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blico, á qual não assistira, por doente, o procurador geral da coroa; e que em consequência de varias observações e de terem apparecido documentos que provavam ou pelo menos podiam fazer acreditar que o edifício de Santa Mar-tha e mais alguns objectos foram adquiridos pelas irmãs da caridade, ou por alguem que lh'os concedeu, resolveu o ministério por esta superveniente circumstancia não fazer executar a referida portaria e adoptar as disposições do decreto de 22 de junho. Como porém, contra o meu desejo, posso ser inexacto, peço ao sr. ministro da justiça que n'esse caso me corrija.

O sr. Ministro ãa Justiça:—Se v. ex.a me dá licença, direi que não foi ahi que se tratou do decreto.

O Oraãor:—Eu não disse que tinha sido na conferencia que se fizera o decreto, nem podia dize-lo, pois sei perfeitamente que não era ali a occasião nem o logar; mas parece-me que fui exacto emquanto ás rasões que s. ex.a deu para se não ter cumprido a portaria (apoiaãos).

O sr. Ministro ãa Justiça: — Observou que tinha dito que o procurador régio tinha apresentado ao procurador geral da coroa as suas duvidas, ponderando que, depois da superiora do estabelecimento allegar que aquelle edifício era propriedade franceza, era possivel não ter bom êxito o seguimento do processo policial.

Que o governo estava na persuasão de que a referida propriedade tinha sido doada ás irmãs de caridade por uma ordem das cortes constituintes de 1821, e que por isso reputava acertada providencia a que se lê na portaria de 5 de março; mas que documentos posteriores lhe vieram demonstrar que não era assim; pois tendo chegado aqui em 1828 um procurador dos frades carmelitas de Pernambuco, exigindo a propriedade que lhe pertencia, foi-lhe esta entregue; mas como estava bastante deteriorada, fora posta em praça e arrematada pelas irmãs de caridade, que d'ahi queriam concluir ser o estabelecimento uma propriedade franceza. (O sr. Visconde ãe Algés: — Era o mesmo que eu acabava de dizer.) E quanto ao governo chamar alguns funecionarios com o procurador régio "'e o procurador geral da coroa, que não pôde comparecer, observou que a esse respeito dissera que n'essa occasião se assentara deixar a decisão das questões de propriedade para os meios competentes; e que se adoptariam as providencias do decreto de 22 do mez passado, que não foi assentado n'aquella reunião.

O sr. Visconãe ãe Algés: — Observo-a v. ex.a e á camará que é exactamente o que acabei de dizer, o mesmo que o sr. ministro vem de repetir, o que faz com que eu estimasse muito esta interrupção pela qual s. ex.a ratificou tudo o que venho de expor. Assim fica evidente que o decreto veio pôr termo ás difficuldades que a portaria suscitara, e mandar que não se instaurasse o processo criminal contra as irmãs da caridade, e se resolvesse a questão da propriedade»nos tribunaes ordinários; e vê-se que tenho narrado lealmente este negocio (apoiaãos).

Em consequência do exposto vejo-me obrigado a fazer duas observações. Em primeiro logar esta declaração do sr. ministro contraria directamente uma parte do relatório do sr. presidente do conselho, que precede o decreto de 22 de junho, diz-se ali:

«As intimações administrativas, a que se procedeu em virtude da portaria de 5 de março ultimo, têem todas ficado sem êxito por parte das irmãs da caridade, negan-do-se estas constantemente a obedecer á auctoridade.»

Se o motivo de não se executar a portaria de 22 de março foi o que acabou de dizer o sr. ministro da justiça, a apresentação de um documento que mostrava ser propriedade das irmãs da caridade o hospicio de Santa Martha, não o foi então a resistência das irmãs da caridade como se diz no relatório! Nem se podia admittir essa formal desobediência, nem era crivei que se deixasse ficar impune uma resistência effectiva aos mandatos da auctoridade, e que se não tomassem as providencias necessárias para que esses mandatos recebessem immediatamente o seu devido cumprimento, e eu prefiro a acção do governo que faz suspeitar a sua auctoridade, ainda que os seus preceitos possam ser diversamente avaliados, á fraqueza de se deixar desobedecer, e perder o prestigio, sem o qual não ha poder. Por outra parte se é exacta, como supponho, a rasão que expendeu o sr. ministro da justiça, o que me parece que seria justo e digno do governo liberal, era remover a dif-ficuldade, publicando outra portaria na qual expondo-se francamente o que tinha acontecido, e o conhecimento que o governo tivera sobre a propriedade do edifício de Santa Martha, se concluísse pelas providencias que o mesmo governo ainda julgasse convenientes, sem menoscabo da sua auctoridade, e com o firme propósito de fazer cumprir as suas determinações. A outra observação que tenho a fazer comprehende-se na exposição da primeira, convém saber, que não podendo conciliar-se o que escreveu no seu relatório o sr. presidente do conselho com o que affirma em seu discurso o sr. ministro da justiça, subsistem graves ap-prehensões sobre o verdadeiro motivo, porque se não deu execução ás portarias de 5 e 22 de maio, e entendo não dever ser mais explicito.

Em presença de todo o ponderado, o que fica sendo o decreto de 22 de junho? Cousa pouco ou nada significante, porque emquanto á dissolução da corporação das irmãs da caridade, e de negar-lhe a entidade juridica, nada fez nem podia fazer, senão reconhecer a existência do facto e applicação do direito, pois que se a lei de 1833 se entende, como o governo pertende sustentar, foi ella e não o governo que operou essa consequência. E se por occasião da decretada dissolução se levantasse questão sobre direitos de propriedade não era necessário que no 2.° artigo do decreto se resal-vasse a competência do poder judicial para a decidir, pois que é d'elle exclusiva a jurisdicção em taes casos.

Portanto parecè-me que não procede o receio do digno par, o sr. conde de Thomar, porque o decreto é tão simples e innocente, que não pôde considerar-se attentatorio nem das attribuições do poder legislativo, nem das do poder judicial; e se alguma cousa destruiu, foi o que se havia determinado pelas portarias de 5 e 22 de março.

Agora, sr. presidente, depois de haver expendido o que entendi quanto á historia e importância do decreto de 22 de junho, devo passar ao exame da matéria principal. • O encerramento da legislatura passada, por ter acabado mais cedo do que o seu praso ordinário, em virtude da dissolução da camará dos srs. deputados, não deixou progredir a discussão d'esta matéria então encetada e agora renovada, que é a verdadeira questão sobre a existência legal, ou extineção da corporação das irmãs da caridade.

É cousa notável o que todos nós estamos presenciando, e vem a ser—que um facto de todos conhecido, que um direito, e uma legislação por todos compulsada, apresenta dois campos de gladiadores, entendendo e apreciando uns

0 facto e a legislação de uma maneira, apreciando-a e en-tendendo-a outros de diversa forma! É certo, e o sr. ministro da justiça, que foi meu collega no foro, porque também exerci por alguns annos o nobre emprego de advogado, sabe muito bem que apparecem frequentes vezes no foro questões muito duvidosas na sua resolução, mas de ordinário as duvidas são suscitadas, ou porque o facto a que se ha de applicar o direito é concebido em termos de ambigua significação, ou porque a matéria e o direito é complicado, ou porque este tenha de procurar-se como subsidiário no direito romano, como geralmente acontece sobre matéria de legados, e em outros casos; mas a respeito de um facto tão positivo e expresso, qual é a existência, condições-e entidade juridica de um estabelecimento ecclesiastico ou de caridade, e das leis expressas e terminantes sobre o assumpto, parece ao primeiro intuito inacreditável, que possa haver duvida fundada; todavia é força reconhecer com imparcialidade que alguma rasão ha que justifica e faz acreditar de sinceras as differentes opiniões que se sustentam sobre a matéria; porquanto, dizem uns = as irmãs da caridade não estão comprehendidas nos decretos de 9 de agosto de 1833, e de 28 do maio de 1834, porque não vivem em communidade regular, porque não têem profissão, nem votos senão por um anno, porque não têem clausura, e pelo contrario gosam a liberdade de saírem do estabelecimento mesmo para o exercicio da caridade, e por consequência não é nenhuma das corporações religiosas de que tratam aquelles decretos, e por isto não foram comprehendidas em suas disposições =. Afíirmam porém outros = que a corporação das irmãs da caridade ó uma communidade religiosa, porque vivem em commum, com obediência a superior ou superiores ecclesiasticos, porque têem votos ainda que por tempo limitado, e até noviciado; e por todas estas rasões sustentam que se devem considerar comprehendidas nos decretos de 9 de agosto de 1833, e de 28 de maio de 1834=.

Sendo estes em geral os argumentos oppostos que se ad-duzem, tenho ainda de os reforçar por ambos os lados, e muito em concreto com auctoridades que ninguém pôde recusar. Seja a primeira com referencia ao relatório do sr. presidente do conselho de ministros, que precedeu o decreto de 22 de junho. 0 sr- presidente do conselho tendo sustentado no seu relatório que a corporação das irmãs da caridade ficava comprehendida nas disposições dos decretos de 9 de agosto de 1833, e de 28 de maio de 1834 invoca para corroborar a sua opinião a auctoridade de um prelado dos mais eximios que temos tido, pois ninguém negará que, em saber, probidade, e em todos os dotes e virtudes, era eximio

01 em.m0 cardeal patriarcha D. Guilherme (apoiaãos), cuja falta todos lamentam, e deve lamentar a igreja. Diz o sr. presidente do conselho no relatório, que não leio por extenso para não cançar a camará, que s. em.1 o sr. cardeal patriarcha D. Guilherme mais que todos, reconheceu a doutrina que o ministério segue, de estarem comprehendidas as irmãs da caridade no decreto de 9 de agosto de 1833, o que deduz da informação de s. em.a, de 8 de julho de 1855, na qual aconselha ao governo o modo porque se deve estabelecer no Porto o instituto de irmãs da caridade. Esse documento é trazido pára mostrar que, segundo as opiniões do em.m* cardeal patriarcha D. Guilherme em 1855, deviam as irmãs da caridade ficar distincta e exclusivamente sujeitas aos prelados diocesanos. Mas alguem pôde oppôr ao sr. presidente do conselho a auctoridade do mesmo respei-tabilissimo prelado, o sr. patriarcha D. Guilherme o qual em 1857, muito depois d'aquella sua informação e parecer, e sobre representação das irmãs da caridade lhes concedeu licença para segundo o instituto de S. Vicente de Paulo reconhecerem e estarem sujeitas ao presidente ou chefe da missão em Paris! É pois o mesmo em,™ patriarcha que apesar da sua informação em 1855 não teve duvida de conceder tal licença em 1857; e é de observar que este segundo acto é o exercicio de sua jurisdicção, e o primeiro uma informação e simples parecer, cuja responsabilidade dista bastante da que assumiu na licença que concedeu.

Aqui está a questão sustentada por ambos os lados com documentos da mesma auctoridade aliás muito respeitável (apoiaãos). Vem depois o sr. patriarcha D. Manuel, cujas virtudes distinctas em todo o sentido eu, e posso dizer que todos reconhecemos (apoiaãos), que sobre uma representação feita ao governo, contra o estabelecimento das irmãs da caridade, e qUe este ihe mandou informar, expendeu com grande desenvolvimento a doutrina sujeita, e não posso deixar de ler á camará alguns trechos da sua informação: diz s. em.a «Parece-me por tanto que a permanência das irmãs da caridade e dos padres lazaristas, seus confessores em Portugal não só não é contraria ás leis do reino, como levo expendido, mas nem ainda á disciplina ecclesiastica, pois que ellas

vivem sujeitas no espiritual á auctoridade ordinária, conservando somente aquella submissão ao seu geral, que a sua regra lhes prescreve, como se prova pelo documento junto. Nisto mesmo estão em harmonia com a disposição do artigo 3." do decreto de 9 de agosto de 1833, que sujeitou aos ordinários todas as communidades, e o mesmo milita a favor dos padres lazaristas. Concluo pois dizendo a v. ex.a que o meu parecer como portuguez é, que a vinda das novas irmãs da caridade com os padres confessores, que as acompanham, reunidas com as portuguezes, que já existiam entre nós, não só não é prejudicial ao paiz, nem contraria a nenhuma lei vigente, mas seria um desdoiro para a nação portugueza, e um passo impolitico o manda-las sair do reino. Como prelado acrescento, que muito desejo ver chegar o momento em que as irmãs da caridade nacionalisadas entre nós, sirvam como servem em França e em quasi todos os paizes christãos, de auxiliares aos parochos, de confidentes de beneficência occulta, de conso-ladoras dos desvalidos, de modelos de virtude heróica e de dedicação patriótica.» Isto dizia s. em.1 na sua informação de 27 de agosto de 1858, e não pôde duvidar-se de que em tão valiosa auctoridade se pôde fundar quem advoga a causa das irmãs da caridade; mas os contrários também podem soccorrer-se a outro argumento deduzido de facto conhecido e praticado pela mesma respeitável auctoridade.

S. em.ma o sr. patriarcha D. Manuel recebeu um aviso régio, datado de 3 de outubro de 1860, em que se lhe insinuou que retirasse a licença que o sr. patriarcha D. Guilherme tinha concedido ás irmãs da caridade para reconhecerem e prestarem sujeição ao presidente da missão em Paris. O sr. patriarcha não se pôde dizer que na execução que deu a este aviso obrara com obediência cega; s. em.ma é muito illustrado, e sabe perfeitamente que se tal insinuação encontrasse a sua consciência e a convicção de que a não devia cumprir, certamente o não faria, e pelo menos representaria ao governo com a exposição dos motivos que tivesse por conveniente. Mas s. em.ma sem hesitar cumpriu o aviso régio de 3 de outubro de 1860, e portanto não annuiu a esta insinuação, somente por obedecer ao governo, foi certamente porque na consciência de s. em.ma calou a I idéa de que as irmãs da caridade não deviam ficar sujeitas ao prelado estrangeiro residente em Paris; sendo de observar que no officio que em data de 26 de outubro de 1860 s. em.ma dirigiu á superiora das irmãs da caridade, annunciando-lhe que por virtude do aviso que recebera do governo lhes retirava a licença que haviam obtido de seu antecessor, se acha o trecho seguinte: «Mas sendo uma similhante sujeição ao prelado estrangeiro encontrada pelo decreto de 9 de agosto de 1833, que expressamente a pro-hibe, quer Sua Magestade que cesse tal illegalidade, obser-vando-se a disposição d'aquelle decreto n'este particular, e conseguintemente que as irmãs da caridade portuguezas residentes n'essa casa de Santa Martha e no hospicio de Vianna do Alemtejo fiquem como estavam, sujeitas ao patriarcha de Lisboa sem nenhuma dependência do superior geral de Paris.»

O sr. Conde de Thomar: — E em referencia á ordem do governo; são as mesmas palavras que diz o aviso do governo.

O sr. Visconãe ãe Algés: — Eu não sei o que continha o aviso régio, mas o officio do sr. patriarcha no periodo que li estabelece doutrina, que pelo menos s. em.ma virtualmente adopta, e note-se que eu não estou combatendo especialmente nenhuma das opiniões, e Deus me defenda e me affaste a necessidade de oppor-me a opiniões tão respeitáveis como as dos srs. patriarchàs, mas adduzo as rasões que me parece conduzirem ao meu fim, que, como a camará vê, é sustentar que a matéria é muito duvidosa (apoiaãos).

Portanto é evidente que mesmo com referencia a' documentos da mais alta importância pôde cada uma das parcialidades que sustenta doutrina opposta achar e a adduzir argumentos no sentido de sua opinião.

Si", presidente, passarei agora a referir-me ao argumento em que me parece que mais se firmou o sr. ministro da justiça para sustentar a sua opinião, que é a do governo, de estar comprehendida nas disposições do decreto de 9 de agosto de 1833 a corporação das irmãs da caridade. Como a camará observaria eu prestei a attenção devida ao discurso de s. ex.a, e para melhor o ouvir tomei logar junto da sua cadeira. Era a primeira vez que nesta camará ouvia um discurso do sr. ministro, que com muita satisfação e verdade posso elogiar, e que melhor poderei classificar em dissertação sobre a matéria, e assim vi confirmada a idéa que formava de s. ex.a, de quem já tive a honra de ser companheiro n'uma repartição publica n'esta capital.

Não me oceupando pois da maior parte das rasões de s. ex.a, com alguma das quaes na parte doutrinal eu concordo, tenho necessidade de me referir a um seu argumento, como acabei de dizer.

S. ex.a exhibiu um documento, a que deu tanta importância que certamente disse comsigo — inveni, inveni. Este documento é uma representação das irmãs da caridade, dirigida ao summo pontífice depois do decreto de 9 de agosto de 1833, em que pediam providencias sobre o seu estado e circumstancias, diziam ellas: «Porque não élicito agora recorrer ao superior estrangeiro.» A vista d'isto o sr. ministro da justiça diz: «Aqui estão as próprias irmãs da caridade a reconhecer a procedência do decreto de 9 de agosto de 1833, e a existência da lei que prohibe o recurso e subjeição a prelado estrangeiro.» São pois as próprias irmãs da caridade que reconhecem a sua extineção pelo decreto de 9 de agosto de 1833, diz o sr. ministro. Mas s. ex.a, como jurisconsulto ha de permittir-me o dizer-lhe, que isto pôde ser um argumento auxiliar, mas não fundamental (apoiaãos), auxilia, mas não prova, e não passa de uma asserção sem impor-