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N.º 48

Presidencia do exmo. sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco

Montufar Barreiros

(Assistem os srs. ministros do reino, da fazenda e da guerra.)

Pela uma hora da tarde, verificada a presença de 19 dignos pares, o exmo. sr. presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se considerou approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, tenho mandado para a mesa differentes requerimentos pedindo ao governo alguns esclarecimentos, que julgo necessarios para poder entrar na discussão de projectos que estão dados para ordem do dia.

Mas, como até hoje estes requerimentos não tenham sido satisfeitos, eu desejo que fique bem consignado que o governo não mandou a camara os documentos sufficientes para a discussão dos differentes projectos a que me refiro.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um outro requerimento, e peço aos srs. ministros que façam com que o seu collega da guerra mande os documentos que aqui menciono, e que reputo necessarios, para poder bem apreciar alguns projectos que dentro em pouco devera entrar em discussão.

Leram-se na mesa e são do teor seguinte:

Requerimentos

Roqueiro que, pelo ministerio da guerra, se declare qual é o numero de generaes supranumerarios, seus nomes, as commissões que exercem, e bem assim qual a lei que auctorisa a nomear generaes quando o quadro está completo.

Requeiro igualmente que se declare qual o numero de officiaes supranumerarios em artilheria, os seus nomes, commissões em que estão empregados e a lei que auctorisa a sua nomeação estando o quadro completo. = Vaz Preto.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que são de voto que se mande expedir o requerimento, que acaba de mandar para a mesa o sr. Vaz Preto, tenham a bondade do se levantar.

Mandou-se- expedir.

O sr. Marquez de Vallada: — Pedi a palavra, por parte das commissões reunidas de administração publica e fazenda, para mandar para a mesa um parecer de que sou relator.

Peço a v. exa. que mande imprimir este parecer com urgencia.

Agora peço licença a v. exa. para dizer duas palavras sobro um negocio que me diz respeito. .

Vi esta manhã uma noticia que muito me surprehendeu, mandada em telegramma de Lisboa para o Jornal do Porto, e que diz respeito ao que se passou nesta camara no ultimo dia de sessão.

N’essa noticia diz-se que «eu havia pedido aos srs. ministros que apresentassem um projecto de lei em que se estabelecesse a censura para a imprensa».

Eu não fiz similhante pedido, o que eu disse foi que tencionava chamar a attenção do governo, numa das proximas sessões, para tratar de um negocio que reputo importante, e que diz respeito á censura nas peças de theatro.

Toda a camara ouviu as palavras que pronunciei nessa occasião, assim como os srs. tachygraphos, e não creio que houvesse intenção malevola da parte do correspondente do Jornal do Porto, ao contrario estou convencido do que foi apenas lapso ou engano da pessoa que escreveu o telegramma.

Com tudo, tenciono telegraphar ainda hoje ao redactor do dito jornal, pedindo-lhe que declare não ser exacta em nenhum ponto a noticia a que me refiro.

Nada mais tenho a dizer.

O sr. Barros e Sá: — É para mandar para a mesa um parecer acerca das emendas apresentadas por alguns dignos pares ao projecto da reforma eleitoral.

Peço a v. exa. que tenha a bondade de o mandar imprimir.

Foi a imprimir.

ORDEM no DIA

O sr. Presidente: — Como nenhum digno par tem pareceres a mandar para a mesa, vamos entrar na ordem do dia.

Continua a discussão do parecer n.° 333, e tem a palavra o sr. Paiva Pereira.

O sr. Paiva Pereira: — A illustre commissão de administração publica, no seu parecer a respeito das emendas offerecidas ao projecto do codigo administrativo, diz que acceita aquellas que, sem o alterarem, tendem a aperfciçoal-o, ou pela substituição de disposições que se consideram melhores, ou polo additamento de outras que completam o seu pensamento.

N’este caso considero eu que está precisamente a minha proposta, e comtudo vejo-a excluida, quando ella não muda a feição da reforma, e concorre effectivamente para melhoral-a, pondo termo a um privilegio insustentavel, que pelo projecto se alarga. (Apoiados.)

Propuz que nos futuros orçamentos geraes do estado; nos futuros, repare-se bem, se inscrevam as importancias das contribuições ou rendimentos que se destinarem para fazer face ás despezas dos districtos, municipios e parochias, cessando então a faculdade que se dava ás administrações locaes de impor tributos.

Esta substituição, repito, não toca no fundo do projecto, ou lhe altera a indole. (Apoiados.)

As mesmas despezas que se fariam com os impostos lançados pelas corporações fazem-se com o producto daquelles que se auctorisam nos orçamentos do estado, onde a sua inscripção seria regulada em vista dos orçamentos parciaes dessas corporações, já approvados (Apoiados.), e dos demais elementos que o governo julgasse necessarios para se esclarecer.

Se as emendas que o parecer adoptou tornam indispensavel, sendo approvadas, devolver o projecto á camara dos senhores deputados, que duvida póde haver em remetter-lhe tambem a minha inoffensiva proposta, que não deixará de ser tomada em consideração, pois que zela a sua prerogativa? (Apoiados.)

Ninguem contestará que é uma medida de ordem alta-

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mente reclamada, e de não pequeno alcanço economico e financeiro. (Apoiados.}

O sr. Martens Ferrão: — Não póde a commissão concordar com a emenda do digno par, na qual foi-lhe impossivel encontrar as vantagens que s. exa., suppoz, o eme desenvolveu, apresentando outras muitas considerações relativas á economia do projecto, e ao pensamento da commissão que o examinou, e em nome da qual elle (orador) fallava.

S. exa. deu tambem conta de um additamento, que mandou para a mesa, estabelecendo a reforma para os bombeiros, e estabelecendo a fórma e o modo do rcalisal-a.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra sobre a materia.

Leu-se na mesa o additamento do digno par o sr. Mártens Ferrão.

O sr. Presidente: — Este additamento, mandado para a mesa pelo sr. relator da commissão, e para ser acrescentado ao n.° 19.° do artigo 103.°; é o parecer da commissão sobre a proposta do digno par, o sr. conde de Rio Maior.

Pede o sr. relator que este additamento seja considerado como fazendo parte dos que se acham approvados pelo parecer que está em discussão.

Consultada a camara assim o resolveu.

O sr. Conde de Rio Maior: — Sr. presidente, demos treguas á politica e consideremos esto additamento, mandado para a mesa pelo digno par, o sr. Mártens Ferrão, simplesmente debaixo do ponto de vista administrativo e humanitario.

Eu approvo a proposta do illustre relator, o sr. Mártens Ferrão, pois o principio benefico é o mesmo na sua e na minha proposta, embora não seja inteiramente conformo o meio pratico do realisar o nosso commum pensamento; todavia parece-mo que s. exa. não terá duvida do acceitar um additamento que vou mandar para a mesa, e que no completa mais a sua proposta, auxiliando a nobre commissão no bom caminho que se propoz seguir.

Os vereadores não têem, á face da lei, longa vida administrativa, e podem entender o principio, que vamos estabelecer, de diversos modos; isto é, a pensão póde per mais ou menos valiosa, segundo os serviços prestados pelo bombeiro, mas tambem segundo o capricho dos camaristas.

O arbitrio póde imperar muito, não digo já de uns concelhos para os outros, pois cada camara onde houver repartição de incendios terá a sua regra, e será mais ou menos generosa, segundo a doutrina que entre ella vogar; porem no mesmo municipio o empenho e a protecção pedem motivar graves injustiças, e isso não está certamente na mente do parlamento portuguez; portanto, considerando a materia, mando para a mesa a proposta que vou ler:

«As camaras nos regulamentos para a concessão das pensões, tomarão por base as regras estabelecidas nos artigos 353.° e 304.° para as aposentações, sendo, comtudo, limitados os prasos marcados n’estes artigos a dez, quinze e vinte annos.»

Agora duas palavras quanto á mesma proposta da illustre commissão, relativa aos bombeiros, apresentada pelo sr. Martens Ferrão.

Sr. presidente, não posso eu deixar de louvar o es illustres commissarios e o sr. ministro do reino, pelo espirito conciliador de s. exas. de que deram prova evidente n’esta occasiao, não hesitando, uma vez pelo menos, transigir com a opposicão numa idéa altamente humanitaria.

Como desejo corresponder com igual côrtezia a esto procedimento generoso, e como foram adoptadas algumas outras emendas importantes, por exemplo, as que se referem á eliminação dos §§ 2.° e 3.° do artigo J23.n, e á admissão do parocho na junta de parochia, artigo 15õ.°; não tratarei de sustentar as minhas outras emendas, que anteriormente .mandei para a mesa, embora convencido da sua utilidade.

Entretanto, sempre direi que sinto que a illustre commissão não adoptasse a proposta, que se referia á substituição ao artigo 152.°, relativa aos facultativos, pharmaceuticos, parteiras e veterinarios da partido, pois o meu fim era igualmente humanitario, queria eu auctorisar as camaras a- suspendel-os, quando estes funccionarios tivessem praticado actos menos regulares no exercicio das suas obrigações, embora lhes fosso facultada a liberdade de appellar para a junta geral.

Esta. auctoridade dada ás municipalidades, que mais do perto observam as faltas, era de grande vantagem; e em assumpto tão grave deve o castigo seguir-se logo á transgressão.

Nada mais direi a este respeito, pois quando fallei n’este assumpto sobejamente o expliquei.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta apresentada pelo sr. condo de Rio Maior.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

As camaras, nos regulamentos para a concessão de pensões, adoptarão as bases estabelecidas nos artigos 353.º e 304.° d’este projecto de codigo, com referencia ás aposentações: sendo, porem, limitados os prasos a dez, quinze e vinte annos. = O par do reino, Conde de Rio Maior.

Fui admittida., e ficou em discussão conjuntamente com o parecer.

O sr. Marquez de Vallada: — Folguei de ouvir as explicações que acabou de dar o meu nobre amigo, e relator da commissão, o digno par sr. Mártens Ferrão; e ouso esperar do animo esclarecido do sr. ministro do reino, o do seu espirito liberal, que s. exa., sobre este ponto, me diga, para. eu poder continuar, se adopta a interpretação dada ao Artigo, a respeito do qual se abriu polemica entre mim e o sr. Mártens Ferrão.

Precisemos, simplifiquemos.

O governador civil, pelo codigo administrativo, tinha a tutela das confrarias e estabelecimentos de beneficencia, e podia dissolver as mesas d’estas corporações.

Ora, n’este projecto de reforma, que se discute, diz-se que ao governador civil compete a tutela da administração das confrarias, irmandades e institutos do caridade ou do beneficencia, e que para exercer as funcções que daqui se derivam deve preceder consulta do conselho de districto; e como podia suscitar-se duvida sobre quem tinha a iniciativa de propor a dissolução das mesas ou administrações d’estes estabelecimentos, isto é, se continuava a pertencer ao governador civil, ou se tinha passado para o conselho do districto, o como na applicação das leis se encontram muitas vezes pontos obscuros, ou ha duvidas da clareza da sua letra, é preciso investigar qual é o seu espirito verdadeiro, e para isso se recorre ás discussões que precederam a feitura das mesmas leis.

Entendo, pois, ser sempre conveniente e opportuno provocar estas explicações, que são muito importantes.

N’esta conformidade, depois de ouvidas as explicações do sr. relator da commissão, explicações que eu muito aprecio, e que têem muito valor, parecia-me tambem muito conveniente que o sr. ministro do reino tivesse a bondade do declarar se acceita as explicações do sr. Martens Ferrão, quer dizer, se a, sua opinião é tambem que os governadores civis podem dissolver as corporações de beneficencia, ouvindo o conselho de districto, se assim o entenderem conveniente.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Adopto completamente a explicação do sr. Martens Ferrão.

A intelligencia que s. exa. dá a este artigo foi sempre a que eu lhe dei tambem; isto é, que a iniciativa é do governador civil, mas com a formalidade de ouvir o conselho de districto, cujo voto póde ser conveniente conhecer, sem, todavia, aquelle magistrado ficar por isso obrigado a seguir o voto d’aquella corporação.

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O sr. Marquez de Vallada: — Antes de continuar agradeço ao sr. ministro do reino a clareza com que dou a explicação que lhe pedi. Já tinha agradecido ao sr. Martens Ferrão as que pela sua parte s. exa. tinha dado. Como muito bem disse um auctor, que já tenho citado, o sr. Filangieri, as leis devem ser claras, porque a sua falta de clareza dá logar a grandes lutas nos tribunaes. Desejaria, pois, que este incidente fosse resumido na acta, dando-se contado meu pedido de explicação e de resposta dada pelo sr. ministro do reino, sobre este ponto, e bem assim a do sr. relator da commissão. Estou certo que s. exas. não teem duvida em que se faça na acta menção das suas palavras, vista a importancia d’este negocio, pois que se trata da tutela exercida pela auctoridade em beneficio dos pobres, sobre ás corporações que têem por fim soccorrel-os. Desde que o sr. ministro do reino e o sr. relator da commissão não têem duvida no pedido que faço para se lançar na acta as suas explicações, parece-me que póde ser satisfeito este meu pedido.

Eu tambem tinha mandado para a mesa uma proposta, da qual o sr. relator da commissão não quis occupar-se, provavelmente por não achar conveniente dar explicações detalhadamente sobre ella quando tratou da commissão districtal. Peço, porém, licença para insistir n’este ponto, que é do grande magnitude, porque affecta a sociedade e a familia. Quando se trata dos interesses dos povos", nada se perde que sejam largamente discutidas as medidas que podem tocar n’esses interesses, sobretudo .quando se referem aos desprotegidos da fortuna.

Á commissão districtal, pelo nosso codigo administrativo, eram incumbidos negocios inteiramente diversos d’aquelles que ficam a cargo d’esta commissão creada pelo projecto actual. Esses negocios que estavam a cargo do antiga commissão districtal eram as reclamações por amparo. Não e só no nosso paiz que se tratam estas questões relativas ás reclamações por amparo. Mesmo na Prussia tambem ellas são admittidas.

A commissão districtal do antigo codigo é agora transformada, e fica, em certos casos, similhante ás antigas juntas dos tres estados, que ora composta do individuos nomeados pelas côrtes para exercerem umas certas acções fiscaes. Depois a junta dos tres estados transformou-se em delegação para, por assim dizer, poder receber no seu seio varios individuos protegidos pela politica dá epocha. Hoje, a commissão districtal é a delegação da junta geral do districto, e essa junta tem um presidente.

Agora temos tres governadores civis, em logar do um; temos o proprietario e o substituto, que eu tambem queria eliminado, e sobre o qual o sr. Mártens Ferrão passou em claro, deixando em branco essa pagina que eu tinha escripto em preto (permitta-se-me a observação amigavel). Mas como ia dizendo, ha tres governadores civis: um proprietario, um substituto, e o outro, que e esta nova entidade, que se chama presidente da commissão districtal.

Eu não sei se tenho de dirigir parabens a alguns dignas pares que estão n’esta casa, e que pertencem ao partido que hoje se denomina progressista, e se compõe das duas fracções — reformista o historica; e o governo, pela sua parte, tem um pé na regeneração e outro na Granja; os ministros quasi que se vão approximando d’esta.

Eu creio que os progressistas estão mais proximos do poder do que se julga, pelo que desde já os felicito.

Aquelle celebre programma aqui defendido pelo meu illustrado amigo, o sr. Miguel Osorio, que mereceu uma resposta frisante do sr. presidente do conselho, em que s. exa. declarou, da maneira a mais clara o positiva, que detestava esse programma, já vae dando algum resultado.

S. exa. declarou detestar o programma da Granja, não por odio ao sr. Miguel Osorio, pois não tem odio a ninguem, porque é christão, mas porque a par de christão era homem politico.

AS lições da historia actuaram, porém, de uma maneira tão efficaz e salutar no animo do sr. presidente do conselho, que eu espero em breve ver a Granja no poder, o que não condemno, antes estimo muito que s. exas., e os homens chamados da Granja, vão dirigir os negocios publicos; mas quer-me parecer que antes a Granja terá de pedir ao sr. presidente do conselho que retire a palavra que empregou, para declarar que não gostava do seu programma.

A palavra detestar deve ser a final substituida por amar.

O sr. presidente Fontes ama, pois, em parte, a Granja, mas não no todo.

Eu não sei realmente qual é a rasão deste odio ao programma da Granja.

Desde principio que eu reconheci haver inconvenientes n’esse programma, e disse com toda a franqueza a um cavalheiro muito illustrado e meu amigo, o sr. visconde de S. Januario, que havia muitas cousas boas no programma, mas que havia outras com que eu não concordava, e que quando s. exas. fossem ao poder havia de pedir-lhes a execução desse programma.

Ao sr. marquez de Sabugosa fiz tambem declaração igual.

Eu, em parte, já considero s. exas. sentados n’aquellas cadeiras; e ainda bem que se levantou a excommunhão.

Eu sempre julguei que eram exagerados os receios do espirito anarchico do sr. Braamcamp, homem por quem tenho a maior consideração, como tenho por todos os Braamcamps, e estimo ter esta occasião de lhes prestar esta homenagem.

Nunca julguei que elle~era tão perigoso. Eu não concordava, em parte, com o seu programma, mas nunca me causou receios.^.

Agora vejo que o governo tem as mesmas idéas que a Granja, ainda que o gabinete não sabe ao certo, pelo menos foi o que deprehendi das palavras do sr. ministro do reino, se foi o governo que adoptou as idéas da Granja, ou se foi esta que adoptou as idéas d’elle. Eu, porém, não tenho duvidas a este respeito, e atrevo-me a decidir o pleito.

O sr. Ministro do Reino: — As datas é que decidem a questão.

O sr. Marquez de Vallada: - Mas eu agora constituo-me em juiz de commissão, como havia no tempo do poder absoluto, para decidir em uma só instancia, e fundando-me nas datas, como quer o sr. ministro, appellando para a chronologia o para a historia, decido que o governo é que foi para a Granja. .

Todos nos recordâmos de um discurso que o sr. Miguel Osorio aqui pronunciou por occasião de appareccer o programma da Granja, e todos só lembram tambem que o sr. Fontes disse então que detestava esse programma. Por consequencia ou o sr. Fontes esqueceu uma parte do mesmo programma, ou não o tinha lido todo, o que se não póde acreditar, quando foi copiar essa mesma parte. O nobre presidente do conselho deve, pois, estar hoje arrependido de ter julgado com tanta severidade as palavras do sr. Miguel Osario.

Diante d’estes factos, o melhor é riscarem o nome de granjeias, que deram aos membros dos partidos que se fundiram; chamem-se todos progressistas, elles e os srs. ministros, porque todos são correligionarios, e fique a Granja com dois chefes, o sr. Fontes e o sr. Braamcamp. Eu não sei se ella já tem dois; se os tiver, ficam então sendo tres os presidentes do partido progressista.

Parece-mo que com isto não offendo, nem os cavalheiros que fazem parte da Granja, nem os collegas do sr. Fontes que se acham sentados nas cadeiras do poder; mesmo eu não sou capaz de offender ninguem. Apenas me sirvo de uma linguagem allegorica, que já n’outro tempo foi muito usada mesmo em obras politicas.

Todos que têem tomado uma parte mais activa na politica sabem muito bem que essas aberrações e divisões partidarias, que trazem separada a familia liberal portugueza em differentes grupos, desde o momento que forem inves-

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tigadas de um modo seguro e conforme á boa critica tornam-se em questões puramente de fórma.

Poder-se-ia até dizer que não teem rasão do ser, tão pequenas são as differenças de idéas entre os differentes grupos politicos.

Quem comprehendeu isto bem foi o sr. duque d’Avila, cujos actos podem ser julgados como se quizer, mas de cuja firmeza de caracter, altos merecimentos como homem publico, amigo da justiça, e conhecedor do verdadeiro estado do paiz, ninguem ha que duvide.

Este conceito que todos formam de v. exa. não ha quem o possa destruir. V. exa. sabe muito bem que não o quero lisonjear, nem sou capaz disso; mas não me póde negar o direito de aprecial-o como homem de estado e como homem politico.

O sr. duque d’Avila, sabendo que as differenças que dividiam os partidos eram mais apparentes que reaes, julgou por isso que se tornaria facil conciliar as opiniões.

Poderia o sr. duque d’Avila ter levado a cabo o seu plano se não houvesse, permitta-se-me dizel-o com toda a franqueza, se não houvesse pressa de ambos os lados dos partidos. Esta é a verdade. O sr. duque d’Avila devia ainda hoje continuar a estar no poder, a fim de mostrar por diversos modos a largueza da sua iniciativa, e prestar avultados serviços ao paiz.

O actual governo veiu cedo, e devia tambem, por conveniencia propria, dominar, não direi a sofreguidão, mas talvez o demasiado zêlo dos seus correligionarios, que entendem que só estes ministros podem bem servir o paiz, sustentar o throno, salvaguardar a monarchia e as instituições.

Portanto, esta restauração, que foi extemporanea, segundo o meu modo de ver, ha de tambem produzir outro resultado, e é que os actuaes srs. ministros demorar-se-hão no poder menos tempo do que seria conveniente.

Com franqueza o digo, não gosto de ver esta continua mudança de ministerios: é mau para os que sacra e mau para os que lhes succedem.

Eu desejaria que os srs. ministros, e fallo em geral, não abandonassem as suas cadeiras sem que motivos ponderosos os obrigassem a dar este passo.

Feitas estas observações sobro o assumpto, que largamente se prestava a ellas, peço ao meu nobre amigo, o sr. Mártens Ferrão, que as tome na devida conta. Gosto do discutir com um cavalheiro tão esclarecido qual é s. exa., e que considero como verdadeiro amigo; aprendo sempre quando tenho a satisfação do ouvir o illustrado professor da universidade, este distincto parlamentar, de cujo merecimento ninguem duvida, e a cuja dignidade todos rendem o verdadeiro preito; mas recommendo ao meu nobre amigo que não se deixe cegar pelo espirito partidario, que póde ser um defeito, mas que denuncia em s. exa. uma grande qualidade; e peco-lhe que, como sincero conselheiro do poder, e usando da sua reconhecida auctoridade, lhe indique quaesquer alvitres que entenda proprios para deixarmos de caminhar, permittam-me dizel-o, por este despenhadeiro.

Mas, voltando ao ponto, poderia eu ainda obter que fossem consideradas as minhas emendas ou, pelo menos, e aqui proponho uma transacção, aquella em que eu dizia que a presidencia da commissão districtal não fosse dada senão ao governador civil, que já era o presidente da antiga junta districtal, embora com outras attribuições?

Não sei se o sr. ministro do reino e o sr. relator quererão acceitar esta minha indicação; o que lhes peço é que tenham muita cautela com as experiencias que se fazem sobre materia tão importante, experiencias que podem vir anarchisar as populações e a sociedade.

Tenho occupado por quatro vezes esta tribuna na discussão da actual reforma administrativa; tenho ha muitos annos tratado de questões d’esta ordem, e ainda ultimamente quando o sr. Mártens Ferrão era ministro, me dizia

com muita graça o meu nobre amigo, o sr. marquez de Sabugosa, que eu estava fazendo programma administrativo; mas hoje que já tenho a pratica da administração de um districto importante, que é talvez o mais importante do paiz, eu não podia deixar de procurar attender a este ponto, por todos os meios ao meu alcance.

Ainda ha pouco se attendeu a uma proposta do sr. condo de Rio Maior, e que e um melhoramento introduzido na lei, e eu me regosijaria se, sobre o assumpto a que me refiro, se introduzisse tambem algum melhoramento.

Agora pergunto tambem ao sr. ministro do reino: como lembrou a s. exa. nomear um governador civil substituto, sem ordenado? Governador civil substituto sem ordenado ha de ser por força um individuo da localidade, porque ha de ter de servir na ausencia do governador civil, como acontecia com o secretario geral, o muitas vezes este era obrigado a exercer perante o conselho do districto as funcções do ministerio publico.

Ora, se este individuo for da localidade podo haver n’isso grande inconveniente. E o nobre ministro do reino não descobriu este inconveniente?

Parece-me que o digno relator da commissão, o sr. Mártens Ferrão, deve comprehendel-o, porque s. exa. já foi ministro do reino, e mesmo, quando o não tivesse sido, os seus profundos conhecimentos sobre administração lh’o dariam a conhecer.

Note, portanto, o governo que quando se propõe uma reforma deve ser sempre para melhorar o que está. E como se quer que sejam bons estes governadores civis substitutos, sem ordenado? Por força que d’ahi hão de provir graves inconvenientes, porque já quando o secretario geral era da localidade, e tinha de substituir o governador civil, trazia isso muitas vezes difficuldades á boa administração, porque creava quasi sempre em torno de si uma clientela que tinha ordinariamente por rim contrariar o governador civil.

Quanto ao outro substituto, parece-me melhor ser um conselheiro de districto. E vou já responder a uma observação, que do certo mo hão do fazer os srs. Martens Ferrão e ministro do reino.

S. exas. dir-me-hão se o digno par se oppõe a que seja um cavalheiro da localidade, não só oppõe a que seja um conselheiro de districto.

A posição, digo eu, não lhe dá direito a ser substituto, e não é de crer que haja rivalidade entro, os dois, emquanto que os governadores civis não podem julgar-se permanentes.

O cargo de conselheiro de districto póde passar para outro individuo, porque não é uma entidade da especie dos coadjutores e futuros successores dos bispos que eram nomeados para Braga e para Evora, os quaes eram coadjutores, embora não fossem successores.

Eu creio muito que Cita instituição soja mais uma perturbação do que um melhoramento n’este ramo do serviço publico.

O que estou dizendo, digo-o com a experiencia dos factos. Assim como se trata de todos os assumptos que dizem respeito aos individuos e cousa?, assim se deve tratar de principios e factos, pois que os principios applicados aos factos duo os diversos phenomenos que se observam.

Sem ser empirico, é pondo de parte todas as asserções odiosas, entendo que o observador consciencioso d’estes factos, agrupa os diversos phenomenos que se dão, e tira, sem desprezar os principies, as conclusões dos mesmos factos.

Esta digressão ia-mo encaminhando para o terreno da philosophia, para o que tenho alguma tendencia como politico.

Mas o sr. Mártens Ferrão, que tem feito grandes estudos sobre philosophia, ha de me perdoar, assim como o sr. ministro do reino. E não se hão de arrepender de o terem feito. Eu de certo não me arrependo de expender to-

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das estas observações, para poder mais tarde adquirir o direito de pedir a v. exa. a responsabilidade de certos actos, que, por serem praticados em menosprezo dos principios, s’o de grande prejuizo para a sociedade.

Em 1867 levantei a minha voz quando se discutiu o codigo civil, mas foi como a voz no deserto.

Tive só cinco dignos pares que me apoiaram na apreciação dos inconvenientes da adopção de uma lei precedida de discussão tão curta!

Não declinei, porém, os direitos que adquiri, e pedi ao sr. Barjona de Freitas a responsabilidade d’aquelle acto. Creio que s. exa. está de accordo com migo para declarar, com aquella linguagem brilhante e elevada com que o costuma fazer, que errare humanum est.

Acolho-me a esse aphorismo, que é uma grande verdade, para adquirir agora igual direito.

Peço que me relevem estas minhas observações, e que as attribuam ao desejo que tenho de que leis d’esta ordem saiam o mais perfeitas que seja possivel, para beneficio da sociedade.

O que eu sinto é não poder alargar o meu discurso, porque leis tão importantes não deviam vir para a discussão á ultima hora, como succedeu com esta, com a reforma eleitoral, e como ha de succeder com a da reforma da instrucção primaria, de que nos devemos occupar dentro em pouco tempo; e tanto mais sinto isto, que eu preciso expender largamente a minha opinião sobre estes assumptos, na qualidade de membro das commissões de administração e de instrucção publica, e na do magistrado superior, que tive a honra de ser, de um districto administrativo.

Hei de fallar tambem sobre outros assumptos, e pedir ao governo que reforme as suas idéas em certos e determinados pontos.

Circumscrever-me-hei ao que tenho dito, para que não se me attribua o desejo de impedir o andamento dos projectos, desejo que não tenho, como muito bem sabe o sr. duque d’Avila; entretanto, não posso deixar de me occupar com certa largueza de assumptos, que são de importancia reconhecida.

Se ha culpa, e não direi que seja feliz culpa, mas infeliz culpa, é do governo, que não teve força para fazer com que os projectos se discutissem nos tres primeiros mezes da sessão ordinaria, e que vem agora com as prorogações de tres e quatro dias.

É preciso que o governo tenha forca para fazer passar os seus projectos em tempo competente; e a proposito desta falta de forca, sempre quero dizer, que tenho pena de não ter aqui um jornal, que é o Jornal da noite, no qual um illustre redactor, athleta distincto nas lides da imprensa, escreveu um artigo, que foi transcripto no Diario popular, em que se dizia, que a lei da reforma eleitoral saiu de modo que não agradava á maior parte da gente.

Isto diz o redactor de um jornal, que não é da Granja, e que e um dos homens mais importantes do partido regenerador.

A lei do pariato tambem não contentou ninguem, mas o governo teve de sujeitar-se a ella com grande sacrificio. Era necessario que a regeneração não se desunisse, que nenhuma ovelha saísse do redil.

Tornou se preciso que o supremo pastor, o sr. Fontes, cedesse a uma cousa que ninguem pedia, que fazia parte da reforma da carta, d’essa reforma que s. exa. não queria realisar sem que fosse de accordo com todos, o que era impossivel.

Vimos aqui regular a attribuição do poder moderador, com relação á nomeação de pares do reino, e veremos mais tarde regular a attribuição que esse poder tem de nomear os seus ministros.

Mas, repito, era necessario que não saísse nenhuma, ovelha do redil.

Não dou parabens ao ministerio por essa reforma, que não significa nem espirito reformador nem conciliador.

Disse um celebre publicista que «as concessões que eram obtidas pela força ou pelo temor, e não pela convicção de quem cedia, em geral não davam garantia de bom exito para ninguem».

A reforma da camara dos pares, votada ultimamente, não significa absolutamente nada em relação ao fim que se teve em vista, porque para uns foi muito, e para outros pouco, e em todo o caso o poder moderador lá levou o primeiro côrte nas suas attribuições. Entendeu-se que esta reforma estava no caracter e no espirito do seculo.

Eu creio que não é assim, porque com ella, segundo declarou o Jornal da noite, ninguem está de accordo. Essa folha disse que «esta lei fôra votada sem esses applausos que deviam servir de sancção suprema aquella approvação.» Sr. presidente, eu não desejo tomar mais tempo á camara, e peço-lhe que me desculpe estes desabafos.

Ao paiz tambem peço desculpa do meu excesso de patriotismo, e ao governo a franqueza das minhas palavras, que, de certo, não contêem a expressão nem o sentimento de offensa para quem quer que seja.

Nada mais tenho a dizer senão repetir os meus agradecimentos á resposta que ás minhas observações deram o sr. ministro do reino e o sr. relator da commissão.

(S. exa. não reviu os seus discursos.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta do sr. conde de Rio Maior.

O sr. Secretario: — (Leu.}

«As camaras, nos regulamentos para concessões de pensões, adoptarão as bases estabelecidas nos artigos 353.° e 354.° deste projecto do codigo, com referencia ás aposentações; sendo, porém, limitados os prasos a dez, quinze e vinte annos. = 0 par do reino, Conde de Rio Maior.»

O sr. Presidente: — Esta proposta ha de ser votada depois do additamento mandado para a mesa pelo sr. Mártens Ferrão por parte da commissão.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Não pedi a palavra para discutir o programma do partido progressista, nem para entrar numa questão politica.

Parece-me que esse programma não foi atacado nem defendido pelo sr. marquez de Vallada. Creio que o digno par o quiz comparar com o programma do governo; não mo parece, porem, que esteja em discussão nem um nem outro programma, nem o do partido de s. exa.

Por esta rasão referir-me-hei apenas ao assumpto principal, que foi submettido á apreciação da camara, limitando-me a fazer breves considerações a respeito das. emendas que eu tinha mandado para a mesa.

Como v. exa. disse, a commissão adoptou, em parte, um pensamento meu, que tambem, de «alguma fórma, estava contido n’uma emenda apresentada pelo digno par; o sr. Ornellas.

Devo confessar que a doutrina proposta por este digno par era mais conforme aos bons principios; comtudo, pareceu-me que o meu pensamento era mais pratico. S. exa. propoz que quando o orçamento districtal não fosse votado pela junta geral do districto nos termos da lei, fosse o parlamento que preenchesse a falta que houvesse a tal respeito, e não o conselho de ministros, como estabelecia o projecto. Eu, porém, propuz que, em logar do conselho de ministros, fosse o supremo tribunal administrativo que occorresse á falta do orçamento districtal.

Já disse que me pareceu mais pratica esta doutrina do que a do sr. Ornellas, que queria que fosse esse orçamento ao parlamento, onde tinha de votar no mesmo orçamento o deputado da localidade.

Não tratarei tambem de sustentar algumas outras propostas que considero importantes, porque vejo uma rasão dada pela commissão para não as acceitar. Essa rasão é, que viriam alterar completamente o espirito d’este codigo. Entre essas propostas figurava aquella que apresentei, para passarem para a commissão districtal parte das attribuições do conselho de districto.

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Limitar-me-hei, por consequencia, a sustentar duas das propostas, com relação ás quaes não vejo rasão alguma no parecer da commissão para serem rejeitadas.

Uma d’essas emendas é a eliminação que propuz do artigo 209.°, e a outra refere-se ao artigo o924°

A disposição do artigo 209.°; de que propuz a eliminação, que dá ao administrador do concelho as attribuições de juiz nas execuções administrativas, não existia no codigo que ainda hoje vigora, sendo-lhe dada por uma lei especial.

Ora, nós sabemos o que representa o administrador do concelho nestes assumptos. Elle não tem tempo do ver os processos e assigna o que lhe apresenta o escrivão de fazenda, portanto a attribuição só serve para poder ameaçar os seus oppositores eleitoraes. Se é, pois, só este o seu fim, e se a disposição não existia no codigo que ainda hoje vigora, e que é muito mais auctoritario, não vejo rasão para que se deixe consignado este principio perfeitamente inutil e attentatorio. É este o motivo por que propuz a eliminação do artigo.

A outra emenda, que se refere ao artigo 392.°, não vejo tambem rasão alguma para não ser adoptada

O artigo diz:

(Leu.)

Ora, se é necessario que o governo faça estas tabellas dos emolumentos, e se para isso tem de fazer os regulamentos necessarios, não vejo que possa haver inconveniente em se continuar a reger pelas tabellas actuaes até á proxima sessão legislativa.

Não insistindo, como já disse, pelas outras emendas, com relação a estas hei de pedir, não rotação nominal, mas que se contem bem os votos, e que fiquem perfeitamente consignados, porque as maiorias não podem viver exclusivamente pelo numero, mas pelas rasões.

Aproveito esta occasião, sr. presidente, para louvar a illustre commissão por ter adoptado a emenda proposta pelo sr. conde de Rio Maior, para as camaras municipaes poderem dar aposentação aos bombeiros, embora fosse um pouco demorada essa acceitação da parte da commissão; mas emfim sempre a semana santa impressionou de tal modo os membros della, que felizmente vieram a este resultado.

(Aparte do sr. Mártens Ferrão que se não ouviu.}

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, não posso eximir-me a fazer algumas considerações, e por isso procurarei não fatigar a camara.

Eu vejo que a illustre commissão consignou no projecto a doutrina de algumas das emendas que euviei para a mesa, e felicito-a por esse passo, porque uma d’ellas faz com que este projecto fique com um defeito de menos.

Sr. presidente, a commissão acceitou as emendas a que me refiro, mas deixou de acceitar outras que me parece que era de alta conveniencia que fossem acceitas. Eu propuz em substituição a este codigo administrativo o codigo administrativo do meu collega e antigo condiscipulo, o sr. Mártens Ferrão; e propuz esta substituição, porque entendi que quando se quer deslocar para os districtos e para as municipalidades encargos, e encargos grandes, a primeira cousa que é necessidade fazer-se é preparar o terreno para que essas corporações tenham os elementos sufficientes para satisfazerem á sua missão.

No estado em que actualmente se acha o paiz, e pela fórma por que estão constituidos os concelhos, uma grande parte não póde satisfazer a estes encargos, a que agora vão ser obrigados, do que resultará a lei não ser cumprida, e se o for será com grande vexame, excitando o povo, que póde levar longe a sua exaltação.

Sr. presidente, nós temos exemplos d’estas exaltações, e exemplos que nos têem sido bastante dolorosos. Em janeiro de 1868, e estava o governo regenerador no poder, nós votámos algumas reformas, e entre ellas a do imposto do consumo.

Senti, e sinto muito, que o paiz não acceitasse esse imposto, porque se o tivesse acceitado, embora o sacrificio fosse grande, teriamos resolvido a questão financeira, e teriamos equilibrado a receita com a despeza, e ao mesmo tempo feito desapparecer o deficit, o que seria o maior de todos os bons para todos aquelles que desejam continuar na senda constitucional.

Infelizmente, sr. presidente, o paiz não a quiz acceitar, e com ella fez morrer tambem a reforma do sr. Mártens Ferrão, que começava a ser posta em pratica, e sem difficuldades, na maior parte dos districtos. Sr. presidente, se esta reforma tivesse sido recceita, então as cousas teriam caminhado de uma maneira mais conveniente, e nós teriamos dado um passo gigantesco no caminho do progresso e da civilisação.

Sr. presidente, o seu illustre auctor, pela sua modéstia, tem querido sustentar este projecto contra a sua propria obra. Eu respeito o procedimento de s. exa.; mas tambem entendo que cumpro com o meu dever declarando que é mais acceitavel a reforma feita por s. exa., do que esta que estamos discutindo.

Sr. presidente, eu sustentei, e sustento com convencimento, o projecto do sr. Martens Ferrão, porque entendo que sem a circumscripção administrativa todas as disposições que estão exaradas no codigo, que se vão votar, são inacceitaveis, porque ficarão sem effeito, pois não serão levadas á execução.

Ainda ha pouco foi dado para ordem do dia um projecto de lei, que ha de aqui ser discutido, e que se refere á instrucção primaria. Por esse projecto, combinado com esto que se discute, vejo que uma grande parte dos encargos que pesavam sobre o governo passam para as localidades.

Perguntando ao governo quaes seriam esses encargos, s. exas. nem se lembravam já que as despezas da instrucção publica iam ser lançadas sobre os districtos, responderam que era os da despeza com o conselho do districto e commissão executiva.

Perguntarei, pois, agora a s. exas., lançando-se encargos de instrucção publica ás localidades, e com a divisão administrativa que está, se é possivel em certos concelhos serem satisfeitos estes novos encargos o despezas com que o governo os sobrecarrega?

Sr. presidente, este codigo, ou não se cumpre, o que é um mal, porque as leis devem ser feitas para serem cumpridas, e não para se desprezarem; ou se for cumprido, se o quizer levar a effeito um governo fraco como o actual, teremos votado a revolução.

Não admira, sr. presidente, que se vote aqui a revolução, porque em revolução estamos nós quando não respeitamos a constituição do estado, e por isso não deve surprehender que se vote este projecto e todos os outros, que vão aggravar consideravelmente as melindrosas circumstancias da nação.

Sr. presidente, eu insisto com o nobre ministro do reino para que declare positivamente quaes são as despezas que o governo conta deslocar do orçamento geral, para as lançar sobre as municipalidades? Só assim nós ficaremos sabendo quaes são os encargos que vão pesar nas localidades por esto novo systema.

Pergunto tambem ao governo como conta que as juntas de parochia e as camaras municipaes, em concelhos que não teem o pessoal necessario para exercer os cargos publicos, ponham em pratica este novo systema?

Sobre este ponto espero que o governo manifestará a sua opinião, que deve ser bem definida e clara em assumptos d’esta magnitude.

Infelizmente o governo de ha muito que não tem opinião sua, e foge do dar esclarecimentos, e de enviar á camara os documentos exigidos e necessarios para o exame de assumptos tão importantes e elevados, e por isso eu só vejo votarem-se aqui constantemente leis, que o governo não tem força para fazer executar.

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Votou-se aqui o real de agua com iodos os seus vexames, com todos os seus inconvenientes, com todos os açus arbitrios; hoje vamos votar novos encargos para as localidades, para occorrer aos quaes os municipios terão de lançar novos impostos, o a maior parte d’elles vexatorios.

Perguntarei eu ainda, no estado em que se acha o paiz, com as crises constantes por que temos passado, estará elle apto para receber esta semente?

A terra estará preparada?

A terra está preparada, mas é para outra cousa.

Está apta e preparada para a agitação, que póde em bem pouco tempo trazer as mais graves consequencias e os mais tristes prejuizos.

Sr. presidente, eu sinto que isto possa vir a succeder, e por isso tenho levantado aqui a minha voz para fazer ver estes perigos que não estão muito longo, e que poderão ainda ser evitados só os poderes publicos tiverem juizo, e mudarem de rumo.

Eu desejava que este codigo, tendo de ser lei, fosse approvado com o menor numero de defeitos, e por este motivo apresentei a substituição d’elle pela reforma devida á iniciativa do sr. Mártens Ferrão, porque essa, embora não satisfizesse completamente nas circumstancias actuaes, ao menos offerecia possibilidade de se executar.

Outra emenda que mandei para a mesa, não foi acceita pela commissão, o que lamento, porque destoa das idéas aqui sustentadas pelos srs. relator e ministro do reino; era relativa á obrigação que se impõe ás juntas geraes de satisfazerem aos ordenados da commissão executiva e do conselho de districto.

Se as juntas geraes teem o direito de nomear os seus empregados, deixem-lhes tambem a faculdade de remunerar ou deixar de remunerar os serviços de que precisarem. Ellas sabem perfeitamente como hão de proceder.

Quanto aos conselhos de districto, a experiencia e a observação têem mostrado que elles até agora gratuitos cumprem os seus deveres, e que as pessoas mais importantes das capitães de districto exercem de boa vontade o logar de conselheiros, independente de qualquer remuneração.

Qual é a rasão por que o poder central quer n’este caso intromotter-se nos actos do poder local? Eu sustento o principio da descentralização, mas para o estabelecer entendo que devem deixar aos corpos collectivos das localidades exercerem os seus direitos e prerogativas como lhes aprouver. É necessario, comtudo, que entre o poder central e o local exista um laço que os ligue e que os ponha em completo accordo e boa harmonia. É este o grande problema a resolver, e por isso os homens publicos de differentes nações teem encontrado dificuldade na sua solução.

Que inconveniente ha, pois, em declarar n’este projecto que não são obrigatorios os ordenados aos conselhos de districto e ás commissões executivas? Para que as leis tenham realisação prompta e efficaz, é necessario que sejam o mais suaves possivel; condições que não se dão n’esta, porque o governo, em logar de attender a Portugal, copiou o que serve para outras nações mais adiantadas.

Outras emendas apresentei, que tambem não foram acceitas, e as quaes eu poderia sustentar com argumentos fortes e convincentes; mas, para não tirar o tempo á camara, deixarei de sustental-as agora. Concluo, portanto, as minhas reflexões, pedindo de novo ao sr. ministro do reino que declare quaes são os encargos que immediatamente se vão deslocar do orçamento geral do estado, transferindo-os para as differentes localidades; e ao mesmo tempo, quaes são os meios que s. exa. teve para saber que a maior parte dos concelhos tem elementos e recursos para levar á execução as prescripções do novo codigo.

O sr. Ministro do Reino: — Eu tenho a dizer ao digno par, o sr. Vaz Preto, que as despezas que se lançam a cargo dos districtos, alem das que já tinham, me parece que são apenas as que se referem aos vencimentos dos conselheiros de districto e aos dos membros das commissões

districtaes. O sr. Manuel Vaz Preto diz que são muitas mais; a mim parece-mo que s. exa. se engana.

O sr. Vaz Preto: — Se v. exa. me dá licença, eu lhe leio um artigo onde ellas estão.

(Leu.)

Quer dizer que, depois de publicada esta lei, todos os ordenados dos professores, que agora são pagos pelo poder central, passam a ser pagos pelas camaras municipaes.

O sr. Ministro do Reino: — Mas onde está isso? Na reforma da instrucção primaria. Quando se discutir essa reforma eu responderei a esse ponto, e então veremos se se lucra, ou não, alguma cousa com essa disposição.

Ora, sr. presidente, eu não sei se em todo o Portugal existe um ou outro municipio a quem possa desagradar esta lei, o que sei é que se buscou o meio de distribuir com a possivel igualdade todos estes encargos pelos grandes e pelos pequenos municipios.

Não sei mesmo se é talvez por eu ter sido revolucionario, que não nutro os receios do digno par de que haja revolução.

Entendo que não deve haver revolução nenhuma, porque nenhum grande mal ha de vir, com a adopção da presente lei, a este povo, de que eu e o digno par somos representantes. E

Pedirei a Deus que remova os duros
Casos, que Adamaster contou futuros.

Pela minha parte desejo alliviar o povo e não opprimil-o, e por esta lei elle ha de ser mais alliviado do que opprimido.

Já Mousinho da Silveira, tratando de uma reforma administrativa, dizia:

«O bem commum exige que os cidadãos regulem por si os interesses locaes, porque são domésticos e de familia; o legislador não póde como elles estar tanto ao alcance do que lhes convem.»

Nós legisladores entendemos que devemos regular tudo, mesmo no lar domestico; porque quem nos escolheu para isso foi o povo, de quem nós somos representantes; e se o povo depois se mostra inconsequente a ponto de não querer acceitar as leis que elaborámos, se o povo é assim ignorante e inepto, então quasi que nos devemos envergonhar dos nossos constituintes.

Eu não penso assim, nem o digno par tão pouco, e se nos arrebatamentos do seu espirito profere aquellas proposições não as sente de certo no seu coração.

Disse mais Mousinho da Silveira:

«Se o governo não vigia este direito estabelece a divisão e a escravidão pessoal; se o usurpa, adopta como principio o despotismo.»

Não quero adoptar o despotismo como principio, não quero ir metter-me nos interesses domésticos dos concelhos e dos districtos, como elle muito bem disse; mas a collectividade dos cidadãos, que nós estamos sempre a suppor revolucionarios ou ineptos, não é o que se pensa; elles têem são juizo e se algumas vezes commettem erros, não são d’elles, serão talvez nossos, talvez meus, e de muitos outros, mas não do povo.

Não me parece que o facto de dar liberdade aos districtos, ás municipalidades e ás juntas de parochia seja um grande acto de violencia. Eu muitas vezes (permittam-me que eu falle de mim) sendo juiz em causa propria, pensei que salvava o paiz com uma exclamação, tenho tido ás vezes elogios por estas banalidades. Mas, se me entregassem uma regedoria de parochia, talvez procedesse menos avisadamente que o meu vizinho regedor.

É muito bom proclamar, nós temos de liberdade o que devemos ter; mas, apesar disso, em 1868, na opinião do digno par, commetteram-se desvarios da parte do povo. Pois se o governo os commetteu tambem, teve muito quem lhos applaudisse como o applaude hoje o digno par. Quem teve rasão foram os da janeirinha ou as suas victimas?

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Não se sabe. Os acontecimentos deram-se, osso é que é o facto. Eu não desejo ser como a mulher de Loth, que voltando-se para trás, ficou convertida em estatua de sal. O que nos devemos é caminhar, sem nos importar se nós viemos da Granja, ou se a Granja veiu de nós; devemos aprender nos nossos proprios erros, e emendal-os, é isso o que primeiro que tudo temos a fazer; para isso estou prompto, soffrendo mesmo ajusta ou injusta censura das minhas contradicções, e do mal que d’ellas vier ao paiz.

Tenho-me contradicto de certo algumas vezes, e quem ha que se não contradiga? Mas, ás vezes sem mudar de rumo, ou antes sem variar de principies, tenho variado de meios para ver se obtenho ou alcanço o mesmo fim.

O que digo sobre isto, ou ácerca de qualquer outro assumpto, não é nunca por interesse pessoal, porque esse não me móe nem corroe o coração de nenhum de nós, nem de membro algum d’esta camara, mas unicamente pelo interesse publico, ao qual sempre tudo sacrificarei.

Não desejo prolongar este debate, porque tenho sincero prazer em que passe esta lei de administração. Talvez que este meu desejo a prejudique, comtudo eu devo declarar na effusão do meu sentimento, que o dia em que ella passar, será para min um dia de regosijo. É uma vaidade como outra qualquer. É possivel que os dignos pares tenham muito prazer em a embaraçar; eu ao contrario tenho grande gosto de fazer todos os esforços para que ella passe. Se não poder passar, nem por isso hei de tomar resolução nenhuma extrema.

Eu sou como o levita de Ephraim: Deus manda-me pelejar, mas não me manda vencer. ~

Pelejado tenho até agora; a victoria, essa virá de Deus e da camara dos dignos pares.

O sr. Marquez de Vallada: — (sobre a ordem) Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda que acompanha o parecer da commissão de administração publica.

Leu-se na mesa, e mandou-se imprimir.

O sr. Bivar (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda e obras publicas reunidas.

Leu-se na mesa, e mandou-se imprimir.

O sr. Vaz Preto: — Ouvi com toda a attenção o sr. ministro do reino, e confesso que não me satisfizeram as explicações que s. exa. acaba de dar. Parece-me que o sr. ministro não se lembrou da doutrina consignada no codigo, que s. exa. defende, porquanto n’elle se diz em um dos seus artigos: que os districtos o as camaras municipaes têem despezas obrigatorias e despezas que não são obrigatorias. Ora, d’essas despezas obrigatorias, vejo que grande parte já hoje existem e estão a cargo do poder contrai. O sr. ministro do reino tinha, pois, a responder-me quaes erara essas despegas que estão a cargo do poder central, e que pela approvação do novo codigo hão de passar para os districtos.

S. exa., porém, não fallou nisto; apenas disse que as despezas dos districtos e municipios eram as que- resultavam deste projecto, e portanto, fiquei como dantes som saber qual será o resultado effectivo.

Pergunto, pois, á camara se entende que a resposta do sr. ministro satisfaz ao que eu perguntei, e ao que eu desejava saber?

O sr. ministro do reino está em erro, suppondo que nós não queremos a reforma administrativa. O que não queremos é esta reforma, porque a achamos altamente vexatoria, e porque é impossivel pôr-se em pratica sem uma nova circumscripção administrativa.

Tambem pedi a s. exa. que dissesse quaes eram as informações que tinha recebido dos governadores civis e mais auctoridades a respeito do modo por que se faz a administração nos pequenos concelhos, que são tão pequenos e tão pobres, que nem têem pessoal para os administrar, nem meios para occorrer ás suas despezas obrigatorias.

Sr. presidente, ouviu v. exa. alguma palavra ao sr. ministro do reino ácerca d’estas informações? Nenhuma. Não sabe o sr. ministro do reino que sem pessoal não se administra; e não sabe s. exa., que em alguns concelhos não ha pessoal, e que são os escrivães das administrações dos concelhos e das camaras que fazem todo o serviço?

Sr. presidente, deixemos a theoria, desçamos á pratica, não estabeleçamos utopias, procuremos só a realidade.

Não é só legislar que é preciso, é necessario ver se o que se legisla póde ter execução, e para isto é necessario ter bom senso.

Sr. presidente, disse s. exa. que os concelhos pequenos haviam do pagar como pequenos, e os grandes como grandes. De accordo, mas é quando tiverem meios para pagar. Ad impossibilia nemo tenetur.

Como quer o sr. ministro que os concelhos se administrem não tendo pessoal, paguem despezas obrigatorias não tendo meios nem riqueza de onde os possam obter?

Ha muitos concelhos que teem immensos terrenos, mas pouco rendosos e pouco ferteis, e apesar de grandes, como hão de satisfazer esses concelhos ás despezas obrigatorias? Desçamos á pratica; e o governo, que tem auctoridades em todos os concelhos, deve conhecer perfeitamente por ellas, as grandes difficuldades que se encontram para administrar mesmo conforme a lei que hoje nos rege, quanto mais tendo de se introduzir um systema novo.

As rasões que s. exa. expendeu não me parece que possam trazer a convicção, porque contra ellas protestam os factos.

Disse s. exa. «eu quero dar ao povo a faculdade de exercer por si mesmo os seus direitos.»

Quem ha aqui que o não queira se elle estiver na situação disso?

Quem o contesta? Ninguem; mas o que nós queimemos é que se dê ao povo os direitos, para que elle tem capacidade, mas que se lho neguem, quando elle não tiver essa capacidade pela mesma rasão, porque se não dá aos menores, aos interdictos e aos prodigos o direito de administrar o que lhes pertence.

Emquanto, pois, o povo não poder exercer esses direitos é um erro conceder-lhe faculdades, que elle só pouco a a pouco deve obter. A humanidade caminha sempre, mas em passo grave. Querer chegar ao fim num momento, attingir á perfeição em absoluto, alem de loucura seria uma aspiração irrealisavel.

A perfectibilidade existe na natureza humana, e a perfeição absoluta no infinito; e ainda que, como o judeu errante, caminhemos sempre, jamais a poderemos attingir.

Eu entendo que nem o povo nem o rei se deve adular, diz-se-lhe a verdade e só a verdade.

E merecimento terá aquelle que em posição elevada tiver a força e a coragem de lhes combater os desvarios do sentimentos mal dirigidos. Não ha nada mais funesto do que a adulação ao povo e ao rei.

Sr. presidente, parece que não, mas é verdade, é necessario muitas vezes coragem para sustentar certas opiniões, e tanto assim é que o governo e a sua maioria, julgando má a lei eleitoral, e não a querendo, desde o primeiro ministro até ao ultimo deputado da maioria, nenhum teve a coragem para a combater, pelo facto de se dizer que ora liberal e que agradava ao povo.

É contra isto que se levanta a minha voz. Quando o povo vão mal encaminhado, é a elle que se lhe deve dizer — não é esse o caminho que deves seguir; vaes errado e embora te não agradem estas palavras, nem por isso ellas deixarão de te aconselhar o justo e o dever.

E isto que se deve dizer ao povo, deve-se tambem dizer ao rei, embora se fique despopularisado com o povo e se caia no desagrado do rei.

Emquanto a este codigo, posso-lhes assegurar que o povo não o quer, que ha de protestar contra elle. Digo-o aqui deste logar a s. exa. porque eu sei que nas provincias é

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esta a idéa corrente, e tenho ouvido as pessoas mais distinctas das povoações serem da mesma opinião.

Eu não sei senão dizer o que sinto, e o que a minha consciencia me dicta; desculpe pois, a camara a minha franqueza, que resulta da pureza das minhas intenções.

O sr. Mártens Ferrão: — Respondeu a algumas duvidas apresentadas pelo sr. Vaz Preto, e deu amplas explicações sobre o modo de realisar a reforma dos bombeiros.

O sr. Conde de Rio Maior: — Pelo que acaba do expor o digno par, o sr. Mártens Ferrão, relator do projecto, entende-se que a pensão é concedida segundo o vencimento, como operario, perdido pelo bombeiro. (Assentimento do sr. Ferrão.)

Agradeço a s. exa. o seu assentimento ao que acabo de dizer. A discussão que aqui tem logar serve para interpretar o projecto, é o commentario das leis votadas; já uma vez em assumpto bastante grave não foi isto indifferente; e assim estimo ter provocado pela minha proposta, cujo fim está conseguido, estas importantes explicações.

Não é pela gratificação como bombeiro que as camaras têem de se regular, é pelo vencimento que o homem perde deixando de trabalhar no seu officio.

O sr. Presidente: — Está extincta a inscripção. Vão votar-se os artigos do projecto que soffreram alterações, conforme propoz a commissão.

Leram-se na mesa e foram approvados successivamente os artigos 67.°, 123.°, 125.°, l55.° e 383.° bem como os seus respectivos §§.

O sr. Presidente: — Agora vae votar-se o additamento mandado para a mesa por parte da commissão.

Leu-se na mesa e é o seguinte:

Additamento

Artigo 103.° - N.° 20.° Conceder pensões aos bombeiros, que se impossibilitarem de trabalhar por desastre soffrido no serviço dos incendios, devendo cessar a pensão quando cesse a impossibilidade.

Sala da commissão de administração publica, 15 de abril de 1S18. = Marquez de Ficalho = Visconde de Bivar = Barros e Sá = Cau da Costa = Bispo de Miranda e de Bragança = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens.

Posto á votação foi approvado.

O sr. Presidente: - Este additamento ha de ser collocado no logar correspondente.

Vae votar-se a proposta apresentada pelo sr. conde de Rio Maior.

Leu-se na mesa e posta á votação não foi approvada.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Pergunto a v. exa. se têem de ser votadas as emendas que a commissão não acceitou.

Parece-me que ella não tem poderes para rejeitar ou approvar quaesquer propostas, mas unicamente para dar o seu parecer a respeito d’ellas, e é sobre esse parecer que a camara se pronuncia.

O sr. Presidente: — O digno par tem rasão na advertencia que acaba de fazer. Eu já tencionava consultar a camara sobre todas as propostas que a commissão não acceitou.

Vou agora consultal-a a respeito d’aquellas cujos auctores reclamarem votação especial.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Eu desejava que se votasse a emenda que propuz, relativamente á tabella dos emolumentos mencionada no artigo 392.°

O sr. Presidente: — O digno par, o sr. marquez de Sabugosa, pretende que eu consulte a camara sobre a seguinte proposta:

«Proponho a seguinte emenda: Que o artigo 392.° seja substituido pelo seguinte: Emquanto não for approvada pelo poder legislativo a tabella de emolumentos, a que se refere o artigo 356.°, applicar-se-ha a que está era vigor. = O par do reino, Marquez de Sabugosa.»

Os dignos pares que approvam esta proposta, tenham a bondade de levantar-se.

Não foi approvada.

O sr. Vaz Preto: — Eu tambem desejava que v. exa. consultasse a camara sobre uma proposta que fiz, para se eliminarem os ordenados das commissões executivas das juntas geraes e os ordenados dos conselheiros de districto.

O sr. Presidente: — O digno par, o sr. Vaz Preto, propõe a eliminação do artigo 234.° e seu § unico.

Posta á votação não foi approvada.

O sr. Vaz Preto: — Falta ainda a proposta sobre os ordenados das commissões executivas das juntas geraes.

O sr. Presidente: — O digno par propõe a eliminação do artigo 88.° e seu §.

Submettida a proposta á votação não foi approvada.

O sr. Presidente: — Consulto tambem a camara sobre a seguinte proposta do digno par o sr. Vaz Preto:

«Titulo VI — No capitulo III, secção 2.ª, proponho a eliminação dos §§ 25.° e 26.° do artigo 127.° = Vaz Preto.»

Posta á votação não foi approvada.

O sr. Presidente: — Este projecto sobre o codigo administrativo só foi approvado já na generalidade, e não o submetti á votação na especialidade, em vista do grande numero de propostas que tinham vindo para a mesa e que a commissão carecia de examinar.

Passâmos agora a votar os artigos do projecto, sobre os quaes ainda não recaiu a votação da camara, isto é, todos aquelles que não soffreram alterações.

Os dignos pares que approvam os artigos do projecto do codigo administrativo que ainda não foram votados, tenham a bondade de se levantar.

Foram approvados.

O sr. Visconde da Praia Grande: — Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se deseja prorogar a sessão até ás cinco horas.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam o requerimento que acaba de fazer o sr. visconde da Praia Grande, tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Vae-se ler o parecer n.° 312.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Parecer n.° 312

Senhores. — A vossa commissão de instrucção publica examinou o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados, que reorganisa o ensino da instrucção primaria e o normal.

Á commissão parece que o projecto melhora convenientemente este importante ramo de instrucção publica, faltando apenas, para completar o seu quadro, a creação de escolas profissionaes e de aprendizagem, o que bem poderá ser feito em lei especial; e é com esse fim que a vossa commissão aqui o indica.

Quando as disposições do presente projecto de lei poderem estar todas em plena execução, resultado que a commissão reconhece não isento de dificuldades, attenta a importancia dos encargos derivados para os corpos de administração local, e a exiguidade dos recursos, de alguns destes, o ensino da instrucção primaria terá realisado um grande progresso entre nós.

Na organisação das sociedades civis o seu desenvolvimento está ligado á diffusão da instrucção do povo, que illumina os espiritos e que deve crear os costumes publicos pelo, recto ensino dos direitos dos individuos, e dos deveres moraes que lhes correspondem.

O projecto prepara a instrucção primaria obrigatoria, que, na alta esphera dos principios, a vossa commissão reconhece ao mesmo tempo como dever para os cidadãos, e direito e dever para o estado, porque a ignorancia no povo

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não é só um mal individual; é mal e é perigo para as sociedades.

A vossa commissão, prestando a sua approvação ao projecto, entendeu, todavia, que, sem lhe alterar o pensamento, devia fazer-lhe algumas modificações, que considera uteis.

A carta constitucional estabeleceu entre as garantias sociaes, que a instrucção primaria seria gratuita para todos os cidadãos. A este principio, eminentemente liberal, julga a vossa commissão que não devem impor-se limite, que restrinjam a sua nobre largueza. Assim o curso das disciplinas que constituem o ensino completo e aperfeiçoado da instrucção primaria, entende a commissão que deve continuar a ser gratuito para o povo.

Se o ensino da instrucção primaria tem, como todas as disciplinas da rasão, alargado a sua area, o preceito liberal da carta segue-o tambem, e determina assim a sua intelligencia, ampliando aquelle pensamento ao que elle actualmente comprehende, e não restringindo-o.

A commissão restabeleceu esse principio.

Para não aggravar desde já consideravelmente as despegas do thesouro, julgou conveniente a vossa commissão fazer algumas reducções no serviço das inspecções, sem prejuizo, todavia, dos uteis resultados, que d’estas devem provir, quando completamente organisadas.

Entendeu tambem que devia dar a largueza precisa á disposição provisoria do artigo 71.°, e regular conformemente as disposições do artigo 30.° para manter a uniformidade indispensavel neste serviço.

As multas impostas- pelo projecto de lei áquelles, que, esquecendo os seus deveres, deixarem de mandar seus filhos e dependentes á escola, são principalmente uri estimulo antes do que uma punição severa. Affectando a classe menos abastada, não póde ser por isso o fim do legislador aggravar aquella punição com as despezas do processo executivo, que lhe é mandado applicar. Assim a vossa commissão estabelece que todas as intimações, e os processos executivos a que o projecto de lei se refere para a cobrança das multas escolares, sejam gratuitos, e isentos do imposto de sello, bem como devem igualmente ser isentas d’este imposto as certidões dos facultativos, e os attestados dos parochos, a que se refere o artigo 12.° do projecto.

Na dotação pelo municipio e pela parochia, a commissão teve de fazer as alterações precisas para que o projecto de lei fique em harmonia com o projecto de codigo administrativo submettido á approvação da camara; essas alterações, porem, em nada prejudicam a sua indole.

O largo periodo que é estabelecido para a completa execução da lei, torna pouco onerosos os seus encargos na actualidade, e deixa tempo para que a administração procure solicitamente realisar a transição, em proporção dos recursos com que os corpos locaes se acharem habilitados; evita-se assim o perigo de caírem as benéficas disposições da lei perante a impotencia desses recursos deixados a si sós, se desde já lhes fosse commettido totalmente tão importante serviço.

A vossa commissão, declarando que o governo concordou com as alterações propostas, deixa para a discussão na camara a sustentação do projecto nas suas variadas disposições, e é de parecer que está nos termos de merecer a approvação da camara dos dignos pares para ser submettido á sancção real.

Projecto de lei

CAPÍTULO I

Do ensino primario

Artigo 1.° A instrucção primaria para o sexo masculino e feminino divide-se em dois graus — elementar e complementar.

Art. 2.° O ensino primario elementar para o sexo masculino comprehende: leitura, escripta, quatro operações sobre numeros inteiros e fraccionarios, elementos de grammatica portuguesa, principios do systema metrico-decimal, principios de desenho, moral e doutrina christã.

0 ensino elementar para o sexo feminino comprehende as materias mencionadas n’este artigo, e os trabalhos de agulha necessarios ás classes menos abastadas.

§ unico. São dispensados dos exercicios da doutrina enrista aquelles alumnos que pertençam a differente religião.

Art. 3.° O ensino primario complementar para o sexo masculino comprehende:

1.° Leitura e recitação de prosa e verso;

2.° Callgraphia e exercicios de escripta;

3.º Arithmetica e geometria elementar e suas applicações mais usuaes;

4.° Grammatica e exercicios da lingua portugueza;

5.° Systema legal de pesos o medidas;

6.° Elementos de chronologia, geographia e historia portugueza;

7.° Desunho linear e suas applicações mui:; communs;

8.° Moral e historia sagrada;

9.° Noções elementares de hygiene;

10.° Noções elementares de agricultura;

11.° Gymnastica;

12.3 Canto choral;

13.° Direitos e deveres do cidadão.

§ unico. O ensino complementar para o sexo feminino comprehende as materias designadas nos n.ºs l.° a 9.º d’este artigo, e alem disso os deveres do mãe de familia, e aã prendas de bordar a cores, tomar medidas, tirar moldes e fazer rendas e flores.

Art. 4.° Passados tres annos depois do estabelecimento das escolas normaes para habilitação dos professores e professoras de ensino primario, e conforme as condições especiaes das localidades, poderá ser ampliado:

I. O primeiro grau de instrucção primaria para o sexo masculino com as seguintes disciplinas:

Gymnastica;

Canto choral;

Noções elementares de agricultura.

II. O segundo grau com:

Escripturação;

Principios de economia rural, industrial ou commercial, conforme as condições especiaes das localidades;

Rudimentos de physica, chimica e historia natural.

III. O primeiro grau para o sexo feminino com: Gymnastica;

Canto choral.

IV. O segundo grau com:

Economia domestica;

Desenho de ornato applicado ás obras proprias do sexo;

Escripturação;

Rudimentos de sciencias physicas e naturaes.

§ unico. Ao governo compete, ouvidos os inspectores das circumscripções escolares, regular o quadro das materias de cada grau, segundo o disposto no presente artigo.

CAPITULO II

Do ensino obrigatorio, matriculas e frequencia

Art. 5.° A instrucção primaria elementar é obrigatoria desde a idade de seis até doze annos para todas as creancas de una e outro sexo, cujos pães, tutores ou outras pessoas encarregadas da sua sustentação e educação não provraem legalmente qualquer das circumstancias seguintes:

l.ª Que dão ás creanças a seu cargo ensino na propria casa, ou em escola particular;

2.ª Que residem a mais de 2 kilometros de distancia de alguma escola gratuita, publica ou particular, permanente ou temporaria;

3.ª Que seus filhos ou pupillos foram declarados incapa-

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zes de receber o ensino em tres exames successivos perante os jurys de que trata o § 1.° do artigo 42.º;

4.ª Os que não poderem mandal-os por motivo de extrema pobreza, e que não tenham recebido o beneficio constante das disposições do § unico do artigo 7.°

Art. 6.° A obrigação do ensino começa na primeira epocha de matriculas posterior áquella em que as creanças forem inscriptas no recenseamento a que se refere o artigo 8.°, e cessa logo que as creanças hajam sido approvadas nos exames estabelecidos no artigo 42.°

§ unico. A obrigação do ensino abrange o dever de apresentar as creanças aos professores de ensino primario na competente epocha de matriculas, e o dever de as compellir á frequencia regular da escola em que forem matriculadas.

Art. 7.° São responsaveis pela obrigação do ensino os pães, tutores ou pessoas encarregadas da educação das creanças, e bem assim os donos das fabricas, officinas ou emprezas agricolas ou industriaes, em cujos serviços as creanças estejam empregadas, que lhes não dispensem o tempo necessario para a frequencia da escola.

§ unico. Aos orphãos, filhos de viuvas pobres ou de pães indigentes, impossibilitados de trabalhar, as juntas de parochias e commissões promotoras ministrarão o vestuario, livros e outros meios indispensaveis para poderem frequentar as escolas.

Art. 8.° As juntas de parochia fazem annualmente, na epocha fixada pelas camaras municipaes, o recenseamento de todas as creanças de seis a doze annos, declarando — os pães, tutores ou pessoas a cujo cargo estejam; as officinas e lavores agricolas ou industriaes em que forem empregados; as distancias a que residem do local da escola publica ou particular; e se recebem o ensino em familia ou em escola livre.

§ 1.° Este recenseamento será affixado na porta da igreja por oito dias; dentro dos quaes os que, segundo o artigo antecedente, são responsaveis pela obrigação do ensino, e, bem assim o delegado parochial, poderão reclamar, com recurso para a camara municipal.

§ 2.° D’este recenseamento serão tiradas copias authenticas para serem remettidas aos professores da freguezia, á camara municipal, e á junta escolar do concelho, no praso de quinze dias depois de concluido o recenseamento.

Art. 9.° As camaras municipaes designam as epochas e prasos de matriculas, podendo haver até tres epochas de matriculas em cada anno.

§ unico. A matricula e gratuita, e feita pelo professor em livro especial na presença do delegado parochial.

Art. 10.° Os pães, tutores ou responsaveis pela educação das creanças, que não as apresentem aos professores na competente epocha da matricula, são admoestados pelo delegado parochial, o qual alem d’isso os intimará para no praso de dez dias cumprirem aquella obrigação, declarando-lhes as penas em que incorrem quando desobedeçam.

§ 1.° A intimação deve ser feita dentro de dez dias a contar d’aquelle em que a creança devia ser matriculada na escola.

§ 2.° Os nomes dos paes, tutores ou pessoas responsaveis pela educação das creanças, que não obedecerem á intimação do delegado parochial, são, no primeiro dia santificado, lidos pelo parocho á hora da missa conventual, e affixados á porta da igreja.

Art. 11.° Os pães, tutores, donos de fabricas, officinas ou emprezas agricolas e industriaes, que depois das penas impostas pelo artigo antecedente não satisfizerem ao preceito da lei dentro de quinze dias, pagam de multa um dia de trabalho ou o equivalente a dinheiro nos termos do artigo 18.° da lei de 6 de junho de 1864. No caso de reincidencia esta multa poderá elevar-se progressivamente até o quádruplo.

§ unico. São isentos do pagamento d’estas multas aquelles a cujos filhos se possa applicar alguma das excepções do artigo 5.°, ou que não tenham sido intimados nos termos do artigo 10.°

Art. 12.° Ficam sujeitos ás mesmas penas e multas de que tratam os artigos antecedentes, e nos termos do artigo 7.°, os pães, tutores, donos de fabricas, officinas ou emprezas agricolas e industriaes, a cujo cargo estejam as creanças, que derem mais de vinte faltas á escola em cada trimestre, sem motivo justificado.

§ 1.° A frequencia dos aluamos é provada pelas declarações dos professores, que todos os mezes até o dia 8 remettem á camara municipal e ao sub-inspector do circulo a relação das proprias faltas e das dos alumnos no mez anterior, por intermedio do delegado parochial, que lhe acrescentará as notas que julgar convenientes.

§ 2.° A falta de frequencia aos exercicios escolares só póde justificar-se por doença comprovada por certidão de facultativo, ou declaração escripta do parocho, dispensa do delegado parochial nos termos do artigo 17.° § 3.°, interrupção das communicações ou qualquer outro caso de força maior.

§ 3.° A repetição da falta de frequencia em mais de um trimestre do anno escolar reputa-se reincidencia para o effeito do pagamento da multa.

§ 4.° Compete ao delegado parochial tomar conhecimento das faltas, e julgar da validade da sua justificação, sem obstar este conhecimento e julgamento ao posterior conhecimento e julgamento pela junta escolar, quando se der o recurso do artigo 13.°

Art. 13.° As multas pecuniarias são impostas pelo delegado parochial, verificado o facto, e ouvido o infractor.

Da resolução do delegado ha recurso, com effeito suspensivo, para a junta escolar.

Art. 14.° O delegado parochial que não intimar ou multar os pães, tutores e pessoas encarregadas da educação das creanças, nos prasos e pelo modo estabelecido nos artigos antecedentes, é responsavel, no primeiro caso, pelo pagamento das multas em que deviam incorrer os pães, tutores ou pessoas que deixaram de ser por elle admoestadas e intimadas; e no segundo caso, pelo pagamento do dobro das muitas que devia impor pela falta de cumprimento da obrigação do ensino.

§ unico. A condemnação nas multas de que trata este artigo é imposta pela junta escolar, ouvido o infractor. Desta condemanação ha recurso, com effeito suspensivo, para a camara municipal.

Art. 15.° As multas estabelecidas neste capitulo são cobradas pelas commissões promotoras de beneficencia e ensino.

§ 1.° Estas multas serão cobradas pela mesma forma por que o forem as contribuições do estado; a certidão da condemnação definitiva tem força de sentença.

§ 2.° As multas cobradas em trabalho, nos termos da lei de 6 de junho de 1864, são pelas camaras municipaes pagas em dinheiro ás commissões promotoras para o mesmo fim.

Art. 16.° A obrigação do ensino, as disposições penaes, e os nomes das creanças em idade e circumstancias de escola são annunciados em cada epocha de matriculas pelos meios ordinarios, e pelos parochos á hora da missa parochial.

Art. 17.º As camaras municipaes, ouvida ajunta escolar, tomarão as providencias convenientes para que a escolha das horas dos exercicios escolares seja compativel com o emprego dos alumnos nos trabalhos da profissão a que se applicarem.

§ 1.° Para este fim deverá ser publicada em cada concelho uma tabella do horario da escola accommodado ás condições locaes.

§ 2.° Os exercidos escolares diarios de instrucção primaria elementar duram de quatro até seis horas, divididos em aula de manhã e aula de tarde, excepto para as crean-

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ças até oito annos, que não serão obrigadas a mais de duas até tres horas de aula por dia.

§ 3.° Podem ser excepcionalmente dispensadas da frequencia de uma das aulas diurnas, pelo delegado parochial, as creanças de mais de nove annos que estiverem empregadas em trabalhos agricolas ou industriaes.

§ 4.° O ensino complementar não póde durar menos de duas horas por dia. Ao ensino complementar são applicaveis as disposições que se referem á frequencia da aula, e justificação das faltas, excepto na parte que diz respeito á imposição de penas e multas.

CAPITULO III

Da escola

Art. 18.° As escolas primarias para um e outro sexo dividem-se em duas classes: escola com ensino elementar, e escola com ensino elementar e complementar.

§ unico. O ensino complementar é feito nas escolas de ensino elementar, em curso separado.

Em todas as sédes de concelho será estabelecido o ensino complementar n’uma das escolas de ensino primario elementar de cada um dos sexos.

Art. 19.° Em cada parochia haverá, em regra, uma escola primaria com ensino elementar para cada sexo.

§ 1.° A escola primaria para cada um dos sexos com ensino elementar poderá servir para duas ou mais parochias, quando os alumnos das parochias reunidas não excedam de sessenta, e possam frequentar regularmente a escota.

§ 2.° Se na parochia ou parochias adjuntas não poder estabelecer-se uma escola para cada sexo, haverá uma escola mixta.

Art. 20.° Nas cidades de Lisboa e Porto e tambem nas outras capitães de districtos administrativos, ou onde por virtude da densidade da população haja mais de uma escola complementar ou elementar, as camaras municipaes, com auctorisação do governo, podem estabelecer escolas centraes com tres ou quatro professores ou professoras.

Art. 21.° As escolas primarias elementares para o sexo masculino são regidas por professores ou professoras; as complementares para o sexo masculino por professores; as escolas elementares e complementares para o sexo feminino por professoras. As escolas mixtas devem ser regidas por professoras.

§ l.° Não havendo professora, a escola mixta é dirigida por professor casado, ou que tenha na sua familia alguma senhora a quem se entregue a educação das meninas e o ensino dos trabalhos de agulha, sendo considerada para todos os effeitos como ajudante da escola.

§ 2.° Na escola primaria com ensino elementar, como na escola primaria com ensino complementar de qualquer dos sexos, haverá um ajudante para cada grupo de sessenta alumnos com frequencia regular, alem do primeiro grupo.

§ 3.° Nas escolas mixtas, bem como nas escolas elementares regidas por professoras, não são admittidos alumnos de idade superior a doze annos.

Art. 22.° O ensino nas escolas primarias de que trata esta lei é gratuito para os alumnos.

Art. 23.° As camaras municipaes que subsidiarem escolas ou collegios livres, onde se ministre gratuitamente o ensino primario elementar aos alumnos pobres, suo dispensadas da obrigação de estabelecer a correspondente cadeira na parochia respectiva.

O mesmo se observará com relação ao ensino primario complementar.

§ unico. Estas escolas ficarão para todos os effeitos sujeitas á inspecção das auctoridades escolares.

Art. 24.° As camaras municipaes devem promover, nos sitios que julgarem conveniente, cursos nocturnos e dominicaes para adultos.

§ unico. Estes cursos podem ser: de ensino elementar, de aperfeiçoamento de ensino elementar ou de ensino complementar» Poderão ser regidos pelos professores do ensino elementar ou complementar, mediante a gratificação que for estipulada.

Art. 20.° As camaras municipaes devem estabelecer cursos temporarios de duração nunca inferior a seis mezes, nas localidades onde circumstancias especiaes se opponham á creação immediata das escolas, segundo as regras estabelecidas no artigo 19.°

Art. 26.° As escolas do que tratam os artigos 24.° e 25.° são consideradas publicas para os effeitos da presente lei.

Art. 27.° É livre o ensino primario elementar e complementar nos termos da lei vigente.

CAPITULO IV

Das commissões promotoras de beneficencia e ensino

Art. 28.° As camaras municipaes, com o auxilio da auctoridade administrativa, dos parochos e dos outros membros da junta de parochia, organisam commissões promotoras de beneficencia e ensino nas localidades onde houver escola primaria, para promoverem a frequencia das creanças e adultos; a acquisição e distribuição de vestuario, livros e outros objectos de ensino ás creanças mais necessitadas; a creação de premios para os alumnos distinctos; a prestação de soccorros e subsidies para amparar as familias desvalidas no cumprimento da obrigação do ensino; e tudo o mais que for conducente á diffusão e progresso da instrucção popular.

§ i.° Estas commissões são compostas, pelo menos, de quatro cidadãos e de tres senhoras residentes na freguezia.

§ 2.° Quando não for possivel organisar as commissões promotoras pelo modo determinado no § antecedente, as camaras municipaes, com o auxilio da junta de parochia, designam tres chefes de familia em cada parochia para auxiliar a escola até que se organisem definitivamente as commissões.

§ 3.° O secretario das commissões promotoras é escolhido por ellas d’entre os seus membros ou outras pessoas idoneas, que residirem na parochia ou no municipio.

Art. 29.° As commissões promotoras, como administradoras das receitas provenientes das multas, e de subscripções, donativos e subsidios, prestam annualmente contas á camara municipal do concelho.

CAPITULO V

Do magisterio primario

Art. 30.° Os professores e professoras das escolas do instrucção primaria são nomeados pelas camaras municipaes, precedendo concurso documental, e sob proposta graduada da junta escolar, de entre os individuos com capacidade legal para exercerem as funcções do magisterio,

§ 1.° Constitue capacidade legal para o ensino primario elementar:

I. Diploma de approvação no ensino normal do segundo grau;

II. Diploma de approvação no ensino normal do primeiro grau;

III. Diploma de habilitação para o ensino complementar;

IV. Diploma de habilitação para o ensino elementar.

Em igualdade de circumstancias os candidatos serão proferidos pela categoria dos seus diplomas mencionada no § antecedente, e em cada categoria pela antiguidade de serviço no magisterio.

§ 2.° Quando não houver candidato habilitado as camaras municipaes, ouvida a junta escolar, podem nomear temporariamente pessoas que julguem idóneas, mediante a gratificação que estipularem. Nesta hypothese as camaras ficam obrigadas a abrir todos os annos concurso para as cadeiras assim regidas, até apparecer candidato habilitado.

§ 3.° Constituem capacidade legal para o ensino comple-

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mentar as habilitações exigidas pelos numeros I e III d’este artigo.

§ 4.° A primeira nomeação de professores de ambos os sexos é temporaria, e só póde tornar-se definitiva ao Cabo de tres annos de bom e effectivo serviço.

§ 5.° As disposições d’este artigo só começam a ter execução á proporção que o encargo dos ordenados fixos dos professores, nos termos desta lei, passar para as respectivas camaras municipaes.

Art. 31.° Os vencimentos dos professores de ambos os sexos de instrucçao primaria elementar são: ordenado fixo, gratificação de frequencia e gratificação de exames.

§ 1.° O ordenado fixo minimo é de 100$000 réis nas povoações ruraes, 120$000 réis nas povoações urbanas, e 150$000 réis em Lisboa e Porto.

§ 2.° A gratificação de frequencia é, até sessenta alumnos, de 50 réis mensaes por alumno que tiver assistido a cinco sextas partes da totalidade das lições de manhã e de tarde, calculadas em relação aos dias uteis de cada trimestre.

§ 3.° Considera-se para este effeito como havendo ido ás aulas os alumnos que dellas tiverem sido dispensados, segundo o que determina o § 3.° do artigo 17.°

§ 4.° De sessenta alumnos para cima metade da gratificação por alumno é para o professor e a outra metade é para o ajudante.

§ 5.° A gratificação de exames é de 2$000 réis por alumno que obtenha approvação no exame final de ensino primario elementar.

Art. 32.° Os vencimentos dos professores de ambos os sexos de instrucçao primaria com ensino elementar e complementar são: ordenado fixo, gratificação de frequencia e gratificação de exame.

§ 1.° O ordenado fixo minimo é de 1SO$000 réis. Em Lisboa e Porto é de 200$000 réis.

§ 2.° A gratificação de frequencia é de 50-reis mensaes por alumno que tiver assistido ás lições, segundo o que fica estabelecido no § 2.° do artigo 31.°-

§ 3.° A gratificação de exame é de 2$000 réis por alumno que alcançar certidão de approvação nas disciplinas que constituem o ensino complementar.

Art. 33.° Os ajudantes de ambos os sexos das escolas elementares e complementares são nomeados pelas camarás, sob proposta das juntas escolares, de entre os individuos que tiverem a necessaria capacidade legal nos termos do disposto no artigo 30.°

§ 1.° O exercicio como ajudante com manifesta aptidão constitue tambem motivo de preferencia para o primeiro provimento nos Jogares de professores, nos termos do artigo 30.°

§ 2.° Na falta de individuos habilitados, as camaras municipaes podem, ouvida a junta escolar, nomear pessoas idóneas para os cargos de ajudantes; ou, sob proposta dos professores e approvação "da junta escolar, arbitrar gratificações a alumnos mais adiantados, que sejam maiores de dezeseis annos de idade, para dirigirem as classes e coadjuvarem os professores.

Art. 34.° Os vencimentos dos ajudantes dos professores de ensino elementar são: um ordenado fixo, e gratificação de frequencia.

§ l.° O ordenado fixo minimo é de 45$000 réis nas povoações ruraes, 60$000 réis nas urbanas, e 75$000 rei em Lisboa e Porto.

§ 2.° A gratificação da frequencia é a que lhes corresponde pelo § 4.° do artigo 31.°

Art. 35.° Os vencimentos dos ajudantes dos professores de ensino complementar são: ordenado fixo e gratificação de frequencia.

§ 1.° O ordenado fixo minimo é de 70$000 réis. Em Lisboa e Porto de 90$000 réis.

§ 2.° A gratificação de frequencia é metade da que pertence ao professor com relação ao numero de alumnos excedentes a sessenta.

Art. 36.° Os vencimentos de que tratam os artigos 34.° e 35.° ficarão a cargo das camaras municipaes desde que por estas forem estabelecidos os legares a que se referem, e serão para todos os effeitos legaes considerados como despeza obrigatoria das mesmas camaras.

Art. 37.° Os ordenados fixos dos professores e. ajudantes são pagos mensalmente. As gratificações são pagas nas epochas do seu vencimento. As folhas das gratificações serão conferidas pelo administrador do concelho.

Art. 38.° As camaras municipaes podem em cada anno conceder aos professores e ajudantes licenças com vencimento, que não excedam na sua totalidade a trinta dias. Alem d’este limite a licença faz perder o vencimento.

§ 1.° Os professores de um e outro sexo que, sem auctorisação e motivo justificado, deixarem de dar aula em algum dos dias marcados no horario da sua escola, pagam uma multa imposta pela camara, que não poderá exceder de 400 réis por cada falta.

§ 2.° A mesma disposição se applica aos ajudantes que faltarem ao serviço escolar, não devendo a multa exceder de 150 réis por falta.

§ 3.° O producto das multas impostas aos professores reverterá a favor da instrucçao primaria nas respectivas localidades.;

Art. 39.° O professor ou professora, que por doença faltar em cada anno mais de quarenta dias uteis á escola, perde metade do vencimento total dos dias excedentes.

§ unico. Se o impedimento se prolongar alem d’este praso o professor será substituido por individuo com capacidade legal, e na falta d’este por pessoa reconhecidamente apta, a qual recebe metade do ordenado do professor impedido, e as gratificações a que tiver direito durante o tempo da regencia.

Art. 40.° As penas disciplinares, a que estão sujeitos os professores e professoras de instrucçao primaria, são: admoestação, reprehensão, suspensão com perda parcial ou total dos vencimentos, e demissão.

§ 1.° A admoestação, reprehensão e suspensão até um mez são impostas pelas camaras municipaes, ouvida a junta escolar.

§ 2.° A suspensão por mais de um mez e a demissão são tambem impostas pelas camaras municipaes, precedendo audiencia do accusado, voto conforme da junta escolar e parecer affirmativo do inspector da circumscripção.

§ 3.° A demissão dos professores não se tornará exequivel sem previa auctorisação do governo.

Art. 41.° Os professores vitalicios de instrucçao primaria de um e outro sexo são aposentados pelas camaras municipaes com o ordenado por inteiro, tendo pelo menos trinta annos de bom e effectivo serviço, e soffrendo impossibilidade physica ou moral, verificada por exame de peritos, de continuar a servir.

§ 1.° Verificada a impossibilidade mencionada neste artigo, póde a camara aposentar com metade do ordenado os professores que tiverem vinte ou mais annos de bom e effectivo serviço, e com um terço do ordenado os que tiverem quinze annos ou mais de serviço.

§ 2.° O tempo de serviço no professorado primario é levado em conta para a aposentação na instrucçao secundaria ou superior na relação correspondente.,

CAPITULO VI

Dos exames de instrucçao primaria

Art. 42.° Ha annualmente nas cabeças dos concelhos exames publicos de instrucçao primaria, abrangendo as disciplinas do ensino elementar e complementar.

§ 1.° Os jurys d’estes exames são compostos de* um inspector ou professor por este designado, de um membro da junta escolar ou outro qualquer cidadão nomeado pela ca-

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mara municipal, sob proposta da junta escolar, e do professor ou professora das escolas complementares da sede do concelho, ou da povoação mais proxima, e sendo presente ao acto o professor ou professora dos alumnos examinados, sem voto, mas com a faculdade do os interrogar, dirigir, elucidar e fornecer as notas do seu aproveitamento.

§ 2.° O methodo e programma d’estes exames, tanto para o ensino elementar como para o complementar, são determinados em regulamentos approvados pelo governo.

§ 3.° Os resultados dos exames são lançados em livros especiaes, que serão conservados nos archivos das camaras municipaes. Desses resultados mandam as camaras passar gratuitamente as certidões que lhes forem requeridas.

Art. 43.° Os alumnos das escolas e collegios particulares, e os educados na familia são admittidos aos exames de que trata o artigo antecedente.

Art. 44.° Para a matricula nas escolas primarias complementares é obrigatoria a apresentação de certidão do approvação no exame de ensino primario elementar.

§ unico. A approvação das disciplinas do ensino complementar dá direito á admissão nos lyceus nacionaes sem novo exame perante estes.

CAPITULO VII

Do ensino normal

Art. 40.° São creadas nas cidades de Lisboa e Porto duas escolas normaes de primeira classe, uma para habilitação de professores, outra para habilitação de professoras, de ensino primario elementar e complementar.

§ 1.° Nas escolas de primeira classe para o sexo masculino haverá até quatro professores com o ordenado de réis 400$000 cada um, e quarenta alumnos com. a pensão de 7$000 réis por mez durante a frequencia.

§ 2.° Nas escolas de primeira classe para o sexo feminino haverá até tres professoras com o ordenado de 300$000 réis cada uma, e quarenta alumnas com a pensão mensal de 7$000 réis durante a frequencia.

Art. 46.° A despeza com o pessoal das escolas normaes de primeira classe será paga pelo estado. As pensões aos alumnos, bem como a acquisição e conservação dos edificios onde devem ser estabelecidas as escolas, a mobilia e bibliothecas, o expediente das aulas, e os premios aos alumnos distinctos, ficam a cargo da junta geral do districto respectivo, como despezas obrigatorias!

Art. 47.° Nos outros districtos administrativos, afóra os de Lisboa e Porto, estabelecer-se-hão escolas normaes de segunda classe, cujo numero não será inferior a dez, para habilitação de professores e professoras de ensino elementar.

§ 1.° Estas escolas serão sustentadas pelas juntas geraes de um ou mais districtos, e pelo estado, nos mesmos termos do artigo precedente.

§ 2.° O pessoal docente das escolas de segunda classe para o sexo masculino será de dois professores e um ajudante, aquelles com o ordenado de 300$000 réis, e este com o de 240$000 réis.

§ 3.° O pessoal docente das escolas de segunda classe para o sexo feminino será de duas professoras e uma ajudante; aquellas com o ordenado annual de 240$000 réis, e esta com 180$000 réis.

§ 4.° Os professores de instrucção secundaria, especial ou primaria, que regerem os cursos de que trata o § 2.° deste artigo, percebem annualmente uma gratificação correspondente a dois terços dos ordenados estabelecidos no mesmo §.

§ 5.° O numero de pensionistas, tanto nas escolas de segunda classe do sexo masculino como nas do sexo feminino, será até vinte. A pensão mensal é 6$000 réis.

Art. 48.° Os alumnos e alumnas pensionistas são obrigados a servir o magisterio publico durante seis annos, e a restituir a importancia das pensões recebidas se faltarem áquella obrigação, ou se forem expulsos das escolas normaes pelo seu mau procedimento e falta de applicação.

§ 1.° Os pães, tutores ou outras pessoas a cujo cargo estavam a sustentação e a educação dos alumnos e alumnas pensionistas, pelo simples facto de auctorisarem a admissão dos filhos ou tutelados nas escolas normaes, ficam solidariamente responsaveis com elles pela restituição de que trata o § antecedente.

§ 2.° Os alumnos e alumnas pensionistas, que depois de providos abandonarem as cadeiras, ou forem demittidos por mau serviço, ou mau comportamento, são obrigados a restituir as pensões, descontando-se-lhes, porem, um decimo da importancia total por anno do serviço anterior á demissão.

§ 3.° O fallecimento do alumno ou alumna, acontecido emquanto frequenta a escola normal, ou está cumprindo a obrigação do ensino, acaba toda a responsabilidade dos fiadores.

§ 4.° O ministerio publico é competente para seguir em juizo os termos do processo, necessarios para a indemnisação a que se referem os §§ antecedentes, quando os meios administrativos não hajam produzido resultado.

Art. 49.° O governo determina em regulamentos especiaes as disciplinas que hão de constituir o ensino normal nas escolas de primeira e segunda classe, a organisação e duração dos cursos, e todas as mais condições de matricula, retribuição que poderá ser exigida, frequencia e exames.

§ unico. No provimento dos logares de professores e professoras das escolas normaes devem ser observadas as regras seguintes:

I. Para as escolas normaes de primeira classe são preferidos os professores vitalicios das escolas normaes de segunda classe, que tiverem o diploma do curso completo de ensino normal, ou serviço distincto por mais de cinco annos numa escola complementar;

II. Para as escolas normaes de segunda classe serão preferidos os professores vitalicios de ensino complementar, que se hajam tornado distinctos pelo seu comportamento e serviço do magisterio.

Art. 50.° Annexa a cada escola normal haverá uma escola com ensino elementar e complementar para os exercicios práticos de pedagogia.

CAPITULO VIII

Da inspecção e das juntas escolares

Art. 51.° O reino e ilhas, para os effeitos da inspecção, é dividido em doze circumscripções escolares, dez para o continente do reino e duas para as ilhas da Madeira e Açores, podendo comprehender cada circumscripção dois ou mais districtos administrativos.

Art. 52.° Em cada circumscripção escolar ha um inspector nomeado e retribuido pelo governo.

§ unico. O exercicio das funcções de inspector é incompativel com o de qualquer outro emprego publico.

Art. 53.° A primeira nomeação para o logar de inspector é feita por tres annos.

§ unico. Os inspectores podem ser transferidos de umas para outras circumscripções, como melhor convenha ao serviço publico, não devendo nenhum d’elles residir mais de tres annos na mesma circumscripção.

Art. 54.° Os vencimentos dos inspectores são: ordenado fixo e gratificação.

§ 1.° O ordenado fixo é de 500$000 réis em Lisboa, Porto e Açores, e 400$000 réis nos outros districtos.

§ 2.° A gratificação é variavel, mas não póde exceder dois quintos do ordenado fixo.

Art. 55.° A nomeação para os Jogares de inspector só póde recair em individuos com capacidade legal para estes cargos.

§ 1.° Constituo capacidade legal para o cargo de inspector:

I. Diploma de approvação do ensino normal completo e

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Attestado de haver servido cinco annos com distincção numa escola publica;

II. Diploma de exame de habilitação para o ensino complementar e attestado de haver servido com distincção cinco annos n’uma escola publica.

§ 2.° Os attestados de que tratam os numeros I e II são passados pelas camaras municipaes e pelos inspectores das circumscripções onde tenham servido.

Art. 56.° Em cada cabeça de concelho as camaras municipaes nomearão uma junta escolar composta de tres vogaes, escolhidos de entre os vereadores ou outros quaesquer cidadãos. Estas juntas serão nomeadas por dois annos, e teem por fim auxiliar as camaras municipaes e os inspectores nas attribuições a seu cargo, segundo os termos desta lei e seus regulamentos.

Art. 57.° Ha em cada parochia ou parochias reunidas, onde exista escola, um delegado parochial da junta escolar, e por ella nomeado.

§ unico. O individuo que desempenhar este cargo é isento do pagamento das contribuições directas parochiaes e municipaes, e do aboletamento em tempo de paz, durante o tempo do seu serviço.

Art. 58.° O governo determinará nos regulamentos as funcções e attribuições dos inspectores e dos mais empregados, e commissões, e fixará as despezas correspondentes ao serviço da inspecção.

CAPITULO IX

Das conferencias

Art. 59.° Haverá em cada concelho, annualmente, conferencias de professores, presididas pelo professor mais graduado em habilitações, e quando todos tiverem igualdade de habilitações, pelo mais antigo.

§ 1.° As professoras de instrucção primaria podem tomar parte n’estas conferencias, e, não comparecendo, devem mandar o relatorio e, programma da sua escola, com rela cão aos pontos sobro os quaes é ouvida a conferencia, nos termos d’este artigo.

§ 2.° Os professores que comparecerem ás conferencias recebem, nos dias da sessão a que assistirem, uma gratificação lixada pela camara municipal.

§ 3.° As conferencias dos professores não derem durai mais de oito dias.

§ 4.° A conferencia consigna nas suas actas, dia a dia todos os assumptos discutidos, e todas as opiniões por ella formuladas. O conjunto d’estas actas constituo o relatorio da conferencia.

Art. 60.° O inspector em vista de tudo fará um relatorio que enviará ao governo.

CAPITULO X

Da dotação do ensino primario

Art. 61.° Os vencimentos dos professores e ajudantes d» ambos os sexos, das escolas de instrucção primaria com ensino elementar e complementar, são encargo obrigatorio da camaras municipaes.

§ l.° Incumbe ás juntas de parochia dar casa para es colas, ministrar habitação aos professores, fornecer mobilia escolar, organisar a bibliotheca das escolas e auxiliar commissões promotoras de beneficencia e ensino.

§ 2.° As juntas geraes do districto votarão nos seus orçamentos annuaes as verbas indispensaveis para os encargo que lhes pertencem pela presente lei.

§3.° Quando cessar para o estado o pagamento dos professores de instrucção primaria, o governo concorrerá annualmente com a verba de 200:000$000 réis, que será incluida no orçamento geral do, estado para subsidiar as juntas de parochia na construcção dos edificios escolares. Est subsidio nunca excederá a metade do custo total das despezas de construcção, e será distribuido segundo as mais condições que forem determinadas nos regulamentos.

CAPITULO XI.

Disposições geraes

Art. 62.º A dotação pela presente lei, posta a cargo dos districtos, camaras municipaes, e juntas de parochia para I instrucção primaria e normal, consititue despeza sua obrigatoria.

Art. 63.° O governo, de cinco em cinco annos, abrirá concurso para os livros destinados ás escolas de instrucção primaria, elementar e complementar, e fixará os premios.

§ unico. O preço dos livros preferidos pelo jury será taxado pelo governo.

Art. 64.° O governo e auctorisado a conceder um premio de 200$000 réis e outro de 100$000 réis, em cada circumscripção escolar, aos alumnos que em concurso derem provas de mais distincta capacidade e aproveitamento.

§ unico. O concurso será aberto de tres em tres annos, e conforme as condições prescriptas nos regulamentos, e sómente será conferido a alumnos que durante este periodo tiverem concluido o curso de instrucção primaria, e feito os respectivos exames, e que em virtude da sua pobreza necessitarem d’este auxilio para continuar os seus estudos.

Art. 65.° O governo constituirá annualmente, nos logares em que julgar mais opportuno, jurys para examinar os candidatos ao professorado primario elementar e complementar. As epochas, methodos e programmas para estes exames serão determinados pelo governo em regulamentos especiaes.

§ unico. A approvação em qualquer curso de instrucção secundaria ou superior é habilitação sufficiente para o magisterio elementar ou complementar.

Art. 66.° As escolas primarias serão providas de bibliothecas, contendo os livros necessarios para o estudo das disciplinas de instrucção primaria elementar e complementar.

Art. 67.° O governo apresentará biennalmente ás camaras legislativas um relatorio sobre o estado da instrucção primaria em todo o paiz.

Art. 68.° As juntas geraes do districto e as camaras municipaes promoverão a creação de asylos de educação, como auxiliares da escola primaria, para recolherem as creanças de tres até seis annos.

§ unico. O governo proporá annualmente ás côrtes uma verba destinada a auxiliar estes estabelecimentos.

Art. 69.° São objecto de disposições regulamentares todas as providencias necessarias para o exacto cumprimento d’esta lei.

Art. 70.° As intimações e processos executivos a que esta lei se refere para a cobrança das multas escolares são gratuitos e isentos do imposto de sêllo. Igualmente são isentos do imposto de sello as certidões de facultativos e attestados dos parochos, a que se refere o artigo 12.°, exigidos para justificar a falta de frequencia.

Disposições transitorias

Art. 71.° Nos dois primeiros annos, a contar da data d’esta lei, o pagamento do ordenado fixo dos professores estabelecido nos artigos 31.° e 32.° continuará a ser feito pelo estado.

§ 1.° Os direitos adquiridos, em virtude das leis vigentes, são garantidos, para todos os effeitos, aos professores, quer vitalicios, quer temporarios, que exercem o magisterio.

§ 2.° Conta-se para a jubilação, ou aposentação, o bom e effectivo serviço prestado na qualidade de professor vitalicio, ou temporario, até ao tempo fixado neste artigo. N’este caso o estado contribue para o vencimento de professor jubilado ou aposentado pelas camaras municipaes, com um terço, se o serviço anterior ao praso indicado for de dez annos completos; um terço e o augmento proporcional ao numero de annos, se o serviço for de dez

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até vinte; dois terços, se o serviço for de vinte ou mais annos.

Art. 72.° A obrigação do ensino começa desde o dia em que na parochia, ou parochias reunidas, se estabeleça escola primaria para cada sexo, ou escola mixta, segundo o que dispõe o artigo 19.°, e que se ache constituido serviço de inspecção no respectivo circulo escolar.

Art. 73.° Nenhuma escola actualmente em exercicio póde ser supprimida.

§ unico. As juntas de parochia são obrigadas a dar casa para aula, e habitação aos professores das escolas actuaes, nos termos desta lei.

Art. 74.° As disposições d’esta lei, em relação á creação das escolas, devem estar em execução no fim de dez annos, a contar da data da sua promulgação.

§ unico. As camaras municipaes e as juntas de parochia darão conta annualmente ao governo das escolas que tiverem fundado, para que no praso indicado possa ter completa execução a disposição d’este artigo.

Art. 75.° As camaras municipaes, conjuntamente com as juntas escolares, procedem á elaboração do plano geral provisorio das escolas, e á sua distribuição nos mesmos concelhos. N’este plano serão expressamente indicadas a reunião de parochias e a constituição de escolas mixtas, e entregue aos inspectores, no fim do primeiro semestre, e por estes remettido ao governo, a fim de servir á formação do plano provisorio das escolas do reino.

§ unico. Este plano póde ser successivamente modificado pelo governo, ouvido o inspector da circumscripção e as camaras municipaes, todos os annos, até á completa execução da lei, segundo as regras estabelecidas.

Art. 76.° O governo, durante o primeiro triennio, não havendo pessoal habilitado, nos termos desta lei, para os cargos da inspecção, póde nomear estes funccionarios de entre os professores de instrucção primaria, secundaria e superior, de individuos com o curso das escolas normaes, ou com algum curso superior. Estas nomeações poderão tornar-se vitalicias, se ao fim do triennio se provar que estes cargos foram desempenhados com zêlo e capacidade.

§ unico. Os professores assim nomeados conservam os seus actuaes vencimentos, quando sejam superiores aos dos cargos que vão exercer; se esses vencimentos forem inferiores aos dos logares para que são nomeados, recebem um supplemento de ordenado igual á differença.

Art. 77.° Logo que esteja organisada a inspecção nos termos desta lei, ficarão extinctos os actuaes logares de commissarios dos estudos.

Art. 78.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 8 de abril de 1878. = Visconde de Alves de Sá. = Visconde da Praia Grande. = Jayme Larcher. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, relator.

Ultima redacção do projecto de lei n.º 107 de 1875

CAPITULO I

Do ensino primario

Artigo 1.° A instrucção primaria para o sexo masculino e feminino divide-se em dois graus – elementar e complementar.

Art. 2.° O ensino primario elementar para o sexo masculino comprehende: leitura, escripta, quatro operações sobre numeros inteiros e fraccionarios, elementos de grammatica portugueza, principios do systema metrico-decimal, principios de desenho, moral e doutrina christã.

O ensino elementar para o sexo feminino comprehende as materias mencionadas n’este artigo, e os trabalhos de agulha necessarios ás classes menos abastadas.

§ unico. São dispensados dos exercicios da doutrina christã aquelles alumnos que pertençam a differente religião.

Art. 3.° O ensino primario complementar para o sexo masculino comprehende:

1.° Leitura e recitação de prosa e verso;

2.° Calligraphia e exercicios de escripta;

3.° Arithmetica e geometria elementar e suas applicações mais usuaes;

4.° Grammatica e exercicios da lingua portugueza;

5.° Systema legal de pesos e medidas:

6.° Elementos de chronologia, geographia e historia portugueza;

7.° Desenho linear e suas applicações mais communs;

8.° Moral e historia sagrada;

9.° Noções elementares de hygiene;

10.° Noções elementares de agricultura;

11.° Gymnastica;

12.° Canto choral;

13.° Direitos e deveres do cidadão.

§ unico. O ensino complementa: para o sexo feminino comprehende as materias designadas nos n.ºs 1.° a 9.° deste artigo, e alem disso os deveres da mãe de familia, e as prendas de bordar a cores, tomar medidas, tirar moldes e fazer rendas e flores.

Art. 4.° Passados tres annos depois do estabelecimento das escolas normaes para habilitação dos professores e professoras de ensino primario, e conforme as condições especiaes das localidades, poderá ser ampliado:

I. O primeiro grau de instrucção primaria para o sexo masculino com as seguintes disciplinas:

Gymnastica;

Canto choral;

Noções elementares de agricultura.

II. O segundo grau com:

Escripturação;

Principios de economia rural, industrial ou commercial, conforme as condições especiaes das localidades; Rudimentos de physica, chimica e historia natural.

III. O primeiro grau para o sexo feminino com:

Gymnastica;

Canto choral.

IV. O segundo grau com:

Economia domestica;

Desenho de ornato applicado ás obras proprias do sexo;

Escripturação;

Rudimentos de sciencias physicas e naturaes.

§ unico. Ao governo compete, ouvidos os inspectores das circumscripções escolares, regular o quadro das materias de cada grau, segundo o disposto no presente artigo.

CAPITULO II Do ensino obrigatorio, matriculas e frequencia

Art. 5.° A instrucção primaria elementar é obrigatoria desde a idade de seis até doze annos para todas as creanças de um e outro sexo, cujos pães, tutores ou outras pessoas encarregadas da sua sustentação e educação não provarem legalmente qualquer das circurnstancias seguintes:

l.ª Que dão ás creanças a seu cargo ensino na propria casa, ou em escola particular;

2.ª Que residem a mais de 2 kilometros de distancia de alguma escola gratuita, publica ou particular, permanente ou temporaria;

3.ª Que seus filhos ou pupillos foram declarados incapazes de receber o ensino em tres exames successivos perante os jurys de que trata o § 1.° do artigo 41.°;

4.ª Os que não podérem mandal-os por motivo de extrema pobreza, e que não tenham recebido o beneficio constante das disposições do § unico do artigo 7.

Art. 6.° A obrigação do ensino começa na primeira epocha de matriculas posterior áquella em que as creanças forem inscriptas no recenseamento a que se refere o artigo doutrina 8.°, e cessa logo que as creanças hajam sido approvadas nos exames estabelecidos no artigo 41.º

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§ unico. A obrigação do ensino abrange o dever de apresentar as creanças aos professores de ensino primario na competente epocha de matriculas, e o dever de as compellir á frequencia regular da escola em que forem matriculadas.

Art. 7.° São responsaveis pela obrigação do ensino os pães, tutores ou pessoas encarregadas da educação das creanças, e bem assim os donos das fabricas, officinas ou emprezas agricolas ou industriaes, em cujos serviços as creanças estejam empregadas, que lhes não dispensem o tempo necessario para a frequencia da escola.

§ unico. Aos orphãos, filhos de viuvas pobres ou de pães indigentes, impossibilitados de trabalhar, as juntas de parochias e commissões promotoras ministrarão o vestuario, livros e outros meios indispensaveis para poderem frequentar as escolas.

Art. 8.° As juntas de parochia fazem annualmente, na epocha fixada pelas camaras municipaes, o recenseamento de todas as creanças de seis a doze annos, declarando — os pães, tutores ou pessoas a cujo cargo estejam; as officinas e lavores agricolas ou industriaes em que forem em- pregados; as distancias a que residem do local da escola publica ou particular; e se recebem o ensino em familia ou em escola livre.

§ 1.° Este recenseamento será affixado na porta da igreja por oito dias, dentro dos quaes os que segundo o artigo antecedente são responsaveis .pela obrigação do ensino, e bem assim o delegado parochial, poderão reclamar, com recurso para a camara municipal.

§ 2.° D’este recenseamento serão tiradas copias authenticas para serem remettidas aos professores da freguezia, á camara municipal, e á junta escolar do concelho, no praso de quinze dias depois de concluido o recenseamento.

Art. 9.° As camaras municipaes designam as epochas e prasos de matriculas, podendo haver até tres epochas de matriculas em cada anno.

§ unico. A matricula é feita pelo professor em livro especial na presença do delegado parochial.

Art. 10.° Os pães, tutores ou responsaveis pela educação das creanças, que não as apresentem aos professores na competente epocha de matricula, são admoestados pelo delegado parochial, o qual alem d’isso os intimará para no praso de dez dias cumprir aquella obrigação, declarando-lhes as penas em que incorrem quando desobedeçam.

§ 1.° A intimação é gratuita e deve ser feita dentro de dez dias a contar d’aquelle em que a creança devia ser matriculada na escola.

§ 2.° Os nomes dos pães, tutores ou pessoas responsaveis pela educação das creanças, que não obedecerem á intimação do delegado parochial, são, no primeiro dia santificado, lidos pelo parocho á hora da missa conventual, e affixados á porta da igreja.

Art. 11.° Os pães, tutores, donos de fabricas, officinas ou emprezas agricolas e industriaes, que depois das penas impostas pelo artigo antecedente não satisfizerem ao preceito da lei dentro de quinze dias, pagam de multa 250 réis ou o equivalente em dias de trabalho na classe que lhes competir segundo o disposto na carta de lei de 6 de junho de 1864. No caso de reincidencia esta multa poderá elevar-se progressivamente até o quádruplo.

§ unico. São isentos do pagamento d’estas multas aquelles a cujos filhos se possa applicar alguma das excepções do artigo 5.°, ou que tenham sido intimados nos termos do artigo 10.°

Art. 12.° Ficam sujeitos ás mesmas penas e multas de que faliam os artigos antecedentes, e nos termos do artigo 7.°, os pães, tutores, donos de fabricas, officinas ou emprezas agricolas e industriaes, a cujo cargo estejam as creanças, que derem mais de vinte faltas á escola em cada trimestre, sem motivo justificado.

§ 1.° A frequencia dos alunmos e provada pelas declarações dos professores, que todos os mezes até o dia 8 remettem á camara municipal e ao sub-inspector do circulo a relação das proprias faltas e das dos alunmos no mez anterior, por intermedio do delegado parochial, que lhe acrescentará as notas que julgar convenientes.

§ 2.° A falta de frequencia aos exercicios escolares só póde justificar-se por doença comprovada por certidão de facultativo, ou declaração escripta do parocho, dispensa do delegado parochial nos termos do artigo 17.° § 3.°, interrupção das communicações ou qualquer outro caso de forca maior.

§ 3.° A repetição da falta de frequencia em mais de um trimestre do anno escolar reputa-se reincidencia para o effeito do pagamento da multa.

§ 4.° Compete ao delegado parochial tomar conhecimento das faltas, e julgar da validade da sua justificação, sem obstar este conhecimento e julgamento ao posterior conhecimento e julgamento pela junta escolar, quando se der o recurso do artigo 13.°

Art. 13.° As multas pecuniarias são impostas pelo delegado parochial, verificado o facto, e ouvido o infractor.

Da resolução do delegado ha recurso, com effeito suspensivo, para a junta escolar.

Art. 14.° O delegado parochial que não intimar ou multar os pães, tutores e pessoas encarregadas da educação das creanças, nos prasos e pelo modo estabelecido nos artigos antecedentes, é responsavel, no primeiro caso, pelo pagamento das multas em que deviam incorrer os pães, tutores ou pessoas que deixaram de ser por elle admoestadas e intimadas; e no segundo caso pelo pagamento do dobro das multas que devia impor pela falta de cumprimento da ^obrigação do ensino.

§ unico. A condemnação nas multas de que trata este "artigo é imposta pela junta escolar, ouvido o infractor.

D’esta condemnação ha recurso, com effeito suspensivo, para a camara municipal.

Art. 15.° As multas estabelecidas neste capitulo são cobradas pelas commissões promotoras de beneficencia e ensino para preencherem o fim da sua instituição.

§ 1.° Estas multas serão cobradas pela mesma fórma por que o forem as contribuições. do estado; tendo força de sentença a certidão de condemnação definitiva passada pelo funccionario ou tribunal que a houver proferido.

§ 2.° As multas cobradas em trabalho, nos termos da carta de lei de G de junho de 1864, são pelas camaras municipaes pagas em dinheiro ás commissões promotoras para o mesmo fim.

Art. 16.° A obrigação do ensino, as disposições penaes, e os nomes das creanças em idade e circumstancias de escola são annunciadas em cada epocha de matriculas pelos meios ordinarios, e pelos parochos á hora da missa conventual.

Art. 17.° As camaras municipaes, ouvida ajunta escolar, tomarão as providencias convenientes para que a escolha das horas dos exercicios escolares seja o menos possivel incompativel com o emprego dos alumnos nos trabalhos da profissão a que se applicarem.

§ 1.° Para este fim deverá ser publicada em cada concelho uma tabella do horario da escola accommodado ás condições locaes.

§ 2.° Os exercicios escolares diarios de instrucçao primaria elementar duram de quatro até seis horas, divididos em aula de manhã e aula de tarde, excepto para as creanças até oito annos, que não serão obrigadas a mais de duas até tres horas de aula por dia.

§ 3.° Podem ser excepcionalmente dispensadas da frequencia de uma das aulas diurnas pelo delegado parochial, as creanças de mais de nove annos que estiverem empregadas em trabalhos agricolas ou industriaes.

§ 4.° O ensino complementar não póde durar menos de duas horas por dia. Ao ensino complementar são applicaveis as disposições que se referem á frequencia da aula, e justificação das faltas, excepto na parte que diz respeito á imposição, de penas e multas.

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CAPITULO III

Da escola

Art. 18.° As escolas primarias para um e outro sexo dividem-se em duas classes: escola com ensino elementar, e escola com ensino elementar e complementar.

§ unico. O ensino complementar é feito nas escolas dó ensino elementar em curso separado.

Em todas as sedes da comarca judicial será estabelecido o ensino complementar numa das escolas de ensino primario elementar de cada um dos sexos.

Art. 19.° Em cada parochia haverá, em regra, uma escola primaria com ensino elementar para cada sexo.

§ 1.° A escola primaria para cada um dos sexos com ensino elementar poderá servir para duas ou mais parochias, quando os alumnos das parochias reunidas não excedam de sessenta, e possam frequentar regularmente a escala.

§ 2.° Se na parochia ou parochias adjuntas não poder estabelecer-se uma escola para cada sexo, haverá uma escola mixta.

Art. 20.° Nas cidades de Lisboa e Porto e tambem nas outras capitães de districtos administrativos, ou onde por virtude da densidade da população haja mais de uma escola complementar ou elementar, as camaras municipaes, com auctorisação do governo, podem estabelecer escolas centraes com tres ou quatro professores ou professoras.

Art. 21.° As escolas primarias elementares para o sexo masculino são regidas por professores ou professoras; as complementares para o sexo masculino por professores; as escolas elementares e complementares para o sexo feminino por professoras. As escolas mixtas devem ser regidas por professoras.

§ 1.° Não havendo professora, a escola mixta é dirigida por professor casado, ou que tenha na sua familia alguma senhora a quem se entregue a educação das meninas e o ensino dos trabalhos de agulha, sendo considerada para todos os effeitos como ajudante da escola.

§ 2.° Na escola primaria com ensino elementar, como na escola primaria com ensino complementar de qualquer dos sexos haverá um ajudante para cada grupo de sessenta alumnos com frequencia regular, alem do primeiro grupo.

§ 3.° Nas escolas mixtas, bem como nas escolas elementares regidas por professoras, não são admittidos aluirmos de idade superior a doze annos.

Art. 22.° Na escola primaria elementar o ensino é gratuito. O ensino complementar é retribuido pelos alumnos, cujos paes, tutores ou pessoas responsaveis não provarem pobreza.

§ 1.° Reputam-se em estado de pobreza os pães, tutores ou pessoas que paguem menos de l$000 réis de contribuições directas, geraes, municipaes ou parochiaes.

§ 2.° A retribuição escolar será fixada pelas camaras municipaes.

Art. 23.° As camaras municipaes que subsidiarem escolas ou collegios livres, onde se ministre gratuitamente o ensino primario elementar aos alumnos pobres, são dispensadas da obrigação de estabelecer a correspondente cadeira na parochia respectiva.

O mesmo se observará com relação ao ensino primario complementar.

§ unico. Estas escolas ficarão para todos os effeitos sujeitas á inspecção das auctoridades escolares.

Art. 24.° As camaras municipaes devem promover, nos sitios que julgarem conveniente, cursos nocturnos e dominicaes para adultos.

§ unico. Estes cursos podem ser: de ensino elementar, de aperfeiçoamento de ensino elementar ou do ensino complementar. Poderão ser regidos pelos professores de ensino elementar ou complementar, mediante a gratificação que se estipular.

Art. 25.° As camaras municipaes devem estabelecer cursos temporarios de duração nunca inferior a seis mezes, nas localidades onde circumstancias especiaes se opponham á creação immediata das escolas, segundo as regras estabelecidas no artigo 19.°

Art. 20.° As escolas de que tratam os artigos 24.° e 20.° são consideradas publicas para os effeitos da presente lei.

Art. 27.° É livre o ensino primario elementar e complementar nos termos da lei vigente.

CAPITULO IV

Das commissões promotoras de beneficencia e ensino

Art. 28.° As camaras municipaes com o auxilio da autoridade administrativa, dos parochos e dos outros membros da junta de parochia, organisam commissões promotoras do beneficencia e ensino nas localidades onde houver escola primaria, para promoverem a frequencia das creanças e adultos; a acquisição e distribuição de vestuario, livros e outros objectos do ensino ás creanças mais necessitadas; a creação de premios para os alumnos distinctos, a prestação de soccorros e subsidios para amparar as familias desvalidas no cumprimento da obrigação do ensino; o tudo o mais que for conducente ao derramamento e progresso da instrucção popular.

§ 1.° Estas commissões são compostas, pelo menos, do quatro cidadãos e de tres senhoras residentes na freguesia.

§ 2.° Quando não for possivel organisar as commissões promotoras pelo modo determinado no § antecedente, as camaras municipaes, com o auxilio da junta de parochia, designam tres chefes de familia em cada parochia para auxiliar a escola até que se organisem definitivamente as commissões.

§ 3.° O secretario das commissões promotoras é escolhido por ellas d’entre os seus membros ou outras pessoas idoneas, que residirem na parochia ou no municipio.

Art. 29.° As commissões promotoras, como administradoras das receitas provenientes das multas de que tratam à artigos 15.°, 30.° e 37.°, e de subscripções, donativos subsidios, prestam annualmente contas á camara municipal do concelho.

CAPITULO V

Do magisterio primario

Art. 30.° Os professores o professoras das escolas de instrucção primaria são nomeados pelas camaras municipaes, precedendo concurso documental, e sob proposta graduada da junta escolar, de entre os individuos com capacidade legal para exercerem as funccões do magisterio.

§ 1.° Constitue capacidade logar para o ensino primario elementar:

I. Diploma de approvação no ensino normal do segundo grau;

II. Diploma de approvação no ensino normal do primeiro grau;

III. Diploma de habilitação para o ensino complementar;

IV. Diploma de habilitação para o ensino elementar.

Em igualdade de circumstancias os candidatos serão preferidos pela categoria dos seus diplomas mencionada no § antecedente, e em cada categoria pela antiguidade de serviço no magisterio.

§ 2.° Quando não houver candidato habilitado as camaras municipaes, ouvida ajunta escoar, podem nomear temporariamente pessoas que julguem idóneas, mediante a mitificação que estipularem. N’esta hypothese as camaras ficam obrigadas a abrir todos os annos concurso para as cadeiras assim regidas, até apparecer candidato habilitado.

§ 3.° Constituem capacidade legal para o ensino complementar as habilitações exigidas pelos numeros I e III d’este artigo.

§ 4.° A primeira nomeação do professores do ambos os sexos é temporaria, e só póde tornar-se definitiva ao cabo do tres annos de bom e effectivo serviço.

Art. 31.° Os vencimentos dos professores do ambos os sexos de instrucção primaria elementar são: um ordenado fixo, gratificação de frequencia e gratificação de exames,

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§ 1.° O ordenado fixo minimo, e de 100$000 réis nas povoações ruraes, 120$000 réis nas povoações urbanas e 150$000 réis em Lisboa e Porto.

§ 2.° A gratificação de frequencia é, até sessenta alumnos, de 50 réis mensaes por alumno que tiver assistido a cinco sextas partes da totalidade das lições de manhã e de tarde calculadas em relação aos dias uteis de cada trimestre.

§ 3.° Considera-se para este effeito como havendo ido ás aulas os alumnos que d’ellas tiverem sido dispensados segundo o que determina o § 3.° do artigo 17.°

§ 4.° De sessenta alumnos para cima metade da gratificação por alumno é para o professor e a outra metade para o ajudante.

§ 5.° A gratificação de exames é de 2$000 réis por alumno que obtenha approvação no exame final de ensino primario elementar.

Art. 32.° Os vencimentos dos professores de ambos os sexos de instrucção primaria com ensino elementar e complementar são: um ordenado fixo, gratificação de frequencia e gratificação de exame.

§ 1.° O ordenado fixo minimo é de 180$000 réis. Em Lisboa e Porto é de 200$000 réis.

§ 2.° A gratificação de frequencia é do 50 réis mensaes por alumno que tiver assistido ás lições, segundo o que fica estabelecido no § 2.° do artigo 31.°

§ 3.° A gratificação de exame é de 2$000 réis por alumno que alcançar certidão de approvação nas disciplinas que constituem o ensino complementar.

Art. 33.° Os ajudantes de ambos os sexos das escolas elementares e complementares são nomeados pelas camaras, sob proposta das juntas escolares, de entre os individuos que tiverem a necessaria capacidade legal nos termos do disposto no artigo 30.°

§ 1.° O exercicio como ajudante com manifesta aptidão constitue tambem motivo de preferencia para o primeiro provimento nos logares de professores, nos termos do artigo 30.°

§ 2.° Na falta de individuos habilitados, as camaras municipaes podem, ouvida a junta escolar, nomear pessoas idóneas para os cargos de ajudantes; ou, sob proposta dos professores e approvação da junta escolar, arbitrar gratificações a alumnos mais adiantados, que sejam maiores de dezeseis annos de idade, para dirigirem as classes e coadjuvarem, os professores.

Art. 34,.° Os vencimentos dos ajudantes dos professores de ensino elementar são: um ordenado fixo, e gratificação de frequencia.

§ 1.° O ordenado fixo minimo é de 45$000 réis nas povoações ruraes, 60$000 réis nas urbanas, e 75$000 réis em Lisboa e Porto.

§ 2.° A gratificação da frequencia é a que lhes corresponde pelo § 4.° do artigo 31.°

Art. 35.° Os vencimentos dos ajudantes dos professores de ensino complementar são: um ordenado fixo e gratificação de frequencia.

§ 1.° O ordenado fixo minimo é de 70$000 réis. Em Lisboa e Porto de 90$000 réis.

§ 2.° A gratificação de frequencia é metade da que pertence ao professor com relação ao numero de alumnos excedentes a sessenta.

Art. 36.° Os ordenados fixos dos professores e ajudantes são pagos mensalmente. As gratificações são pagas nas epochas do seu vencimento. As folhas das gratificações serão conferidas pelo sub-inspector.

§ 1.° Quando as camaras municipaes não cumpram os preceitos d’ este artigo, será ordenado o pagamento immediato pelos meios estabelecidos na lei administrativa, de modo que o magisterio não soffra prejuizo nos seus vencimentos.

§ 2.° Na hypothese do § antecedente as camaras incorrem na multa igual ás quantias que deixaram de pagar nos prasos competentes em proveito da instrucção primaria, sendo para isso entregues ás commissões promotoras para o fim da sua instituição. Estas quantias serão, organisadas em conta corrente, e serão as multas cobradas perante o juiz de direito pelo processo marcado no artigo 341.° da novissima reforma judicial.

Art. 37.° As camaras municipaes podem, em cada anno conceder aos professores e ajudantes licenças com vencimento, que não excedam na sua totalidade a trinta dias. Alem d’este limite a licença faz perder o vencimento.

§ 1.° Os professores de um e outro sexo que, sem auctorisaçao ou motivo justificado, deixarem de dar aula em algum dos dias marcados no horario da sua escola, pagam uma multa imposta pela camara, que não poderá exceder de 400 réis por cada falta.

§ 2.° A mesma disposição se applica aos ajudantes que faltarem ao serviço escolar, não devendo a multa exceder de 150 réis por falta.

§ 3.° O producto das multas impostas aos professores reverterá a favor da instrucção primaria nas respectivas localidades.

Art. 38.° O professor ou professora, que por doença faltar em cada anno mais de quarenta dias uteis á escola, perde metade do vencimento total dos dias excedentes.

§ unico. Se o impedimento se prolongar alem deste praso o professor será substituido por individuo com capacidade lega], e na falta deste por pessoa reconhecidamente apta, a qual recebe metade do ordenado do professor impedido, e as gratificações a que tiver direito durante o tempo da regencia.

Art. 39.° As penas disciplinares a que estão sujeitos os professores e professoras de instrucção primaria, são: admoestação, reprehensão, suspensão com perda parcial ou total dos vencimentos e demissão.

§ l.° A admoestação, reprehensão e suspensão até um mez são impostas pelas camaras municipaes, ouvida a junta escolar, e com voto conforme do sub-inspector.

§ 2.° A suspensão por mais de um mez e a demissão são tambem impostas pelas camaras municipaes, precedendo audiencia do accusado, voto conforme da junta escolar e parecer affirmativo do inspector da circumscripção.

§ 3.° A demissão dos professores não se tornará exequivel sem previa auctorisação do governo.

Art. 40.° Os professores vitalicios de instrucção primaria de um e outro sexo são aposentados pelas camaras municipaes com o ordenado por inteiro, fendo pelo menos trinta annos de bom e effectivo serviço, e soffrendo impossibilidade physica ou moral, verificada por exame de peritos, de continuar a servir.

§ 1.° Verificada a impossibilidade mencionada neste artigo, póde a camara aposentar com metade do ordenado os professores que tiverem vinte ou mais annos de bom e effectivo serviço, o com um terço do ordenado os que tiverem quinze annos ou mais de serviço.

§ 2.° O tempo de serviço no professorado primario é levado em conta para a aposentação na instrucção secundaria ou superior na relação correspondente.

CAPITULO VI

Dos exames de instrucção primaria

Art. 41.° Ha annualmente nas cabeças dos concelhos exames publicos de instrucção primaria, abrangendo as disciplinas do ensino elementar e complementar.

§ 1.° Os jurys d’estes exames são compostos de um inspector ou sub-inspector, de um membro da junta escolar ou outro qualquer cidadão nomeado pela camara municipal, sob proposta da junta escolar, e do professor ou professora das escolas complementares da séde do concelho, ou da povoação mais proxima, e sendo presente ao acto o professor ou professora dos alumnos examinados, sem voto, mas com a faculdade de os interrogar, dirigir, elucidar e fornecer as notas do seu aproveitamento.

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§ 2.° O methodo e programma d’estes exames, tanto para o ensino elementar como para o complementar, são determinados em regulamentos approvados polo governo.

§ 3.° Os resultados dos exames são consignados em livros especiaes, que devem ser conservados nos archivos das camaras municipaes. D’esses resultados mandam as camaras passar gratuitamente as certidões que lhes forem requeridas.

Art. 42.° Os alumnos das escolas e collegios particulares, e os educados na familia são admittidos aos exames de que trata o artigo antecedente.

Art. 43.° Para a matricula nas escolas primarias complementares é obrigatoria a apresentação de certidão de approvação no exame de ensino primario elementar.

§ unico. A approvação das disciplinas do ensino complementar dá direito á admissão aos lyceus nacionaes sem novo exame perante estes.

CAPITULO VII

Do ensino normal

Art. 44.° São creadas nas cidades de Lisboa e Porto duas escolas normaes de primeira classe, uma para habilitação de professores, outra para habilitação de professoras, de ensino primario elementar e complementar.

§ l.° Nas escolas de primeira classe para o sexo masculino haverá até quatro professores com o ordenado de réis 400$000 cada um, e quarenta alumnos com a pensão de 7$000 réis por mez durante a frequencia.

§ 2.° Nas escolas de primeira classe para o sexo feminino haverá até tres professoras com o ordenado de 3003000 réis cada uma, e quarenta alumnas com a pensão mensal de 7$000 réis durante a frequencia.

Art. 45.° A despeza com o pessoal das escolas normaes de primeira classe será paga pelo estado. As pensões aos alumnos, bem como a acquisição e conservação cos edificios onde devem ser estabelecidas as escolas, a mobilia e bibliothecas, o expediente das aulas, e os premios aos, alumnos distinctos, ficam a cargo da junta gerai do districto respectivo, como despezas obrigatorias.

Art. 46.° Nos outros districtos administrativos afora os de Lisboa e Porto estabelecer-se-hão escolas normaes de segunda classe, cujo numero não será inferior a dez, para habilitação de professores e professoras de ensino elementar.

§ 1.° Estas escolas serão sustentadas pelas juntas geraes de um ou mais districtos, e pelo estado, nos mesmos termos do artigo precedente.

§ 2.° O pessoal docente das escolas de segunda classe para o sexo masculino será de dois professores e um ajudante; aquelles com o ordenado de 300$000 réis, e este com o de 240$000 réis.

§ 3.° O pessoal docente das escolas de segunda classe para o sexo feminino será de duas professoras e uma ajudante; aquellas com o ordenado annual de 240$000 réis, e esta com 180$000 réis.

§ 4.° Os professores de instrucção secundaria, especial ou primaria, que regerem os cursos de que trata o § 2.° deste artigo, percebem anualmente uma gratificação correspondente a dois terços dos ordenados estabelecidos no mesmo paragrapho.

§ 5.° O numero de pensionistas, tanto nas escolas de segunda classe do sexo masculino como nas do sexo feminino, será até 20. A pensão mensal é 6$000 réis.

Art. 47.° Os alumnos e alumnas pensionistas são obrigados a servir o magisterio publico durante seis annos, e a restituir a importancia das pensões recebidas só faltarem áquella obrigação, ou se forem expulsos das escolas normaes pelo seu mau procedimento e falta de applicação.

§ 1.° Os paes, tutores ou outras pessoas a cujo cargo estavam a sustentação e a educação dos alumnos e alumnas pensionistas, pelo simples facto de auctorisarem a admissão dos filhos ou tutelados nas escolas normaes, ficam solidariamente responsaveis com elles pela restituição de que trata o paragrapho antecedente.

§ 2.° Os alumnos e alumnas pensionistas, que depois de providos abandonarem as cadeiras, ou forem demittidos por mau serviço, ou comportamento, suo obrigados a restituir as pensões, descontando-se-lhes porem um decimo da importancia total por anno do serviço anterior á demissão.

§ 3.° O fallecimento do alumno ou alumna, acontecido emquanto frequenta a escola normal, ou está cumprindo a obrigação do ensino, acaba toda a responsabilidade dos fiadores.

§ 4.° O ministerio publico é competente para seguir em juizo os termos do processo, necessarios para a indemnisação a que se referem os paragraphos antecedentes, quando os meios administrativos não hajam produzido resultado.

Art. 48.° O governo determina em regulamentos especiaes as disciplinas, que hão de constituir o ensino normal nas escolas de primeira e segunda classe, a organisação e duração dos cursos e todas as mais condições de matricula, frequencia e exames.

§ unico. No provimento dos logares de professores e professoras das escolas normaes devem ser observadas as regras seguintes:

I. Para as escolas normaes de primeira classe são preferidos os professores vitalicios das escolas normaes de segunda, que tiverem o diploma do curso completo de ensino normal, ou serviço distincto por mais de cinco annos n’uma escola complementar.

II. Para as escolas normaes de segunda classe serão preferidos os professores vitalicios de ensino complementar, que se hajam tornado distinctos pelo seu comportamento e serviço.

Art. 49.° Annexa a cada escola normal haverá uma escola com ensino elementar e complementar para os exercios práticos de pedagogia.

CAPITULO VIII

Da inspecçao e das juntas escolares

Art. 50.° O reino e ilhas, para es effeitos da inspecção, é dividido em doze circumscripções escolares, dez para o continente e duas para as ilhas da Madeira e Açores, podendo comprehender cada circumscripção dois ou mais districtos administrativos. Cada circumscripção escolar é dividida em circulos escolares; podendo estes comprehender dois ou mais concelhos. O numero total dos circulos escolares é fixado em cincoenta.

Art. 51.° Em cada circumscripção escolar ha um inspector, em cada circulo um sub-inspector, nomeados pelo governo e retribuidos pelo estado.

§ unico. O exercicio das funcções de inspector e sub-inspector é incompativel com o de qualquer outro emprego publico.

Art. 52.° A primeira nomeação para os logares de inspector ou sub-inspector é feita por tres annos.

§ unico. Cs inspectores e sub-inspectores podem ser transferidos de umas para outras circumscripções ou circulos escolares, como melhor convenha ao serviço publico, não devendo nenhum d’elles residir mais de tres annos na mesma circumscripção ou circulo.

Art. 53.° Os vencimentos dos inspectores são: um ordenado fixo e uma gratificação.

§ 1.° O ordenado fixo é de 500$000 réis em Lisboa, Porto e Açores, e 400$000 réis nos outros districtos.

§ 2.° A gratificação é variavel, mas não póde exceder dois quintos do ordenado fixo.

Art. 54.° Os vencimentos dos sub-inspectores são: um ordenado fixo e uma gratificação.

§ 1.° O ordenado fixo é de 300$000 réis.

§ 2.° A gratificação é variavel, mas não póde exceder dois quintos co ordenado fixo.

Art. 55.° A nomeação para os logares de inspector e

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sub inspector só póde recair em individuos com capacidade legal para estes cargos.

§ 1.° Constitue capacidade legal para cargo de sub-inspector:

I. Diploma de approvação do ensino normal completo e attestado de haver servido cinco annos com distincção n’uma escola publica;

II. Diploma de exame de habilitação para o ensino complementar, e attestado de haver servido com distincção cinco annos numa escola publica.

§ 2.° Os attestados de que tratara os numeros I e II são passados pelas camaras e pelos inspectores das circumscripções onde tenham servido.

§ 3.° Os inspectores são escolhidos de entre os individius que tenham desempenhado durante um triennio as funcções de sub-inspector.

Art. 56.° Em cada cabeça de concelho as camaras municipaes nomearão uma junta escolar composta de tres vogaes, escolhidos de entre os vereadores ou outros quaesquer cidadãos. Estas juntas serão nomeadas por dois annos, e presididas pelo sub-inspector do respectivo circulo, tendo por fina auxiliar as camaras municipaes e os inspectores nas attribuições a seu cargo, e segundo os termos desta lei e regulamentos.

Art. 57.° Ha em cada parochia ou parochias reunidas, onde exista escola, um delegado parochial da junta escolar, e por ella nomeado.

§ unico. O individuo, que desempenhar este cargo é isento do pagamento das contribuições directas parochiaes e municipaes, e do serviço de jurado e aboletamentos em tempo de paz, durante o tempo do seu desempenho.

Art. 58.° O governo determina em regulamentos as funcções e attribuições dos inspectores, sub-inspectores. e mais empregados, e commissões, e fixa as despezas correspondentes ao serviço da inspecção.

CAPITULO IX

Das conferencias

Art. 59.° Ha em cada concelho, annualmente, conferencias de professores, presididas pelo sub-inspector do circulo escolar, para o aperfeiçoamento dos methodos de ensino, e modo de resolver na escola as questões praticas da instrucçao.

§ 1.° As professoras de instrucçao primaria podem tomar parte nestas conferencias, ou, não comparecendo, devem mandar o relatorio e programma da sua escola, com relação aos pontos sobre os quaes é ouvida a conferencia, nos termos d’este artigo..

§ 2.° Os professores que comparecerem ás conferencias, recebem, nos dias da sessão a que assistirem, uma gratificação fixada pela camara municipal.

§ 3.° As conferencias dos professores não devem durar mais de oito dias.

§ 4.° A conferencia consigna nas suas actas, dia a dia, todos os assumptos discutidos, e todas as opiniões por ella formuladas. O conjuncto destas actas constitue o relatorio da conferencia.

Art. 60.° O inspector, encerradas as conferencias dos professores, reune em conferencia os sub-inspectores da sua circumscripção escolar. A conferencia de inspecção, em vista dos actas das conferencias dos professores e dos relatorios dos sub-inspectores, sobre ellas redigidos, toma conhecimento dos assumptos e discute os resultados obtidos nas conferencias dos professores, formulando sobre as materias discutidas um relatorio que o inspector envia ao governo.

§ unico. As conferencias de inspecção não devem durar mais de oito dias.

CAPITULO X

Da dotação do ensino primario

Art. 61.° Os vencimentos dos professores e ajudantes de ambos os sexos, das escolas de instrucção primaria com ensino elementar e complementar, são encargo obrigatorio das camaras municipaes.

§ 1.° Incumbe ás juntas de parochia dar casa para escolas, ministrar habitação aos professores, fornecer mobilia escolar, organisar a bibliotheca das escolas e auxiliar as commissões promotoras de beneficencia e ensino.

§ 2.° As juntas geraes do districto votam nos seus orçamentos annuaes as verbas indispensaveis para os encargos que lhes pertencem pela presente lei.

O governo concorre annualmente com a verba de réis 200:000$000, que será incluida no orçamento geral do estado para subsidiar as juntas de parochia na construcção dos edificios escolares. Este subsidio nunca excederá a metade do custo total das despezas de construcção, e será distribuido segundo as mais condições que forem determinadas nos regulamentos.

Art. 62.° São applicados ás despezas obrigatorias das camaras municipaes com as escolas de instrucçao primaria:

I. Os productos da venda, aforamento, arrendamento ou cultura dos baldios municipaes;

II. As doações, legados e subsidios de individuos ou corporações;

III. Os rendimentos das confrarias, irmandades e estabelecimentos de beneficencia, que forem legalmente extinctos;

IV. O producto da retribuição escolar de que trata o artigo 22.°;

V. A importancia das quotas com que as camaras municipaes contribuem para as despezas districtaes. Esta importancia será a que tiver sido derramada pelas juntas geraes para o anno economico de 1870-1876;

VI. O producto das contribuições directas e indirectas que as camaras municipaes estão auctorisadas a lançar nos termos das leis.

§ 1.° A receita que as juntas geraes de districto estavam auctorisadas a votar por meio de derramas pelas camaras municipaes, fica substituida pelas percentagens addicionaes ás contribuições geraes do estado, predial, industrial, sumptuaria e de renda de casas, lançadas e cobradas pela fórma estatuida na carta de lei de 3 de abril de 1873.

§ 2.° Se a importancia das quotas a que se refere o n.° V d’este artigo for superior aos encargos das camaras municipaes com a instrucçao primaria, o remanescente será pelas respectivas camaras convertido em inscripções da junta, do credito publico, cujo rendimento não poderá ter outra applicação, que não seja a de melhorar e beneficiar o ensino primario.

Art. 63.° São applicados ás despezas obrigatorias das juntas de parochia, para os fins determinados no § 1.° do artigo 61.°:

I. O producto da venda, aforamento, arrendamento ou cultura dos baldios parochiaes;

II. As doações, subsidios e legados de individuos ou corporações;

III. O producto de uma percentagem até 10 por cento sobre o rendimento illiquido de todas as irmandades e confrarias existentes na parochia, que não sustentarem a expensas suas hospitaes ou alguma escola de qualquer ensino com professor legalmente habilitado.

IV. O producto das derramas que as juntas de parochia estão auctorisadas a lançar nos termos da lei.

CAPITULO XI

Disposições geraes

Art. 64.° O governo, de cinco em cinco annos, abre concurso para os livros destinados ás escolas de instrucçao primaria, elementar e complementar.

§ 1.° Dos livros, sobre cada disciplina, que merecerem a approvação do jury, nomeado para este fim, mandará

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tirar uma edição de 10:000 exemplares para serem gratuitamente dados aos auctores.

§ 2.° O preço dos livros preferidos pelo jury é taxado pelo governo.

Art. 65.° O governo é auctorisado a conceder um premio de 200$000 réis e outro de 100$000 réis, em cada circumscripção escolar, aos alumnos que em concurso derem provas de mais distincta capacidade e aproveitamento.

§ unico. O concurso será aberto de tres em tres annos, e conforme as condições prescriptas nos regulamentos, e sómente será conferido a alumnos que durante este periodo tiverem concluido o curso de instrucção primaria, e leito os respectivos exames, e que em virtude da sua pobreza necessitarem deste auxilio para continuar os seus estudos.

Art. 66.° O governo constituo annualmente, nos legares em que julgar mais opportuno, jurys para examinar os candidatos ao professorado primario elementar e complementar. As epochas methodos e programmas para estes exames são determinados pelo governo em regulamentos especiaes.

§ unico. A approvação em qualquer curso de instrucção secundaria ou superior é habilitação sufficiente para o magisterio elementar ou complementar.

Art. 67.° As escolas primarias serão providas de bibliothecas, contendo os livros necessarios para o estudo das disciplinas de instrucçao primaria elementar e complementar.

Art. 68.° O governo apresenta biennalmente ás camaras legislativas um relatorio sobre o estado da instrucçao primaria em todo o paiz.

Art. 69.° As juntas geraes do districto e as camaras municipaes promovem a creação de asylos de educação, como auxiliares da escola primaria, para recolherem as creanças de tres até seis annos.

§ unico. O governo propõe annualmente ás côrtes uma verba destinada a auxiliar estes estabelecimentos.

Art. 70.° São objecto de disposições regulamentares todas as providencias necessarias para o exacto cumprimento desta lei.

Disposições transitorias

Art. 71.° Os actuaes professores vitalicios de instrucçao primaria de ambos os sexos continuam a ser abonados dos ordenados e gratificações que por lei lhes competirem até dois annos depois da publicação desta lei. D’esta data em diante ser-lhes-hão pagos pelas camaras os seus venci mentos, nos termos da presente lei.

§ 1.° As mesmas disposições são applicadas aos actuaes professores temporarios.

§ 2.° Os direitos adquiridos, em virtude das leis vigentes, são garantidos, para todos os effeitos, aos professores, quer vitalicios, quer temporarios, que exercem actualmente o magisterio.

§ 3.° Conta-se para a jubilação ou aposentação o bom e effectivo serviço, prestado na qualidade de professor vitalicio ou temporario, anteriormente á presente lei. N’este caso o estado contribuo para o vencimento de professor jubilado ou aposentado pelas camaras municipaes, com um terço, se o serviço anterior á lei for de dez annos completos; um terço e o augmento proporcional ao numero de annos se o serviço for de dez até vinte; dois terços se o serviço for de vinte ou mais annos.

Art. 72.° A obrigação do ensino começa desde o dia em que na parochia ou parochias reunidas se estabeleça escola primaria para cada sexo, ou escola mixta, segundo o que dispõe o artigo 19.°, e que se ache constituido serviço de inspecção no respectivo circulo escolar.

Art.º 73.° Nenhuma escola actualmente em exercicio póde ser supprimida.

§ unico. As juntas de parochia são obrigadas a dar casa para aula, e habitação aos professores das escolas actuaes, nos termos d’esta lei.

Art. 74.° As disposições d’esta lei, em relação á creação das escolas, devem estar em vigor no fim de mez annos, a contar da data da sua promulgação.

§ unico. As camaras municipaes e as juntas de parochia crearão e dotarão annualmente pelo menos a decima parte das escolas que lhes compete fundar nos termos desta lei.

Art. 75.° As camaras municipaes, conjuntamente com as juntas escolares, procedem á elaboração do plano geral provisorio das escolas, e á sua distribuição nos mesmos concelhos. Serão expressamente indicadas, a reunião de parochias e a constituição de escolas mixtas n’este plano o qual será entregue aos inspectores, no fim do primeiro semestre, e por estes remettido ao governo, a fim de servir á formação do plano provisorio das escolas do reino.

§ unico. Este plano póde ser successivamente modificado pelo governo, ouvido o inspector da circumscripção e as camaras municipaes, todos os annos, até a completa execução da lei, segundo as regras estabelecidas.

Art. 76.° O governo, durante o primeiro triennio, não havendo pessoal habilitado, nos termos d’esta lei, para os cargos da inspecção e sub-inspecção, póde nomear estes funccionarios de entre os professores de instrucçao primaria, secundaria ou superior, de individuos com o curso das escolas normaes, ou com algum curso superior. Estas nomeações poderão tornar-se vitalicias, só ao fim do triennio se provar que estes cargos foram desempenhados com zêlo e capacidade.

§ unico. Os professores assim nomeados conservam os seus actuaes vencimentos, quando sejam superiores aos dos cargos que vão exercer; se esses vencimentos forem inferiores aos dos logares para que são nomeados, recebem um supplemento de ordenado igual á differença.

Art. 77.° Logo que esteja organisada a inspecção nos termos desta lei, ficarão extinctos os actuaes logares de commissario dos estudos.

Art. 78.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 24 de março de 1875. = Joaquim Gonçalves Mamede, = presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Barão de Ferreira dos Santos, deputado secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade o parecer n.° 312.

Tem a palavra o sr. conde de Rio Maior.

O sr. Conde do Rio Maior: — Francamente eu não julgava que este projecto viesse hoje á discussão; alem d’isso o meu estado de saude não é bom, e, portanto, a camara desculpará, se as reflexões, que vou apresentar, não tiverem aquella ordem, aquella sequencia, que é necessaria nos discursos proferidos perante esta respeitavel assembléa; todavia não posso deixar de discutir esto projecto, porque elle é muito grave, e desejo affirmar bem a minha opinião sobre elle, da mesma fórma que a tenho accentuado em relação a outros assumptos não menos importantes de que dignos pares ultimamente se têem occupado.

Não sou adversario do desenvolvimento do ensino elementar. Certamente não quero de maneira alguma que subsista e continue essa grande ignorancia, que infelizmente ha no nosso povo; mas ainda assim não posso nem devo declarar-me favoravel a este projecto.

Muita gente sabe que tenho sido, quanto é possivel nas minhas limitadas forças, energico collaborador da idéa da propagação de escolas, e alguns resultados tenho alcançado nesse sentido; portanto o meu voto não é suspeito.

Não venho regatear louvores e elogios ao sr. ministro do reino, sou um d’aquelles, que podem dar testemunho do quanto s. exa. tem procurado promover durante a sua estada no poder a creação de escolas. Eu estimaria ter agora aqui uma relação do numero de escolas primarias creadas depois que o sr. Sampaio entrou para o ministerio.

Estas estatisticas muito abonam o zêlo de s. exa. neste importante serviço commettido ao seu cuidado, e bastariam, se não fosse sufficiente a afirmativa daquelles, que, tra-

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tando diariamente com o illustre secretario d’estado, podem repetir quanto s. exa. se interessa pelos progressos da instrucção primaria.

Sr. presidente, antes de entrar na materia quero fazei uma declaração.

Não nego, sr. presidente, o triste estado da instrucção primaria em Portugal, muito bem conheço a triste situação em que nos achâmos a este respeito.

Não desejo cansar a camara, repetindo a leitura das estatisticas, que, em referencia a este importantissimo assumpto, foram notadas na camara dos senhores deputado pelo illustre relator do projecto; comtudo, para se ver que eu não ignoro o mal, lembrarei á camara que n’esse relatorio se diz ser a proporção dos aluirmos dos dois sexos matriculados em instrucção primaria de 1 para 25 habitantes, o que não acontece em outras nações civilisadas, pois na Allemanha, na Suissa, na Dinamarca e na Suecia o ensino é obrigatorio sem ser universalmente gratuito, e a proporção dos alumnos para os habitantes oscila entre 1 para 6 e 1 para 7; e na Hollanda, Bélgica e Franca, onde a instrucção primaria não é obrigatoria, mas poderosamente coadjuvada pela intervenção combinada das localidades e do poder central, a proporção varia de 1 para 8 a 1 para 13.

Mas, sr. presidente, se eu confesso o mal não quero dizer com isto que approvo o estabelecimento do ensino obrigatorio.

Ha uma cousa curiosissima; esta camara, appellidada de conservadora, ha um certo tempo a esta parte parece partilhar das idéas mais avançadas.

A lei eleitoral, a morte da hereditariedade, significam não ser injusta a minha observação: mas, referindo-me agora ao ensino obrigatorio, direi não podem sustentar os dignos pares que esse principio é indiscutivel; quem tal pensa engana-se completamente.

Em França altos espiritos o combatem, e em Inglaterra o ensino obrigatorio, admittido em algumas parochias, não e comtudo doutrina universal. N’isto como em muitas outras cousas a Inglaterra prova a idéa da descentralisação, pois n’aquelle grande paiz o espirito local e as condições particulares influem muito na applicação das leis.

Sr. presidente, eu desejo o desenvolvimento da instrucção publica e principalmente do ensino primario em Portugal; mas entendo que o melhor meio de o conseguir é pela liberdade completa do ensino.

Em França hoje esta é a lei, até para as escolas superiores; e este principio tem tanta força, que aquelles mesmos que o combatem, quando são poder, não conseguem reformar a lei. E a prova é o que se passou rio ministerio de M. Wadington, continuando as universidades livres, como antes se tinham approvado.

Eu digo á camara que não ha principio mais liberal, porque este principio da liberdade de ensino, respeitando a liberdade de consciencia, dá direito não só a cada um ensinar, mas tambem aprender nas condições em que melhor lhe agrade.

Este principio que respeita o direito individual, e que é um principio absoluto e natural, julgo-o vantajoso e muito conveniente para combater com efficacia certas idéas ruins. Não é um perigo a minha doutrina, mas uma conquista do progresso!

Eu posso dizer á camara que em algumas localidades, nas quaes não indicarei nem professor, nem escola, porque estou aqui para tratar só a questão de principios, e não para representar um papel ominoso, o mestre régio é indifferente e inutil na luta contra as más idéas, e a escola livre tem-nas combatido com a maxima vantagem.

Sr. presidente, este principio de liberdade é excellente e n’elle fundo muita esperança; bem aproveitado ha de dar optimos resultados a favor do ensino.

Este principio, que a dictadura de 1870 seguiu e estabeleceu, que só por si a absolveria de muitos outros peccados, está com relação á instrucção primaria elementar e complementar consignado no artigo 27.° do projecto, e para se ver os resultados não é necessario ir longe.

Um dos mais illustrados escriptores do nosso paiz, o sr. D. Antonio da Costa, que tanto tem tratado destas questões de instrucção, diz no seu livro «Historia da Instrucção Popular em Portugal» que o terreno ganho pela liberdade do ensino é o seguinte: em 1840 havia 270 escolas ou collegios livres; e em 1871, isto é, menos de um anno, depois da dictadura de 1870 ter promulgado a excellente lei, havia 1:500; e o sr. D. Antonio diz com. fundamento que sextuplicarão dentro em vinte e cinco annos!

Isto é o effeito da liberdade! É a arvores frondosa, desenvolvendo todos os seus ramos pela influencia benéfica e ao sol ardente do principio liberal! (Apoiados.}

Eu não reivindico o beneficio da ignorancia, mas reivindico em nome da liberdade humana o direito, que o pae tem, de dar a seu filho mestres de sua inteira confiança. Esto principio é indispensavel. O projecto diz no seu artigo 5.°, que a instrucção primaria elementar é obrigatoria desde a idade dos seis aos doze annos para todas as creanças de um e outro sexo; e no § 1.° estabelece a excepção de não ser obrigado a ir á escola official aquelle, que receber ensino na sua propria casa ou em escola particular.

Mas agora opporei á doutrina do projecto um exemplo: pratica é a questão e praticamente deve ser tratada, melhor se poderá então conhecer as vantagens e inconvenientes da lei. Ha, por exemplo, um homem analphabeto, que não tem condições para dar o ensino primario a seu filho, nem escola particular perto de casa, onde possa mandal-o, mas esse homem analphabeto é temente a Deus, é homem de ordem, e crê profundamente nos principios, que regem este paiz.

Ora, pergunto eu, esse homem ha de ser obrigado a mandar o filho á escola regia, onde elle sabe que está um mestre, cheio todo de ruins idéas, porque os ha infelizmente, e o empenho e outros motivos explicam as nomeações?! Peço á camara que tenha em attenção as minhas palavras, não se trata só da geração presente, mas da futura, e é necessario não a prejudicar!

Fallemos das cidades e fallemos dos campos, sr. presidente; em relação ás cidades, uma vez que a situação das creanças chama a nossa attenção, lembrarei ao sr. ministro o que se passa no trabalho das fabricas, onde os infantes estão trabalhando muitas mais horas do que podem e devem, e para aqui imploro muito particularmente a caridade e o espirito recto do sr. Sampaio. Sr. presidente, no campo, entenda-se bem, ha muita creança de seis annos, que todo o dia ganha pão para si e para a familia.

No artigo 17.° diz-se «as camaras municipaes, ouvida a junta escolar, tomarão as providencias convenientes para que a escolha das horas dos exercicios escolares seja compativel com o emprego dos alumnos nos trabalhos da profissão a que se applicarem». Apesar do espirito recto, que presidiu á commissão, admittindo este artigo, o pensamento geral do projecto, e as multas estabelecidas pelas faltas do frequencia fazem que eu julgue a dispensa, tão limitada como indica o artigo, insufficiente. Receio vexames, e, quando vejo em frente de mim um direito, não quero deixar entrar o vexame pela porta falsa.

Sr. presidente, eu sinto faltar-me o tempo e a saude, estou tratando a questão summariamente, debaixo dos differentes pontos de vista geraes, que mais chamam a minha attenção, e a camara desculpará as lacunas do meu discurso.

Em relação ás multas, os principios que aqui se estabelecem, posso dizer que são desgraçadissimos. Eu invoco os sentimentos de caridade desta assembléa para todas as exageradas penas impostas pelo artigo 11.º e seguintes do projecto.

Sr. presidente, embora o artigo 70.°, estabelecido pela commissão, isente do imposto do sêllo e fiquem gratuitos todos os processos executivos e intimações, a que o projecto

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se refere, para a cobrança das multas escolares, e igualmente dispense de sêllo as certidões dos facultativos e os attestados dos parochos, que, segundo o artigo, têem de ser passados para justificar as faltas, todavia as multas aluda suo muito pesadas e vexatorias.

Eu estou vendo a questão só no terreno pratico, e como o sr. presidente do conselho disse aqui um d’estes dias ser homem pratico, necessariamente concordará que é no campo pratico, e unicamente no campo verdadeiramente pratico, que se deve tratar esta gravissima questão, que visa sobretudo o pobre!

O principio, que se estabelece, é perfeitamente impossivel no campo. Ali, entre outros trabalhos, ha os da monda, os da respiga, para os quaes partem as creanças e familias inteiras, e vão para os sitios onde foram contratados, e onde sempre se demoram trinta e mais dias. Ali vae o pobre não buscar a abundancia, mas juntar os vintens para pagar as despezas extraordinarias, que só hão de juntar ao magro orçamento do seu sustento diario!

Este facto é commum e vulgar, e, dado elle, estabelecidas as disposições dos artigos 12.° e 13.°, o que acontece?

A familia emigrada volta para a sua terra e o nosso povo, que conhece pouco as leis, que ignora completamente estes famosos artigos do projecto, encontra ao entrar em casa o vexame da multa, cobrada, como diz o § 1.° do artigo 15.°, pela mesma fórma como são cobradas as contribuições do estado!

Não se diga que eu estou phantasiando; estas subitas emigrações e partidas de familias e aldeias inteiras são constantes.

Chega o engajador, e a familia parte.

Posso citar mais exemplos; na epocha de apanha da azeitona e da ceifa dá-se este caso em propriedades minhas, para onde vêem trabalhadores e familias de bem longe, ia os vejo até vindos da Beira Alta.

Essas familias inteiras, repito meus senhores, veem ganhar o pão, o descanso para os mezes de inverno; e como podemos nós exigir d’ellas o cumprimento severo das disposições d’este projecto, e vexal-as, pedindo-lhes as multas, porque os filhos não foram á escola? (Apoiados.)

Esta é a questão pratica.

Ou a lei é uma illusão e não se cumpre, ou se a executam vão praticar actos crueis contra o povo, e isto a pretexto de derramar a instrucção primaria.

Citarei mais um exemplo, que li ainda esta manhã.

Em uma parochia de Inglaterra, onde estava estabelecido o ensino obrigatorio, uma familia, composta da mãe viuva e quatro filhos, foi chamada perante o tribunal por não cumprir o filho mais velho o preceito da lei, indo á escola.

Apresentada em juizo a pobre mulher disse — trabalho todo dia para comer e alimentar os meus filhos, e esta creança de oito annos, em quanto estou ausente, guarda os mais pequenos, por isso não vae ao ensino primario.

O agente do ministerio publico, provada a falta pela confissão da accusada, requereu a imposição da multa; porem o juiz não sentenciou em conformidade com este requerimento.

«Não sei, disso elle, condemnar uma mãe, porque procura não morrer á fome com os filhos!»

Sr. presidente, quaes são os deveres do pae? São ensinar o filho a amar a Deus, a patria e a familia! Habilital-o, finalmente, de modo que essa creança não seja um dia condemnada á miseria.

Estes são os deveres do pae, e não vejo incluido nelles o ensino obrigatorio.

Não quero dizer que a instrucção não seja utilissima. Sou homem do meu tempo, não nego a vantagem da instrucção do povo, é altamente conveniente que todos saibam ler e escrever, mas não é menos necessario que os salutares principios da religião e da moral sejam attendidos,

Isto primeiro, e como condição indispensavel respeito á liberdade de consciencia, que é atacada com a imposição da escola regia obrigatoria!

Quando os portuguezes furam tão grandes, o povo não era illustrado, e, todavia, o nivel moral da nação estava alto; esta moral é que eu quero conservar primeiro, e preciso para isto garantir ao pae o direito de educar o filho nos sagrados principios, que sempre dominaram n’este paiz.

O mestre regio obrigatorio póde ser bom, póde ser óptimo; mas póde ser mau, e eu peço garantias para os pães.

Estabeleça o governo escolas, estabeleça-as o ensino livre, quantas mais melhor, mas respeitemos os direitos e as consciencias.

Estou cansado, sr. presidente, mas eu não quero deixar de apresentar algumas emendas a differentes artigos d’este projecto, e de as sustentar.

Lima dessas emendas é ao artigo õ.° § 2.°, e se ella for admittida, remedeia até certo ponto um dos maus effeitos da lei.

A emenda é para não ser obrigatorio o ensino, quando a creança reside a mais de um kilometro de distancia de alguma escola gratuita, publica ou particular, permanente ou temporaria. O projecto diz dois kilometros.

Os dignos pares julgam que as estradas municipaes estão no caso das ruas de Lisboa? Enganam-se completamente; muito embora o estado das ruas de Lisboa não seja o melhor, como ainda ha pouco tempo tive a honra de o dizer á camara.

A poucas leguas da capital, muito perto da quinta de Subserra, os caminhos são impossiveis.

Sc está na camara alguem, que conheça o sitio, dirá como são as communicações de «A dos Loucos» e dos «Cotovios» para a freguezia, onde ficará a escola provavelmente; isto é, como se communica entre estas aldeias e a igreja de S. João dos Montes?

Os caminhos suo desgraçadissimos, são péssimos, estão em condições taes que um homem robusto custa-lhe a transitar por elles. Isto um pouco por toda a parte, quando não é a estrada real.

Quando vem o mau tempo, as grandes chuvas, ou mesmo os grandes calores, como se ha de exigir que uma creança de seis annos transite por taes estradas, e depois ha do ir acompanhada por alguma pessoa da familia, tendo esta de largar o trabalho para fazer este diverso serviço?

Insisto: póde exigir-se de uma creança de seis annos o ir só, por caminhos destes e numa distancia de dois kilometros, com outros dois, que ha de andar no regresso a casa?

Portanto, eu proponho em logar de dois, que seja um kilometro.

Eu sei pelos inspectores dos expostos as terriveis difficuldades, que elles encontram para fazer a inspecção, e quanto ás vezos é incommodo transitar de umas aldeias para as outras.

Em relação ao artigo 7.° não apresento emenda, só um additamento, chamando para elle a especial attenção do sr. relator; tenho collaborado muito em negocios relativos a instrucção primaria e sei como as cousas se passam.

Acho bem, como dispõem o artigo 7.° § unico, que ao orphão, filho de viuva pobre ou de pae indigentes, seja ministrado vestuario, fora os livros e os outros meios indispensaveis para poder frequentar a escola. Isto é, comtudo, mais facil de se dizer do que de se fazer, e as juntas de parochia e as commissões promotoras muito terão que lidar para chegar a este resultado; mas eu agora esqueço-me que o ensino é obrigatorio, e no interesse de elle ser dado, não quero ver prescriptas da escola as creanças rotas e descalças.

A tendencia do professor, e isso comprehende-se, é ter os aluamos muito arranjadinhos, e mesmo este pensamento é causa ás vezes de excellentes actos de caridade, provo-

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cados pelo proprio mestre; todavia, convem evitar que por causa d’isto os desgraçados fiquem pela sua extrema miseria deitados fóra da escola.

Repito, eu estou imaginando a escola livre, e digo como faço nas minhas, onde nenhum roto, descalço ou esfarrapado deixa de entrar por este motivo.

0s inglezes têem umas escolas conhecidas pelo nome de escolas de rotos — ragged schools; e eu acho optimo que os homens particularmente dedicados a este utilissimo fim não esqueçam tão meritoria instituição.

Sr. presidente, sem fallarmos nos filhos de viuvas pobres e de paes indigentes, quantos pães não podem pagar as despeitas escolares?

A pobreza tem graduações; os livros, papel e as pennas é um encargo para muitos bastante forte.

Ainda ha outro additamento, que desejo apresentar. Refere-se ao artigo 12.°, § 2.°:

«As communicações consideram-se interrompidas, quando pela intemperie do tempo, ou calor excessivo da estação houver perigo para a vida e saude da creança em percorrer a distancia entre o domicilio e a escola.»

Eu faço esta proposta, sr. presidente, porque não se póde dizer caso de força maior ou communicações interrompidas o facto de fazer muito calor; e todavia pergunto eu. Poderá uma creança de seis annos, idade extrema marcada na lei, percorrer todos os dias, debaixo de um sol ardentissimo, no verão, distancia tão grande para ir á escola?

Isto não póde ser.

Permitia-mo a camara apresentar mais alguns additamentos. São conformes com as idéas, que tenho sempre defendido, graças a Deus, e que continuarei a sustentar.

É o seguinte:

Ao artigo 17.° addito:

«Os cursos dominicaes a que se refere o artigo 24.° do projecto, só podem ter logar depois da uma hora da tarde.»

Eu admitto as escolas dominicaes, mas desejo que se estabeleça que o seu exercido só poderá começar depois da uma hora.

Faço esta proposta, para que as creanças possam ir á missa, e para que não recebam talvez um sorriso desdenhoso do professor, como resposta á explicação que apresentam da sua falta. Sc não tiverem maior difficuldade, ainda, na grua justa desculpa pela chegada tarde á escola!

Eu não entendo que se possa dar ensino o educação, desprezando a instrucção religiosa, base da moral, e elemento principal da constituição da familia e da sociedade; e infelizmente e urgente pôr esta regra na lei, porque alguns, senão muitos, a podem esquecer.

Graças a Deus, a nossa sociedade portugueza ainda hoje é religiosa e crente na sua maxima parte, e convem poupal-a contra perigos iminentes.

Sr. presidente, como additamento ao artigo 40.° proponho mais:

«O professor ou professora que, no exercicio do magisterio primario, ensinar ou inculcar doutrinas contrarias á religião catholica, á moral, á liberdade e á independencia da patria, será demittido nos termos d’este artigo, independente da acção criminal, que contra elle deve ser intentada pelos crimes previstos nos artigos 130.° e seguintes e 170.° do codigo penal portuguez.

«Os paes, tutores ou outras pessoas encarregadas da sustentação e educação das creanças, podem requerer individual ou collectivamente á camara municipal contra o professor ou professora que tiver commettido as faltas indicadas, n’este artigo.»

Pois, sr. presidente, quer-se o ensino obrigatorio, e não estão os pães no direito de reagir contra os principios demagógicos e atheus, que, porventura, algum professor, ignaro no cumprimento do seu dever, queira incutir no espirito dos alumnos?

Esta questão é grave, sr. presidente, e chamo tambem para ella a attenção da camara dos dignos pares.

Proponho mais um additamento ao artigo 30.° § 1.°

Estou, sr. presidente, preparando armas para, se se votar o principio obrigatorio, ter a probabilidade de combater com vantagem a propaganda de doutrinas perversas.

O additamento é o seguinte:

«Attestado de bom comportamento moral e religioso, passado pelo juiz da comarca, administrador do concelho o presidente da camara onde o candidato tiver residido nos ultimos dois annos.»

Parece-me esta condição essencial; não basta, sr. presidente, que declaremos as habilitações litterarias necessarias para o professor, é indispensavel que elle tenha igualmente condições de moralidade.

Eu não tenho certeza; mas creio que nos exames para adquirir a capacidade legal para o ensino primario elementar alguma cousa se exige no sentido da minha proposta; mas parece-me conveniente, na occasião de entrar um individuo para o professorado, ter este de provar novamente a sua muita moralidade.

Em relação ás conferencias annuaes de professores, eu proponho quasi o mesmo que sustentei; quando se tratou da presidencia da junta de parochia, para que fosse o parocho admittido na junta, como sendo o representante da religião.

O sr. ministro do reino, como bom cidadão, concordou na necessidade de fazer intervir o parocho nos actos da junta e nas deliberações sobre assumptos relativos aos interesses ecclessiasticos da parochia e administração da fabrica, quando a junta for fabriqueira.

Tambem agora e necessario chamarmos o parocho para elle assistir a estas conferencias.

Quando se trata da questão de educação e do ensino, o parocho deve sor ouvido. E digo mais, sr. presidente, e com fundamento, eu sei de certas prelecções e conferencias, onde se teem proferido tristes doutrinas; quero, pois, que o parocho lá esteja para, quanto possa, poder proteger o seu rebanho.

Proponho, portanto, como additamento ao artigo 59.° o seguinte:

«Os parochos devem assistir ás conferencias, e podem exigir que o seu parecer se consigne nas actas, nos termos d’este artigo, § 4.°, mas não têem voto.

N’estas conferencias é expressamente prohibido discutir assumptos contrarios á religião do estado e ao systema politico que nos rege. Só as questões relativas ao ensino da instrucção primaria podem ser tratadas.»

Eu, sei, sr. presidente, de certa escola, e eu não a nomeio porque não represento papel de denunciante, onde a proposito de lição de geographia se diz: Portugal tem estes e aquelles limites, e uma historia sua; comtudo, os meninos julguem como lhes parecer sobre a divisão da penisula iberica!»

Temos professores excellentes, dignignissimos, temos tambem alguns que muito deixam a desejar. Attenda-se, sr. presidente, a esta minha proposta.

É necessario que se não diga que esta camara é conservadora só no nome.

Eu lembrarei o que, aconteceu em França no tempo de Napoleão III, quando mr. Rouher era ministro; as camaras votavam-lhe sem alteração todas as leis; e depois o que aconteceu?

Não vá esta camara fazer agora o mesmo.

Algumas das leis do celebre ministro de instrucçao publica, mr. Duruy, foram muito festejadas pelos imperialistas, e ao mesmo tempo tinham o louvor d’aquelles que mais animaram a communa. Não estimo taes glorias, e quando ouço o elogio, entendo necessario precaver os homens de ordem.

Eu desejo o progresso, mas como elle deve ser, e não de accordo com os programmas dos revolucionarios.

Por estas rasões apresentei o additamento.

Sr. presidente, eu prefiro as leis longamente pensadas,

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e esta, que, segundo diz o artigo 74.°, só estará em plena execução dentro de dez annos, póde esperar para mais reflectirmos sobre ella.

Não estejamos a discutir medindo as horas que o parlamento ha de estar aberto.

No projecto ha uma cousa que muito me agrada, e é o que diz respeito á creação das bibliothecas das escolas. Saúdo este principio; nas é necessario que elle esteja ligado a certas regras.

Addito o artigo 61.° § 1.° pela fórma seguinte: «A responsabilidade da escolha dos livros da bibliotlieca da escola pertence á junta de parochia. Os pães, tutores ou outras pessoas encarregadas da sustentação e educação das creanças podem requerer ao inspector para qualquer livro ser retirado da bibliotheca da escola, devendo este funccionario informar immediatamente o governo para que este, ouvida a junta superior de ins tracção publica, resolva sobre o assumpto.

«No caso do livro ser retirado da bibliotheca, os vogaes da junta de parochia ficam incursos collectivamente numa multa que póde variar de 4$000 a 9$000 réis, e que será imposta pela junta superior de instrucção publica, alem do preço do livro que terão de repor.»

Sabem v. exas. por que eu proponho isto?

Porque ha bibliothecas populares em que os romances mais lidos são os de Paulo de Kock!

Sr. presidente, proteger o ensino do povo e o dever de todos nós; mas para mim nada ha mais salutar do que o desenvolvimento da escola livre. A liberdade é arvore excellente, que ha de dar os óptimos fructos!

Ha outra providencia muito salutar, que o governo pude e deve tomar. Tire o sr. Sampaio ás associações beneficas, protectoras da escola livre e aos estabelecimentos de caridade o pesado encargo do pagamento da contribuição de registo pelos legados, que lhes são deixados.

Sabe v. exa. o que aconteceu ultimamente com relação a uma propriedade, que rende 60$000 réis e que foi legada a uma das minhas escolas? Tivemos de pagar, fóra as despezas judiciaes, do contribuição de registo 284;$240 réis; quer dizer, é mais do que a renda de cinco annos, absorvida pelo imposto e peio judicial!

Chamo para este assumpto a attenção do governo.

Eu pergunto, se o legado foi deixado ao governo ou se foi deixado á escola?

Agora, na Misericordia, quando houve esse importante legado de 100:000$000 réis, deixado pelo bondoso Serafim Bastos, teve a Santa Casa de pagar para os fins indicados mais de 5:000$000 reis!

Este imposto, sr. presidente, não é tão sensivel a um estabelecimento rico, mas a outro que não tenha os mesmos recursos faz uma grande differença. Foi isto exactamente o que aconteceu á minha escola, para a qual o legado trouxe uma crise financeira e a desorganisação do equilibrio do seu orçamento. É muito bom imitar o estado, que deve suppor-se sabiamente, governado, mas até este ponto é excessivo.

Sr. presidente, estou muito cansado e parece-me ter dito o suficiente para justificar as propostas, que mando para a mesa; por isso concluo. (Apoiados, muito bem.)

(O orador foi cumprimentado por muitos dignos pares.)

O sr. Visconde da Praia Grande: — Mando para a mesa um parecer da commissão de marinha.

O sr. Presidente: — Convido o digno par, o sr. conde de Rio Maior, a mandar para a mesa as suas propostas.

Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Substituição ao artigo 5.° § 2.° — Que residem a mais de um kilometro de distancia de alguma escola gratuita, publica ou particular, permanente ou temporaria.

Additamento ao artigo 7.° § 1.° A pobreza de vestuario não é rasão sufficiente para dispensar a frequencia da escola.

Sendo rejeitada a minha substituição ao artigo 5.° § 2.°, proponho:

Additamento ao artigo 12.° § 2.° — As communicações consideram-se interrompidas quando pela intemperie do tempo, ou calor excessivo da estacão, houver perigo para a vida e saude da creança em percorrer a distancia entre o domicilio e a escola.

Additamento ao artigo 17.° — Os cursos dominicaes, a que se refere o artigo 24.°, só podem ter logar depois da uma hora da tarde.

Additamento ao artigo 40.° — O professor ou professora que, no exercicio do magisterio primario, ensinar ou inculcar doutrinas contrarias á religião catholica, á moral, á liberdade e á independencia da patria será demittido nos termos deste artigo, independente da acção criminal que contra elle deva ser intentada pelos crimes previstos nos artigos 130.° e seguintes, e 170.° do codigo penal portuguez.

Os paes, tutores ou outras pessoas encarregadas da sustentação e educação das creanças podem requerer individual ou collectivamente á camara municipal contra o professor ou professora que tiver commettido as faltas indicadas n’este artigo.

Additamento ao artigo 30.° § 1.° — Attestados de bom comportamento moral e religioso, passados pelo juiz da comarca, administrador do concelho o presidente da camara onde o candidato tiver residido nos ultimos dois annos.

Additamento ao artigo 59.° — Os parochos devem assistir ás conferencias, e podem exigir que o seu parecer se consigne nas actas, nos termos d’este artigo, § 4.°, mas não têem voto.

N’estas conferencias é expressamente prohibido discutir assumptos contrarios á religião do estado e ao systema politico que nos rege. Só as questões relativas ao ensino da instrucção primaria podem ser tratadas.

Additamento ao artigo 61.° § 1.° — A responsabilidade da escolha dos livros da bibliotheca da escola pertence á junta de parochia. Os pães, tutores ou outras pessoas encarregadas da sustentação e educação das creanças podem requerer ao inspector para qualquer livro ser retirado da bibliotheca da escola, devendo este funccionario informar immediatamente o governo para que este, ouvida a junta superior de instrucção publica, resolva sobre o assumpto.

No caso do livro ser retirado da bibliotheca, os vogaes da junta de parochia ficam incursos collectivamente numa multa, que póde variar de 4$500 a 9$000 réis, e que será imposta pela junta superior de instrucção publica, alem do preço do livro, que terão de repor. = O par do reino, Conde de Rio Maior.

0 sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem estas propostas á discussão, tenham a bondade de se levantar.

Foram admittidas.

Leram-se na mesa dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

1.ª Auctorisando o governo a emittir, pela junta do credito publico, inscripções de assentamento a favor do banco Lusitano, pela importancia de bonds extraviados.

Á commissão de fazenda.

2.ª Fixando o numero de recrutas para o contingente da armada nos annos de 1877 e 1878.

Á commissão de marinha.

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O sr. Mártens Ferrão: — Sustentou o parecer da commissão, e respondeu ás objecções do sr. conde de Rio Maior.

O sr. Marquez de Ficalho: — Eu já tive occasião de fallar n’esta camara ha muitos annos em assumpto similhante ao que se discute; e hoje, como n’aquelle tempo, direi que para mim a questão toda é de methodo, o que equivale a dizer que desejo boas professores.

A pratica tem-me mostrado que infelizmente muitos dos nossos professores não estão á altura da missão que lhes está commettida.

Todos nós sabemos que ha creanças que frequentam uma escola tres, quatro e cinco annos, e sáem de lá sabendo quasi tanto, como quando entraram, em consequencia do pouco saber do professor e do methodo de ensino que elle adopta.

Na verdade é triste que estes factos se dêem, e eu desejaria muito que se "tratasse de melhorar este estado, que tantos males produz.

Lembram-me tres ou quatro anecdotas, que provam bem o estado de todas estas escolas.

Um dos mestres da minha vizinhança, quando eu residia em... respondeu a alguem que lhe mandára um Methodo de Monteverde para ensinar as creanças a ler: «Emquanto eu tiver o Lunario perpetuo e o Thesouro dos meninos não e necessario mais livro algum (Riso.)

Outro, quando só via embaraçado na leitura de qualquer das paginas da Vida de D. João de Castro, e principiava a gaguejar, dizia n’um tom solemne: «Passemos em silencio!» (Riso.)

Por consequencia votando o projecto sem attender a este ou áquelle systema, a mais ou a menos obrigação de mandar ensinar os pequenos, eu entendo que a questão principal a considerar é a escolha de mestres. Já alguem me contestou esta opinião, quando disse n’outra occasiao algumas palavras a este respeito. Cada professor de instrucção primaria devia ser chamado a um exame, para que se conhecesse se elle tinha habilitações para continuar a exercer o magisterio.

Estive na Suissa, e VI lá cousas admiraveis sobre methodo de ensino, entre ellas uma que eu não julgava que se fizesse e produzisse tanta utilidade.

Vi uns poucos de pequenos entrarem para a escola e, passados vinte minutos, tornei a vel-os sair uns atrás dos outros, correndo e gritando, como é proprio de creanças.

Perguntei ao mestre por que tinha tido a lição tão curta demora, e elle respondeu-me: «Assim que eu vejo que os rapazes não prestam attenção ao que estou dizendo, ponho-os a brincar; porque é tempo perdido o que se gasta em explicações quando elles estão distrahidos».

Lembrei-me logo das nossas escolas, onde os pobres rapazes estão agarrados ao Thesouro dos meninos ou ao Lunario perpetuo, durante umas poucas de horas no dia para, na maior parte, não aproveitarem cousa alguma; e, passados tres ou quatro annos, saberem tanto como quando principiaram a aprender; tudo por falta de bom methodo.

A prova de que os mestres não teem geralmente as habilitações precisas encontra-se na aldeia: e quando lá apparece algum mestre bom, todos o procuram, enche-se a casa da aula; mesmo que seja necessario pagar doze vintens cada mez, para lá vão e não se importam com a escola regia que é gratuita, mas não tem professor que preste.

Para que querem vocês cadeiras de latim? perguntei eu uma vez n’uma das nossas aldeias.

«Para aprendermos a ler e a escrever», respondeu-me aquella boa gente.

A rasão d’isto percebe-se claramente: os homens que ensinam latira são mais instruidos e com certeza mais intelligentes do que muitos professores das escolas officiaes; portanto, têem a preferencia.

Torno a dizer, se quizerem tirar partido d’estas minhas palavras, lembrem se do mestre e esqueçam-se completamente dos discipulos.

CO orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Conde de Rio Maior.

O sr. Conde de Rio Maior: — Desisto da palavra neste momento, porque faltam poucos minutos para se encerrar a sessão.

O sr. Vaz Preto: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem o digno par a palavra.

O sr. Vaz Preto: — Eu voto o pensamento do projecto, porque desejo a instrucção publica; é por meio d’ella que os cidadãos teem conhecimento dos seus direitos e podem mais facilmente cumprir os seus deveres.

Muitos dignos pares estão com vontade de retirar-se; deu já a hora, e não sei se será conveniente prorogar mais ainda a sessão. Por mim não tenho duvida, mas a camara já deve estar cansada.

O sr. Presidente: — O digno par quer ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte?

O sr. Vaz Preto: — Eu entendia que era melhor.

O sr. Presidente: — Pergunto á camara se está de accordo em que a sessão de ámanha comece como a de hoje, á uma hora da tarde? (Muitos apoiados.)

Em vista da manifestação da camara, a sessão do amanhã começa á uma hora, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Fica inscripto o sr. Vaz Preto para continuar amanhã o seu discurso.

Está levantada a sessão.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 22 do abril de 1878

Exmos. srs. Duque d’Avila e de Bolama; duque de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Bomfim, de Cabral, de Cavalleiros, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Linhares; da Torre; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Fonte Arcada, de Porto Covo, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, dos Olivaes; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Barreiros, Larcher, Martens Ferrão, Mamede, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini.

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