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ministerial um unico artigo de interesse publico, e que durante esse longo periodo se occupou exclusivamente de attacar a vida privada dos homens, que julgava inimigos politicos do governo, pondo de parte o exame dos actos publicos, unicos da sua competencia? (Apoiados.)

O orador faz justiça aos srs. ministros, não querendo repetir n'esta occasião a accusação que alguem lhe dirigiu n'esta camara, de serem elles os que promoveram um tal plano de ataque, aggravando assim as nossas antigas dissenções pessoaes, as quaes nos devem envergonhar como muito bem disse o sr. Reis e Vasconcellos; acredita pelo contrario, que ss. ex.ªs serão os primeiros a sentir esse estado aviltante, a que nos tem reduzido a imprensa ministerial, mas tambem sabe que se o governo quizesse teria acabado com esse estado de cousas, impedindo que os jornaes, a quem paga, revolvessem o passado; obrando assim não se teria mostrado inferior á sua alta missão; te-lo-ía ainda conseguido se não premiasse lautamente os escriptores que se occupam sómente de calumniar os homens honestos d'este paiz unicamente pelo motivo de não commungarem (segundo a phrase vulgar) na pia ministerial; nada d'isto succederia se o governo, contra a lei e contra as regras da moral, não despachasse para um excellente e rendoso lugar um d'esses escriptores, que tendo sido reprovado em differentes concursos ou tendo sido proposto no mais Ínfimo lugar, sómente póde dever o seu despacho á arbitrariedade do sr. presidente do conselho. Não póde elle, orador, ter a esperança de ver moralisada a imprensa do nosso paiz, quando existe um governo que premeia por tal fórma o escriptor publico, que só vive da calumnia, e que sómente por virtude d'ella e sem outro algum merecimento, chega a obter rendoso emprego (apoiados).

O orador continuou dizendo que este systema de lutas pessoaes, e esta polemica ardente e apaixonada dos partidos, prova o estado aviltante em que nos achamos, que vivemos alem d'isso n'uma epocha em que os homens são tudo e as cousas são nada; que perde-los ou exalta los é o unico fim da imprensa ministerial; que, se pertencem á sua communhão, são proclamados honrados, honestos e probos; se pertencem á opinião contraria são ibéricos, lazaristas, corruptos e devoristas: que é sem duvida isto um grande absurdo e uma vergonha para o povo portuguez, mas que desgraçadamente é uma verdade que não póde ser contestada (muitos apoiados).

Que a questão de que se trata é sem duvida na opinião de muitos, duvidosa e que isto se prova ainda mais claramente pelo procedimento do governo que na sua apreciação tem vacinado, tendo adoptado differentes resoluções a medo: que em prova d'isto estão varios actos ministeriaes publicados successivamente, e que tem ficado sem execução, e quem não sabe (exclamou o orador) quem não tem noticia de que vendo-se o governo inteiramente embaraçado pelos actos illegaes e arbitrarios, que tinha publicado, e que não póde fazer executar em uma reunião de familia, composta dos deputados, que formam a sua maioria, foi nomeada uma commissão composta de alguns membros d'ella para lembrar e propôr o meio de saír do precipicio em que o governo se lança? Quem deixará de acreditar que a medida que dá objecto a esta discussão foi por essa commissão elaborada?

Julga o orador, que assim deve acreditar-se, porque não deve suppor-se, depois de affecto este negocio a tal commissão, que o governo tomasse a responsabilidade de o resolver por si que, sendo isto verdade, não póde deixar de sustentar, que um governo, que não tem em si os elementos necessarios para conceber, adoptar e fazer executar uma medida sobre tão importante objecto, não deve continuar na gerencia dos negocios publicos, e que não póde elle orador deixar de censurar altamente o ministerio por haver em menoscabo do seu proprio credito, deixado de tomar a responsabilidade de uma tal medida, entregando a sua decisão aquelles que não tem responsabilidade legal, e que não são portanto os mais habilitados para darem uma opinião desinteressada; aquelles ainda que dominados de espirito de partido são menos aptos para a poderem resolver convenientemente.

Que em vista do exposto reconhecerá a camara, que as considerações geraes, que julgou dever fazer antes de entrar em materia, servem de base á conclusão que ha de tirar no fim do seu discurso, isto é, que uma situação, que não governa por consciencia e convicção propria, não póde continuar a governar, e que é necessario que ceda o logar a outra, que possa conceber planos seus, convencer se da sua bondade, discuti-los e executa-los.

Que passando a tratar da questão fará toda a diligencia para a apresentar com a maior clareza e simplicidade, por que deseja que ella possa ser comprehendida por todos, que o ouvem, que não são para a camara muitas das observações, que passa a fazer, mas para o publico, que o ouve, porquanto tem a certeza de que uma parte d'elle não tem estudado a questão e que esta é avaliada sómente pelo que a imprensa ministerial partidariamente tem publicado deturpando umas vezes os factos, explicando outras vezes mal a legislação, e occultando até parte d'ella.

Vamos á questão: por aviso de 3 de outubro fez o governo insinuação, por outra deu o governo ordem ao cardeal patriarcha de Lisboa para que retirando ás irmãs da caridade portuguezas a licença, que tinham obtido do seu antecessor para darem obediencia ao regimen interno do seu instituto ao seu superior chefe da missão em París, as fizesse separar das que não quizessem ficar unica e exclusivamente sujeitas á auctoridade diocesana, em conformidade da legislação patria vigente e das boas doutrinas canonicas. Um tal aviso, ou ordem encontrou desobediencia por parte das irmãs da caridade, e não cederam á intimação feita pela auctoridade administrativa, porque entenderam as mesmas irmãs da caridade, que o acto do governo era arbitrario, iniquo e illegal, e que na presença da lei não podiam ser obrigadas a ceder ao arbitrio ministerial, que a lei não auctorisava. Desobedecido assim o governo, começou este a conhecer desde logo a falsa posição em que se collocára, e julgou que a tornaria mais favoravel, ligando o que elle denominava desobediencia ao governo, á obediencia ao prelado diocesano, com menospreso dos canones da igreja catholica, com offensa do poder temporal, que tem a obrigação e o direito de manter a auctoridade episcopal como protector e defensor da religião do estado.

O orador não póde deixar de notar que o governo se mostrasse tão zeloso dos direitos e da jurisdicção do prelado diocesano, quando elle se não queixava de serem menospresados esses direitos e jurisdicção episcopal, bem pelo contrario ha de ter occasião de provar pelos documentos officiaes publicados na folha do governo, que o prelado julgou sempre acatada a sua jurisdicção episcopal, e salva a disciplina ecclesiastica. sendo certo que na opinião do mesmo prelado a reunião das irmãs da caridade francezas ás portuguezas, nem era contraria a legislação vigente, nem á mesma disciplina ecclesiastica. Que repetiria n'esta occasião o que em outra dissera, isto é, que se fóra verdadeira a asserção do governo, quanto á desobediencia canonica e ordinaria das irmãs da caridade ao prelado diocesano, seria elle, orador, o primeiro a condemnar um tal procedimento, e até a exigir o competente processo para punir tão grande falta; que felizmente porém uma tal asserção era destituida de fundamento.

Em taes circumstancias o governo julgára dever lançar mão de medidas extremas, e cumprir o seu ultimo dever, fazendo entrar essa corporação obstinada das irmãs da caridade (phrase do sr. presidente do conselho) no cumprimento das suas obrigações, e que por isso não hesitou em mandar dissolver a dita corporação das irmãs da caridade, illegalmente constituida no estabelecimento a Santa Manha, e incorporar nos proprios nacionaes os bens pertencentes aquella communidade, ordenando igual procedimento a respeito de qualquer outra congregação em condições similhantes. Por esta occasião lembra o orador á camara o prognostico que havia feito quando foi publicada a portaria de 5 de março ultimo, isto é, que, a dita portaria nunca seria executada, porque, sendo illegal, não poderia fazer-se obra alguma por ella perante os tribunaes: que pede licença á camara para fazer igual prognostico, e pelo mesmo motivo, a respeito do decreto de 22 de junho, porquanto tem a mais illimitada confiança de que os tribunaes portuguezes não hão de vergar-se ao capricho ministerial, e hão de, pelo contrario, mostrar-se zelosos observadores da lei.

Notará de passagem que os actos officiaes publicados pelo governo sobre este objecto se resentem de uma differença de redacção nos relatorios que contém os motivos da medida, e nos decretos ou projectos que contém a parte dispositiva, o que prova que têem havido differentes collaboradores, e que não tem havido pensamento governamental; sirva de exemplo o projecto apresentado pelo governo na ultima sessão legislativa. Emquanto se diz no relatorio que o governo manda dissolver a corporação das irmãs da caridade illegalmente constituida no estabelecimento de Santa Martha, no artigo 2.° do projecto, tratando de prover á dotação do instituto das irmãs da caridade, e referindo se á originaria dotação do mesmo instituto, se diz clara e positivamente, que ella fóra estabelecida pelo decreto com força de lei de 14 de abril de 1819! Contradicções d'esta natureza não as commette quem redige um papel, e tem um pensamento; contradicções d'esta natureza apparecem sómente quando a uns se confia a redacção dos relatorios, e a outros a redacção dos projectos que contém a parte dispositiva, e tudo isto na opinião d'elle, orador, fica mal ao governo e lhe é altamente desairosa.

Disse-se que o decreto de 22 de junho ha de achar na execução as mesmas difficuldades que encontrou a portaria de 5 de março, porque nesta parte adopta inteiramente, ainda que divirja na questão principal, as idéas do sr. Aguiar: a circumstancia de se achar no decreto a assignatura do chefe do estado não fez mudar de natureza este acto; na portaria manda-se em nome do chefe do estado, é um acto puramente ministerial; no decreto existe a assignatura do chefe do estado, embora, é um acto igualmente ministerial; por consequencia se o governo não póde dar execução á portaria de 5 de março, porque a final reconheceu que era arbitraria e illegal, ha de verificar-se o mesmo a respeito do decreto de 22 de junho, porque não podendo este revogar outro, que o. proprio governo reconhece ter força de lei, ha de na execução ter exactamente o mesmo resultado.

Parece ao orador, segundo o que tem deprehendido, que a principal belleza d'esta ultima medida governamental consiste na disposição que se contém nas ultimas palavras do artigo 1.° do decreto de 22 de junho, determinando-se ahi que a corporação das irmãs da caridade, fundada em Portugal por decreto de 14 de abril de 1819 não poderá ser jamais considerada como entidade juridica.

O sr. Visconde d'Algés: — Dizem que essa é a principal belleza.

O Orador: — Estima que o seu nobre amigo e collega confirmasse o que tinha ouvido a tal respeito, mas é forçoso reconhecer que uma tal disposição não passa d'uma d'aquellas argucias e espertezas empregadas para complicar a questão. Quem ha ahi que ignore que a entidade juridica creada por uma lei não póde ser destruida por fim decreto do governo? É esta a verdadeira questão; o governo já reconheceu nos seus documentos officiaes, que a corporação das irmãs da_ caridade estabelecida em Santa Martha existia por virtude de uma lei, póde o governo por um decreto seu destruir essa existencia legal?

O que acaba de expor serve tambem de resposta a tudo quanto disse o sr. Filippe de Soure, tendente a provar que o governo estava no seu direito dissolvendo aquella corporação por um decreto, pois que um outro decreto, igualmente com força de lei, de 9 de agosto de 1833 a tinha extinguido.

Que é esta uma proposição facil de enunciar, mas difficil de provar, e que é seguramente n'este ponto que existe grande divergencia, em vista das consultas das differentes auctoridades e dos actos precedentes de muitos ministerios. Que para o orador a questão é clara mesmo em vista do decreto de 9 de agosto, mas que se alguma duvida existisse estava esta resolvida pelo decreto de 26 de novembro de 1851.

Passando a tratar mais particularmente da questão observará, que nem o governo, nem os oradores que sustentam a sua opinião, acham no decreto de 9 de agosto disposição ou artigo algum que comprehenda a corporação das irmãs da caridade, e que para tornarem extensivo aquelle decreto a esta corporação recorrem ao pensamento e espirito do legislador!

Em resposta podia limitar-se a dizer que a lei que não exprime obrigação não obriga, mas que não tem duvida em tratar a questão no ponto em que a trataram os seus adversarios. Da extincção dos prelados maiores, que parece ser o pensamento do decreto de 9 de agosto de 1833, se pertende deduzir que não é possivel nem admissivel em Portugal a existencia do instituto das irmãs (da caridade, porque reconhecem estas, como seu chefe, um prelado maior estrangeiro. Julga elle, orador, que existe grande confusão a tal respeito.

Que não seguirá o sr. ministro da justiça em tudo o que disse a tal respeito, remontando-se ao concilio de Calcedonia, e as novellas de Justiniano, porque tudo quanto s. ex.ª disse refere-se á epocha em que não existiam Exemplos, e em que os prelados das ordens regulares estavam em tudo sujeitos aos bispos, e que, segundo lhe parece, datam principalmente do seculo XII, em que, por virtude das exacções violentas dos bispos, muitos prelados das ordens regulares obtiveram do summo pontifice exempções, quanto á eleição dos superiores das suas respectivas ordens, e quanto á administração dos bens temporaes.

Que não deixa de reconhecer que para combater os Exemptos se podem apontar muitos textos latinos, que é facil encontrar até nos compendios da universidade, mas que não é essa porém a questão. Que não podendo deixar de reconhecer-se que na creação d'esses Exemptos o papa resolve no pleno uso do seu direito, e não podendo deixar de admittir-se que elles foram reconhecidos pela igreja, e por isso formam a disciplina actual da mesma, é consequencia necessaria que, segundo os bons principios e melhor opinião, não póde tal disciplina ser alterada sem o concurso da mesma igreja; que não póde ignorar o sr. ministro, que muito embora tivessem alguns bispos no concilio de Trento reclamado contra essas exempções, o memo as confirmara e conservára em vigor, admittidas unicamente algumas restricções.

Que fóra por estes motivos que elle orador deixara á responsabilidade do redactor do decreto de 1833 o primeiro considerandum, que se contém no preambulo do mesmo decreto, isto é, que a instituição dos prelados maiores ou os isentos é opposta ao principio do evangelho e á religião catholica romana; sendo tambem por este motivo deslocado o sentimentalismo a que recorreu o sr. ministro da justiça, invocando para sustentar aquelle considerandum o nome do sr. Silva Carvalho, que é um vulto demasiadamente grande para carecer de defeza do sr. ministro ou de outra alguma pessoa.

Deixando este sentimentalismo de parte, ainda sustenta que um tal considerandum é insustentavel, e não podia nem devia ser adoptado em uma lei. O que eram os prelados maiores? Eram os superiores das ordens regulares, que livres da obediencia do diocesano estavam immediamente sujeitos ao papa. Podia ou não podia o summo pontifice eximir da jurisdicção episcopal aquelles prelados sujeitando-os immediatamente á jurisdicção papal?

Não espera o orador que alguem possa responder pela negativa, e em tal caso sente dizer ao sr. ministro da justiça que a proposição por s. ex.ª sustentada equivale a accusar o summo pontifice de violador dos sagrados canones, e de destruidor da disciplina e da unidade da igreja, o que alguem poderá considerar como grande temeridade, e que os mais escrupulosos poderão considerar como heresia.

Passará a tratar agora de mostrar quão inexacta foi a proposição de que a interpretação e a intelligencia dada ao decreto de 9 de agosto pelo governo actual fóra a que official e praticamente tinha sido dada anteriormente por todos os ministerios e por todas as auctoridades ecclesiasticas. Começará comtudo por dizer que não tem conhecimento de lei alguma na qual se estabeleça que as irmãs da caridade devem prestar uma obediencia completa e exclusiva aos prelados diocesanos.

Observa que o sr. ministro da justiça toma nota do que acaba de dizer, e é de esperar portanto que apontará essa lei que o orador ignora. Sabe que o decreto de 9 de agosto, já tanta vez citado, exige a obediencia aos mesmos prelados diocesanos da parte das ordens religiosas professas, mas tambem sabe que por esta mesma circumstancia da profissão não póde um tal decreto ser applicado ao instituto de S. Vicente de Paulo.

Sabe que um tal decreto teve em vista acabar com os Exemptos, que desligavam essas ordens religiosas da obediencia diocesana sujeitando-as immediatamente ao papa, mas sabe igualmente que segundo a regra dada por S. Vicente de Paulo as irmãs da caridade prestaram sempre a obediencia canonica aos diocesanos, não tendo nem existindo por