigo 518;

- diversas: artigos 552, 560, 562, 571 a 574.

Serão mantidos os regimes especiaes com referencia ás condições de importação.

4.° A elevar até o dobro as taxas da pauta geral e de navegação especialmente para as mercadorias e navios provenientes de nações que appliquem a Portugal as suas pautas maximas, sujeitem a um tratamento differencial ou de desfavor o commercio e navegação portugueses, ou adoptem escalas alcoolicas que prejudiquem ou impeçam a exportação de vinhos portugueses para esses países.

§ 1.° Nas convenções a fazer, quer para permanencia, quer para redacção dos direitos de importação para consumo, se as convenções forem referidas a artigos pautaes, fixar-se-ha quanto possivel a comprehensão d'esses artigos, os quaes poderão ser tambem convenientemente desdobrados nas pautas convencionaes que por virtude d'esta autorização se fixarem.

§ 2.° Fica entendido:

1.° Que a clausula de nação mais favorecida não abrange as concessões especiaes feitas á Espanha, nos termos do tratado do commercio vigente, nem tão pouco as que de futuro venham a fazer-se a qualquer nação com caracter de intransmissibilidade:

2.° Que as disposições da presente lei só serão applicaveis ás relações do continente do reino e ilhas adjacentes com países estrangeiros, comprehendendose, porem, nessas relações o commercio de reexportação de productos coloniaes ;

3.° Que as convenções ou acordos celebrados e ratificados em virtude das autorizações constantes da presente lei não poderão vigorar por prazo superior a oito annos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 8 de agosto de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga = João Pereira de Magalhães.

N.° 29

Senhores. - As vossas commissões de negocios externos e de fazenda, tomando na devida consideração a proposta de lei n.° 20-E, apresentada pelos Srs. Ministros dos Negocios Estrangeiros e da Fazenda, ponderada mas urgentemente a estudaram, como era mester, tratando-se de assunto revestido de tão primacial importancia para o futuro da economia nacional.

Se o trabalho que muito em resumo vamos justificar fosse de natureza a comportar lemma ou epigraphe, este relatorio seria encimado com a divisa adoptada pela Allemanha ao encetar a sua politica proteccionista: "Schutz der nationalen Arbeito.

De protecção ao trabalho nacional cuida, na realidade, pela maneira a mais pratica, efficaz e positiva, dadas as circunstancias do actual momento da nossa vida.

Como imposição da terrivel crise de 1891 veio a reforma fiscal de 1892 assentar em termos definitivos o regime protetor das nossas industrias, auxiliando as estabelecidas já, impulsionando a fundação de outras.

Umas aproveitaram em cheio a medida adoptada, outras não encontraram condições adequadas á sua implatação ou, simplesmente, quem lhes insuflasse vida.

Chegada era de ha bastante tempo a occasião de consolidar a obra da pauta vigente, fortalecendo-a para as industrias que se mostraram dignas da obra do Estado e limpando-a dos embaraços que o tempo mostrara inuteis e que empeçavam a marcha dos Governos na protecção devida á agricultura por meio de acordos commerciaes com outras nações.

Levando em conta a orientação da pauta apresentada na sessão corrente pelo Sr. Ministro da Fazenda, toda baseada na observação dos factos economicos, nos estudos, nas reclamações e nos pareceres que desde 1892 se vêem produzindo sobre a pauta promulgada nesse anno e sobre as pautas de 1894, de 1903 e de 1904, o projecto que te-

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SESSÃO N.° 47 DE 24 DE AGOSTO DE 1908 13

mos a honra de submetter á vossa apreciação, sem prejudicar em nada a discussão da proposta de lei n.° 7, vem tão somente apressar a effectividade das suas disposições, que teem como ponto de mim a defesa dos mais caros interesses do reino, quaes são os das suas classes productoras, tendo sempre em vista os legitimos interesses dos consumidores.

Assim entendeu o Governo, e muito bem, que usando da pauta em vigor mediante as condições do projecto junto, que prevê a hypothese de ter de jogar com aquella apresentada ao Parlamento, se poderia habilitar a tratar sem detença dos interesses nacionaes nas suas relações de commercio com o estrangeiro.

E já não é sem tempo que se entra neste caminho. A pauta de 1892, inicio de uma reforma fiscal de largo alcance, dezaseis annos depois de ser promulgada, não offerece ás forças realmente productoras do país as precisas garantias de fomento nas verbas das taxas, umas excessivas, outras minguadas, umas que não corresponderam ás esperanças nellas depositadas, outras que a situação scientifica, social e economica modificou por completo nas suas bases de applicação. Por outro lado a falta de certas providencias complementares, como seriam as pautas maxima e minima, e de outras medidas ditadas pela especialização de certas mercadorias portuguesas, desarma os nossos negociadores de tratados, de quaesquer elementos que lhes permitiam zelar de alto o desenvolvimento conjunto da riqueza nacional.

A possibildade de usar de pautas convencionaes partindo da nossa pauta geral, tal como está, não nos dá garantias serias no debate commercial com potencias que mantenham comnosco grandes relações. Usando d'esse systema se fecharam, é certo, algumas convenções, mas foi com países de mercados reduzidos para os nossos productos.

Pode á vontade applicar-se o systema convencional, como succede agora com a Allemanha, Austria, Italia e Suissa, quando a pauta geral tenha sido feito ah doc, com minuciosidade tal de artigos, que annulla ou reduza enormemente a clausula da nação mais favorecida.

Em Portugal continuarmos nesse caminho encetado com a Hollanda, Russia, Noruega, Estados Unidos da America do Norte e Suissa, ao aproximar-nos das potencias cujo convivio commercial mais activo e multiplo é comnosco, seria marchar para deploraveis acordos.

E tão desgraçado seria esse processo de sairmos do isolamento economico internacional em que temos vivido ha dezaseis annos, que apesar de toda a boa vontade, comprehensivel, dos delegados estrangeiros e dos nacionaes, nunca por nossa parte, felizmente, nenhum Ministro esteve disposto a conceder a partilha do leão á outra parte contratante armada bellamente com pautas do novo systema chamado de especialização para, á vontade, poder usar das pautas convencionaes, sem perigos nem riscos, ou dotada com pauta minima, que, na melhor hypothese, nos igualaria apenas ás condições de admissibilidade dos outros países, ao par e passo que exigiria de nós reducções de taxa em certos artigos, incompativeis com a nossa situação economica, sem receio de applicação, ás suas mercadorias, de pauta maxima, de que não dispomos, e de sobretaxas que a legislação actual nos não permitte usar.

Sem ambages, eis as condições detestaveis em que nos colloca, por um lado, uma pauta geral absolutamente fora da orientação moderna sobre tal assunto, tanto no seu resumido proteccionismo effectivo, como na sua factura; por outro, a carencia dos dois unicos meios de que se dispõe em legislação fiscal internacional para igualar as condições de duas partes contratantes.

A permanencia do actual estado de cousas mantem-nos sob este aspecto em inferioridade inadmissivel perante as nações, e incompativel com os nossos interesses. D'elle resulta ser applicada a pauta geral aos nossos productos, que demandam as fronteiras allemã, austriaca e italiana, emquanto mercadorias similares de outras procedencias são favorecidas com pautas convencionaes; d'elle nos advem carregarem na França os generos portugueses não só com a pauta maxima mas ainda aggravada com sobretaxas, emquanto os outros países beneficiam da pauta minima.

Este é sobretudo o ponto de vista grave para a nossa agricultara, que, nunca é demais lembrá-lo, fornece ao reino a sua principal força exportadora.

Nestes termos, que não alongamos nem retalhamos, porque é escusado insistir perante espiritos illustrados sobre um problema cuja solução tão claramente se desume do simples enunciado da questão, as vossas commissões de fazenda e de negocios externos teem a honra de propor-vos, de acordo com o Governo, que a proposta n.° 20-E seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo autorizado:

1.° A conceder, mediante reciprocidade e concessões compensadoras, o tratamento de nação mais favorecida em tudo o que disser respeito:

d) Ao exercicio de qualquer profissão ou industria, e aos impostos correlativos;

b) Á protecção da propriedade industrial;

c) Ás taxas de navegação;

d) Aos direitos de importação e consumo.

2.° A convencionar, quando se torne conveniente para obter vantagens compensadoras em favor de productos portugueses, a permanencia dos direitos de importação para consumo, sobre mercadories comprehendidas nas classes e artigos seguintes da pauta vigente :

Classe I - Animaes vivos: em todos os artigos.

Classe II - Materias primas:

- animaes: excepto nos artigos 20 a 23;

— vegetaes: excepto no artigo 75;

-mineraes : em todos os artigos excepto 85, 86, 93;

- metaes: em todos os artigos ;

- productos chimicos: excepto nos artigos 130, 146 e 148.

- diversos: excepto no artigo 107 e o zarcão comprehendido no artigo 153.

Classe III - Fios, tecidos, etc.:

- lã: excepto nos artigos 168, 171 a 174 e 176;

- seda: excepto nos artigos 188 e 189;

- linho e similares: excepto nos artigos 275, 276 e 290;

- diversos: excepto nos artigos 295 a 297, 299 e 305 a 308.

Classe IV - Substancias alimenticias:

- cereaes: excepto no artigo 331;

- generos coloniaes: excepto no artigo 345;

- pescarias: em todos os artigos

- diversos: excepto nos artigos 353, 358, 362 e 365.

Classe V - Apparelhos, instrumentos, machinas, etc.:

- apparelhos e machinas: excepto nos artigos 370 a 373 só na parte relativa a relhas, 381, 392 a 392-b;

- embarcações e vehiculos: excepto nos artigos 406, 408, 418, 420;

— armas: em todos os artigos.

- Classe VI - Manufacturas:

- obras de materias animaes: em todos os artigos;

- obras de materias vegetaes: excepto nos artigos 444 a 446;

- obras de materias mineraes: em todos os artigos excepto azulejos comprehendidos no artigo 456 e tubos de grés comprehendidos no artigo 458;

- obras de metaes: excepto nos artigos 478, 479, 482, 487 ;

- papel e obras de typographia: excepto nos artigos 498, 514;

- diversos: excepto nos artigos 530, 542, 577.

3.° A diminuir de 10 a 30 por cento nos direitos de importação para consumo as taxas, recaindo sobre as mercadorias comprehendidas nas classes e

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14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

artigos seguintes da pauta vigente, em troca de concessões compensadoras:

Classe II - Materias primas:

- vegetaes: excepto nos artigos 62 a 65 e 69 a 74;

- mineraes: excepto nos artigos 83, 8õ a 88, 90 a 97;

- metaes: todos os artigos excepto o 106 comprehendendo-se no 128 o zinco polido, planificado e em fio;

- productos chimicos: excepto o artigo 146;

- diversas: excepto no artigo 155. Classe III - Fios, tecidos, etc. :

- lã: artigos 161, 162;

- sedas: artigos 181, 185, 186 excepto setins e semelhantes ;

— diversos: artigos 301, 303, 304.

- Classe IV - Substancias alimenticias:

- pescarias: todos os artigos excepto os artigos 350, 352;

- diversas: excepto artigos o53, 354, 357, 358, 362, 363 e 367.

Classe V - Apparelhos, instrumentos, machinas, etc.:

- apparelhos: excepto artigos 372 a 372-d, 373 só na parte relativa a relhas, 377, 378, 381, 387 a 389, 392 a 392-d, 400, 401, 402.

Nota. - No artigo 383 ter-se-ha como comprehendido o mobiliario cirurgico.

— armas: todos os artigos.

- Classe VI - Manufacturas:

- obras de materias animaes: excepto os artigos 433, 434:;

- obras de materias vegetaes: artigos 450, 451;

- obras de materias mineraes: artigos 461, 462;

- obras de metaes: artigos 465 a 467, 484 e 486.

Nota. - Igualar as taxas do aço e ferro.

- papel e obras de typographia: artigo 518.

- diversas: artigos 552, 560, 562. 571 a 574.

Serão mantidos os regimes especiaes com referencia ás condições de importação.

4.° A elevar até o, dobro as taxas da pauta geral e de navegação especialmente para as mercadorias e navios provenientes de nações que appliquem a Portugal as suas pautas maximas, sujeitem a um tratamento differencial ou de desfavor o commercio e navegação portugueses, ou adoptem escalas alcoolicas que prejudiquem ou impeçam a exportação de vinhos portugueses para esses países.

§ 1.° Nas; convenções a fazer, quer para permanencia quer para reducção dos direitos de importação para consumo, se as; convenções forem referidas a artigos pautaes, fixar-se-ha quanto possivel a comprehensão d'esses artigos, os quaes poderão ser tambem convenientemente desdobrados nas pautas convencionaes que por virtude d'esta autorização se fixarem.

§ 2.° Fica entendido:

1.° Que a clausula de nação mais favorecida não abrange as concessões especiaes feitas á Espanha, nos termos do tratado do commercio vigente, nem tão pouco as que de futuro venham a fazer-se a qualquer nação com caracter de intransmissibilidade;

2.° Que as disposições da presente lei só serão applicaveis ás relações do continente do reino e ilhas adjacentes com países estrangeiros,
comprehendendo-se, porem, nessas relações o commercio de reexportação de productos coloniaes;

3.° Que as convenções ou acordos celebrados em virtude das autorizações constantes da presente lei não poderão vigorar por prazo superior a oito annos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões das commissões da camara dos Senhores Deputados, 21 de julho de 1908. = Conde de Penha Garcia = Alvaro Froes Possollo de Sousa = Alfredo Pereira = Carlos Ferreira = João Soares Branco = José Jeronimo Rodrigues Monteiro = J. J. Mendes Leal = José Cabral Correia do Amaral = Conde de Castro e Solla = Alberto Navarro = José de Ascensão Guimarães = João Carlos de Mello Barreto = José da Motta Prego = Augusto de Castro = José Maria Pereira de Lima = Manuel Fratel = Eduardo Valerio Augusto Villaça = Manuel Affonso da Silva de Espregueira = Francisco Cabral Metello = D. Luis de Castro, relator.

N.° 20-E

Senhores. - Os systemas adoptados na legislação fiscal dos países da Europa e da America são o da pauta geral e o da pauta dupla. O systema da pauta dupla, em que todos ou pelo menos a maior parte dos artigos nella consignados são passiveis de direitos maximos e minimos, tem ainda dois aspectos: um aquelle em que a pauta geral é a pauta maxima, servindo a pauta minima como limite dos favores que o poder executivo concede ao commercio estrangeiro; o outro, aquelle em que a pauta geral é a pauta minima e usual, servindo a pauta maxima só como medida de retaliação contra o commercio d'aquelles países que usam de pautas desfavoraveis.

Um systema misto admitte uma pauta geral accentuadamente proteccionista, ficando o poder executivo autorizado a reduzir direitos sobre certos artigos e a impor sobretaxas noutros.

Podemos, pois, classificar os systemas fiscaes em vigor da seguinte forma:

1.° Pauta geral;

2.° Pauta geral e pautas convencionaes;

3.° Pauta geral maxima para todas as nações, com pauta minima para as nações mais favorecidas pela negociação de tratados:

4.° Pauta geral minima para a generalidade das nações, com pauta maxima como medida de retaliação para nações que appliquem regime de desfavor;

5.° Pauta geral, ficando o Governo autorizado a reduzir certos direitos como medida de reciprocidade e a impor outros como medida de defesa.

Os terceiro, quarto e quinto systemas admittem ainda a coexistencia de pautas convencionaes negociadas em tratados especiaes.

O primeiro systema é o geralmente adoptado pelos países livre-cambistas. É o da Gran-Bretanha e tem sido o da Belgica. Em regra os tratados de commercio com estes países estabelecem reducções na pauta geral, que se tornam applicaveis a todas as nações. Este systema exclue tratamentos differenciaes. A Balgica, porem, na sua lei actual habilitou-se com meios de sobretaxar os productos dos países que tratem desfavoravelmente os productos belgas. A Dinamarca tambem segue o systema da pauta geral, embora com muito restrictas excepções em algumas pautas convencionaes.

O segundo systema é seguido na Allemanha, Austria, Italia e Suissa. Neste systema os tratados de commercio fazem-se com reducção e vinculação de direitos. Pela primeira clausula os direitos sobre certos productos procedentes dos países contratantes ficam sendo inferiores aos da pauta geral pela segunda, cada país contratante obriga-se a não aumentar durante a vigencia do tratado os direitos da pauta geral sobre os artigos provenientes do outro país contratante. Como nesses tratados se inclue geralmente a clausula ampla de nação mais favorecida, a pauta convencional fica sendo applicavel a todos os países que teem tratamento convencional, mas só a estes. A Allemanha, a Austria e a Italia applicam a pauta convencional a todos os países da Europa, com excepção de Portugal, e a quasi todos os países da America.

O terceiro systema é o de Espanha,. França e Grecia. A Espanha tem, alem da pauta minima, pautas convencionaes com direitos inferiores aos d'aquella. A França tambem tem concedido certas reducções especiaes, alem da pauta minima. Applica a pauta minima a todos os países da Europa, á excepção de Portugal. A Grecia tambem tem reduzido em tratados especiaes os direitos da sua pauta minima.

O quarto systema vigora na Russia e Noruega. A Russia tem feito reduc-

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SESSÃO N.° 47 DE 24 DE AGOSTO DE 1908 15

ções convencionaes na sua pauta minima e applica a sua pauta maxima sempre que. reputa prejudiciaes ao seu commercio as pautas dos países estrangeiros. A Noruega só applica a pauta maxima contra os países que lhe applicam pautas maximas ou sobretaxas. O quinto systema tem a sua applicação nos Estados Unidos da America do Norte e no Brasil. O Brasil tem uma pauta geral minima, podendo o Governo elevar os direitos até ao dobro (o que constituo a pauta maxima), e tambem podendo fazer certas reducções sobre determinados artigos, o que leva ás pautas convencionaes.

Os Estados Unidos adoptaram com a pauta Dingley um systema altamente proteccionista, mas sendo o Presidente autorizado a reduzir por simples proclamação, e sem autorização especial do Congresso, os direitos sobre certos artigos, ao passo que pode lançar direitos sobre outros generos cuja importação é livre pela pauta geral.

Os Estados Unidos obtiveram do Brasil a redacção de 20 por cento para certos artigos, a troco da segurança dada de não tributar o café brasileiro, cuja entrada continua livre e não taxada com 3 cents, como poderia ser em virtude das autorizações dadas ao poder executivo pela pauta Dingley.

Portugal adoptou o segundo systema; tem pauta geral e pautas convencionaes. A nossa pauta geral data de 1892 e está hoje absolutamente inadequada e uma justa e equitativa protecção á industria e agricultura nacionaes, e inteiramente inapta para servir de base á celebração de tratados de commercio com nações armadas com pautas propositadamente feitas, para esse fim, segundo os methodos modernos. As pautas convencionaes de Portugal são fixadas pelos seguintes acordos, actualmente vigentes:

Declaração commercial com os Paises Baixos feita em 5 de julho de 1894, e que termina em um anno depois de denunciada.

Convenção com a Russia de 9 de julho de 1895, e que termina cinco annos depois de denunciada.

Acordo com os Estados Unidos de 22 de maio de 1399, que termina um anno depois da denuncia. Inclue todos os principaes artigos de exportação e ainda alguns cuja exportação é pouco importante.

Com a Espanha temos o tratado de 27 de março de 1893 com varias pautas convencionaes intransmissiveis, tendo sempre o Governo Português reservado o direito de não estender a outros países com quem trata, na base de nação mais favorecida, os favores especiaes concedidos á Espanha em troca de reciprocidade.

Afora esta restrição para a Espanha, em geral, pela clausula de nação mais favorecida, os favores especiaes concedidos a uma determinada nação tornam-se extensivos ás outras que gozara de igual tratamento.

A clausula de nação mais favorecida tem sido concedida em sentido mais ou menos restricto.

Assim é que Portugal tem, alem da pauta geral, varias pautas convencionaes.

E em troca d'essas pautas convencionaes a Russia e os Estados Unidos concedem reducção de direitos para certos productos, a saber:

A Russia para a cortiça em bruto e em obra, e os Estados Unidos para tartaros de vinho, vinhos espumosos e não espumosos, aguardente de vinho, alcool de cereaes e objectos de arte.

Alem d'isso, os Paises Baixos (declaração de 5 de julho de 1894), a Dinamarca (declaração de 14 de dezembro de 1896), a Suecia (declaração de 16 de abril de 1904), e a Suissa (convenção de 20 de dezembro de 1905), dão-nos o tratamento geral de nação mais favorecida, incluindo esse tratamento os productos das possessões portuguesas quando exportados da metropole. A Belgica (declaração de 11 de dezembro de 1897) dá-nos o tratamento de nação mais favorecida para certos artigos; e o mesmo faz a Noruega (convenção de 11 de abril de 1903), que, demais, nos concede vinculação de alguns direitos ou isenções.

Afora estas nações, com quem temos convenções, o tratamento que Portugal recebe é o seguinte: a Allemanha, a Austria e a Italia applicam-lhe a sua pauta geral, ao passo que todos os outros países da Europa gozam dos beneficios da pauta convencional. A França applica-nos a pauta maxima aggravada ainda por disposições especiaes para certos artigos e especialmente para o vinho.

Succede, pois, que, á excepção da Espanha, a situação de Portugal com relação aos países com quem temos relações mais seguidas, e de quem somos dos melhores clientes, é desvantajosa e precaria.

Tomando os numeros da estatistica de 1905, vemos que o valor do commercio, excluindo a reexportação, bal deação e transito, entre Portugal e a Allemanha é de 11.886:200$000 réis: a Allemanha applica-nos a pauta geral. Com a França é de 6.794:800$000 réis: a França applica-nos a pauta maxima. Com a Austria é de 950:500$000 réis: applica-nos a pauta geral. Com a Italia é de 1.398:800$000 réis: applica-nos a pauta geral.

Apesar da nossa pauta ser proteccionista, não consigna para a grande maioria dos casos direitos prohibitivos, e a prova está em que -á sombra d'ella se tem desenvolvido o commercio de importação dos países que negoceiam comnosco, não progredindo a nossa exportação na mesma proporção, estacionando ou declinando, devido a estarem os nossos productos sujeitos a tratamento differencial ou de desfavor. Ao passo que não applicamos differenciaes de desfavor a nenhuma das potencias com quem mantemos mais seguidas relações commerciaes, recebemos de facto esse tratamento para os poucos generos da nossa exportação e nomeadamente para os vinhos, cujos direitos na maior parte dos casos são verdadeiramente prohibitivos.

No referido anno de 1905 o valor da importação para consumo foi de 61.273:600$000 réis e o de exportação nacional e nacionalizada é de réis 29.472:900$000. Ha, pois, um desequilibrio contra nós de 31.800:700$000 réis por anno. Ora só o valor das materias primas (classe 2.ª da pauta) importadas em 1905 sobe a 23.428:900^000 réis e o das substancias alimente as (classe 4.ª) importadas no mesmo anno sobe a 17.551:300$000 réis. O valor da importação naquellas duas classes foi, pois, de 40.980:200$000 réis.

Considerando, por exemplo, os quatro países mencionados que nos applicam tratamento differencial, achamos que a importação d'elles em Portugal, incluida nestas duas classes da pauta., é a seguinte:

Da Allemanha:

Classe. 2.ª ... 3.325:200$000

Classe. 4.ª... 2.019:800$000 5.345:000$000

Da Austria:

Classe 2.ª... 394:800$000

Classe 4.ª . .. 427:700$000 622:500$000

Da França:

Classe 2.ª... 1.623:900$000

Classe 4.ª... 427:500$000 2.051:400$000

Da Italia:

Classe 2.ª .. . 434:400$000

Classe 4.ª .. 370:100$000 804:500$000

8.823:400$000

Quer dizer que só estes quatro países fornecem cerca de 22 por cento da importação em Portugal de materias primas e substancias alimenticias, isto é: cêrca da quarta parte da importação total nestas classes da pauta.

Ora os productos incluidos nestas duas classes representam precisamente: para a Allemanha quasi 56 porcento, para a Austria quasi 68 porcento, para a França quasi 34 porcento e para a Italia mais de 77 por cento das suas exportações totaes para Portugal.

Uma legislação fiscal adequada poderia derivar para outros países a importação que hoje provém d'estes, ou

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16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

concentra la naquelles que nos concedessem favores para os minguados productos da nossa exportação, isto é : podia orientar as correntes commerciaes segundo as conveniencias economicas do país.

Não deseja o Governo fechar o mercado português aos productos estrangeiros. O que tenta e abrir estes reciproca e equitativamente aos productos portugueses. O que ha, pois, a fazer é procurar os meios de conseguir este fim. Esses meios são habilitar-se o Governo a conceder determinados favores pautaes que não affectem os reditos do Thesouro, nem tão pouco a economia da nação, em troca de concessões reciprocas, ou a impor sobretaxas em productos d'aquelles países que aos nossos imponham tratamento differencial ou nocivo: ou, melhor ainda, fazer uma e outra cousa conforme as circunstancias o exigirem.

O regime fiscal português actualmente em vigor deixa-nos inteiramente desarmados perante o tratamento de desfavor imposto aos nossos productos pelas nações estrangeiras, visto que não podemos applicar nem pauta maxima, nem sobretaxas aos productos d'essas nações.

Para a pronta defesa economica do país e possibilidade da negociação dos tratados de commercio julgamos indispensaveis as seguintes providencias:

Proposta de lei

Artigo 1.° É o Governo autorizado:

1.° A conceder, mediante reciprocidade e concessões compensadoras, o tratamento de nação mais favorecida em tudo o que disser respeito:

a) Ao exercicio de qualquer profissão ou industria, e aos impostos correlativos;

b) Á protecção da propriedade industrial ;

c) As taxas de navegação;

á) Aos direitos de importação e consumo;

2.° A convencionar, quando se torne conveniente para obter vantagens compensadoras em favor de productos portugueses, a permanencia dos direitos de importação para consumo, sobre mercadorias comprehendidas nas classes e artigos seguintes da pauta vigente:

Classe I - Animaes vivos : em todos os artigos.

Classe II - Materias primas: - animaes: excepto nos artigos 20 a 23;

- vegetaes: excepto no artigo 75;

- mineraes: em todos os artigos;

- metaes : em todos os artigos;

- productos chimicos: excepto nos artigos 130, 146 e 148;

- diversos: excepto no artigo 157.

Classe III - Fios, tecidos, etc.:

- lã: excepto nos artigos 168, 171 a 174 e 176;

- seda: excepto nos artigos 188 e 189;

- linho e similares: excepto nos artigos 271, 275, 276 e 290;

- diversos : excepto nos artigos 295 a 297, 299 e 305 a 308.

Classe IV -- Substancias alimenticias :

- cereaes: excepto no artigo 331;

- generos coloniaes: excepto no artigo 345;

- pescarias: em todos os artigos:

- diversos: excento nos artigos 353 e 365.

Classe V - Apparelhos, instrumentos, machinas, etc.:

- apparelhos e machinas: excepto nos artigos 370 a 373, 392 a 392-b;

- embarcações e vehiculos: excepto nos artigos 406, 408, 418, 420;

— armas: em todos os artigos.

- Classe VI - Manufacturas :

- obras de materias: em todos os artigos;

- obras de materias vegeteas: excepto nos artigos 444 a 446:

- obras de materias mineraes: em todos os artigos;

- obras de metaes: excepto nos artigos 478, 479, 482, 487;

- papel e obras de typograpliia: excepto nos artigos 498, 514;

- diversos : excepto nos artigos 529, 530, 542, 577.

3.° A diminuir de 10 a 30 por cento nos direitos de importação para consumo, as taxas, recaindo sobre as mercadorias comprehendidas nas classes e artigos seguintes da pauta vigente, em troca de concessões compensadoras:

- Classe II - Materias primas:

vegetaes: excepto nos artigos 62 a 65 e 69 a 74;

- mineraes: excepto nos artigos 86 a 97;

- metaes: todos os artigos, comprehendendo-se no zinco fundido e laminado (artigo 128) o zinco polido, planificado e em fio;

- productos chimicos: excepto o artigo 146;

— diversas: excepto no artigo 155.

- Classe III - Tecidos: artigos 161, 162, 181, 185, 186: excepto setins e semelhantes (artigos 301, 303, 304), e a obra não especificada de tecidos (artigos 175, 191 e 258).

Classe IV - Substancias alimenticias :

- pescarias: todos os artigos;

- generos coloniaes: artigos 344, 346;

- diversas: excepto artigos 353, 354, 362, 363.

Classe V - Apparelhos, instrumentos, machinas, etc.:

- apparelhos: machinas, utensilios:

excepto artigos 372, 372-a; b, c, d, 373, 381, 392, 392-a, 392-b. 400, 401.

Nota. - No artigo 383 ter-se ha como comprehendido o mobiliario cirurgico.

— armas: todos os artigos.

- Classe V - Manufacturas:

- obras de materias animaes : excepto os artigos 433, 434;

- obras de materias vegetaes: artigos 450, 451, 452;

- obras de materias mineraes: artigos 457, 461, 462;

- obras de metaes : artigos 465, 466. 467, 473, 486.

Nota.-Igualar as taxas de aço e ferro.

- diversas: artigos 560, 561, 562, 564, 565, 582, 598. 612, 618, 619, 620, 621, 623. 624, 626.

Serão mantidos os regimes especiaes em referencia, ás condições de importação.

4.° A elevar até o dobro as taxas da pauta geral e de navegação especialmente para as mercadorias e navios provenientes de nações que appliquem a Portugal as suas pautas maximas, sujeitem a um tratamento differencial ou de desfavor o commercio e navegação portugueses, ou adoptem escalas alcoolicas que prejudiquem ou impeçam a exportação de vinhos portugueses para esses países.

§ 1.° Nas convenções a fazer, quer para permanencia quer para reducção dos direitos de importação para consumo, se as convençães forem referidas a artigos pautaes, fixar-se ha quanto possivel a comprehensão d'esses artigos, os quaes poderão ser tambem convenientemente desdobrados nas pautas convencionaes que por virtude d'esta autorização se fixarem.

§ 2.° Fica entendido:

1.° Que a clausula de nação mais favorecida não abrange as concessões especiaes feitas á Espanha, nos termos do tratado do commercio vigente, nem tão pouco as que de futuro venham a fazer-se a qualquer nação com caracter de intransmissibilidade;

2.° Que as disposições da presente lei só serão applicaveis ás relações do continente do reino e ilhas adjacentes com. países estrangeiros,
comprehendendo-se, porem, nessas relações o commercio cê reexportação de productos coloniaes;

3.° Que as convenções ou acordos celebrados em virtude das autorizações constantes da presente lei não poderão vigorar por prazo superior a oito annos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, em 3 de julho. = Manuel Affonso de Espregueira = Vasconcellos de Sousa Pereira Lima.

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SESSÃO N.° 47 DE 24 DE AGOSTO DE 1908 17

O Sr. João Arroyo: - Tendo assinado o projecto que foi posto em ordem do dia, com declarações, vou apresentar, em poucas palavras, a razão do meu procedimento, mesmo porque o que a tal respeito se me offerece dizer, não poderia constituir a base de um longo discurso.

É fora de duvida que o nobre Ministro dos Negocios Estrangeiros é digno de encómios, por se ter occupado de um assunto, que tanto interessa á nossa administração publica, e por ter, no uso da sua iniciativa, apresentado á consideração do Parlamento o projecto em discussão.

S. Exa. revela um criterio são, e uma nitida comprehensão das necessidades do país.

A verdade é que tudo quanto se faça, no sentido de acudir á situação economica em que nos encontramos é digno dos maiores elogios.

Se o assunto me é sympathico, e se a iniciativa do illustre Ministro é digna de incondicional louvor, não posso em todo o caso deixar de expressar á Camara algumas reservas, que ao meu espirito acudiram, quando tive de escrever o meu nome no fundo do diploma que está submettido á ponderação da Camara.

A situação economica internacional portuguesa é, sem duvida nenhuma, mais do que grave e alarmante, extremamente perigosa.

No momento em que os países da Europa, quer nas suas ligações com os europeus, quer nas ligações com os americanos, empregam o derradeiro esforço para defender o seu modo de ser economico, e as conveniencias do seu fomento, nós encontramo-nos desprotegidos nesta luta internacional.

Não dou nenhuma novidade á Camara, dizendo-lhe que no Ministerio, dos Negocios Estrangeiros, logo em seguida á denuncia do tratado luso-francês, se procedeu a trabalhos, a tentativas e a diligencias, no sentido de se melhorar a nossa situação internacional economica; mas a verdade é que taes diligencias entre o Governo Português e a Chancellaria Allemã ou vieram a fallecer, ou a ser relegadas para um plano relativamente secundario.

Quem conhece as minucias d'essas negociações, pasma de que um motivo qualquer obstasse ao seu seguimento, e todavia, a revisão de um tratado entre Portugal e a Allemanha não representava só para a nossa chancellaria o valor e o merecimento que d'ahi nos adviria, mas era a porta aberta para negociarmos com a França.

É absolutamente impossivel que Portugal entre no convivio das nações centraes da Europa, sem que se tenha entendido com o Imperio Allemão.

Nós encontramo-nos com uma pauta convencional, secundaria ou terciaria, para países relativamente aos quaes os nossos interesses economicos são de pouco valor.

Encontramo-nos, em relação aos dois grandes centros de producção industrial, como são a França e a Allemanha, inteiramente desprevenidos.

Quanto á Inglaterra, não podemos alimentar a mais pequena esperança de obter uma troca de favores, ou ainda alcançar qualquer cousa de favor para nós.

Creio que não é a primeira vez que digo e sustento a ideia de que nós, no que respeita a assuntos commerciaes, nunca chegaremos a acordar com a Inglaterra, cousa que valha a pena.

Nós encontramo-nos com a Inglaterra, precisamente na mesma situação de qualquer outro povo europeu.

A nossa situação, em frente da Inglaterra, é difficil, não direi de aclarar, mas de melhorar.

Creia o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que a Inglaterra, dentro da esfera exclusivamente europeia, nada nos dará. Poderá conceder-nos quaesquer favores em materia consular, ou outros, mas no que respeita a taxas fiscaes, fiel aos principies do livre cambismo, não se presta á concessão de qualquer beneficio especial.

Será absolutamente impossivel ao actual Sr. Ministro, ou a qualquer dos successores de S. Exa. alcançar qualquer favor pautal da Inglaterra. Não o fez, não o faz, nem o fará.

Fazer com a Inglaterra qualquer cousa de geito e de valor, dentro da area dos interesses europeus, é absolutamente impossivel.

Nos nossos entendimentos com a Inglaterra, em assunto commercial, tem de intervir materia colonial.

Se o Sr. Ministro se der ao incommodo de tocar nos papeis da nossa chancellaria, lá encontrará um plano ou uma base de estudos, de que derivou uma serie de instrucções que eu enviei ao nosso representante em Londres, pouco antes de sair do Ministerio.

Entendia que era conveniente alargar a esfera do modus vivendi de 1891, feito sobre o Caminho de- Ferro de Lourenço Marques.

Não entro neste momento, em quaesquer pormenores com relação a este assunto, porque sei que as palavras proferidas nesta casa poderão de qualquer maneira embaraçar a acção do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros; mas peco a S. Exa. que, no estudo das nossas relações com a Inglaterra, tenha em vista o que nos possa ser dado como favor indispensavel á nossa agricultura, mas não no terreno europeu.

Dito isto em relação á Inglaterra, peço licença para chamar a attenção do nobre Ministro para as nossas relações com o Brasil. Nós não fazemos quaesquer favores ao Brasil.

Seria possivel a fixação de um differencial que servisse de base a uma convenção com o Brasil; mas dispense-se o nobre Ministro de occupar o seu talento, que é muito e vasto, os seus esforços, que são bons e valiosos, a sua vontade, que é excellente e decidida, que não conseguirá que a Secretaria da Marinha, se preste ao estudo de tal assunto, quanto mais a dar a sua adhesão a um principio de tal ordem.

Pode o Sr. Ministro pedir, exorar, obsecrar, empregar todos os seus esforços, que a Secretaria do Ultramar será completamente inaccessivel, defendendo para todos os nossos generos coloniaes a integridade da sua taxa.

Tem o illustre Ministro de recorrer a outras bases, e bom será que para isso aproveite o proximo interregno parlamentar, tendo talvez em vista o estabelecimento de um porto franco, e uma estação carbonifera, desde que ella não attinja por forma alguma a soberania nacional.

E apressando-me a fazer as minhas declarações, porque não quero abusar da paciencia da Camara por largo tempo, parece-me que tenho direito, não a censurar, mas a lamentar, que a, iniciativa do Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima não fosse melhor utilizada.

Quanto ao projecto, dada a situação dos países da Europa, nada conseguiremos no que respeita ao regime de nação mais favorecida.

Louvo a iniciativa do illustre Ministro, e os seus desejos de fazer obra que seja de utilidade para o país; mas creio que S. Exa., pelo que respeita ao conseguimento de beneficies que para os nossos producios nos podem advir de algumas disposições do projecto, terá de soffrer a mais completa dos illusão.

Aproveite S. Exa. melhormente o interregno parlamentar, e trate então de encarar a resolução do problema economico internacional, tendo em vista a Inglaterra e o Brasil.

Dou por concluidas as minhas considerações, porque sei que estes assuntos não são d'aquelles que concitam a attenção dos meus dignos collegas.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Wenceslau de Lima): - O Digno Par Sr. João, Arroyo concluiu o seu discurso, dizendo que o assunto de que trata 6 projecto, não é d'aquelles que prendem a attencção da Camara.

Não é exacto. Quando esses assuntos são tratados com a competencia e elevação com que o fez o Digno Par,

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18 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

prendem a attenção da Camara; que aliás, bem lhe demonstrou, no agrado com que o ouviu, quanto ao Sr. Conselheiro Arroyo o interessara com a ma exposição. Agradece as benévolas palavras de, S. Exa. e o reconhecimento da boa vontade com que procura resolver um assunto tão cheio de difficuldades, mas que por tanta maneira se prendia ao desenvolvimento economico do nosso país.

Na Secretaria dos Negocios Estrangeiros existem documentos importantes que mostrara a solicitude e o cuidado com que o Digno Par se occupou da resolução de varios problemas que se lhe depararam.

Passando a responder ás considerações do Digno Par, dirá que com relação á necessidade das nossas negociações internacionaes, que o Digno Par se referira principalmente á Allemanha, Inglaterra e Brasil. Effectivamente essas tres nações como que representam os tres typos de tratados que temos de considerar. A Allemanha dar-nos ha o typo dos tratados a fazer com a Europa central, incluindo a Franca. A Inglaterra e Brasil são unidades á parte, distinctas na nossa politica commercial, e de todas as mais importantes.

A Allemanha exige de nós sobretudo uma vinculação da pauta. Ora o Digno Par sabe que não podiamos vincular a pauta de 1892. Logo em 1894 em face de reclamação justificada, se apresentou ao Parlamento uma nova pauta, e de então até agora, nove são as tentativas feitas para a remodelação da pauta de 1892, que nem sob o ponto de vista fiscal, nem sob o ponto de proteccionista, era defensavel e satisfazia ás necessidades actuaes.

Se vinculássemos a pauta de 1892, quando trouxéssemos ao Parlamento o tratado que tal fizesse, não conseguiriamos para isso approvação, porque as reclamações da industria e da agricultura explodiriam, e tornariam impossivel a sua ratificação.

Por isso entendeu que devia reservar uma parte da pauta de 1892 a possiveis aumentos, e, ao mesmo tempo habilitar se a conceder reducções compensadoras dos aumentos que por ventura pudessem fazer-se.

Eis a razão das propostas de reducção, que não são tão insignificantes como porventura pareceram ao Digno Par.

Se as compararmos em relação á Allemanha, uma das nações que o Digno Par principalmente considerou, veremos que as reduções incidem sobre 2:300 contos de réis dás suas importações, ao passo que a possibilidade de aumento apenas sobe 1:700 contos de réis; e se compararmos os quantitativos ad valorem entre os aumentos e as diminuições, encontrar-se-ha que elles se equilibram por maneira a que, em relação á Allemanha, no seu conjunto, a pauta modificada não ficaria mais pesada do que a pauta de 1892. Eis porque as diminuições nos termos do projecto, sob o ponto de vista da negociação de tratados são importantes.

Quanto ao Brasil, explica quaes as bases em que no seu entender pode assentar uma convenção commercial com aquella grande nação, e diz que em 1903, tentou a realização de um tratado, e que póde fazer effeitos que foram considerados de alcance e valiosos, hão se chegando á celebração de uma convenção, não por causa da insignificancia das nossas offertas, mas sim porque o Brasil entendeu que a occasião não era asada para concluir essa negociação com o nosso país.

Reconhecendo, porem a nossa boa vontade e valia do que offereciamos, não duvidou o Ministro da Republica dos Estados Unidos do Brasil que tratara com o Ministro de Sua Majestade assegurar-lhe verbalmente que o Governo Brasileiro tendo em attenção a sincera boa vontade com que procedia-mos, não duvida assegurar nos a manutenção do statuo que até que um tratado pudesse ser levado a cabo. Demonstrado ficava que apesar dos interesses das nossas colonias que nos importam respeitar, ainda assim possivel era encontrar elementos que permittis sem a negociação de uma convenção commercial.

Pelo que tocava á Inglaterra discordava do asserto de que era impossivel negociar um tratado sem nells comprometter favores coloniaes. Eramos dos melhores clientes do mercado inglês e pouco pediamos. Come base, uma simples modificação na escala alcoolica, que não era uma violação, mas o simples regresso á escala de 1860 a escala Gladstone.

A organização d'esta correspondia á classificação pratica dos vinhos entre vinhos de pasto ou clareies e vinhos licorosos ou tratados. Comprehendia-se que nos pagassem uma tributação differente dos outros; mas o que não se entendia era que se dividisse o grupo dos vinhos licorosos em dois sub-grupos comprehendendo em um os vinhos até 17° para os assimilar na tributação aos claretes, e incluindo no outro os vinhos de 17° a 24° para os obrigar a pagar quasi o triplo dos direitos.

Assim, uma pipa de verdadeiro Porto cuja graduação natural é de 21°, pouco mais ou menos, paga para entrar em Inglaterra 17 libras e meia, ao passo que uma pipa de imitação de Porto, feito em Tarragona, com a graduação de 17° paga apenas 7 libras.

Equiparados os dois vinhos, ambos licorosos, sob o ponto de vista da tributação, de mais não precisamos no mercado inglês, quanto á escala alcoolica e justo é que esta concessão justificadamente reclamada nos seja feita.

Não concordava com a affirmação do livre cambismo da Inglaterra. Não se queria referir á corrente de proteccionismo imperialista, que ali se desenhara, mas que não chegara a constituir força que influisse na politica aduaneira inglesa. Referiu-se á pauta actual. Se, em relação ás nossas importações, a comparássemos com a nossa, referida ás importações inglesas, reconheceriamos que as differencas eram apenas de tres decimos ad valorem. Portanto nem os ingleses são ião livre cambistas como dizem, nem nós os ferozes proteccionistas, que nos gabamos de ser. Mas e antes tributamos as respectivas importações de cada um dos dois países com proximamente 19 por cento sobre o valor das mercadorias.

Em seguida explicou a forma como entendia dever conceder-se o tratamento da nação mais favorecida: que não quis seguir os preceitos de nenhuma escola, mas sim um prudente eccletismo.

Explicou ainda a forma como a proposta do Governo permitiu encaminhar as correntes de commercio para as nações que nos dessem a compensação da admissão dos nossos productos, e como se poderia alcançar esse resultado por meio das disposições do projecto que se discutia. Era possivel que não chegasse a fechar tratados, mas sem esta arma de defesa e só com a pauta de 1892 é que os não fecharia. A subserviencia estava feita.

Mais desejaria alongar-se na justificação da sua proposta, mas o adeantado da hora, não querendo impedir a immediata votação do projecto, não lh'o permittia fazer.

(S. Exa. não reviu este resumo do seu discurso).

Esgotada a inscripção foi a proposta approvada., tanto na generalidade como na especialidade.

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão.

A ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje e mais o parecer n.° 37.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 25 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 24 de agosto de 1908

Exmos. Srs. Antonio de Azevedo Castello Branco; Patriarcha de Lisboa; Marquez de Avila e de Bolama; Con-

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SESSÃO N.° 47 DE 24 DE AGOSTO DE 1908 19

des: das Alcaçovas, de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Castro, de Figueiró, de Lagoaça, de Monsaraz, de Sabugosa, Bispo do Porto; Visconde de Athouguia, Pereira de Miranda, Campos Henriques, Bernardo de Aguilar, Carlos du Bucage, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Simões Margiochi, Ressano Garcia, João Arroyo, Joaquim Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gumão, José de Alpoim, Julio de Vilhena, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Pedro de Araujo, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho e Venceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

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