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tancia legal, nem auctoridade, e considere s. exJa o seguinte. Se s. ex.a visse levantar de qualquer dos lados da camará um membro d'ella, tirar da algibeira um documento authentico, e conhecer-se pela sua leitura e inspecção que era uma solemne declaração das irmãs da caridade no sentido de negar que o decreto de 9 de agosto de 1833 comprehendesse a sua corporação, que força attribuiria s. ex.a a este documento? Nenhuma, e com rasão, porque o testemunho, e opinião das irmãs da caridade sobre as disposições da lei, ou fosse por própria concepção ou por idéas sugeridas nada vale; pois com igual rasão se pôde responder ao argumento de s. ex.a, deduzido do referido documento (apoiados). A intelligencia das leis está sujeita a regras certas, e não depende de opiniões e arbítrios. Na sua letra se é clara está o seu verdadeiro proceito, e se ha duvida ou ambiguidade recorre-se aos meios legaes de a entender, que são em regra ou o seu preambulo, se a forma do governo é o absoluto, ou as~discus«ões no parlamento, se o systema é repre-sentativo, fora d'isto ainda lá está a regra do jurisconsulto romano, scire leges non est earum verba, sed vim ac po-testatem tenere.

Por tanto este argumento do sr. ministro não decide a questão nem tira a duvida, e eu vou agora dar conhecimento á camará de outro documento, cuja auctoridade não se pôde impugnar, e muito menos o governo, porque é uma parte do relatório do seu presidente.

No Diário ãe Lisboa de 7 de março encontra-se o relatório do sr. presidente do conselho sobre a proposta de lei para a reorganisação do instituto das irmãs da caridade, apresentada na camará dos senhores deputados, e n'elle se acham os seguintes trechos, para cada um dos quaes peço a attenção da camará:

«Era licito ás opiniões oppostas serem'ardentes e insof-fridas; ao governo incumbia proceder com circumspecção e serenidade. Invocavam-se por um lado leis e principios offendidos, e vaticinavam-se consequências graves e perigosas; allegavam-se por outra parte ps foros da consciência, sentimentos religiosos, zelo pela educação.

«Podia haver erradas apreciações de um lado e do ou-'tro, mas consideradas as cousas por diversas faces podia também haver justiça e verdade de ambas as partes. Leis prohibitivas contradiziam certos actos praticados; era todavia precizo meditar e ver se os principios que regem um paiz livre, e que em grande parte se acham directa oti virtualmente consignados no pacto social, não estariam até certo ponto em antinomia com essas leis.

«Devia também attender-se a que nem sempre o mais conveniente para uma nação é o mais justo, e se ella é nobre e generosa, como esta a que temos a ventura de pertencer, não pôde condemnar a preferencia dada pelos poderes públicos á justiça sobre a conveniência quando não podem concilia-las.»

Em presença de tudo que deixo ponderado não pôde im-pugnar-se que é duvidosa a questão que se suscita, e que havendo fortes rasões e argumentos por ambos os lados ninguém deve gloriar-se de ser verdadeira a sua opinião e errada a dos que pensam de outra maneira. E o que acon selha a rasão e a conveniência publica em tal conjuntura? Que haja transacção, e esta só pôde operar-se por meio de uma lei (apoiaãos). Faça-se pois a lei; reclama-o a impor tancia do objecto, que se tem tornado grave e serio pelas idimensões que lhe fizeram tomar, e a que não devera ter "chegado, mas que é hoje de máximo interesse publico.

Ê provável que os srs. ministros digam que tanto estão de accordo com esta idéa, que já fizeram uma proposta de lei para a reorganisação do instituto, porém que tem igual mente de cumprir as leis existentes; mas eu responderei a Ss. ex.a" —que as cousas que se podem fazer bem por uma só vez não é conveniente que se façam por duas. Feita a lei esclarece-se a situação, acabam as reacções, porque cessarão as acções, e o governo fica forte e sereno porque está armado dos meios de fazer-se obedecer, o qne não succe-derá com estas pequenas medidas, que'uns olham como concessões'arrancadas á fraqueza, e crescem nas exigências, como se está vendo nas próprias folhas ministeriaes; e outros tomam-nas como actos de oppressão, clamam contra ellas, e induzem as interessadas a resistirem, julgando que defendem seus direitos. Mas dirse-ha —e como se pôde fazer lei, se de uma parte quer-se o instituto de S. Vicente de'Paulo na pureza e integridade de sua regra, e de outra parte quer-se que esse instituto seja exclusivamente sujeito aos prelados diocesanos ? Pois é ahi mesmo que está a transacção. Todos aqui, sem excepção, e comprehendidos os srs. ministros pelo testemunho de seus relatórios, desejam este instituto; ainda se não levantou uma voz a pôr se quer em duvida a sua conveniência nos diversos misteres sociaes e caridosos a que se dedica; apenas se fazem reservas quanto á parte docente, mas eu entendo que essa questão do ensino deve ser tratada á parte, mesmo pela sua especialidade, e não pôde ser considerada agora por incidente. Ora como todos querem as irmãs de caridade, e só ha divergência no modo, é evidente que deve ser n'este campo qUe se effectue a transacção; e ahi 'está patente a facilidade de convir-se tia lèi.

Pois as irmãs'da caridade que estão estabelecidas em todos os paizes, que "em todos têem feito benefícios reaes, e conquistado por meio'd'elles o amor e a veneração publica; que em todos ôs jardins, para'•servir-me de uma expressão do sr. patriarcha D. Manuel, tem produzido flores viçosas e fragrantes, só no solo portuguez, onde tão bem 'se acli-mam todas as:nobres instituições, hão de produzir somente espinhos e abrolhos? É impossivel (apoiaãos).

Eu sei na evidencia que as irmãs da caridade, alem dos serviços que prestam á humanidade enferma nos hospitaes, e á infância nas escolas, ainda prestam outros não menos importantes em estabelecimentos "de outra ordem. Nas casas

penitenciarias têem sido um modelo de dedicação e de alta intelligencia para actuarem com suavidade em corações que pareciam endurecidos pelo crime. Para provar o que acabo de dizer peço licença á camará para lhe fazer uma leitura... e sen'ella a dôr do coração for superior á minha voz e aos dictames da rasão... (Aqui a voz ão orador estava entre-cortaãa ãe soluços, porque o perioão que ía ler pertencia ao relatório sobre o estuão ãaspenitenciarias estrangeiras, feito por um filho primogénito,

«Começou desde certa epocha (1854) a predominar a idéa que convinha dar ás prisões um caracter religioso, e que sem elle todos os esforços seriam baldados.

«As irmãs da caridade e as do Bom Pastor foram aproveitadas para este serviço.

«Por contratos celebrados com o governo tomaram ellas conta de algumas prisões como já anteriormente haviam tomado de estabelecimentos de educação e de beneficência.

«Esta mudança de administração constitue uma epocha saliente, e presta-se pela novidade e pelos resultados obtidos, a uma analyse mais desenvolvida.

«As irmãs de S. Vicente de Paulo em numero excedente a doze mil, acham-se hoje empalhadas pela Europa e pela America. O superior d'esta associação reside em França, onde tem logar o noviciado.

«Estas irmãs sem clausura obrigatória podem tratar de doentes em hospitaes ou nos domicílios, e administrar estabelecimentos públicos ou particulares.

«Posto que a direcção superior esteja em França, ha nos outros paizes sub-delegações, como em Gratz, d'onde a superiora dirige e se corresponde cora todos os estabelecimentos do impero, administrados por pessoas d'esta associação.

«Confesso que este systema foi para mim uma novidade. Não suppunhaxque mulheres podessem dirigir casas de facinorosos; e com verdade foi desagradável a primeira impressão que recebi. Mas depois que tive occasião de examinar os estabelecimentos, e de observar os resultados obtidos, convenci-me da exequibilidade do systema.

«A opinião publica tem-se pronunciado naquelle paiz a favor d'este methodo, e é provável que dentro em pouco elle se estenda a todas as prisões.

«Estas casas são um mixto de religião e de caridade. Olha-se de um lado, vêem-se altares levantados, e sobre elles as imagens dc Christo e de Nossa Senhora; olha-se de outro, e vêem-se estas mulheres tratando dos doentes, fa-zendo-lhes remédios, e prestando-lhes os maiores cuidados e dedicação.

«Os empregados e guardas mantêem a disciplina pela força que empregam; as irmãs pelo respeito que impõem. 0/ preso vê no guarda o homem estipendiado, não resiste porque não pôde; nas irmãs devisa uma vocação, e um mar-tyrio que o faz estremecer de qualquer insolência ou atrevimento. "

«Em Stein sublevaram-se Os presos uma vez, e não queriam voltar da capella para os dormitórios; a superiora apre-sentou-se no meio do tumulto, fallou aos presos a linguagem da verdade, conseguiu ser obedecida, e dentro em pouco o socego estava restabelecido.

«O que prova este e outros exemplos, éque sem duvida a atmosphera religiosa moralisa os presos, habitua-os á obediência, e dá aos directores ou directoras a força moral são indispensável n'estas casas. As directoras pelo seu caracter e ed.icaçào têem dispensado muitos castigos, e obtido sem elles a conveniente disciplina.»

Sr. presidente, se me não fascina o amor que tenho-ao âuetor d'estas reflexões, e que reflecte sobre os períodos que venho de ler, parece-me que elles provam até á evidencia a necessidade de um instituto quecapaz de produzir tão grandes resultados, e como tenho a certeza, que pôde haver nas cousas humanas, de que também haverá entre nós estabelecimentos penitenciários, e que entrem nelles as irmãs de caridade para os dirigir ou coadjuvar o respectivo serviço, conservo a lisongeira esperança de que esta questão pôde resolver-se • a contento de todos, como disse, por meio de uma transacção.

Pelo que me'diz respeito não tenho nenhum'receio da influencia'que as irmãs de caridade possam exercer pelo ensino e educação-da infância (muitos apoiaãos); seria necessário que eu me esquecesse antes de que as cousas não estão como no tempo em que effectivamente os principios religiosos podiam conduzir a graves resultados politicos. Acabou a influencia que podia ter um grande numero de conventos, com abastados bens, e altas relações. E«sa influencia é incompatível com-a liberdade da imprensa e da tribuna (apoiaãos). Mas porque não tenho estes receios, não se segue que outros deixem de os ter, e muito conscienciosamente; e com esses que são conscienciosos nos seus receios é que pôde ter -logar a transacção. Todos querem as irmãs de caridade, mas ha quem não veja sem apprehen-sões que ellas obedeçam a um prelado maior que reside em Paris; pois bem, peça-se a Roma dispensa dessa sujeição ao superior estrangeiro, e com ella instituamos as irmãs de caridade no nosso paiz (apoiaãos).

Depois de diversas considerações que desenvolveu largamente, concluiu pedindo á camará desculpado agfadecen-do-lhe a sua benevolência. (Vozes: —Muito bem, muito bem.)

(O oraãor foi cumprimentaão por muitos ãignos pares).

O sr. Costa Lobo: — Eu pedi a palavra mais para dar uma explicação do que para fazer um discurso sobre algumas expressões que ouvi, e que considerei que offendiam -

alguém que não estava aqui, e que por isso mesmo me cumpria tomar a sua defeza.

Principiarei pedindo aos dignos pares que sejam indulgentes para comigo, por isso mesmo que é a primeira vez que tenho a honra de fallar n'esta camará, e em occasião a menos própria para mim, porque n'este mesmo momento acaba de fallar um eximio orador e abalisado jurisconsulto; ó portanto claro que, alem da insufficiencia dos meus dotes, hei de ver-me agora em maiores difficuldades, porque o acanhamento me embarga a voz, o receio me afugenta as idéas, parecendo-me sempre que as minhas palavras ficam submergidas debaixo do grande peso da eloquência daquelle que me precedeu, e cujas frases tão auctorisadas ainda soam aos nossos ouvidos.

A historia do que se tem passado a respeito de irmãs da caridade é sabida e conhecida de todos, assim -como é sabido em que circumstancias nasceu o pensamento de uma subscripção para a creação de um instituto portuguez de irmãs da caridade.

Foram alguns membros da associação commercial sem ingerência alguma da corporação, que conceberam o projecto de levantar fundos pocuniarios, com os quaes se podesse fundar, ou pelo menos auxiliar um instituto portuguez de irmãs da caridade; esta corporação solicitada—a associação commercial—a que subscrevera, assim o fez, assi-gnando uma somma forte em relação dos pequenos meios de que podia dispor; a associação commercial subscrevendo e approvando, prestou a sua saneção a este valioso projecto, e eu, fazendo as vezes de presidente da assembléa geral, me considero na obrigação de sustentar o principio, e dar documento da respeitabilidade das pessoas que haviam assignado, negociantes da maior probidade commercial, cidadãos de uma reconhecida moralidade e dotados de todas as virtudes cívicas.

Consta-me que fora em seguida nomeada uma commissão na designação da qual não teve parte a associação commercial, que não era mais que um subscriptor, e que são membros d'esta commissão cavalheiros da maior respeitabilidade, e alguns dos quaes são membros desta casa, e que esta commissão continua no louvável encargo de procurar obter novas subscripções.

Eu nào faço parte da commissão, mas sei que ella tem trabalhado, e que a subscripção continua, sendo certo que se porventura não -existe já subscripta uma somma muito avultada, comtudo a que ha já realisada é assim mesmo muito interessante para qualquer estabelecimento que se possa crear.

Faço esta declaração em consequência do que se tem aqui passado e do que me pareceu ouvir, que me obrigou a pedir a palavra para fallar em nome daquelles honrados cidadãos,, a fim de que os seus nomes não deixem de se considerar illibados. (O sr. Conãe ãa Taipa:—-O digno par refere se de certo a mim, e eu peço-lhe que me diga quaes são as palavras de que se queixa para eu saber o que hei de explicar.) Talvez o meu ouvido fosse infiel, mas pelas informações que tomei com alguns dos meus collegas n'esta casa, e até na mesa dos tachygraphos, convenci-me de que não tinha interpretado muito mal as palavras do digno par quando se referiu sobre este ponto á subscripção de alguns negociantes com o fim de fundar um instituto portuguez de caridade.

Assim assentei do meu dever dar estas explicaçõesique me parecem que hão de satisfazer as pessoas que porventura se possam julgar alludidas.

Agora a segunda parte ou motivo pelo qual também pedi a 'palavra foi que o sr. ministro da justiça na sua argumentação alludiu á commissão nomeada em 3 de setembro de 1858 que deu o seu parecer em 10 de novembro sobre esta diffioil questão. Eu que entro n'esta difficil questão mortificado, constrangido e forçado pela circumstancia de ter sido membro d'essa mesma commissão, e me ver assim em a necessidade de assentar bem os fundamentos do meu voto n'aquella commissão,

Quererei eu irmãs da caridade, sr. presidente? Oh se quero: ainda ha pouco eu li o que ellas fizeram na Criméa tratando dos doentes feridos e daquelles que eram atacados pela epidemia.

• Mas ha uma differença e é a irmã da caridade contemplada a ir auxiliar o enfermo e a ir á localidade da peste, ou a viver em congregação sem prestar obediência ao bispo, recebendo os preceitos de um prelado estrangeiro com of-fensa das leis do reino. Isto é que é a questão. Se se quer que as irmãs da caridade continuem a viver em communidade com obediência ao superior em Paris: se se quer isto assim, faça se então uma lei. Mas em presença do decreto de 9 de agosto de 1833, é forçoso reconhecer que ellas não podem viver da maneira que as leis não permittem. Uma ^vez poiém que as irmãs da caridade dizem que não querem obedecer ao prelado diocesano, então não ha remédio senão dizer-se-lhes—>vós nào podeis viver em congregação (apoiaãos).

Ouvi, que um digno par a quem muito respeito e a quem desejo chamar amigo, exclamara quando fez o seu discurso, que eu ouvi com toda a attenção, dizendo — quem fez o decreto de 9 de.agosto de 1833? O imperador. Esse grande homem cuja memoria será eterna, pelos benefícios'e liberdade que deu a esta terra. E eu, acrescentou o digno par, que fui seu ajudante de ordens, seu discinulo e camarada, vi, que quando passava uma irmã da caridade, elle curvava a cabeça. Agoro digo eu ao digno par que esse grande homem que tanto respeitava as irmãs da caridade, queria por certo, nem podia deixar de querer, que ellas obedecessem ao prelado diocesano: que príncipe temporal encarregado de manter a disciplina da igreja Luzitana e a fa-