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N.° 46.

Sessão de 27 de Março. 1843.

(PRESIDIU O SR. VISCONDE DE SOBRAL.)

Foi aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde: estiveram presentes 37 Dignos Pares - os Srs. Duque de Palmella, Marquezes de Abrantes, de Fronteira, das Minas, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes do Bomfim, da Cunha, do Farrobo, de Lavradio, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, da Taipa, e de Villa Real, Viscondes de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Barão de Villa Pouca, Miranda, Osorio, Gambôa e Liz, Ornellas, Margiochi, Tavares de Almeida, Pessanha, Giraldes, Cotta, Falcão, Silva Carvalho, Serpa Machado, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. - Tambem estava presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Lida a Acta da Sessão precedente, ficou approvada.

O SR. SECRETARIO MACHADO: - O Sr. Conde de Lumiares participa que não póde assistir á Sessão de hoje por motivo de molestia.

O SR. CONDE DA PONTE DE SANTA MARIA: - Mando para a Mesa duas representações pedindo que se approve como base da Lei dos vinhos o exclusivo das aguas-ardentes; uma é da Camara Municipal do Concelho de Rua, e a outra de varios Cidadãos residentes em Villa Real de Tras-os-Montes.

O SR. SILVA CARVALHO: - Tambem vou mandar para a Mesa sete representações, mas em sentido contrario ás que o Digno Par acaba de apresentar; são das Camaras Municipaes dos seguintes Concelhos - de Lavos, Ançan, Miranda do Corvo, Ancião, Louzan, Soure, e S. Lourenço do Bairro; pedem a esta Camara a rejeição do exclusivo.

O SR. GAMBÔA E Liz: - Mando igualmente para a Mesa duas representações, da Camara Municipal do Concelho de Arruda dos Vinhos, e dos lavradores vinhateiros do mesmo Concelho, ambas no sentido da recusa do exclusivo.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Como o Projecto de Lei sobre que versam estas representações está dado para a Ordem do dia de hoje, ficam todas em cima da Mesa.

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - (Sobre a ordem.) Sr. Presidente, a maioria da Commissão especial dos vinhos fez-me a honra de nomear-me seu Relator: já pela minha propria natureza eu seria fraco defensor das idéas da Commissão, mas de mais a mais acho-me muito doente, estando bastante rouco; e então pediria á Camara que addiasse a discussão do Projecto dado para Ordem do dia, por tres ou quatro dias, esperando da imparcialidade de todos os Senhores que sejam cavalheiros, e que não votem contra o meu pedido, por que outras questões de importancia tem já sido addiadas para differentes dias, e de mais, quem tem de votar, tanto o faz hoje como outro dia, mas votará depois de ouvir a discussão. É o que tenho a dizer, tornando a pedir á Ca-

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mara que addie a questão, por tres dias afim de podêr defender o Projecto, pois espero que então se achará restabelecida a minha saude.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - A Camara acaba de ouvir o pedido do Digno Par: está por tanto em discussão o addiamento do Projecto dado para Ordem do dia.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Sr. Presidente, esta questão é importante, e, desde que nella se principiou a fallar, não se tem dado outras razões senão que era preciso acudir ao Douro com toda a pressa, sem demora nem espera, por que o Douro estava a morrer, e que dependia de viver de um dia para outro da resolução desta questão. Eu sinto que S. Exa., o Sr. Visconde de Villarinho, esteja doente, mas, apezar de sentir muito a molestia do Digno Par, não me parece curial o addiamento, nem mesmo a Camara corresponderia á espectativa geral se o approvasse, por que as diversas Provincias estão com as vistas fixadas em nós para ver como se acabará esta importante questão, e mesmo o Douro, sobre o qual se tem dito que é preciso, para elle poder viver ou respirar, que esta questão se tracte immediatamente: por tanto, apezar do muito sentimento que tenho pela molestia de S. Exa., e apezar delle não podêr, em consequencia do seu incommodo de saude, illustrar a Camara sobre a questão que nos vae occupar, parece-me que nós faltariamos ao que della se espera se demorassemos uma questão tão grave e de tanto interesse; e por isso é necessario discutila quanto antes. Voto pois contra o addiamento.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - É muito para sentir que o illustre Relator da Commissão esteja impossibilitado de fallar nesta questão; mas o Projecto é de tal importancia que seria conveniente terminar o seu debate quanto antes.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (e estimo muito vêlo presente) não respondeu a um Requerimento que eu fiz ha algum tempo, e o qual foi mandado por esta Camara ao Governo, pedindo-lhe que, ávista do Artigo 15.º do Tractado feito com a Inglaterra, declarasse se o negociante Britannico que exportasse vinhos podia ser, ou não obrigado a comprar a agua-ardente á Companhia, no caso della se estabelecer: assim, mesmo para que podesse votar sobre o addiamento com conhecimento de causa, seria bom que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros quizesse dar alguma resposta de palavra ao Requerimento que fiz, e que até agora não foi satisfeito por S. Exa.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS: - Eu declaro que não respondi ao Officio que me foi dirigido pelo Digno Par, o Sr. Secretario desta Camara, por isso que tencionava fazêlo de viva voz estando presente a esta discussão; e tenho a dizer simplesmente que, se acaso passar a medida do exclusivo, os exportadores Inglezes serão postos no mesmo pé dos exportadores Portuguezes, por quanto é o que determina o Artigo 15.° do Tractado de 3 de Julho.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - O Arti-

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go 15.º diz assim: (leu.) Pergunto qual é a sua interpretação: poderiam, em conformidade com elle, os negociantes Inglezes exportadores de vinhos do Douro, ser ou não obrigados a comprar agua-ardente á Companhia? Perguntarei ao Sr. Ministro se para esclarecer este Artigo se não passaram algumas Notas entre o- Plenipotenciarios Portuguezes e Britannicos, e se não se declarou que não se restabeleceria o monopolio? Perguntarei tambem ao Sr. Ministro que queira dizer, alem da opinião do Governo Portuguez a este respeito, qual é a opinião do governo Inglez; por que se os exportadores Inglezes não podérem ser obrigadoa a par dos Portuguezes, a comprar agua-ardente a Companhia, a votação da proposta do exclusivo acabaria de arruinar o commercio dos vinhos que ainda está em mãos de Portuguezes, passando-o para as dos Inglezes, que ficariam sendo então os unicos exportadores, ao mesmo tempo que a Companhia não venderia um só almude de agua-ardente.

São as duas questões a que desejo que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros responda, por que só depois da sia resposta poderemos entrar com outro na discussão sobre o exclusivo.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - O que está em discussão é o addlamento: tem fallado os Srs. que votam contra elle, e por isso não posso deixar de ouvir os que são a favor: tem a palavra o Sr. Conde de Semodães.

(Havia algum sussuro na Sala.)

O SR. CONDE DE SEMODÃES: - Eu quero fallar sobre o addiamento, e creio que os Dignos Pares me devem attender, porque não são muitas as vezes que occupo a Camara. (O Sr. Trigueiros: - Apoiado.) Concordo com o requerimento do Sr. Visconde de Villarinho, e com as ideas do Sr. Visconde Fonte Arcada, que não quer demorar ao Douro o beneficio que póde resultar-lhe desta Lei; mas vejo que um addiamento de dous dias pouco, ou nada atraza esse beneficio. Deus queira que eu me não engane, mas penso que pouco resultado tirará o Douro desta discussão. Ora como aqui muitas vezes se tem addiado differentes Projectos, sem que d'ahi resultasse mal, approvo o requerimento do Sr. Visconde de Villarinho, e peço a V. Exa. que o ponha á votação da Camara.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Sr. Presidente, eu pedi a palavra unicamente para que se entrasse; na ordem, quero dizer, para que a Camara continuasse a discutir a questão do addiamento. Uma vez que acabou a questão que o Digno Par e meu amigo instaurou, do que se deve unicamente tractar agora é do addiamento, e deixar todas as outras questões para depois.

O SR. TRIGUEIROS: - Sr. Presidente, eu não quero dizer mais nada do que disse o Sr. Visconde de Fonte Arcada; a questão é puramente sobre o addiamento, e a que instaurou o Sr. Visconde de Sá da Bandeira tem todo o logar mas não agora: por tanto é preciso decidir a primeira questão; e esta é que nos deve occupar, e não outra.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu deixei continuar a questão do Sr. Visconde de Sá por que se referia a um Requerimento dirigido ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, sobre o que me pareceu que S. Exa. não podia deixar de ser ouvido. (Apoiados.)

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Sr. Presidente, eu não estava prevenido de que se suscitaria esta questão da ordem, mas o que peço aos Dignos Pares, que a apoiam ou contestam, e que não entrem nella, nem depois tractem a materia com paixão, ou esta questão incidental se decida pró, ou contra. Dizendo isto não me refiro a couza alguma que me desse idéa de que não prosigam nella com toda a serenidade, mas julgo que a questão é muito importante para que se não ponha de parte toda a paixão e mesmo tudo quanto seja relativo a interesse pessoal. Desejaria por tanto que nesta questão de ordem se evitasse tudo quanto possa promover uma discussão acalorada. Pela minha parte, declaro que em propostas de addiamenio muitas vezes tenho votado a favor e outras contra, não podendo haver para isso uma regra fixa. Se a Camara votar o addiamento terá motivos para isso, see acha que não deve aprovalo assim o determinará; mas em todo o caso peço que esta questão incidental se declara com a maior brevidade possivel.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Sr. Presidente, nós temos duas questões, uma do addiamento e a outra a interpellação que fez o Sr. Visconde de Sá ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, mas não se podem tractar ambas promiscuamente a interpellação do Sr. Visconde de Sá deve tractar-se antes da discussão principal, por que é nada menos do que um Artigo de um Tractado que parece excluir deste monopolio (que vâmos tractar se se hade, ou não conceder) os subditos de S. Magestade Britannica. Pelos meus principios de Economia-politica, achava eu que seria um bem, mas era uma vergonha a excepção a favor dos subditos inglezes, por que então este privilegio tornava muito o exclusivo da Companhia, visto que o commercio de distribuição do Douro não se faria senão pelos necogiantes Inglezes e o dinheiro do commercio Portuguez ia tornar outro caminho: aliás tinhamos nova exigencia de que naturalmente haviamos de focar mal. Por consequencia este é um objecto preliminar sobre que a Camara
deve eseclarecer-se a fundo, tomando conhecimento cabal da declaração do Sr. Ministro antes de entrar na discussão dada para Ordem do dia, por que e inteiramente separada, e não uma questão que se misture com couza nenhuma.

Ora a mim tanto só me dá que a questão principal seja votada hoje como ámanhãn; é-me inteiramente indifferente, pois eu hei de votar contra todos os exclusivos, (Apoiados.) e tanto para o Douro como para a Extremadura, por que isto hoje era ... o contracto duro e injusto.

Que com Lepido e Antonio fez Augusto.

O Lepido é a Extremadura (por que mais insensata), o sintonia é o Douro, e o Augusto... não sei quem é. (Apoiados. - Riso.) Portanto repito que hei de votar contra todos os exclusivos pelos, fundamentos que espero dar á Camara, mas tanto me importa que sobre essa questão se vote hoje, ámanhan, ou d'aqui a um mez; e se a Camara decidir que não se vote nunca, melhor, por que essa prejudicialissima medida não terá efeito: entretanto o que se torna, necessario é que antes disso se tracte da questão preliminar indicada pelo Sr. Visconde de Sá, por que é uma questão de grandissima, importancia, e que deve resolver-se com toda a sinceridade sim, mas tambem com todo o conhecimento de causa.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - A questão, por agora, é puramente e simplesmente o addiamento.

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O SR. TRIGUEIROS: - Eu conformo-me com as opiniões do Sr. Conde da Taipa, até certo ponto, mas peço a S. Exa. que reflicta que, mesmo segundo as suas idéas, não se póde tractar aquella questão sem decidir primeiro a do addiamento. (O Sr. Conde da Taipa: - Boa duvida.) Quanto ao addiamento, Sr. Presidente, eu opponho-me a elle, e não posso deixar de me oppôr, por que ha muitos mezes que nós ouvimos dizer que o Douro está debaixo das mais terriveis impressões, que as suas necessidades urgem a cada momento, e até se tem dito que se esta questão se protrahisse (na Camara dos Srs. Deputados) a medida pouco poderia valer ao Douro; entretanto apparece agora uma proposta de addiamento!

Eu sinto muito a molestia do Sr. Relator da Commissão, mas espero que S. Exa. convenha comigo que a Commissão não conta na sua maioria sómente ao Digno Par para que possa defender o seu Parecer: eu teria muito gosto de ouvir a S. Exa. e espero mesmo que não deixará de ser ouvido, se a discussão se não addiar, por que ella ha de durar mais de dous dias. Sr. Presidente, eu tenho muita pena da molestia de S. Exa., porém tenho ainda mais pena da molestia dos lavradores do Douro, e dos lavradores da Extremadura, principalmente destes ultimos, os quaes com a apprehensão do projectado exclusivo se acham em estado de não podêrem fazer uma só transacção sobre o seu primeiro genero: esta questão tem tudo suspenso, daqui dependem todas as transacções, e por isso protrahila por mais tempo seria levar o mal muito adeante. O Sr. Conde de Villa Real pertence á maioria da Commissão, e S. Exa. tem muita illustração e os conhecimentos necessarios para tractar a questão assim como os outros seus Collegas: por consequencia não julgo que a molestia do Digno Par, o Sr. Visconde de Villarinho, possa ser motivo sufficiente para addiar a discussão deste Projecto. Voto contra o seu addiamento.

O Su. CONDE DE LAVRADIO: - Sr. Presidente, o que eu queria dizer sobre o addiamento já está dito, e por tanto cêdo da palavra pois não quero tomar o tempo á Camara inutilmente.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Eu tenho a dizer unicamente que no principio da discussão pedi a palavra para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e que concedida por V. Exa., logo que comecei a fallar, veiu um Digno Par deste lado da Camara pedir-me que não continuasse por ora nesta materia: então novamente perguntei a V. Exa. se podia fallar, e V. Exa. disse-me que sim, e fiz outra vez a pergunta que já tinha feito antes ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. V. Exa. teve a bondade de responder á primeira parte, e faltando alguns esclarecimentos ainda, pedia a S. Exa. quizesse responder aos das quesitos. - Parece-me por tanto que, visto ter-se permittido ao Sr. Ministro responder á primeira parte, se lhe deve permittir que tambem responda á segunda.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Ainda se não entrou na Ordem do dia; quando começar então o poderá S. Exa. fazer (Apoiados.)

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Eu levanto-me unicamente para dizer que comecei logo declarando que de todos os Membros da maioria da Commissão eu era o mais fraco; mas que essa mesma fraqueza junta com a molestia augmentava a impossibilidade de eu defender devidamente o Parecer da maioria: por tanto se não querem addiar a questão, os Dignos Pares que compõem a minoria da Commissão alcançarão uma victoria mais facil, por que é um de menos que tem no combate, pois eu não posso fallar. A Camara resolva porém como intender.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Vae-se votar sobre o addiamento, visto que ninguem pediu a palavra sobre elle.

E sendo effectivamente proposto, ficou o addiamento rejeitado por 22 votos contra 11.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Pedia a V. EXa. que, antes de se entrar na discussão do Projecto dado para Ordem do dia, se terminasse a interpellação do Sr. Visconde de Sá da Bandeira, feita ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros; por que me parece que a Camara não poderá entrar cabalmente ha discussão do mesmo Projecto sem estar terminada esta questão preliminar.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Tendo alguns Dignos Pares instado pela conclusão da questão preliminar, ou que se haja de terminar a interpellação dirigida ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e havendo S. Exa. pedido a palavra, parecia-me conveniente que a Camara ouvisse o mesmo Sr. Ministro desde já. (Apoiados.) Logo depois deste incidente passaremos á discussão do Projecto dado para Ordem do dia. - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS: - Sr. Presidente, parece-me que me prestei com a melhor vontade a dar as explicações que me foram pedidas, que dou sempre com muito prazer nesta Camara, e não menos na outra, certo de que, quando eu aqui dissesse que a resposta sobre este ou aquelle assumpto seria prejudicial ao serviço, nenhum Digno Par havia de deixar de dar-se por satisfeito, como aconteceu na outra Casa com grande espanto meu; por que produzindo eu alli esta razão, sempre attendida em todos os parlamentos, o Deputado interpellante, não só se não deu por satisfeito com ella, mas em certo modo (como hoje é publico pelos jornaes) cantou triumpho, dizendo que sabia tudo quanto se passava, e que podia annunciar-se ao Publico que a negociação do Tractado com Inglaterra estava rôta e abandonada! Estou persuadido, e seguramente não espero que aqui aconteça couza que se pareça com isto, por que em materias desta gravidade, Sr. Presidente, intendo que não póde haver motivo de triumpho, por que os não ha para partidos: é esta uma das questões mais sérias que se tem tractado em ambas as Casas do Parlamento; (O Sr. Conde da Taipa: - Apoiado.) o mais a que um Digno Par, ou um Sr. Deputado póde chegar é a tomar parte nellas com a circumspecção que demandam, e nunca a regosijar-se ou a cantar triumphos, pois quando vemos metade da Paiz (por assim dizer) sopezando as desgraças que pézam sobre o commercio mais importante da nossa exportação, e outra metade receando que se acabe com á industria nacional, e até com o germen della, parece-me, digo, este objecto muito serio para que possa dar occasião a triumphos de partidos. Por isso, Sr. Presidente, estou muito seguro de que os Dignos Pares se hão de satisfazer com as respostas que eu lhes der, e que não me hão de obrigar a ir álem do que devo.

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Eu já disse, e agora novamente repetirei, como o Governo intende o Artigo: elle é claro. O Artigo estabeleceu uma regra geral, e logo em seguida uma excepção pelo que respeita ao commercio dos vinhos do Douro. A ampla liberdade de compra e venda que se estabelece no principio daquella disposição, é limitada pelos Regulamentos existentes, ou que se fizerem para o futuro: ora os Regulamentos existentes já coarctam esta regra geral, já impedem ao negociante Inglez, ou Portuguez, de comprar aonde quizer. E se não, perguntarei eu á Camara, se um Portuguez, ou Inglez, quizer comprar vinho fóra do districto legal o poderá conduzilo para os depositos de embarque por mais excellente que seja a sua qualidade? Não. Póde compralo para consumo do Paiz, mas não para exportar pela barra do Porto. Quando quizer comprar vinho para embarcar, ha de compralo daquelle que o Governo por consulta da Companhia tiver approvado para embarque, e não de outro. Já se vê pois que só os Regulamentos existentes tem a força de destruir a regra geral do Artigo, igual força pódem ter os que de futuro se fizerem, como e expresso na excepção posta a dita regra geral, a qual tem só como restricção a clausula de que os subditos Inglezes serão postos no mesmo pé dos subditos Portuguezes.

Eis aqui pois, Sr. Presidente, a interpretação que ao Artigo dá o Governo, e parece-me que a Camara se poderá contentar com a explicação que acabo de dar.

Agora accrescentarei, que não sei eu como qualquer negociador de um Tractado podesse nelle decidir um ponto politico da maior importancia, que ainda não tinha sido decidido definitivamente no Parlamento, posto que ahi por varias vezes agitado. A questão dos vinhos não está ainda decidida: é uma questão que se reduz a saber - se o excedente da producção do vinho do Douro ha de ou não ser reduzido a agua-ardente, e empregado no beneficio do mesmo vinho: - é esta, como todos sabem, uma questão que não está resolvida, e que não o póde ser senão pelo Corpo Legislativo. É a questão, por outros termos, se ao Douro se dará de direito o que as outras Provincias gosam de facto, e alguma dellas de direito: a Extremadura, por exemplo, não está nas mesmas circumstancias em que está o Douro, por que esta Provincia de facto gosa da vantagem de não receber uma só pipa de agua-ardente de outra Provincia: isto, que acontece á Extremadura, acontece tambem á Beira, e ao Minho, e á Ilha da Madeira deu o Legislador esta vantagem de direito por que a natureza, alli como no Douro, pela carestia da sua cultura, lh'a negou de facto. É por tanto evidente que não se poderia tocar em objecto de tal magnitude, nem incluir-se em um Tractado com qualquer Nação estrangeira, sem que primeiro fôsse decidido pelos Corpos Colegislativos.

Concluo pois dizendo, Sr. Presidente, que é este o sentido em que o Governo intende o Artigo; e dizendo isto parece-me que não deixo a Camara ás escuras, mas que ella póde já votar como intender sobre a medida de que se tracta.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Eu pedi a palavra sobre a ordem quando ouvia fallar o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e contava o que acontecera na outra Camara com um Sr. Deputado, o que não é de certo muito curial, ou parlamentar. (Entrou o Sr. Ministro da Justiça.) Agora o que por esta occasião digo ao Sr. Ministro e que eu hei de ficar, ou não satisfeito com as suas explicações, mas sem que me importe se os Srs. Deputados o ficaram, ou não. Concluo dizendo que extranhei muito que o Sr. Ministro viesse aqui trazer o exemplo do que se passara na outra Camara, o que não e permittido praticar mesmo aos Membros desta, e por tanto menos o podia ainda ser a S. Exa.

O SR. VISCONDE DE SÁ DE BANDEIRA: - O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros terminou dizendo que a Camara não ficaria as escuras com as explicações que elle acabava de dar; porém declaro a S. Exa. que eu por mim fico tanto ás escuras como o estava antes da sua resposta; fico no mesmo estado por que não foram respondidos os dous quesitos que apresentei a S. Exa. Eu tenho motivos. Sr. Presidente, para accreditar o que disse, e penso que o Governo deveria declarar que pelo Tractato não podem os Ingçezes, ser obrigados a comprar agua-ardente a uma Companhia monopolista, pela [...] este negocio claro, com o fim de evitar que se façam Projectos que não são exequiveis. O exclusivo não poderia ir avante, ainda que para isso se fizesse Lei, por que pelo Tractado concluido os Inglezes não ficariam obrigados a comprar á Companhia. Por tanto o resultado de tal Lei seria em proveito exclusivo dos negociantes Britannicos, para cujas mãos passaria todo o commercio de vinhos. Em quanto porém a differença de direitos para mais que pagam os vinhos do Douro, isso devia ter acabado ha muito tempo, por que n'um systema constitucional não deve haver taes impostos differenciaes: todos devem gosar dos mesmos direitos e ter os mesmos encargos. Repito pois que o Sr. Ministro não respondeu aos quesitos que eu fiz, nem tambem disse qual é a interpretaçã de que o Governo Britannico dá a este Artigo; por que, SR. Presidente, quando se tracta da interpretação de um contracto bilateral, como é um Tractado, devem concordar ambas as partes contractantes, não pertencendo a interpretação a uma só dellas. Se pois os negociantes Inglezes não podem ser obrigados a comprar a agua-ardente, que se propôem sejam obrigados a comprar os Portuguezes, é claramente inutil toda a discussão sobre o Projecto apresentado pela Commissão.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Segundo a intelligencia que dei ás palavras do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, pareceu-me que o Governo julga que pelo Tractado se póde estabelecer o exclusivo; e das outras observações que S. Exa. fez inferir que elle não julgava prudente nem conveniente o responder ás perguntas do Digno Par. O nobre Visconde de Sá insistia em que, lhe era preciso, para podér formar a sua opinião, que S. Exa. o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros respondesse aos seus quesitos; mas o Sr. Ministro não satisfaz com a resposta que deu áquillo que o Digno Par pretendia. Neste caso peço licença ao Digno Par para lhe observar que se a medida é intil ao Paiz, nós devemos discutila sem mais consideração alguma: assim penso, Sr. Presidente, até por que estou persuadido que o Sr. Visconde de Sá não modificará a sua opinião na conformidade da resposta que deu o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, se houvesse de lhe dar uma mais positiva. Declaro porém que pela minha

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parte me dou por satisfeito com a resposta de S. Exa., e não requeiro que diga mais nada sobre o objecto da interpellação do Digno Par.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Acho muito justas algumas das observações que fez o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, por que sei respeitar as conveniencias, e quando se tractar de negociações pendentes nunca insistirei para que se me dê uma resposta tão ampla como eu desejaria, mas contentar-me-hei com aquella que S. Exa. me quizer dar. Posto isto, observarei que me parece, Sr. Presidente, que aqui se tracta agora de uma couza muito differente, qual é a intelligencia que deve ser dada ao Artigo 15.° do Tractado feito com a Gram-Bretanha, isto é, como o nosso Governo o intende, e se se julga armado de argumentos bastantes para responder ás pretenções que necessariamente hão de apresentar os subditos Inglezes, e que o seu governo apoiará, no caso que passe o exclusivo, o que eu não espero ver, pelo menos hei de empregar todas as forças de que possa dispôr para o atacar, por que reconheço que essa medida importa um grande mal para o Paiz. Mas, supponhâmos que passa o exclusivo, pergunto: tem o Governo argumentos bastantes para responder a qualquer pretenção que se funde no Artigo 15.° do Tractado? Tem-nos, ou não os tem? A isto se reduz a minha pergunta. Por tanto, se o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros me responder solemnemente que tem esses argumentos, e que ha de insiblir nelles, eu fico satisfeito, e não digo uma só palavra mais sobre a questão.

O SR. CONDE DA TAIPA: - A questão a que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros deve responder é - se, no caso de passar o exclusivo, elle se julga com direito para obrigar os subditos de S. Magesta de Britannica a que se subjeitem a esse exclusivo; e se o Ministerio Portuguez está determinado a sustentar esse direito com aquelia força que convêm a um Governo independente? - Sr. Presidente, eu não tenho relações particulares sobre a politica do Paiz: não fallo em politica com os Srs. Ministros, nem com os Embaixadores estrangeiros, nem com outra qualquer pessoa; fallo, ou refiro-me só á politica das Camaras manifestada publicamente, e por isso estou mais habilitado para podêr fallar livremente em certas couzas do que outros individuos, a respeito dos quaes, se elles o fizessem, se poderiam tirar algumas inferencias, que de certo me não podem caber a mim, visto que de modo algum sou influenciado por aquelles com quem tenho relações.

Sr. Presidente, eu ouço dizer por ahi que os Ingleses sustentam que o Tractado não os obriga a se subjeitarem a este monopolio, e tambem que esta é a opinião das authoridades Britannicas: ouvindo pois couzas taes, tenho direito a ser illustrado, e a pedir ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros uma resposta cathegorica, pela qual esta Camara fique sabendo se o Ministerio está disposto a viver, e morrer como gorverno na defeza da Lei que se vae discutir, e á qual parece haver dado o seu assentimento. Sem que o Sr. Ministro tenha respondido a isto cathegoricamente, intendo que nós não podêmos entrar na discussão dada para Ordem do dia de hoje de um modo conveniente ao Paiz.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS: - Eu tinha pedido a palavra para repetir que aquillo é exactamente o que eu estou a dizer desde que

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fallei a primeira vez: repetirei ainda - que o Governo intende pelo Artigo 15.° do Tractado, no caso que passe o exclusivo, que os negociantes Inglezes ficam no mesmo pé que os Portuguezes. - É o que já tinha dito, e o que digo agora; mas não posso dizer mais nada a este respeito. O Sr. Conde da Taipa disse que deviamos avaliar as razões de um lado e outro para ver se podêmos levar a Lei avante... (O Sr. Conde da Taipa: - Eu não disse isso.) Pareceu-me que o nobre Par dissera que deviamos ouvir as razões que o Governo tinha para assim pensar... (.O Sr. Conde da Taipa: - Tambem não disse tal.) Então não sei o que disse... (O Sr. Conde da Taipa: - Referi um rumôr publico.) Seja o que fôr. Repito mais esta vez: a opinião do Governo é que, se passar a disposição que estabelece o exclusivo das aguas-ardenles, ella ficará obrigando tanto os exportadores Portuguezes como os Inglezes.

O SR. SILVA CARVALHO: - Depois desta declaração, já a Camara sabe qual é a opinião do Governo; e então paraque é gastar mais tempo com similhante questão? Os Dignos Pares podem servir-se como argumento, pelo decurso da discussão, dessa opinião do Governo qualquer que ella seja, ou o exclusivo comprehenda, ou não comprehcnda os negociantes Britannicos. Parece-me por tanto que, depois da declaração feita pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, é em pura perda de tempo tudo que se disser agora sobre ella, e que devemos passar immediatamente á discussão do Projecto.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Peço que se mande inserir na Acta a resposta dada pelo Sr. Ministro.

(O Sr. Ministro da Negocios Estrangeiros: - Apoiado.) Observarei tambem que ha uma outra pergunta do Sr. Visconde de Sá a que S. Exa. não respondeu, e vem a ser, sobre se tinha havido alguma troca de Notas entre o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e o Plenipotenciario de S. Magestade Britannica a este respeito?

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu não posso obrigar o Sr. Ministro a que dê outra resposta álem da que julgue conveniente. Está portanto concluido este incidente com a ultima explicação de S. Exa., por que não sei que a Camara tenha direito a fazer com que ella seja mais desinvolvida. (Apoiados.)

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu tinha pedido a palavra para apoiar a proposta do Sr. Conde da Taipa sobre ser inserida na Acta a resposta dada pelo Sr. Ministro: aproveito porém a occasião para declarar que estou satisfeito com as explicações de S. Exa. quanto ao direito, mas que não o estou quanto á força: eu me explico. O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros disse que tinhamos direito a exigir dos subditos Britannicos o mesmo que dos Portugaezes se exigisse a respeito do exclusivo; mas eu desejava tambem saber se o nosso Governo já tinha a certeza de que o governo Inglez estava disposto a convir em que os seus subditos se subjeitassem a isso, por que, quando se interpreta qualquer clausula de um Tractado, é preciso saber o modo de pensar, não de uma só, porém de ambas as partes contractantes, e era o que neste caso eu desejava me dissessem para minha segurança, por que o direito é muito, mas não é tudo, principalmente quando ha desigualdade na força; cumpre por tanto que saibamos se poderemos sustentar esse direito afim de entrarmos com segurança nesta discussão. Declaro todavia que não in-

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isto agora nesta minha observação, nem exijo que o Sr. Ministro dos Estrangeitos responda até mesmo por que póde haver algum inconveniente na sua resposta ficando certo que S. Exa. se não tomem já as medidas adequadas sobre este ponto, as [...] de tornar opportunamente, e que o Governo fará tudo quanto couber em aos [...] para sustentar o direito que o Sr. Ministro acaba de dizer que [...] o cado, espero que a Camara convirá em que as expressões de S. Exa. sejam consignadas na [...]

[...] do Conde da Taipa

Passando-se a Ordem do diam foram successivamente lidos os Pareceres. (N.º 56 e 58 A) da Maioria e da Minoria da Commissão especial respectiva, [...] do Projecto de Lei (N.º 31, da Camara dos Srs. Deputados, sobre o modo de proteger a [...]

[...]

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Esta [...] são deste Projecto na sua generalidade.

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Sr. Presidente, com as minhas pequenas forças e com a pouca voz que tenho defenderei o Pareceçer da maioria da Commiss~~ao, principiando por dizer o estado em que se acha o Douro, e tractando depois dos remedios que se pretendem applicar ao mal que [...]

[...]pois não se podem aproveitar as terras em couza alguma util. A maior parte das vinhas do Douro foram plantadas debaixo de certos systema, obrogando os lavradores a porem-nas naquellas ladeiras com gtandissima despeza: se agora se não attender a isto, e não se lhe fizer algum favor particular, quasi toda aquella classe tem de ver-se perdida, por que apenas poderão permanecer as vinhas de ... (...) que dão sete a oito pipas de vinho muito fino, e mais alguma das terras não altas; n'uma palavra a maior parte da população do Douro ficará desgraçada, visto que não haverá meio de conservar todo aquelle vinho que podesse entrar no commercio, como o pedia o seu interesse.

Sr. Presidente, já antes de eu sahir da Provincia havia muitas vinhas mortas, por que os baixos preços que a Companhia dava aos vinhos brancos reduzia os lavradores a não podêrem cultivalos, donde resultou que as mesmas vinhas se converteram em mato rasteiro. Ora isto aconteceu no temo em que o Douro estava propero; e vê-se que todas as outras vinhas, que não produziam um genero superlativo, necessariamente haviam de acabar, e assim foi acontecendo.

Lembrem-se os Dignos Pares que a balança do commercio está hoje contra nós em tres mil contos de réis, e por tanto, não se animando a exportação dos vinhos do Douro, esse desfavor subirá a cinco mil contos, pois que a exportaçã delles ainda nos produz a quantia de dous mil contos, importantissima para Portugal nas actuaes circumstancias. Os valores daquelle genero não ficam no Douro mas difundem-se pelo Minho, pela Beira, e por outras Provincias; a mesma Extremadura lucra tambem muito com a prosperidade do Douro, por que a praça do Porto e um grande mercado para as suas aguas-ardentes, e quanto mais vinhos d'alli se exportarem tanta mais aguar-ardente lhe vendera a Extremadura. Por consequencia se a lavoura do Doura se [...], isto trará comsigo a ruina de outras Provincias, por que tambem os seus lavradores tem de soffrer, [...] porque se torna necessario dar algum [...] a exportação dos vinhos do Douro. Ora aquelle que lembram os interessados, e pelo qual [...] a maioria da Commissão, parece-me que está no [...] de ser adoptado por esta Camara. Eu não posso chamar-lhe [...] quando muito será um [...], por que [...], por que ella não permittia que se fizesse agua-ardente em outra parte, e alguma que se apromptasse não podia ter sahida; a tal ponto chegava essa escandalosa concessão feita á Companhia que nem os [...] podiam destillar agua-ardente! Isto [...] é que são exclusivos; mas no Projecto nada vemos que se pareça com similhante couza, e apenas [...] exclusivo das aguas-ardentes não é proficuo á cultura e consumo dos vinhos? Não é mais provavel que se engane quem sustenta esta opinião do que tantas [...] que dizem o contrario fundando-se nos grandes conhecimentos, que tem sobre os objectos relativos a este negocio? Sem duvida.

Quanto ás causas que tem concurrido para estagnação do commercio dos vinhos do Douro, são ellas muitas, e quase que é escusado entrar agora na historia. Direi contudo que as diversas qualidades de vinhos que hoje ha em Portugal, e bem assim [...] paizes, fazem com que appareça em [...] mercados uma grande quantidade delles: esta causa é difficil de remediar, todavia algum remedio [...]

Outra causa existe (e essa é-me [...] que póde remediar-se mais facildade e que exclusivo effectivamente remediaria em parte, e [...] o procedimento dos feitos Inglezes, do qual resulta um [...], que já se praticava mesmo antes doce [...] da Companhia: a historia conta-nos como isto se fazia. Estes feitores (que são em geral homens poderosos) conhecem que os vinhos do Douro se [...]entender em pouco tempo, por que sabem as circumstancias dos lavradaores, e que não tem vasilhas para recolher as outras novidades; os taes [...] pois entre si obrigado os mesmos lavradores [...] lhes o genero por aquillo que elles querem: de [...] individuos tem commissarios que lhes participam

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o estado em que se acha o paiz; offerecem aos lavradores um preço minimo, e elles não tem remedio senão acceitalo, por que precisam. Como disse, este; conloio existia já antes do estabelecimento da Companhia; e os homens daquelle tempo eram de tão má te que, vendo que o paiz se ia arruinar, espalharam papeis anonymos em que se dizia que os vinhos senão vendiam pelas falsificações que os lavradores faziam. - Estabelecendo-se no Porto uma casa Hespanhola, começou a fazer grandes exportações principalmente para a Russia; e então o que fariam os taes feitores? Armaram tantas intrigas que por fim obtiveram fazer quebrar aquella casa, já se vê que para continuarem no seu conloio. Sabendo o Marquez de Pombal estas couzas, e querendo evilalas, estabeleceu a Companhia afim de favorecer os lavradores.

Eu trago toda, esta historia para mostrar que, qualquer remedio que não consistir em salvar os lavradores do Douro do conloio que podem fazer os feitores, Inglezes, ha de falhar.

Este favor que actualmente se pretende dar á Companhia é uma couza muito pequena, mas é alguma cousa, por que, pelo menos, ella comprará aos lavradores a terça parte dos seus vinhos, e deste modo ficarão remediados sem que vão cahir nas garras daquelles monopolistas que tudo lhes querem tirar. A concessão dos 150 contos de réis, ou a diminuição nos direitos de exportação, deixariam o Douro da mesma fórma. Supponhâmos que se diminuiam os direitos: isso em geral parece muito bom, mas não, salvava o paiz, e o que resultava era que esses feitores inglezes continuariam nos seus conloios mas tirando ainda maiores interesses. Até agora o exportador de vinhos pagava certa quantia de direitos para o Thesouro, mas se d'aqui em deante deixar de pagar uma parte desses direitos (por que quando o genero é abundante devem tirar-se todos os estorvos para que sabia) o productor do genero necessariamente lucrará. A este raciocinio, que parece exacto, respondo que não ha regra sem excepção: se se tirarem os direitos todos ao vinho que se exporta pela barra do Porto, o lavrador não lucra nada, por que esse ganho ficará inteiro nas algibeiras do feitor. Em quanto o lavrador não tiver um Banco rural, que lhe faça alguns emprestimos para remir suas necessidades, tudo o mais são remedios que ficam em palavras.

Os Senhores que argumentam contra a concessão proposta pela maioria da Commissão (concessão que o Douro tem pedido em tantas representações) tem a seu favor essas idéas de Economia-politica: eu tambem sou apaixonado das theorias, mas, pergunto, para que servem ellas? É para se discorrer. E discorre-se para se acertar com a verdade; mas quando a verdade apparcce contraposta ás theorias, havemo-nos fascinar com essas theorias pondo de parte o que nos mostra a experiencia de uns poucos de annos? A verdade e estar o Douro arruinado, e a não lhe ser concedido aquelle favor (que não é um exclusivo, como já observei) elle se perderá de todo, por isso que de todas as partes para alli se levam vinhos afim de se exportarem. Sr. Presidente, quando apparece uma verdade de tal maneira, e tão clara, é necessario confessar que as regras geraes de Economia-politica soffrem algumas excepções, e estas excepções vemos que tem produzido muito bem ha immenso tempo, como se verificou na Ilha da Madeira.

O que succedeu nessa Ilha em 1822? O seu estas do decadente está bem presente a todos. As Côrte daquelle tempo consentiram em 1822 que houvesse certo favor á agua-ardente, e ninguem ainda tachou essas Côrtes de menos liberaes, mas conheceu-se que era chegado o caso em que se tornava necessario fazer uma excepção. Depois que as mesmas Côrtes acabaram, veiu um Governo que não gostava nada das medidas por ellas tomadas, e por tanto deitou-as abaixo; porém, reconhecendo a necessidade da Lei relativa á Madeira, não impediu que continuasse em pleno vigor o direito das aguas-ardentes: passados tres annos houve outra mudança politica, publicando-se a Carta Constitucional, e então assentaram as Côrtes (apezar de se apresentarem então todas as idéas e theorias de Economia-politica que actualmente ouço repetir) que se fizesse á Ilha da Madeira aquelle favor especial: acabaram estas Côrtes por uma violencia da usurpação, mas os homens desse infame governo conheceram que era preciso continuar isso a que um Digno Par chamou estado normal: em fim, derribada a usurpação, succedeu a restauração da Carta, e o Governo deixou tambem permanecer esse mesmo estado normal, por intender que assim convinha.

Á vista de tudo isto, para que se fará uma guerra tão grande ao Douro? Quando se tracta deste favor para que virão todas essas theorias de Economia-politica, que são boas, mas ás quaes é necessario fazer algumas excepções? Mas diz-se - lá estão 150 contos de réis, e nisso lhe fazemos todo o favor. - Eu creio que quem assim falla está n'um absurdo, porque estou persuadido de que ninguem aqui haverá que queira a perda daquelle paiz, mas e certo que se enganam com o remedio que lhe applicam; e como (supponhâmos) aquelle doente que fósse consultar a um medico, e este lhe dissesse que conhecia a sua molestia, mas que, em logar de lhe dar um remedio efficaz, lhe daria outro; se o doente então he dissesse = este remedio matta-me = e o medico respondesse = não importa, ha de fazer-se o que diz tal ou tal escriptor moderno = e succedesse que o doente fôsse para o outro mundo; pergunto, que credito merecia similhante facultativo? O mesmo se segue a respeito do Douro; elle conhece o seu mal, sabe donde lhe vem, pede ás Camaras que lh'o remedêiem de tal maneira, mas ellas não lhe querem dar attenção! Por consequencia comparo este procedimento com o caso do medico que manda o doente para o outro inundo só por seguir as theorias de um certo author moderno.

Levado dos principios que brevemente expuz, concluirei dizendo que a unica couza que poderia ser util ao Douro, nas circumstancias actuaes, é o pequeno privilegio que a maioria da Commissão propõem se conceda á Companhia: e repare-se que, correspondendo dous almudes de agua-ardente ao adubo de uma porção de vinho tião muito grande, ainda fica margem bem larga para o commercio da das outras Provincias. Aqui não se tracta senão de salvar aquelle paiz, nem para uma couza tão insignificante deveria haver tão grande questão, por quanto o outro beneficio proposto não serve de nada áquella, Provincia, cahindo exclusivamente nas algibeiras dos vendedores Inglezes, por que são poderosos, sem que disso tirem lucro algum os pobres lavradores.

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Digo isto para sustentar o Parecer da, maioria da Commissão, sentindo muito que o meu estado de saude me não permitia ser mais extenso, reservo-me comtudo para reponder aos argumentos, que se apresentarem contra o mesmo Parecer, e poderei fazèlo talvez com mais vantagem do que hoje, se por ventura esta discussão se demorar ainda por alguns dias.

O SR. CONDE DE SEMODÃES: - Sr. Presidente, o objecto que hoje nos occupa a attenção e um dos mais importantes que nesta Camara se tem tractado; eu sou pouco habituado a entrar nas questões e por isso me não [..] de fazee mudar os Dignos Pares das suas opiniões mas cumpro com o que devo ao meu Paiz.

O estado miseravel e desgraçado em que esta a Provincia do Douro, ninguem o ignora, nem tão pouco que elle cada dia se agrava mais: o remediar este mal presente e suas consequencias no futuro, pertence ao Corpo Legislativo. - Esta Camara tem a considerar em sua sabedoria o Projecto [...] medidas mais ou menos efficaz, para [...] agricultura e commercio dos vinhos do Alto Douro, mas eu intendo que o meio proposto pela maioria da Commissão é o unico que póde salvar aquelle paiz sem prejuizo das outras Provincias vinhateiras, por que, quanto maior fôr o preço pelo qual se venda o vinho do Douro, e quanto maior fôr a sua exportação, maior ha de ser o valor dos das outras Provincias.

A maioroia da Commissão [...] de vinho exportado para os portos da Europa e da Asia, almude e meio para cada uma das pipas exportadas para os portos da Africa e America, e um alume para as que fóresm destinadas a consumo das tabernas, não se julgue que nisto se dá esse exclusivo que se falla, por quanto não sahe uma só pipa de vinho pela barra do Porto, destinado aos portos da Europa, que não levem pelo menos, quatro alumes de agua-ardende, logo os negociantes tem que comprar mais outros dous alumes, e prohibido o contrabando desta, forçosamente a não comprar as outras Provincias do Reino. Mas se o vinho do Douro não tiver extracção verdadeira, iria de ser queimado em agua-ardente, por mais ou menos preço, e os outros lavradores vinhateiros não poderão levar mais agua-ardente ao Porto do que levam actualmente. Nada prejudica pois aos proprietarios de vinhos das outras Provincias; e é necessario que se desenganem de que, em quanto o commercio dos vinhos do Douro estiver em decadencia, ha de succeder o mesmo aos de todas as outras Provincias, e os seus proprietarios não acharão preço pois a venda da sua agua-ardente pelo mesmo motivo por que a não vendem hohe. Torno a dizer que a maioria da Commissão não propoz um exclusivo, mas sim um favor, que só póde prejudicar aos negociantes, os quaes são obrigados pela Proposta a comprar esta agua-ardente [...] de 1756, mas um grande [...] se homem d'Estado, o Marquez de Pombal, [...] aquelle paiz. Elle creou então a Campanhia dos vinhos do Alto Douro, e com este remedio [...] a definhada agricultura e commercio dos vinhos do [...], reduzida ao mais [...] estado de [...] como hoje está, prosperou em todos os seus ramos a sombra daquelle Banco, e no espaço de mais de setenta annos, que tantos teve de existencia a Companhia, o valor das terras triplicou, montanhas até então inuteis e estareis fóram [...] epocha. - Creio que todos estão presentes na historia contempanea do Douro. As instituição e regulamento que tinha a Companhia mantinha entre os negociantes e os lavradores um justo equilibrio [.....] Companhia para aquelles usos pagando-a por praços regulares. Neste estado de couzas appareceu o Decreto de 30 de Maio de 1831, que extinguiu a Companhia e todas as suas attibuições; o justo equilibro tão necessario, e que longo tempo tão util fôra ao Douro em particular, e em geral a todo o Reino, [...] espantosa que os negociantes fizeram em detrimento dos lavradores, e contra a qual agora gritam pedindo remedio aos males, que elles mesmos procuraram!

Não se intenda que pretendo menoscabar a nobre e muito respeitar classe dos negociantes do Porto, a que tributo os meus respeitos; eu fallo dos especuladores que alludidos com as palavras - liberdade de commercio - compraram vinhos das outras Provincias para misturar, e venderem como vinho do Douro, verificando assim o antigo, ditado vende galo do Douro, arruinaram os negociantes de boa fé e [...] que tudo arruinaram o credito do vinho do Porto.

O mesmo Decreto, extinguindo a Companhia, suppoz o direito de 12$000 réis por cada pipa de vinho que se exportasse pela barra do Porto para todos os portos da Europa, e das outras partes do Mundo: pergunto, como era possivel que os vinhos que se exportavam para a Asia. Africa e [...], que eram os da segunda qualidade, soffressem um tal imposto para esses mercados, e os negociantes que se atreveram a mandar algum vinho para [...] portos, tiveram perdas extraordinarias.

Honra seja [...] a um [...] da revolta de [...] (o Sr. Manoel da Silva Passos que pelo [....]

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para os portos daquellas tres partes do Mundo, mostrando que haviam ido debaixo da bandeira Portugueza, se lhes restituisse parte dos direitos de sahida, 84$000 réis em pipa. - Tambem o Congresso Constituinte, pela Carta de Lei de 5 de Maio de 1837, isemptou de direitos todos os vinhos que se exportassem (debaixo da nossa bandeira) para os mesmos portos, devendo pagar apenas um por cento.

Os habitantes da Extremadura, e outras Provincias, tem em toda a plenitude o direito de propriedade que lhes garante a Carta, por que se o vinho não der dinheiro podem cultivar as terras de outros generos, mas não acontece assim aos do Douro, cujas montanhas escarpadas não podem dar senão vinho ou mato. (Apoiados.)

Por tanto, se se não fizer algum favor ao Douro, elle morrerá, acabando assim este ramo principal da nossa riqueza: o Thesouro deixará de receber de 300 a 400 contos de réis annuaes da exportação do mesmo vinho, que lhe dá um paiz que não tem mais de que sete legoas de comprimento, e em partes nem um quarto de legoa de largo. Pela barra do Porto entravam algum dia dez a doze milhões de cruzados annualmente, que todos se espalhavam no Reino. Não se adoptando a medida proposta pela maioria da Commissão, a Nação perderá todas essas sommas, e os habitantes do Douro se verão obrigados a emigrar, por não poderem pagar as contribuições, e aquellas montanhas em poucos annos tornarão a ser o que eram antes da creação da Companhia - matos de carvalhos e estevas, e covas de lobos e javalis (como eu ainda as conheci) - as quaes hoje estão povoadas de vinhas e casas.

Concluo pela necessidade da Proposta da maioria da Commissão, declarando comtudo que, quando esta se não vença, então votarei pelo Projecto da outra Camara.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Em quanto ao exclusivo das aguas-ardentes, não me darei ao trabalho de fazer um discurso proprio sobre isto, mas referirei á Camara a opinião de uma authoridade que não poderá ser recusada pela maioria da Commissão especial, a qual e extrahida de uma Memoria, publicada em 1833, e intitulada - Memoria historica e analytica sobre a Companhia dos Pinhos denominada da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Por Antonio Lobo de Barboza Ferreira Teixeira Gyrão, Prefeito da Provincia de Tras-os-Montes. - O nobre Par, proprietario de vinhas no Alto Douro (em Villarinho de S. Romão) expõem nesta Memoria tudo quanto se podia dizer contra os terriveis effeitos produzidos no seu paiz pelo exclusivo que tinha a antiga Companhia; sobre isto lerei á Camara alguns trechos que se encontram no Capitulo 2.° da citada Memoria:

« Este exclusivo (o das aguas-ardentes) lançou ao pescoço dos lavradores os ultimos grilhões; pois que as mãos e os pés já elles tinham bem ligadas. Elle é injusto, iniquo, e fundado em principios falsos, allegados perfidamente pela Junta, que então havia. - O caso é que os primeiros fundos estavam exhaustos, era preciso conservar a oppressora do commercio Inglez, por amor dos Tractados de Methuen; e como os primeiros exclusivos não bastassem para isto, ampliou-se o das tabernas, e creou-se o das aguas-ardentes, facultando-lhe ao mesmo tempo o podêr am

1843 - MARÇO.

pliar os seus fundos com mais seiscentos mil cruzados... »

Peço á Camara que note bem o que escreveu o Digno Par, e como cabalmente refuta d'antemão o Parecer da maioria da Commissão. Aqui se acham referidas as maldades praticadas por aquella Companhia, opprimindo os Povos, e fazendo por sua conta o contrabando de aguas-ardentes estrangeiras com prejuizo enorme dos lavradores do Douro:

«O caso e (continua a Memoria) que o exclusivo se creou, e tem sido causa não só das maiores injustiças, que se podem imaginar, mas até da ruina do paiz, destruindo-lhe os arvoredos silvestres, as arvores fructiferas, e até o mato rasteiro, para nem ficar uma pavéa de estrume, com que se possa beneficiar uma horta... »

« Em consequencia da guerra entre a Inglaterra e a França principiaram a estagnar-se os vinhos na ultima Potencia; os Francezes os converteram em agua-ardente bem fabricada, e a vendiam por mui baixos preços. Vendo a Companhia que podia tirar um ganho avultadissimo, importando-a e vendendo-a, empregou os frivolos pretextos, que sempre as Corporações monopolistas costumam empregar, e bem assim os meios de obter licença do Governo, a qual bem raras vezes lhe foi negada, e fez vir de França quantidades enormes, e tão enormes, que até fizeram augmentar consideravelmente as rendas do Consulado do Porto. - Quando isto acontecia, ella abandonava os vinhos do Douro, e os deixava ficar nas adegas dos Lavradores sem lhe importar nada; igualmente abandonava os da Beira e Minho, chegando estes a não valerem nem a 2:000 réis a pipa,...»

«... Os clamores da Lavoura chegaram tarde ao Throno; mas em fim, tarde e muito tarde principiou o Governo a negar as licenças da importação das aguas-ardentes estrangeiras; então a Companhia empregou a malicia de a mandar vir do Fayal e Pico, fazendo-se alli o contrabando da franceza, e vindo baptisada com o nome de portugueza: eu não posso dar melhor testimunho disto do que o Sr. José Ferreira Borges, Vice-Secretario da mesma Companhia, (já então Illustrissima) o qual disse nas Côrtes extinctas de 1822 » que a mesma Illustrissima Junta havia importado tanta agua-ardente das Ilhas que, ainda que lá tivessem vinhas pelos telhadas, não seriam capazes de produzir sufficiente vinho para tanta quantidade...»

«... Bem manifesto e que um tal exclusivo se reduz a uma pezadissima contribuição de que o Estado não tira proveito nenhum...»

«Álem dos males ponderados ainda ha outros resultantes do mesmo monopolio; pois em razão de empregar alambiques antigos, e fornalhas que parecem feitas por Tupinambas, tem consumido todo o combustivel, a ponto de já não haver chaquiça (estacas) para erguer as vinhas, de sorte que o milheiro destas se vende na Regoa a 2:000 réis, vindo em barcas de mais de 9 legoas de distancia; e como para erguer 1000 videiras são precisas 3000 estacas, segue-se que só neste artigo faz um Lavrador 6:000 réis de despeza, para depois vender a pipa de vinho (que é o que produz um milheiro de cepas) por 10:000 réis para as mesmas fabricas, e muitas vezes por menos. - D'aqui vem a ruina das vinhas de Penajoia, quasi todas reduzidas a monte, a pobreza de Penaguião, aonde se vê tanta quinta por cavar e grangear;

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[... Ilegivel primeiros paragrafos]

pois o alcool, ou espirito de vinho rectificado, não desfaz totalmente as gommas rezinas colorantes sem ter pelo menos 35 gr. [...]) ou 144 (Thessa), e dahi vem o depositar-se a cór do vinho tinto que elles tanto presavam.

«Se não fôsse o monopolio elles teriam muito onde escolher, e o vinho augmentaria muito de qualidade; donde se segue estar a Companhia a concurrer para a sua interioridade, em vez de concurrer para o seu credito, como se diz.

« O mesmo monopolio e tambem causa de uma dependencia humiliativa de todos os Negociantes aos Feitores da Illustrissima Junta, e della mesma, não bastando pagar por altos preços a agua-ardente de mediana qualidade, senão ainda verem-se obrigados a cortejos desnecessarios, para lhe não acontecer o mesmo que succedeu á Casa de Clamizes.»

Muito mais ainda se póde extrahir da obra do illustre proprietario do Alto Douro, cujas narrações de facto não serão recusadas pela Camara. Os factos de que ha a a experciencia, as razões de economia publica, e a conveniencia do nosso commercio interno não nos permittem votar por uma determinação que póde ser causa, da ruma daquella e de todas as outras Provincias vinhateiras.

Em quanto aos males que soffre o Douro, devidos a falta de extracção que experimentam os seus vinhos já se tem apontado o motivo disso. O mesmo acontece hoje em geral nos, paizes vinhateiros da Europa: os, proprietarios, e negociantes de Bordóe, quei-[...]

Comparando os annos anteriores: [...] a existencia da Companhia do Alto Douro com annos posteriores correspondentes á sua instituição, muitas vezes succedeu que em annos anteirores o Douro espantava mais quantidade de vinho do que nos posteriores e disto com razão concluia o illustre author da Mamoria em que li, que a Companhia não foi devido o augmento que em outros a [...] Americanos e Inglezes vinham [...] os nossos vinhos para as suas esquadras como para o consumo de seus proprios paizes.

Não seria pois o exclusivo que poderia fazer prosperar o Douro; a outros meios se deve recurrer, como por exemplo, tirar o direito de 12$000 réis que e paga por cada pipa de vinho a sahida do Douro. Nem se repita que isso de nada serviria, por que tal reducção traria em Inglaterra apenas a redução de um penny por garrafa, o que não augmentaria alli o consumo: a isto respondesse que se tracta do nosso mercado interno. Farei uma hypothese. Supponha-se que uma casa do Porto exporta mil pipas de vinho do Douro; tendo de pagar a a sahida 12$000 réis por pipa, pagará l2 contos de réis, dinheiro que terá empatado até que haja concluido em Inglaterra a venda do mesmo vinho, o que póde demorar-se annos: se pois a dita casa não tivesse a pagar aquella somma não poderia ella, lucrando a maior porção da mesma somma, dar a outra porção ao lavrador? Não viria este a receber, alem do preço actual, mais 2,3 ou 1$000 réis por pipa? Accredito que sim. O exportador do vinho do Douro não deve pagar mais do que aquelle que exportar vinho da Extremadura. Se o Gnverno propozesse acabar com este direito diferencial [...] um acto de equidade, e não acharia resistencia alguma; mas pedir um exclusivo, a renovação de um privilegio, que foi uma das origens da oppressão com que tyannisava os lavradores e commerciantes do vinho do Douro a antiga Companhia, e couza

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que se não póde consentir. A Companhia tinha, e pagava –a quatro mil Empregados, e enriquecia um numero consideravel dos seus Deputados: mas donde provinha o dinheiro para o pagamento desta gente? Provinha dos lavradores, que eram forçados a vender á Companhia os seus vinhos por menos do que valiam, para ella obter, álem dos seus lucros como negociante, as quantias necessarias para pagar áquelles Deputados e mais empregados.

Não se diga agora que ás petições dos lavradores do Douro se deve attender, pela razão de que Vox populi, vox Dei, por que isto muitas vezes não é exacto. Notarei a este respeito o que succecdeu em França quando se promovia a cultura das amoreiras nas provincias do norte. Houve por isso um clamor extraordinario nas provincias do sul, as quaes diziam que se iam perder, mas o governo Francez não teve em attenção estes clamores, a cultura desinvolveu-se de um modo extraordinario, e prosperaram igualmente umas e outras provincias. Em Inglaterra temos outro exemplo. Quando se começaram a abrir boas estradas do Londres para outras cidades, todos os donos de hortas dos arredores da capital elevaram altos clamores contra taes obras, dizendo que os seus direitos adquiridos deviam ser respeitados, e que pelas novas estradas poderiam ser trazidos muitos fructos, hortalices &c., ao mercado de Londres, o que os faria perder a elles. Não se attendeu a taes pretenções; fizeram-se as estradas, e todos ganharam com isso. O mercado de Portugal é, e deve continuar a ser para todos, este é o nosso direito commum, ninguem tem jus de o explorar exclusivamente.

No nosso Paiz existem outros exclusivos, taes como os do tabaco e sabão; são causa de grande contrabando, e para os sustentar inventaram-se crimes: quando pois nós devemos procurar meios de acabar taes exclusivos, é então que se vem pedir a instauração de um novo, que em ultima analyse viria tambem a ser damnoso a muitos dos mesmos que o pedem. — Tirem-se pois os direitos de exportação que pagam os vinhos do Douro, procure o Governo abrir-lhes mais alguns mercados, como os do Baltico, que não são frequentados pelos Portuguezes; faça, por exemplo, um arranjo com a Russia, onde poderá consumir-se boa porção dos nossos vinhos a trôco do linho, canhamo, madeiras de construcção &c.; conclua um Tractado com a Dinamarca para que os nossos navios não paguem na passagem do Sunda mais do que os das outras Nações. Mas se, com motivo de darmos protecção aos vinhos do Douro, concedemos um exclusivo em seu favor, será então necessario, para procedermos logicamente, conceder o mesmo exclusivo aos vinhos da Extremadura e da Beira, e teremos o Paiz dividido em exclusivozinhos!

O nobre Par que está defronte de mim sabe que antes da abolição dos direitos banaes não podiam em certos Concelhos ser vendidos Cereaes que não fossem nelles produzidos; fazia-se assim uma sorte de guerra dentro do mesmo paiz. Queixam-se os lavradores do Douro da falta de preços, mas o mesmo succede aos lavradores da Extremadura e da Beira, e da Ilha da Madeira. No anno passado vimos aqui vender o vinho a tres mil réis a pipa, e este anno talvez aconteça o mesmo. (O Sr. Trigueiros: — E a menos.) Sendo as circumstancias identicas, segue-se que, se fizermos favores a uma parte do Paiz, deveremos igualmente fazêlos ás outras.

Suppondo que na Extremadura uma pipa de vinho se vende por 6$000 réis, tirando metade para o custo da cultura, vinificação e mais trabalho, ficarão 3$000 réis, abala-se desta quantia 320 réis para o Subsidio Litterario, isto é, mais de 10 por cento; tire-se ainda a decima, o imposto para, a congrua do Parocho, parcellas que dão mais de outros 10 por cento, o que faz mais de 20 por cento; ficam por tanto ao lavrador por cada pipa 2$00 réis, que será o producto liquido: se porêm este vinho for transportado para Lisboa para consumo da Cidade, terá a pagar direitos que andam por 12$000 réis por pipa, o que é equivalente a um, direito de 500 por cento sobre esta sorte de vinho. Á vista de tão enormes encargos, não se poderá negar que o lavrador da Extremadura tenha razão para pedir, não um exclusivo, mas uma reducção nos impostos; e eu estou persuadido de que ella traria mais lucros ao Thesouro que do projecto de 12$000 réis tira actualmente citarei um exemplo. — Em Paris paga-se um imposto, correspondente ao nosso das Sete Casas, a que lá chamam octroi, este tem successivamente augmentado, e hoje no vinho sobe a mais do valor deste genero; o mau resultado deste systema para as rendas da cidade acha-se nos seguintes factos: em 1809 a população de Pariz era de 600 mil habitantes, e em 1841 de 900 mil; o producto dos direitos sobre os vinhos em 1841 não excedeu ao producto dos mesmos em 1809: o motivo deste resultado provêm de que o alto direito promove o contrabando, e a fabricação em grande de vinhos falsificados e nocivos á saude. Aqui está como o augmento excessivo de direitos e uma causa de desfalque no rendimento das alfandegas: observe-se que o systema de fiscalisação em Paris é muito rigoroso, e que a cidade e cercada de um alto muro, e então se accreditará sem esforço que se os direitos de consumo sobre vinhos fôssem diminutos em Lisboa, o consumo destes e o rendimento da alfandega haviam de augmentar simultaneamente.

Aqui tem a Camara o que sobre este ponto me pareceu agora sufficiente dizer: argumentei contra o exclusivo das aguas-ardentes com a obra impressa d’uma authoridade muito superior á minha, qual é o Digno Par, e procurei mostrar a conveniencia da diminuição dos direitos de exportação nos vinhos do Douro, e tambem dos direitos de consumo nos da Extremadura. (Apoiados.)

O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Sr. Presidente, se esta Camara me não tivesse feito a honra de nomear-me vogal da Commissão especial encarregada de examinar o Projecto, vindo da Camara dos Srs. Deputados, tendente a minorar os males que hoje está soffrendo a agricultura do Alto Douro e o commercio dos vinhos do Porto, eu estava resolvido a não tomar parte nesta discussão, por que são tantos, e tão oppostos os interesses a attender, está já tão desvairada a opinião sobre este negocio, que estou intimamente convencido de que com difficuldade só poderá trazer a presente discussão aos verdadeiros, principios da sciencia economica. Tendo porém sido eleito para esta Commissão, e havendo assignado o Parecer da sua minoria, não me é absolutamente possivel deixar de explicar os motivos que a isso me conduziram.

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Mas, antes de o fazer, declararei que, se eu podesse, não votaria nem por uma nem por outra das bases propostas, por intender que nenhuma dellas presta para nada, (Apoiados.) que são dous erros, e dous males, nenhum dos quaes ha de trazer remedio ao que se pretende remediar: mas nesta questão. Sr. Presidente, achei-me n'um estado de deploravel coacção moral, e obrigado a escolher entre um daquelles males - o monopolio das aguas-ardentes, ou o donativo dos 150 contos - pareceu-me então, e ainda hoje me parece, que devia optar pelo donativo, reputando-o menor mal do que o monopolio por ser este contra principios que eu me não demorarei hoje em demonstrar, pois seria fazer uma injustiça á Camara tractar de demonstrar-lhe, o que actualmente é por todos sabido, o que ha perto de duzentos annos se começou já a reprovar nos paizes civilisados, (especialmente na Inglaterra) em cujo numero entra sem duvida o nosso. Dei por tanto a minha annuencia ao arbitrio dos 150 contos, mas (repito ainda) na convicção de que desse donativo nada, ou quasi nada resultara em beneficio do Douro.

O Digno Par que acabou de fallar disse já bastante contra o monopolio; por isso eu passarei a examinar quaes são as verdadeiras causas dos males que está soffrendo o Douro, e se os remedios que se lhe querem applicar são os verdadeiros, os unicos, ou se haverá outros pelos quaes possa conseguir-se o fim que todos desejâmos em relação a este negocio.

Parece-me estar já ouvindo os Dignos Pares (que pertenciam ao Douro) dizer na voz baixa: - É forte atrevimento; fallar assim um homem que apenas conhece o Douro por informações! = Convenho que nisto haja atrevimento da minha parte, mas SS. Exas. fòram aquelle, mesmo, que me deram instrucções para eu formar a opinião que defendo, e o tempo provara qual dellas foi a mais segura, qual de nós se achava enganado.

Sr. Presidente, sobre este assumpto ha duas opiniões: dizem uns que os males do Douro procedem da superabundancia do genero, isto é, de haver mais vinho do que consumidores; sustentam outros (e entre elles o author de um escripto, que tenho presente, homem respeitavel e grande indagador destas materias) que, longe de superabundancia, o que ha e falta de vinho para satisfazer a todos os pedidos que do mesmo genero se fazem. Examinemos estas oppostas opiniões. Sr. Presidente, eu inclino-me á primeira - que ha vinho de mais - mas que algum delle está deteriorado, e por isso tem perdido o seu credito; álem desta circumstancia, ainda ha outra, que e a falta de capitães, ou a necessidade que os lavradores tem de recurrerem a meios ruinosos. Porém, se ha vinho de mais, qual e o remedio? É procurar-lhe novos mercados, e tractar de augmentar os que já temos. Se o vinho está deteriorado, deve tractar-se, por meio de uma verdadeira analyse dos factos, de mostrar aos interessados os males, e prejuizos que se lhes seguem da deterioração do seu genero, persuadindo-os do argmento de interesses que lhes resultará se o fizerem bom; quer isto dizer, procurar dar-lhes mais instruccão. Pelo que pertence ao terceiro mal, a falta de numerario que experimentam os lavradores, não ha outro modo de o attenuar senão a creação de Bancos ruraes bem estabelecidos. Mas, dirão, o Banco rural é a Companhia: eu appello para a historia do passado, e (sem querer entrar largamente n'uma questão para que não vinha preparado) perguntarei, se a Companhia sera o Banco rural que convêm? Digo que não; e a historia nos mostra que ella não póde satisfazer aos verdadeiros fins de um Banco rural no sentido do bem da lavoura. Não é hoje a Companhia o mesmo que foi em outros tempos? Quem o duvida. Os seus interesses serão os interesses do lavrador? Certo que não. Mas se os interesses da Companhia são opposto, aos dos lavradores, de que serve á lavoura este beneficio que lhe queremos conceder, ou seja o monopolio das aguas-ardentes, ou o donativo dos 150 contos? De nada. - Ouvi ha pouco dizer nesta Camara que o exclusivo das aguass-ardentes não era um monopolio, mas sim um privilegio; mas eu perguntarei o que é um privilegio? É um monopolio. Eu acho que, ou se conceda á Companhia o donativo, ou se lhe conceda o exclusivo, o resultado será sempre o mesmo para os lavradores, por que a Companhia só ha de procurar fazer com que, ou uma, ou outra couza, seja o mais productiva aos seus proprios interesses; e uma hypothese do exclusivo quando lhe convenha compra fóra do Douro vinhos mais baratos para reduzir a agua-ardente, ha de fazêlo sem attender a qualquer outra consideração. O meio pois seria o Banco rural; mas nenhum dos arbitrios proposto, e o remedio efficaz para os males que soffrem os lavradores do Douro. Se se lhes quer fazer algum beneficio que os allivie de prompto, adopte-se a idéa (já indicada por um nobre Par) da abolição de todos os direitos de sahida que acctualmente pezam sobre os vinhos do Douro, ou, ao menos, da reducção de uma parte delles: este seria o verdadeiro remedio para o Douro, remedio directo e immediato que os lavradores receberiam com enthusiasmo, por que nada se lhe punha de per meio.

Resumindo, repetirei que nenhum dos dous arbitrios indicados chegará a remediar os males que está, soffrendo o Douro; e eu, apezar de ter assignado o Parecer da minoria da Commissão, não me envergonharia de reformar a minha opinião, e se vogasse a idéa da diminuição dos direitos, immediatamente me agarraria a ella, estando persuadido de que não encontraria difficuldade, uma vez que fosse bem desinvolvida, e mesmo que seria apoiada na Camara dos Srs. Deputados, por ser o unico remedio, prompto o efficaz, nas actuaes circumstancias em que se acha o Douro. Se porêm esta idéa não vingar, votarei então pela base proposta no Projecto de Lei da Camara Electiva (o donativo dos 150 contos de réis), por que elle me parece menos contrario aos principios, menos oneroso, e menos odioso ao Paiz.

Sr. Presidente, tem-se querido fazer accreditar aos nimiamente credulos proprietarios de vinhoss e mesmo a outras pessoas, que o exclusivo das aguas-ardentes, que, se pretende seja concedido á Companhia do Alto Douro, não é um mal para a Provincia da Extremadura, e antes sim um grande meio para ella vir tambem pedir o seu exclusivo; mas eu intendo que d'ahi lhe virá um grande desfavor, (Apoiados.) Se porém tal concessão passase em Lei, pergunto, por que motivo não havia de vir cada uma das outras Provincias, cada Cidade, cada Villa, cada Aldêa, e cada Freguezia pedir igualmente o seu exclusivozinho? Então seria Portugak inteiro um exclusivo: todos o quereriam; este para o seu quintal, aquelle para o seu jardim, em fim, até haveria quem pedis-

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se o exclusivo para os ranunculos, e para as rosas do Japão... (Riso.) Seriamos levados a estes absurdos, consequencia inevitavel da doutrina sustentada pelos que advogam o intentado monopolio. Estabelecido que o exclusivo de certo ramo de industria não é contrario aos interesses do Paiz, não sei como ha de sustentar-se que o seja quando recahir em outros ramos, e por tanto todos procurariam alcançalo, ao menos para os vasos de flores que cada um tivesse nas janellas de sua casa...

Sr. Presidente, eu vejo a Camara disposta a rejeitar a idéa do exclusivo das aguas-ardentes, e por isso julgo não dever tomar-lhe o tempo tractando de a combater, visto que não é necessario, porque, n'uma palavra, o exclusivo está combatido por si mesmo; esta parece ser a opinião geral. Nem uma tão insolita pretenção poderia hoje sustentar-se com boas razões, apezar de que já ouvi aqui mesmo dizer que os factos tinham vindo destruir as theorias!.. Então, digo eu, que ellas não eram theorias. (Apoiados.) - Nada mais direi por agora, reservo-me para o fazer depois, se pelo decurso da discussão me parecer necessario; hoje fallei unicamente pro forma, e como Membro da minoria da Commissão que sou.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Será difficil, Sr. Presidente, que ou possa accrescentar alguma couza depois do que disseram os Dignos Pares que acabaram de fallar: SS. Exas. disseram tudo; mas a questão é de tal natureza, que por força se ha de repetir, mais ou menos, o que já se ouviu. Começarei pois dizendo, Sr. Presidente, que não ha uma medida isolada, seja ella qual fôr, que possa melhorar o estado em que nos achâmos; por quanto, supposto seja verdade que o Douro está muito mal, é tambem verdade que as outras Provincias se acham no mesmo estado de miseria: e então, Sr. Presidente, quando tudo está assim, como é que se ha de tractar de salvar só aquella Provincia á custa das outras? Não é possivel. Uma só medida não póde ser a panacéa, quando tudo está pessimamente.

Sr. Presidente, são muitas as razões que concorrem para fazer com que os generos tenham pouco valor, e estejam demorados na mão dos proprietarios, (ao que me pareceu que se não attende muito) e a principal é por que os capitães não affluem para os comprar de modo que façam pêzo no mercado; apenas se fazem algumas compras á medida do que vae sendo preciso no consumo, e não se fazem depositos, sendo esta a causa por que os preços não augmentam, e e causa geral para todos os generos que abundam em Portugal: os capitães tem tomado direcção para ir ganhar em pouco tempo dez e doze porcento, comprando-se acções do Governo, e deixando de se empregar em emprezas commerciaes e agricolas; e em quanto elles estiverem por este modo desviados ha de acontecer sempre o mesmo.

Sr. Presidente, se a Companhia foi util ao Douro, ou não, e muito duvidoso: pelo menos não o foi naquelle grau que muitos accreditam. Aqui tenho eu a Memoria de um Digno Par sobre a Companhia; e, posto que grande parte dos vexames que o Porto soffria naquelle tempo, não sejam agora os mesmos que o Digno Par impugnou na sua obra, são os mesmos que actualmente se querem fazer reviver. O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão mostrou que a Companhia, longe de ter sido util ao Douro, lhe fôra prejudicial. Agora porêm tracta-se

1843 - MARÇO.

de ver o que póde melhorar o estado desgraçado em que se acha aquella Provincia, e diz-se que o remedio é o exclusivo das aguas-ardentes. Comtudo a Commissão foi ainda mais generosa do que o primeiro Projecto que appareceu na Camara dos Srs. Deputados, pois aquelle Projecto não obrigava a comprar agua-ardente á Companhia, nem para o vinho de ramo, nem para o que estivesse em canteiro; em quanto que pelo Projecto em discussão os proprietarios destes vinhos são obrigados a comprar um almude por pipa: o primeiro Projecto era mau, mas este é muito peior, por isso que augmenta a quantidade de agua-ardente que se ha de comprar á Companhia.

Tambem não intendo que seja um grande remedio o subsidio que se pretende dar á Companhia; com tudo não duvido de votar por alguma couza que beneficie o Douro, visto o estado em que elle se acha. A minha opinião, porém, é que o meio de acudir á lavoura do Douro é diminuir os direitos da exportação, e intendo oue igual beneficio se deve fazer á Extremadura, reduzindo tambem quanto possivel os direitos de consumo nas Sete Casas. - O vinho da Extremadura paga nesta Casa fiscal 12$500 réis por pipa, quantia muito maior do que o seu valor: isto é horroroso; e se o Douro precisa de um remedio, a Extremadura igualmente necessita delle.

Procurarei agora combater o Digno Par usando dos seus proprios argumentos. S. Exa. já em 1822 combateu similhante exclusivo, e chamou hydra á Companhia, que apenas se lhe debellava uma cabeça resurgia outra. Era então a opinião do Digno Par - que o exclusivo servira para metter no Porto aguas-ardentes de Hespanha e de França, e fazer esse contrabando, contrabando horrivel que, ao mesmo tempo que fazia com que os nossos productos não tivessem consumo, ia buscar os productos estrangeiros. Nessa occasião fez S. Exa. o seguinte dilemma:

« Ou o vinho não cresce do consumo, ou se cresce, não tem remedio este mal; figurarei a hypothese que o vinho cresce, e neste caso, que lhe ha de fazer a Companhia? Se ella tivesse os thesouros do rei da Libya podia comprar os vinhos de sobejo do primeiro e ainda do segundo e terceiro anno, mas depois por força havia de parar; e agora a Lei (a do exclusivo das aguas-ardentes) servira para crear um monstruoso monopolio. Deste discurso nascem as seguintes perguntas, e são as seguintes: l.ª Será de justiça e de razão faltar á boa fé e a todos os que especularam sobre aguas-ardentes, surprehendêlos com uma Lei filha deste Congresso, mattando-os agora de repente, para dar vida a um monopolio, que fez por meio seculo a desgraça do Douro, e das Provincias do Norte? 2.º Será tambem de justiça e de razão cenverter as mesmas Provincias em Valachia, Moldavia e Moréa, fazendo seus habitantes escravos tributarios de um senhor, e fazer da Cidade do Porto a odiosa excepção de subjeitar o seu commercio a um monopolio em paga de ser ella a primeira a erguer o pendão da liberdade, e agora as lapides e os bronzes para lavrar os nossos nomes? »

Isto disse S. Exa. no Congresso Constituinte das Necessidades; e agora lhe perguntarei eu: Será de justiça e de utilidade publica que se sacrifiquem os interesses da Extremadura, Beira e Minho, que em consequencia do pouco preço do vinho desinvolveram em grande ponto a industria de destillação, ap-

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plicando grandes capitaes á construcção de fabricas? E será tambem justo que estas Provincias fiquem sendo a Valachia e Moldavia, pagando os seus habitantes para o mesmo Douro, obrigados a vender as suas aguas-ardentes á Companhia por um preço infimo, sem as podêrem exportar em consequencia do exclusivo que se pretende dar á mesma Companhia?

Parece-me que não podia combater melhor o Digno Par do que servindo-me das suas mesmas expressões e theorias, as quaes assentam sobre factos conhecidos. S. Exa. diz agora que as theorias não são boas; comtudo as theorias, tendo um resultado da investigação dos factos, não se devem desprezar: accresce que as theorias que nós agora seguimos não são modernas, como pela Memoria do Digno Par se vê, já eram seguidas pelo celebre Mestre de Logica de Carthago; se estas theorias tem atravessado os seculos e agora, longe de serem tidas por falsas, são admittidas por todos, muito difficil será ao Digno Par provar o contiario daquillo que por meio dellas se conclue.

Tambem o Digno Par disse que os lavradores do Douro se tinham visto obrigados a plantar de vinha terrenos que não serviam para outra couza; mas era, pela Memoria de S. Exa., vejo que a Companhia mandou rotear aquelles mesmos terrenos.

Mais se disse que a Ilha da Madeira tinha tirado vantagem de uma Lei excepcional; com tudo o que eu sei e que esta Ilha está na maior desgraça; tenho lá alguma couza, e consta-me o lastimoso estado em que se acha a sua agricultura: por isso este argumento nada colhe.

Igualmente se disse que a Companhia tinha dado maior extracção aos vinhos, do Porto, e feito com que essa extracção subisse a um ponto que não havia antes da creação da mesma Companhia. A exportação augmentou em quanto houve guerra com a França, como se vê da mesma Memoria do Digno Par, e muito antes de haver Companhia, no Porto se exportavam 18, 19 a 20 mil pipas de vinho.

Voto pois contra o exclusivo por que com elle não se beneficia o Douro; e ainda que assim fôsse seria isso á custa das outras Provincias, que todas são Portuguezas: é esta mais uma razão que me obriga a votar contra o exclusivo proposto pela maioria da Commissão, abstendo-me por ora de emittir a minha opinião sobre o subsidio, por que intendo que se quizerem beneficiar os vinhos do Douro, o meio mais efficaz é diminuir-lhe os direitos de consumo, ou crear uma Companhia que concorra a mercados novos. Parece-me que este arbitrio seria melhor do que o exclusivo, que se pretende, e que não é possivel admittir pelo modo com que se estabelece. Repito que voto contra o Parecer da maioria da Commissão -Sobre os Artigos tambem tenho algumas duvidas, mas visto não ser agora occasião de fallar nelles, quando entrarmos ha sua discussão direi o que me resta.

O SR. vice-PRESIDENTE: - Como ainda ha muitos Oradores inscriptos, fica esta discussão addiada para ámanhan; e será a Ordem do dia. - Está fechada a Sessão.

Eram quatro horas e um quarto.

N.º 47.

Sessão de 28 de Março. 1843.

(PRESIDIU O SR. VISCONDE DE SOBRAL.)

Foi aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde: estiveram presentes 41 Dignos Pares - os Srs. Duques de Palmella, e da Terceira, Marquezes de Abrantes, de Castello Melhor, de Fronteira, das Minas, de Niza, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes do Bomfim, do Farrobo, de Lavradio, de Lumiares, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, da Taipa, e de Villa Real, Viscondes de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Barões de Ferreira, e de Villa Pouca, Barreto Ferraz, Miranda, Osorio, Ribafria, Ornellas, Margiochi, Tavares de Almeida, Pessanha, Giraldes, Cotta Falcão, Silva Carvalho, Serpa Machado, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. - Tambem estava presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Foi lida a Acta da Sessão precedente, e ficou approvada.

Distribuiram-se exemplares impressos do - Relatorio e Projecto para a organisacão de uma Companhia para os vinhos da Extremadura - para esse fim remettidos com Officio do Secretario da Associação Promotora da Agricultura e Commercio dos Vinhos da Provincia da Extramadura.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Eu tive a honra de apresentar ha dias uma representação do Sr. Bispo Eleito de Aveiro, na qual pedia que, tornando-se effectiva a deliberação desta Camara, ácêrca da admissão nella dos Bispos Eleitos, se lhe concedesse tomar assento. Esta representação foi remettida á Commissão de Podêres, e eu desejaria que V. Exa. convidasse os seus illustres Membros a darem o seu Parecer, com a brevidade possivel, sobre este negocio, se e que ainda o não apresentaram, como eu creio.

O SR. CONDE DO BOMFIM: - Sr. Presidente, a Commissão de Podêres e composta de Membros que pertencem a outras Commissão Casa, nas quaes tem havido muito que fazer nestes ultimos dias sobre negocios do serviço publico; mas hoje mesmo nos propômos tractar do objecto em que acaba de fallar o Digno Par. É o que posso dizer á Camara a este respeito.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Estou plenamente satisfeito.

O SR CONDE DE LAVRADIO: - A Commissão dos Negocios Ecclesiasticos, que se devia reunir á de Podêres para tractarem deste negocio, já teve uma conferencia sobre elle, e até concordou na opinião que alli havia de apresentar, como V. Exa. muito bem sabe, por que é um dos seus Membros; por tanto, logo que fór convidada pela Commissão de Podêres.

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