DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 485
O sr. Marquez de Vallada: — Antes de continuar agradeço ao sr. ministro do reino a clareza com que dou a explicação que lhe pedi. Já tinha agradecido ao sr. Martens Ferrão as que pela sua parte s. exa. tinha dado. Como muito bem disse um auctor, que já tenho citado, o sr. Filangieri, as leis devem ser claras, porque a sua falta de clareza dá logar a grandes lutas nos tribunaes. Desejaria, pois, que este incidente fosse resumido na acta, dando-se contado meu pedido de explicação e de resposta dada pelo sr. ministro do reino, sobre este ponto, e bem assim a do sr. relator da commissão. Estou certo que s. exas. não teem duvida em que se faça na acta menção das suas palavras, vista a importancia d’este negocio, pois que se trata da tutela exercida pela auctoridade em beneficio dos pobres, sobre ás corporações que têem por fim soccorrel-os. Desde que o sr. ministro do reino e o sr. relator da commissão não têem duvida no pedido que faço para se lançar na acta as suas explicações, parece-me que póde ser satisfeito este meu pedido.
Eu tambem tinha mandado para a mesa uma proposta, da qual o sr. relator da commissão não quis occupar-se, provavelmente por não achar conveniente dar explicações detalhadamente sobre ella quando tratou da commissão districtal. Peço, porém, licença para insistir n’este ponto, que é do grande magnitude, porque affecta a sociedade e a familia. Quando se trata dos interesses dos povos", nada se perde que sejam largamente discutidas as medidas que podem tocar n’esses interesses, sobretudo .quando se referem aos desprotegidos da fortuna.
Á commissão districtal, pelo nosso codigo administrativo, eram incumbidos negocios inteiramente diversos d’aquelles que ficam a cargo d’esta commissão creada pelo projecto actual. Esses negocios que estavam a cargo do antiga commissão districtal eram as reclamações por amparo. Não e só no nosso paiz que se tratam estas questões relativas ás reclamações por amparo. Mesmo na Prussia tambem ellas são admittidas.
A commissão districtal do antigo codigo é agora transformada, e fica, em certos casos, similhante ás antigas juntas dos tres estados, que ora composta do individuos nomeados pelas côrtes para exercerem umas certas acções fiscaes. Depois a junta dos tres estados transformou-se em delegação para, por assim dizer, poder receber no seu seio varios individuos protegidos pela politica dá epocha. Hoje, a commissão districtal é a delegação da junta geral do districto, e essa junta tem um presidente.
Agora temos tres governadores civis, em logar do um; temos o proprietario e o substituto, que eu tambem queria eliminado, e sobre o qual o sr. Mártens Ferrão passou em claro, deixando em branco essa pagina que eu tinha escripto em preto (permitta-se-me a observação amigavel). Mas como ia dizendo, ha tres governadores civis: um proprietario, um substituto, e o outro, que e esta nova entidade, que se chama presidente da commissão districtal.
Eu não sei se tenho de dirigir parabens a alguns dignas pares que estão n’esta casa, e que pertencem ao partido que hoje se denomina progressista, e se compõe das duas fracções — reformista o historica; e o governo, pela sua parte, tem um pé na regeneração e outro na Granja; os ministros quasi que se vão approximando d’esta.
Eu creio que os progressistas estão mais proximos do poder do que se julga, pelo que desde já os felicito.
Aquelle celebre programma aqui defendido pelo meu illustrado amigo, o sr. Miguel Osorio, que mereceu uma resposta frisante do sr. presidente do conselho, em que s. exa. declarou, da maneira a mais clara o positiva, que detestava esse programma, já vae dando algum resultado.
S. exa. declarou detestar o programma da Granja, não por odio ao sr. Miguel Osorio, pois não tem odio a ninguem, porque é christão, mas porque a par de christão era homem politico.
AS lições da historia actuaram, porém, de uma maneira tão efficaz e salutar no animo do sr. presidente do conselho, que eu espero em breve ver a Granja no poder, o que não condemno, antes estimo muito que s. exas., e os homens chamados da Granja, vão dirigir os negocios publicos; mas quer-me parecer que antes a Granja terá de pedir ao sr. presidente do conselho que retire a palavra que empregou, para declarar que não gostava do seu programma.
A palavra detestar deve ser a final substituida por amar.
O sr. presidente Fontes ama, pois, em parte, a Granja, mas não no todo.
Eu não sei realmente qual é a rasão deste odio ao programma da Granja.
Desde principio que eu reconheci haver inconvenientes n’esse programma, e disse com toda a franqueza a um cavalheiro muito illustrado e meu amigo, o sr. visconde de S. Januario, que havia muitas cousas boas no programma, mas que havia outras com que eu não concordava, e que quando s. exas. fossem ao poder havia de pedir-lhes a execução desse programma.
Ao sr. marquez de Sabugosa fiz tambem declaração igual.
Eu, em parte, já considero s. exas. sentados n’aquellas cadeiras; e ainda bem que se levantou a excommunhão.
Eu sempre julguei que eram exagerados os receios do espirito anarchico do sr. Braamcamp, homem por quem tenho a maior consideração, como tenho por todos os Braamcamps, e estimo ter esta occasião de lhes prestar esta homenagem.
Nunca julguei que elle~era tão perigoso. Eu não concordava, em parte, com o seu programma, mas nunca me causou receios.^.
Agora vejo que o governo tem as mesmas idéas que a Granja, ainda que o gabinete não sabe ao certo, pelo menos foi o que deprehendi das palavras do sr. ministro do reino, se foi o governo que adoptou as idéas da Granja, ou se foi esta que adoptou as idéas d’elle. Eu, porém, não tenho duvidas a este respeito, e atrevo-me a decidir o pleito.
O sr. Ministro do Reino: — As datas é que decidem a questão.
O sr. Marquez de Vallada: - Mas eu agora constituo-me em juiz de commissão, como havia no tempo do poder absoluto, para decidir em uma só instancia, e fundando-me nas datas, como quer o sr. ministro, appellando para a chronologia o para a historia, decido que o governo é que foi para a Granja. .
Todos nos recordâmos de um discurso que o sr. Miguel Osorio aqui pronunciou por occasião de appareccer o programma da Granja, e todos só lembram tambem que o sr. Fontes disse então que detestava esse programma. Por consequencia ou o sr. Fontes esqueceu uma parte do mesmo programma, ou não o tinha lido todo, o que se não póde acreditar, quando foi copiar essa mesma parte. O nobre presidente do conselho deve, pois, estar hoje arrependido de ter julgado com tanta severidade as palavras do sr. Miguel Osario.
Diante d’estes factos, o melhor é riscarem o nome de granjeias, que deram aos membros dos partidos que se fundiram; chamem-se todos progressistas, elles e os srs. ministros, porque todos são correligionarios, e fique a Granja com dois chefes, o sr. Fontes e o sr. Braamcamp. Eu não sei se ella já tem dois; se os tiver, ficam então sendo tres os presidentes do partido progressista.
Parece-mo que com isto não offendo, nem os cavalheiros que fazem parte da Granja, nem os collegas do sr. Fontes que se acham sentados nas cadeiras do poder; mesmo eu não sou capaz de offender ninguem. Apenas me sirvo de uma linguagem allegorica, que já n’outro tempo foi muito usada mesmo em obras politicas.
Todos que têem tomado uma parte mais activa na politica sabem muito bem que essas aberrações e divisões partidarias, que trazem separada a familia liberal portugueza em differentes grupos, desde o momento que forem inves-