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N.º 48
SESSÃO DE 27 DE ABRIL DE 1880
Presidencia do exmo. Sr. Duque d'Avila e de Bolama
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O sr. marquez de Vallada manda para a mesa uma representação dos mesarios da veneravel ordem terceira de S. Francisco, de Guimarães, contra algumas disposições do projecto de lei relativo ao imposto de rendimento. - Ordem do dia: Continuação da discussão na generalidade do parecer n.º 59 sobre o projecto de lei n.° 49, que tem por fim modificar e alterar a legislação que regula a contribuição predial. - Discursos dos srs. Fontes Pereira de Mello, e Mathias de Carvalho. - Foi approvado o projecto. - Entra em discussão o parecer n.° 60 sobre o projecto de Lei n.° 35. - Depois de algumas reflexões dos dignos pares Vaz Preto e Egypcio Quaresma, é approvado na generalidade. - Declaração do sr. Daun e Lorena. - O digno par Couto Monteiro propõe a eliminação do artigo 1.° do projecto, o que é approvado, assim como todo o projecto. - Approvação, sem discussão, do parecer n.° 61 sobre o projecto de lei n.° 50.-O parecer n.° 63 sobre o projecto de lei n.° 36, é adiado a pedido da commissão. - Approvação, sem discussão, do parecer n.° 64 sobre o projecto de lei n.° 47.
Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 22 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a, sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte
Um officio do ministerio da justiça, participando que não podem ser remettidos alguns dos documentos pedidos pelo digno par Quaresma de Vasconcellos, pelos motivos expostos no mesmo officio.
Para, a secretaria.
(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda e entraram durante a sessão os srs. ministros da marinha, do reino e da justiça.)
O sr. Marquez de Vallada: - Mando para a mesa uma representação dirigida a esta camara pelo ministro e mesarios da veneravel ordem terceira de S. Francisco, da cidade de Guimarães, contra algumas disposições do projecto de lei relativo ao imposto de rendimento, em consequencia do grave damno que d'ahi lhe provém. Sendo o costume que as misericordias e confrarias, sobretudo na provincia do Minho, fazem emprestimos a diversos cidadãos com o juro de 5 por cento, no que estes lucram, porque têem n'esses estabelecimentos uma especie de bancos ruraes, e ao mesmo tempo lucram as misericordias e confrarias, porque auferem por esse meio redditos muito justos o rascaveis, parece-me que não póde deixar de ser attendida a representação que tenho a honra de apresentar e em que se pede a isenção do tributo correspondente áquelles redditos; o que tambem está de accordo com o que eu disse aqui n'outro dia, quando fallei da misericordia de Guimarães.
Requeiro que, em conformidade com o que se tem praticado em relação a corporações igualmente respeitaveis, esta representação seja publicada no Diario do governo.
Leu-se na mesa a representação.
O sr. Presidente: - Os dignos que approvam se publique no Diario do governo a representação que acaba de ser lida, e foi apresentada pelo sr. marquez de Vallada, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Camara Leme: - Ha muitas sessões que eu fiz um requerimento pedindo esclarecimentos pelo ministerio da guerra.
Um d'elles era a consulta da commissão de defeza de Lisboa e seu porto a proposito do caminho de ferro de Torres, cuja discussão provavelmente vae ter logar dentro em breve n'esta casa.
Para que depois se não diga que requeiro esclarecimentos á ultima hora, rogo a v. exa. tenha, a bondade de instar pela remessa, com toda a urgencia, dos referidos documentos.
Como ainda não foi apresentado o parecer ácerca das emendas offerecidas ao projecto sobre a lei do sêllo, e como supponho que o governo ainda terá a mesma pressa de que elle seja votado, desejaria eu que, estando presente algum dos illustres membros da commissão de fazenda, me informasse sobre se tem havido algumas difficuldades relativamente áquellas emendas.
O sr. Presidente: - A camara sabe que no dia 29 do corrente ha recepção no paço da Ajuda, por ser o anniversario da outorga da carta constitucional; e que n'esse acto sempre costuma fazer-se representar por uma grande deputação.
Vou, portanto, nomeal-a pedindo aos dignos pares que n'esse dia forem ao paço real, se aggreguem á mesma deputação, estejam ou não designados na relação que vou ler.
Os dignos pares nomeados são os srs.:
Marquez de Fronteira.
Duque de Palmella.
Duque de Loulé.
Marquez de Vallada.
Mathias de Carvalho.
Sousa Pinto.
Visconde de S. Januario.
Visconde de Valmór.
Quaresma de Vasconcellos.
Agostinho de Ornellas.
onde de Castro.
Mexia Salema.
D. Antonio José de Mello.
A mesa fará tambem parte d'esta deputação.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia. Continua a discussão do parecer n.° 59. Tem a palavra o sr. Fontes Pereira de Mello.
Q sr. Fontes Pereira de Mello: - Não tem a pretensão vaidosa de convencer os seus collegas, mas sempre dirá que, apesar do argumento de auctoridade apresentado por s. exa. o sr. ministro da fazenda, quando se referiu ao sr. Mártens Ferrão, acha contrario ao principio consignado no § 8.° do artigo 15.° da carta constitucional, o.
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estabelecimento do systema de quota para o systema predial.
Pondo de parte o argumento de auctoridade, não vê uma unica rasão que abone a constitucionalidade do projecto.
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): Não é isso o que diz a lei.
O Orador: - Então não sei o que é.
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Se v. exa. me dá licença direi que o projecto não declara que só no fim de seis annos se possam augmentar os contingentes. Declara que se no decurso d'estes seis annos o rendimento collectavel attingir a cifra de 31.070:000$000 réis, o contingente será fixado annualmente em 10 por cento sobre a importancia d'esse rendimento. Logo que as matrizes derem o rendimento que acabo de dizer, teremos um augmento de imposto na proporção d'esse augmento no rendimento collectavel, e o acrescimo de receita que assim se poderá esperar para o thesouro, deve necessariamente ser muito consideravel.
O Orador: - Referindo-se ao que tinha dito o sr. ministro da fazenda, ácerca do decreto de 30 de outubro de 1874, que regulava a revisão das matrizes, disse que ali se estabeleciam as inspecções, mas não se determinava que se fizessem as medições, cousa que repugna altamente aos povos.
Nota que se a rasão estivesse do lado do sr. ministro da fazenda, s. exa. trataria de provar que o systema de quota, adoptado no projecto, era o mais proprio para se organisarem as matrizes, e para se obter verdadeira justiça distributiva.
Tanto o sr. ministro como o relator do parecer não disseram que, com o systema de quota, havia de ser mais facil a distribuição do imposto.
Repete o que já por vezes tem affirmado, que seja qual for o systema que se adopte, seja o de quota, seja o de repartição, o bom ou mau resultado desses systemas dependerá sómente da perfeita organisação das matrizes. Dá o seu voto, sem restricção, ao projecto quando lhe demonstrarem que a adopção do systema de quota facilita a organisação das matrizes.
(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)
O sr. Mathias de Carvalho: - Fez diversas considerações para responder aos oradores que têem combatido o projecto; não julgou procedente a opinião de que a mudança de methodo de cobrança do imposto predial importe offensa ao que dispõe o § 8. do artigo 15.° da carta constitucional; adduziu varios argumentos para provar as vantagens do systema de quota sobre o de repartição, ponderando que se fosse necessario recorrer ao exemplo de nações adiantadas bastaria citar o da Bélgica em 1867; e terminou mostrando que o projecto attende devidamente aos principios de justiça distributiva e aos interesses do thesouro, e por isso deve merecer a approvação da camara dos dignos pares.
(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)
O sr. Sequeira Pinto (sobre a ordem): - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre as emendas ácerca de alguns artigos do projecto de lei que altera as taxas do sêllo.
Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.
O sr. Franzini: - Mando para a mesa um parecer da commissão de marinha e ultramar.
Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.
O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção, e vae votar-se na sua generalidade o projecto em discussão.
Os dignos pares que approvam na sua generalidade e projecto de lei n.º 49 sobre que recaiu o parecer da commissão de fazenda, n.° 59, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
Passou-se á especialidade; foi lido o artigo 1.°, e poz-se em discussão.
O sr. Vaz Preto: - Desejo fazer simplesmente algumas perguntas ao sr. ministro da fazenda, e vem a ser - como é que s. exa., declarando aqui por differentes vezes na camara que é de absoluta necessidade crear receita, e que a essa necessidade tem até sacrificado os seus principios, e os principios da sciencia, vem agora por este projecto de lei acabar com uma receita que successivamente ia augmentando todos os annos, como asseverou o sr. relator da commissão?
Com que fundamento vem, pois, s. exa. abolir a contribuição predial especial, creada pelas cartas de lei de 24 e 50 de agosto de 1869, ficando os predios e os contribuintes respectivos sujeitos ás mesmas condições de todos os mais predios e contribuintes inscriptos nas matrizes prediaes?
Não estava este imposto já acclimado, não s acceitava o publico de tão boamente, que contra o qual nunca houve reclamação?
O sr. relator da commissão declarou até que este imposto tinha crescido successivamente, devido esse crescimento a ser esse imposto de quota.
N'este caso espero que o sr. ministro da fazenda explicará esta especie de contradicção das suas palavras com os seus actos, e nos dirá a rasão por que, querendo estabelecer o imposto de quota, vae abolir o imposto de quota areado por aquellas leis?
Tambem, desejo ouvir s. exa. sobre este ponto, que me parece mostrar bem a incoherencia do governo. O sr. ministro da fazenda declarou ao parlamento que julgava conveniente acabar com o pessimo systema dos addicionaes, alem de outras vantagens para simplificar os serviços; mas n'uma das sessões passadas o mesmo sr. ministro veiu aqui apresentar idéas que se não conformam com a sua primeira declaração, porquanto disse que podia augmentar-se a contribuição predial lançando sobre ella noros addicionaes?
Quer dizer que aqui, n'este caso, o systema financeiro do sr. ministro da fazenda é o mesmo expediente adoptado para a consolidação da divida fluctuante.
Ha divida fluctuante, contrahe-se um emprestimo para consolidar. Extincta a primeira cria-se outra de novo, e contrahe-se emprestimo de novo tambem para a consolidar; e assim successivamente, de fórma que temos tido constantemente divida fluctuante, emprestimo á em perspectiva, e a divida consolidada sempre crescente. Este systema é tão racional e tão consentaneo com as doutrinas do sr. ministro da fazenda, que lançou meão d'elle para os addicionaes. Pela mesma fórma consolida s. exa. os addicionaes; encorpora os existentes no principal da contribuição predial, e pede ao contribuinte que os pague; cria depois novos addicionaes, e consolida-os outra vez pelo mesmo methodo, e assim successivamente; de modo que teremos addicionaes successivos, contribuições vexatorias em perspectiva, e o principal da contribuição predial sempre crescente! Será isto systema financeiro? Será serio o procedimento de um governo que um dia nos diz aqui uma cousa, em outro diz cousa differente, que hoje faz umas declarações solemnes, asseverações precisas e claras, amanhã pratica actos em opposição a essas asseveraçues? Será serio que o sr. ministro da fazenda condemnasse hontem o systema de addicionaes, e apresente um projecto de lei para os abolir, por difficuldades para o serviço, e por ser contribuição pouco racional, o hoje para defender um projecto seu venha dizer que aquella contribuição póde crescer pelo systema dos addicionaes?
Isto não é serio, não o póde ser, nem o ha de ser nunca.
Eu o que lamento é que estas experiencias se estejam
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fazendo á custa da nação, e que o contribuinte tenha de pagar caro os ensaios do sr. ministro da fazenda.
O sr. Thomás de Carvalho: - Mando para a mesa um parecer da commissão de instrucção publica sobre o projecto de reforma da instrucção secundaria.
Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Não posso senão attribuir á ausencia do digno par, o sr. Vaz Preto, durante algumas das horas da sessão d'esta camara, a causa da pergunta que s. exa. acaba de formular, porque tendo sido o objecto d'ella o mesmo sobre que principalmente se baseou o sr. Antonio de Serpa, que insistiu no argumento de que pelo desapparecimento da contribuição especial creada pela lei do 1869, se ia diminuir a receita; e tendo eu respondido ao digno par, só poderei agora repetir a resposta que já dei a s. exa.
Prescindo d'essa receita, porque para a conservar teria de prejudicar o pensamento essencial do projecto, não se conciliando o principio da contribuição especial com as disposições do artigo 7.°, que hão de permittir com successivas e bem calculadas rectificações os contingentes districtaes na verdadeira proporção em que devem ser, tornando possivel em poucos, annos passar em todo o paiz para o systema de quota.
O jogo dos tres elementos a que se refere o artigo 7.° constituem o pensamento financeiro essencial de uma medida que, por outra fórma, revolucionaria o paiz inteiro, e isto mesmo tive eu já occasião de declarar em resposta ao digno par, o sr. Antonio de Serpa, e por isso não entro agora em mais pormenores.
Em relação aos addicionaes, eu não vim declarar á camara que entendia que de futuro se deviam estabelecer novos addicionaes, o que, declarei é que ficava livre, como não poderia deixar de ficar, para o parlamento revogar a lei ou alteral-a mesmo dentro do periodo dos seis annos, ou ainda estabelecer no intervallo quaesquer addicionaes; salvas, porém, no caso de se manter a lei, as regras para o calculo da distribuição dos contingentes, para que no fim do referido praso de seis, annos se possa passarão systema da quota.
Não significa isto que eu tivesse a intenção de lançar novos addicionaes; e desde que o governo pensa em crear um imposto que vae ferir a propriedade a par de todas as outras classes de rendimento, não era sequer possivel na actualidade pensar em lançar novos addicionaes.
O sr. Vaz Preto: - Não me admira, sr. presidente, que eu não tivesse cpmprehendido a argumentação do sr. ministro, em resposta ás objecções do sr. Antonio de Serpa; o que é certo é que o artigo 7.° está redigido de uma fórma tal, que ha de trazer diversas e variadas interpretações; eu, pela minha parte, tenho o lido e relido, e declaro que o acho escuro e confuso, e não entendo bem se n'este artigo e seus paragraphos se estabelecem simultaneamente os dois systemas.
Não sei se assim será, o que sei é que as auctoridades fiscaes, mesmo aquellas que tenham grande intelligencia, hão de ver-se nas mesmas dificuldades, ou maiores ainda, porque têem de executar a lei.
Sr. presidente, não é possivel tirar vantagens para o thesouro de uma lei que estabelece principios confusos, que estabelece na mesma lei os dois systemas contrarios, com a reducção a mais escura.
Alem d'isso, este artigo 7.° parecendo estabelecer o systema da quota para os districtos onde se forem reformando as matrizes autos do praso marcado, parece ser antinomico com o artigo 12.°, pois em virtude da doutrina do artigo 7.° torna-se inutil este artigo 12.°. que marca o praso de seis annos para a revisão das matrizes. Entendo ser um grande erro pôr em execução um systema novo por parcellas deixando coexistir, com elle o systema velho. Não vê nem entende o sr. ministro que com este seu elixir ha de aggravar mais as desigualdades, e tornar maiores os vexames?
Sobre este ponto desejava que o sr. ministro se explicasse, porque o que disse não está de accordo com o discurso proferido n'esta sessão pelo sr. relator da commissão.
Sr. presidente, eu não tenho receio de que este projecto seja approvado e chegue a ser convertido em lei, porque estou certo que o proprio sr. ministro ha de ser obrigado a vir propor aqui a sua revogação.
O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Vae-se votar o artigo 1.°
Posto á votação o artigo l.°, foi approvado.
Em seguida foram approvados sem discussão os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 8.º.
Leu-se na mesa o
Artigo 9.°
O sr. Presidente:-Está em discussão o artigo 9.°
O sr. Vaz Preto: - Durante a discussão na generalidade fiz algumas perguntas ao sr. ministro, a que s. exa. se não dignou responder-me, e por, isso vou de novo insistir n'ellas.
Eu desejava que s. exa. me dissesse quanto conta gastar annualmente com a revisão das matrizes V Quantos milhares de contos se devem ao estado de contribuições atrazadas? Quaes são as providencias que s. exa. tem adoptado para receber esta importante somma?
Sr. presidente, não sendo minha intenção protelar este debate, não posso, comtudo, deixar de fazer breves reflexões sobre a doutrina deste artigo, a fim de responder ao meu antigo condiscipulo e amigo o sr. relator da commissão, Mathias de Carvalho.
Eu tinha, dito que era partidario do imposto de quota, em absoluto, ou quando tivesse as matrizes perfeitas ou pelo menos aperfeiçoadas, porque d'elle resultava a grande vantagem do contribuinte saber o que tinha de pagar, em quanto que no imposto de repartição sujeitava-se a pagar o que lhe indicassem, os calculos do escrivão de fazenda. No imposto de quota o contribuinte sabe sempre o que tem de pagar, no de repartição paga o que lhe indicam, sem saber se é aquella a verba que lhe pertence, e se ella lhe é lançada proporcionalmente aos outros.
Sr. presidente, o que eu disse tambem é que as. sciencias politicas e moraes são sciencias experimentaes e de observação; que as experiencias, pela sua natureza e pelo facto de contribuirem para a felicidade ou infelicidade de milhões de individuos, que podem ou ser altamente beneficiados ou prejudicados nos seus interesses, não devem ser feitas senão com a maxima cautela e prudencia, e que o verdadeiro homem d'estado, o politico sincero e pratico, deixa as theorias subtis e as regiões aereas para descer á realidade e á vida pratica, e estudando no passado e na historia as faltas e os erros dos outros, e observando todos os dias os factos passados no seu paiz, a indole dos habitantes, a sua illustração. e tendencias, ou aperfeiçor as instituições já implantadas em terra que parece acolhel-as bem, ou as substituo por outras só depois do terreno estar preparado para as receber e a opinião publica as reclamar.
Na actualidade este projecto é um erro e um grande perigo.
O sr. ministro da fazenda devia antes melhorar as nossas instituições do que macaquear as nações estrangeiras. As condições d'essas nações, superiores em tudo a este nosso pequeno Portugal, são tão differentes e tão diversas d'aquellas em que actualmente o paiz se acha, que difficilmente qualquer instituição d'ali impertada dará bons resultados.
N'esta conjunctura, permitta-me o sr. ministro da fazenda que lhe dê um conselho, desculpando a minha ousadia, firmada na convicção de que ella lhe póde ser salutar. O conselho é que estude minuciosamente o que se passa no
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nosso paiz, e que não se preoccupo no que se faz e no que vae lá por fóra.
O sr. ministro, emquanto sabe o que se passa nas nações estrangeiras, ignora o que vae pela sua!
Isto não parece crivel, mas é verdade, e o facto que vou referir prova-o de sobejo.
Ha dias, quando se discutiu aqui o projecto relativo ao imposto sobre a cortiça, apresentou o sr. ministro da fazenda os dados estatisticos de 1879 e 1880 da importação de cortiça portuguesa em differentes paizes; e, não obstante, ignora qual a cortiça exportada pelos portos de Portugal, porque não pôde obter ainda das estações competentes os esclarecimentos a este respeito! Este facto é curiosa é revela a feição caracteristica do sr. ministro da fazenda. Foi elle que me animou a dar-lhe o conselho. Convencido da utilidade do. conselho, parece-me que o estudo principal deve ser feito sobre o paiz; devem fazer-se observações repetidas sobre as dificuldades que se apresentam para se conhecer o modo de as resolver convenientemente.
E depois, e só depois de combinados devidamente todos os factos, estudadas- todas as vantagens ou desvantagens, é que s. exa. devia vir ao parlamento propor uma medida que d'esse resultados proficuos e immediatos. S. exa. não fez assim, attendeu mais ás theorias e aos exemplos lá de fóra. Veremos, pois, o que sáe.
Disse o sr. relator da commissão que systema de quota é mais apropriado para aperfeiçoar as matrizes, mas não o provou.
N'este ponto atrevo-me a asseverar que. está s. exa. completamente enganado. Para. S. exa. se convencer da justeza da minha asseveração, basta observar-lhe que no systema, de quota não ha incentivo, algum que anime o contribuinte a fuzcr.com que o seu vizinho descrera nas matrizes todo o valor collectavel das suas propriedades, porque com isso elle não paga menos. Outro tanto não. Suceede com o systema de repartição, em que o augmento collectavel feito a qualquer contribuinte dá em resultado outros não pagarem tanto; d'aqui vem as reclamações de todos os dias, em que se confrontara reciprocamente as propriedades.
Ninguem duvida hoje que o systema de repartição, interessando o contribuinte no augmento de rendimento collectavel dos seus vizinhos, concorre indubitavelmente para a perfeição das matrizes, emquanto o systema de quota produz o resultado contrario. Mais claro ainda. Um contribuinte de uma freguezia sabe que um seu conterraneo, o seu vizinho, paga proporcionalmente menos do que elle, vae reclamar, confrontando reciprocamente os seus haveres. D'aqui resulta reforma ha matriz, e crescimento de rendimento collectavel.
É exactamente isto que se não dá com o systema de quota. A meu ver, sr. presidente, o systema do governo não obtem é aperfeiçoamento das matrizes, vae fazer enormes dispendios, e vexar com as inspecções o contribuinte.
Disse tambem. o sr. relator, que pelo actual systema paga muito o pequeno, proprietario, e pouco o grande. N'isto tambem s. exa. está um pouco enganado; dá-se uma e outra cousa. Effectivamente, ha proprietarios grandes que especulam com a sua influencia politica, e para obterem escrivães do fazenda que lhes collectem as propriedades a seu aprazimento, estão á disposição de todos os governos.
Ha, porém, outros que desprezam esse systema baixo e ignobil do sacrificar os seus principios e convicções, para se locupletarem por meio de uma torpe veniaga, á custa do fraco e do pobre.
A culpa é tanto d'elle como dos governos que se prestam a estes o outros actos de immoralidade.
Sr. Presidente, eu tambem sou proprietario, e como sou considerado no districto por não ser dos mais pequenos, entendo dever affirmar aqui, sem receio de ser contestado por pessoa alguma, que seguindo as tradições de meu pae; nunca influi, nem directa nem indirectamente na confecção das matrizes, e que nunca exerci a mais leve influencia num só louvado.
As matrizes, muitas vezes, a maior parte das vezes, ou quasi sempre, deixam do ser a expressão da, verdade, devido principalmente á politica.
Julga, porventura, s. exa., que com o systema do actual governo ellas hão de melhorar? Não melhoram de certo; e não melhoram, porque todos os ministros, em logar de se desprenderem do espirito politico e procurarem fazer com que este serviço se faça, como se deve fazer, com a maxima imparcialidade, attendem unicamente aos interesses partidarios.
D'aqui ha de resultar impreterivelmente, que o pessoal escolhido pelo sr. ministro da fazenda, para fazer as inspecções directas e para fazer este serviço, não ha de ser o mais escolhido, o mais competente, nem o mais apto.
Ha de succeder agora o mesmo que succedeu em 1869, quando o sr. Braamcamp mandou proceder aos arrolamentos. Terá o sr. ministro da fazenda força e coragem para se oppor ás instancias expedidos injustos dos seus collegas?
O sr. ministro da fazenda, apesar de ter boas intenções, de certo não tem a coragem precisa para resistir á pressão dos seus collegas, e o pessoal nomeado para este serviço será um bando de partidarios que, levados pelo interesse partidario, favorecerão os seus, em prejuizo do thesouro, e vexarão os contrarios.
Eu, sr. presidente, estou convencido que esta auctorisação na mão do sr. ministro será uma arma terrivel, e que as matrizes, ficarão peiores do que estão. Digo isto, porque s. exa. não respeita os empregados dignos, e em logar de premiar os seus serviços sacrifica-os á politica.
Eu ia aqui mostrei que s. exa. não teve contemplação com empregados dignos, que os sacrificou aos mandões politicos, e que attendeu unicamente ás conveniencias eleitoraes.
Com estes precedentes repugna-me conceder uma auctorisação tão ampla ao governo. O passado, a experiencia, a fraqueja e as tendencias do sr. ministro mostra-nos que ha de abusar.
Em 1869 o sr. Braamcamp quiz substituir o systema de repartição pelo systema de quota, mas quiz tambem attender aos interesses partidarios, e por isso os vexames então exercidos foram de tal ordem que o povo insurgiu-se, e s. exa. viu-se na necessidade de ceder. Eis o que espera o sr. Ministro da fazenda, se não libertar da politica este serviço.
Eu relembrei estes acontecimentos, que ninguem póde contestar, porque precisav que a camara conhecesse todos estes factos, para evitar os escolhos em que póde caír. Ha tanto mais a receiar do governo que occupa hoje aquellas cadeiras, quando é certo que no anno passado sustentava idéas inteiramente oppostas ás que sustenta depois de estar no poder.
A um governo que rasga todas os dias o seu programma, e que não quer no parlamento os representantes do doze circulos, que tantos são os que se acham vagos, e nos quaes não se mandou ainda proceder ás eleições, conforme a indole do regimen representativo; a um governo que tem como norma o arbitrio e a incoherencia, repugna-me profundamente votar similhante auctorisa. Pela minha parte, pois, não approvo o projecto nem voto a auctorisação.
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Creio que está era discussão o artigo 9.° N'estes termos, limitar-me-hei a responder ás perguntas que o digno par dirigiu ao governo, e que dizem respeito a esse artigo, Quanto ás outras observações de s. exa., ácerca do administração, e actos de responsabilidade politica do governo, era o que não é esta a occasião opportuna para serem examinados e discutidos.
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Circumscrevendo-me, portanto, aos dois pontos a que s. exa. alludiu, direi o seguinte.
Os meios com que o governo conta para a reforma das matrizes são áquelles de que para o mesmo fim têem disposto as administrações anteriores. Essas despezas acrescentam-se ao contingente, como tem acontecido nos districtos do sul, em que, por virtude do decreto de 1874, que estabeleceu a inspecção directa dos predios, se procedeu á completa revisão das matrizes.
Em todo o caso é uma questão de que se ha de dar conta ás camaras, e ellas podem muito facilmente impor ao governo a responsabilidade que lhe caiba pelo menos bom uso d'esta auctorisação.
Isto é em relação ao primeiro ponto sobre que o digno par queria que o governo se explicasse.
Quanto ao segundo, é sabido que se devem ao estado alguns milhares de contos de réis, e que já em outras occasiões, no tempo das administrações anteriores, se tem empregado mais ou meios diligencias para que o thesouro seja embolsado d'essas contribuições em divida; pelo que respeita á actual situação, epocha unica por que me cumpre responder, sabe-se que um dos meus primeiros actos foi dirigir uma circular ás repartições de fazenda, para empregarem n'esse sentido todos os seus esforços; e já em virtude das recommendações instantes d'essa circular, alguma cousa se, tem conseguido, e nos ultimos tempos, particularmente no districto de Villa Real.
Portanto, pelo que respeita a providencias administrativas o governo não tem descarado o assumpto.
Pelo que respeita a providencias parlamentares ou legislativas, o governo está empenhado em fazer passar na outra casa do parlamento uma medida tendente ao mesmo fim. É a que altera o processo das execuções fiscaes, e estabelece preceito para a liquidação mais rapida da contribuição em divida.
Creio ter dado por esta forma as explicações exigidas ao governo.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, ouvi as explicações do sr. ministro da fazenda, e agradeço a boa vontade que s. exa. mostrou de responder ás minhas perguntas de modo que me convencesse, mas confesso que fiquei quasi na mesma.
S. exa. diz que em todas as leis se tem auctorisado a revisão das matrizes, dispondo-se que a despeza que com isso se fizer seja addicionada á contribuição do anno seguinte.
Ora isto é exacto; mas tambem é exacto que as revisões das matrizes se faziam de tres em tres annos, e sem este grande apparato.
N'esse caso é certo que a despeza que s. exa. vae fazer para obter uma revisão completa, para a qual cria um immenso pessoal, deve ser muito mais cara, em consequencia do systema que s. exa. se propõe a seguir, que exige pessoal habilitado é em grande quantidade.
Parece-me, portanto, que s. exa. em logar de vir pedir ás côrtes uma auctorisação tão ampla, pela qual s. exa. fica com a liberdade de gastar as sommas que quizer, andaria melhor se marcasse o maximo que só poderia gastar cada anno com esto serviço; porque dando-se uma auctorisação illimitada, como agora se pede, ninguem fica sabendo quanto se ha de gastar.
Demais ir dar uma auctorisação amplissima a um ministro quando elle não calculou, ainda o que ha de gastar, ou se o calculou foge de declarar ao parlamento essa verba para não o assustar, parece-me mau precedente que o parlamento vá identificar a sua responsabilidade com a do ministro, que foge de dar os devidos esclarecimentos..
Portanto, já vê v. exa. a posição difficil em que só acha collocada a camara, sem ter os documentos que a possam esclarecer para poder dar, um voto consciencioso sobre uma auctorisação desta ordem.
O sr, ministro não lhe quer fornecer esses documentos, e de outro modo se não póde interpretar o seu procedimento, visto que s. exa. não póde deixar de ter no seu ministerio os elementos de informação precisos para saber o que vae gastar com o serviço de que trata este artigo do projecto.
Se assim não é, qual a rasão por que guarda silencio, e nem ao menos dá a mais simples explicação á camara sobre este ponto, de modo que ella não vá votar ás cegas?
A camara que avalie este procedimento do governo; a ella deixo a apreciação das considerações que acabo de expor, e passarei a outro assumpto.
Disse o sr. ministro da fazenda que anda por 5.000:0OO$000 réis a somma das contribuições que estão por pagar, e acrescentou que eu devia saber que s. exa. já tinha, apresentado na outra casa do parlamento um projecto de lei com o fim de se nomear uma commissão para resolver esta questão, devendo a mesma commissão verificar quaes as contribuições em divida que são cobraveis, e quaes aquellas que o não são.
Mas como queria o sr. ministro que eu soubesse desse projecto, quando, s. exa. é o primeiro a não fazer caso delle? Pois o sr. Ministro tem, porventura, tido cuidado em o fazer discutir? Pois s. exa. não devia, ser o primeiro a apressar o andamento d'essa medida de tanto alcance? Que instancias tem empregado para que, pelo menos, a respectiva commissão apresentasse parecer sobre ella?
O que vejo é que cousa alguma tem feito no sentido de activar este negocio, e, não obstante, argue-me por eu não ter conhecimento das suas intenções e do seu projecto. Esta defeza do sr. ministro da fazenda é curiosa e original! Sabe. s. exa. o que eu sei? Sei sim, senhor, sei que esse projecto jaz, no limbo da commissão a que foi enviado; e sei tambem que das suas propostas, sendo essa a mais importante, pois devia trazer ao thesouro uma somma consideravel, depois de convertida em lei, é exactamente aquella que tem sido posta de lado, dando-se preferencia a outras de interesse secundario, e até a alguns projecticulos insignificantes em que se concede um edificio velho a uma ou outra corporação e se garante o interesso de algum particular!
Sabe v. exa. o que sei ainda? Sei que os 5.000:000$OO0 réis estão por cobrar, e que o governo receia que essa medida, vá ferir muitos individuos, partidarios seus, que devem enormissimas sommas; e que elle não gostaria do ver envolvidos no acto que devia ser consequencia d'ella, nem que os nomes d'esses individuos fossem publicados, e elles conhecidos como devedores á fazenda publica.
Sr. presidente, quando vejo que o governo procede por esta fórma, e não trata senão de .augmentar a receita por meio de uma rede de impostos, sem procurar tornar menos vexatorios para o contribuinte os sacrificios que lhe vae exigir, não posso deixar de levantar um protesto contra um tal systema de proceder, e sempre que elle continue hei de erguer aqui a minha voz para o condemnar, e para que o paiz saiba o modo por que está sendo governado, e qual a coherencia dos homens que hoje estão á frente dos negocios publicos.
Convem que todos estes factos fiquem bem registados, que o povo tenha conhecimento exacto da politica dos srs. ministros, que se cifra em mudar de opinião a cada momento, conforme a pressão que recebeu, sustentando hoje umas idéas e ámanhã outras, que põem ao mesmo tempo os actos da sua administração na mais diametral contradicção com as suas declarações as mais positivas, demonstrando que como governo não pensa do mesmo modo que quando era opposição, nem mesmo como conselheiros da corôa conservam no dia seguinte a opinião da vespera.
Sr. presidente, as minhas apreciações são justas, e por isso eu condemno e protesto contra similhante systema de governar e de administrar, que só serve para aggravar as difficuldades em que o paiz se acha, e dar uma tristissima
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idéa dos partidos, que só abraçam o poder para se servirem e aos amigos.
O sr. Presidente: - Vae votar-se o artigo 9.3 Os dignos pares que o approvam tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado, e successivamente o foram sem discussão os restantes artigos do projecto.
O sr. Presidente: - Agora passámos á discussão do parecer n.° 60, e do projecto a que elle se refere,
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
Parecer n.° 60
Senhores. - A vossa commissão de administração publica examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 35, enviado pela camara dos senhores deputados, ao qual se tratou de substituir as quotas que aos governadores civis furam concedidas por decreto de 12 de dezembro de 1842, por um augmento no ordenado segundo a importancia e necessidades dos diversos districtos.
Considerando que os funccionarios de que se trata não podem nem devem estar sujeitos ás vicissitudes do uma cobrança mais ou menos regular, por isso que são constantes e indispensaveis as despezas de representação que exige o alto cargo que exercem;
Considerando que a sua acção sobre a cobrança das quotas é nulla, ou quasi nulla, não podendo por isso allegar-se a vantagem pelo zêlo que poderiam desenvolver para activar e fiscalisar a cobrança d'aquelle imposto, o que está mais directamente confiado aos empregados propriamente fiscaes;
Considerando ainda que a importancia o necessidades dos districtos do reino e ilhas adjacentes variam do districto para districto, como é geralmente reconhecido, o que importa a. idéa de fazer variar tambem os ordenados a estabelecer;
Considerando, finalmente, que esta medida, longe de aggravar as circumstancias do thesouro, antes as allivia, produzindo a economia de 5:288$000 réis, com relação á media das quotas dos tres ultimos annos, economia que póde reputar-se importante, se attendermos a que se faz n'uma somma pouco avultada:
É a vossa commissão de parecer que o mencionado projecto deve ser approvado para subir á real sancção.
Sala da commissão, em 19 de abril de 1880. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Conde de Castro = Barros e Sá = J. J. dos Reis e Vasconcellos = Augusto Cesar Xavier da Silva = Antonio Egypcio Quaresma Lopes de Vasconcellos, relator.
Projecto de lei n.° 35
Artigo 1.° São abolidas as quotas da receita publica estabelecidas por decreto de 12 de dezembro de 1842 e mantidas pelas leis posteriores como retribuição dos governadores civis.
Ari. 2.° Os governadores civis terão de ordenado réis 1:600$000 réis nos districtos de Lisboa, Porto e Funchal; 1:400$000 réis nos districtos de Braga, Coimbra e Vizeu, e 1:200$000 réis em todos os outros districtos.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 5 de abril de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.
Proposta de lei n.° 96 - M
Senhores. - As quotas da receita publica, recebidas pelos governadores civis como parte dos seus vencimentos, são uma forma de retribuição pouco justificavel com relação a estes funccionarios, cuja intervenção na arrecadação das receitas do estado é hoje quasi nulla, deixando por isso de constituir o estimulo do interesse individual a bem dos interesses publicos, que é a rasão justificativa d'aquella fórma de retribuição estabelecida nas leis de fazenda para os empresarios incumbidos da arrecadação e fiscalisação dos rendimentos do estado.
Alem d'isso as vicissitudes da cobrança tornam es vencimentos demasiadamente incertos, obrigando por isso a frequentei; revisões das tabellas das quotas, o que e a mitos respeitos inconveniente; e só póde tolerar-se pela compensação de vantagens, que não se verificam com relação aos governadores civis pelas rasões que deixei expostas.
Parece-me, pois, conveniente abolir as quota; dos governadores civis, e substituir esta vasio de retribuição por um supplemento de ordenado, que terá a vantagem de tornar os vencimentos fixos, e ao mesmo tempo proporcionaes á importancia e circumstancias peculiares dos differentes districtos; não sendo ainda para desprezar a economia (de muito apreço na premente situação) que resultará da adopção d'esta providencia, e que não é inferior a réis 5:000$000.
Em harmonia com estas considerações, tenho, pois, a honra de solicitar a vossa approvação á seguinte
PROPOSTA DE LEI
Artigo 1.° São abolidas as quotas da receita publica estabelecidas pelo decreto de 12 do dezembro de 1842 e mantidas pelas leis posteriores como retribuição dos governadores civis.
Art. 2.° Os governadores civis terão de ordenado réis 1:600$O0O nos districtos de Lisboa, Porto e Funchal; réis 1:400$O0O aos districtos de Braga, Coimbra e Vizeu; e réis 1:200$000 em todos os outros distirictos.
Ari. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocies do reino, 23 de fevereiro de 1880. = José Luciano de Castro.
O sr. Vaz Preto: - Desejava que e governo me explicasse qual foi o motivo determinativo d'este projecto de lei. Confesso que não vejo nelle vantagem alguma, mas pele contrario inconvenientes. Por este projecto vão crear-se differentes categorias de governadores civis, e isso ha de trazer inconvenientes para o serviço publico.
Quando qualquer d'esses magistrados for transferido para um districto de categoria inferior á d'aquelle onde elle exercer as suas funcções, ainda, mesmo que essa transferencia seja ordenada pelo bem do serviço publico, esse funccionario ha de julgar-se desconsiderado.
Portanto, sr. presidente, não me parece que este projecto traga vantagens algumas: em segundo logar, eu não sei, porque não vejo esclarecimentos alguns que acompanhem projecto, que ao menos nos indicassem o que cada governador civil recebia de quotas, se estas quotas eram superiores aos ordenados que se marcam, n'um ou n'outro districto; o governo não nos apresenta por fórma alguma as rasões que teve para apresentar este projecto, de modo que nem ao menos se póde saber Por este meio se o projecto é de vantagem eu desvantagem para o thesouro. É, diga se de passagem, eu entendo que os governadores civis são mal remunerados são empregadas colocados na posição em que elles se acham collocados, que têem uma certa representação que lhes dá sempre um certo prestigio á auctoridade, para que não devia haver economias.
Ha uma cousa que era indispensavel attender; os governadores civis quando são nomeados para um districto, a primeira difficuldade com que luctam é não terem casa; ora isto é que era conveniente evitar, porque ha despezas de que ás vezes resultam economia, assim como ha economias que são prejudiciaes, por isso eu entendo que nos diversos districtos devia haver para o governador civil uma casa mobilada dignamente que elles tivessem onde receber, e que quando entrassem tomassem por inventario tudo o que n'ella se achasse, entregando da mesma fórma á sua saída; era é isto que eu desejava que houvesse, e no projecto que se discute ou vejo o contrario; vejo classificações de governadores civis, com ordenados insignificantes, com
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os quaes não podem ter representação, e na primeira auctoridade do districto é exactamente uma das cousas indispensaveis.
Declaro, concluindo, que não posso approvar por modo algum este projecto, que vem destituido de toda a sorte de esclarecimentos; e pedirei ao sr. relator da commissão, que ao menos tenha a bondade de nos informar quaes as quotas que cada governador civil recebia; e como ha annos que rendem mais do que outros, pedia nos dissesse ao menos qual era a media que havia, para sabermos a differença que existe comparada com os ordenados que se lhes estipula por este projecto?
Espero que o sr. relator não terá duvida em nos dar estes esclarecimentos, visto que o projecto não nos elucida em cousa alguma.
(O orador não reviu este discurso.)
O sr. Quaresma: - O digno par, o sr. Vaz Preto, fez algumas reflexões contra o projecto em discussão, notando que elle vem desacompanhado de esclarecimentos, referindo-se principalmente a não dizer-se quanto de quotas recebiam os governadores civis em cada um dos districtos. Se s. exa. tinha duvidas a este respeito podia tel-as tirado examinando qualquer orçamento, porque em todos se menciona a quantia que recebe annualmente cada um d'estes funccionarios.
Ha n'este projecto duas vantagens notaveis. A primeira é tornar os governadores civis independentes da contingencia de uma cobrança mais ou menos regular das quotas, assegurando-lhes uma quantia certa, com a qual podem contar para sustentar a representação a que os obriga o alto cargo que exercem. A segunda é uma economia superior a 5:200$000 réis,
Emquanto ás quotas, devo dizer ao digno par que o governador civil de Lisboa as não recebia, e que havia districtos de menos importancia em que ellas rendiam mais do que nos de primeira ordem.
Por este projecto attende-se á importancia dos districtos e estabelecem-se os ordenados em harmonia com essa importancia e necessidades. Assim em Lisboa tinha o governador civil sómente 1:200$000 réis de ordenado sem quotas, o que de certo era quantia muito limitada para a representação do primeiro funccionario do primeiro districto do paiz.
D'aqui em diante nos districtos de maior importancia augmenta-se-lhes o ordenado. Por exemplo, para os districtos de Lisboa, Porto e Funchal, que são os mais importantes, o ordenado eleva-se a l:600$000 reis; depois estabelece-se a classe immediatamente inferior, que comprehende os districtos de Coimbra, Braga e Vizeu, com o ordenado de 1:400$000 réis; e depois para todos os outros districtos estabelece-se o ordenado de 1:200$000 réis.
Dirá o digno par, que esta remuneração é pequena, e eu concordo com s. exa.; mas como qualquer governo tem na sua mão os meios de poder avaliar as circumstancias que se dão nos diversos districtos, de reconhecer que n'algum d'elles se torna indispensavel augmentar o ordenado, póde propor nessa hypothese o augmento que julgar conveniente, porque as camaras de certo converterão em lei esse augmento justificado.
Disse tambem o digno par, e este argumento parece ter algum valor, que o projecto difficulta ao governo a transferencia de uns para outros districtos de alguns dos governadores civis, porque não ha de transferir o de um districto que tem maior ordenado para outro aonde a remuneração seja inferior.
Isto é verdade até um certo ponto, mas o digno par deve-se lembrar que essa difficuldade já actualmente existia, porque ha districtos aonde as quotas são superiores ás de outros, como já notei.
Sr. presidente, repetirei que um dos principaes motivos que levou o governo a apresentar este projecto foi a economia; e effectivamente obter uma redacção superior a réis 5:200$000 em tão pequena área de despeza, tem alguma importancia.
No entanto, se para o anno se conhecer que os governadores civis não estão devidamente remunerados, o governo proporá ao governo a alteração da lei.
Quanto ás aspirações do digno par relativamente á concessão de casa e mobilia para estes funccionarios, estimaria muito que se lhes podessem conceder essas vantagens; mas se o governo tentasse propol-o, seria o digno par, o sr. Vaz Preto, o primeiro a combater essas vantagens.
0 sr. Couto Monteiro: - Eu tinha pedido a palavra por julgar que já se havia entrado na especialidade do projecto, mas como se está discutindo a generalidade, desisto da palavra.
O sr. Daun e Lorena: - Por proposta da commissão de administração publica, e deliberação da camara, fui aggregado a essa commissão.
Tendo assistido ás sessões em que ali se discutiu este projecto, não estou, todavia, assignado n'elle, porque occupando eu, actualmente, o logar de governador civil, logar que não tem quotas, e pretendendo se elevar o seu vencimento, entendi que devia abster-me de tomar parte nas deliberações da commissão sobre este assumpto.
Faço esta declaração aqui, como igualmente a fiz no seio da commissão, pedindo ao mesmo tempo a v. exa. que a mande lançar na acta da sessão de hoje.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, ouvi considerações feitas pelo sr. relator da commissão, as quaes vieram corroborar o que eu ha pouco disse. S. exa. ponderou que as desigualdades que existiam é que deram motivo a este projecto; mas que o vencimento d'aquelles funccionarios era pago pelo thesouro, e que apesar da desigualdade das quotas, elles não se julgavam desconsiderados, e iam para os seus districtos sem repugnancia.
Respondendo, pois, a s. exa., direi que eu não tenho obrigação de ter conhecimento de todos os esclarecimentos que devem acompanhar os projectos. O governo é que tem obrigação de os mandar á camara para ella os examinar.
Nós não podemos estar todos os dias a ir ver esses documentos onde elles vem publicados. Ao governo, quando apresenta essas medidas, é que compete justificai-as, e dar todos os esclarecimentos precisos, para a camara os poder avaliar. Este projecto vem desacompanhado dos competentes documentos, dizendo-se simplesmente em globo que a economia é de 5:000$000 réis.
Mas como se justifica essa economia?..
Sr. presidente, nas reflexões feitas pelo sr. relator da commissão, disse s. exa. que o projecto estabelecia categorias, fazendo parte da primeira as cidades de Lisboa, Porto e Funchal. Pois a capital do reino póde estar a par de uma ilha, ou de uma segunda cidade? Isto é que é modo de fazer categorias? Parece-me que a capital deve ter uma representação muito differente da que tem uma ilha ou uma segunda cidade do reino.
A classificação não só está mal feita, mas tem muita desvantagem para o serviço publico.
Eu não acho conveniencia n'este projecto, que, como todos os outros, vem desacompanhado de esclarecimentos; e alem d'isso, sr. presidente, ha certas economias que redundam em desproveito do paiz. Os governadores civis são as primeiras auctoridades do districto; carecem de ter certa representação; mas para isso é necessario que tenham um ordenado conveniente, a fim de poderem conservar o prestigio da auctoridade. O estado não deve fazer economias que tendam a reduzir ordenados da natureza d'este, porque isso é em desproveito do paiz, e prova o mau systema de administrar.
(O orador não reviu este discurso.}
O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Vae votar-se o projecto na generalidade.
Posto á votação, foi approvado.
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O sr. Presidente: - Passamos á especialidade. Vae ler-se o artigo 1.°
Leu-se na mesa.
O sr. Couto Monteiro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta, que tem por fim a eliminação d'este artigo.
Creio que é justificada, e que nem a commissão nem e governo terão duvide, em a acceitar.
Na sessão do 2 do corrente mez foi approvado por esta camara um parecer, que tem o n.° 42, e onde se encontra o seguinte.
(Leu.)
O artigo que se discute agora contém exactamente o mesmo preceito, a mesma doutrina. Parecia-me, portanto, conveniente eliminal-o, para que em duas leis não apparecesse a mesma disposição para fim identico.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho a eliminação do artigo 1.° d'este projecto por ser a repetição do artigo 2.° do parecer n.° -i2, approvado n'esta camara na sessão de 2 do corrente. = Couto Monteiro.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão a proposta que acaba de ser lida, tenham a bondade de se levantar.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - Fica em discussão juntamente com o artigo 1.°
O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Declaro a v. exa. que, por parte cio governo, acceito a proposta apresentada pelo sr. Couto Monteiro.
Este artigo 1.° foi incluido no projecto por motivos que o digno par facilmente póde comprehender.
O projecto que se discute prende com o da abolição das quotas, que já foi aqui votado; mas como eu não sabia qual d'elles passaria primeiro, por isso mantive a disposição que se contém no artigo.
Portanto, repito, estou de accordo em que este seja eliminado, conforme se propõe.
O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Quando a commissão apresentou este parecer não tinham sido ainda approvadas na outra camara as emendas que ao projecto mencionado pelo sr. Couto Monteiro se fizeram n'esta casa do parlamento..
Se nos demonstrassem que essas emendas já haviam sido ali approvadas, não teriamos nós, os membros da commissão, duvida alguma em eliminar o artigo, mas conservámol-o por suppormos que o outro projecto não estava ainda convertido em lei, e querermos evitar que este voltasse á camara dos senhores deputados.
Agora, por parte da commissão, declaro que acceitâmos a indicação feita pelo digno par o sr. Couto Monteiro.
O sr. Couto Monteiro: - Não tenho mais que acrescentar ao que já disse, visto que o sr. ministro do reino e o sr. relator da commissão declaram acceitar a minha a proposta.
Foi lida novamente a proposta, do sr. Couto Monteiro.
O sr. Presidente: - Os dignos parca que approvam esta proposta, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - Está, portanto, eliminado o artigo l.º
Seguidamente foram approvados sem discussão es artigos 2.° e 3.°
Leu-se na mesa o parecer n.° 61.
É o seguinte:
Parecer n.° 61
Senhores. - A vossa commissão dos negocios ecclesiasticos, tendo examinado a proposição de lei, sob o n.° 50, vinda da camara dos senhores deputados, e não encontrando n'ella inconveniente algum para que seja convertida em lei, é de parecer que está nos termos de ser approvada.
Sala da commissão dos negocios ecclesiasticos, 20 de abril de 1880. = Ayres de Grouveia = Visconde Alves de Sá = José de Sande Magalhães Mexia Salema = Antonio Maria de Couto Monteiro = Conde de Bertiandos, relator.
Parecer n.° 31-A
Senhores. - O projecto de lei n.° 50, approvado pela camara dos senhores deputados, e que tem por fim conceder ao collegio da Regeneração, estabelecido na cidade de Braga, o edificio de Nossa Senhora da Conceição da mesma cidade, foi presente á vossa, commissão de fazenda com parecer favoravel a illustre commissão dos negocios ecclesiasticos.
Esta circumstancia, e a de que a concessão e feita em devidos termos, e aproveita a uma benemerita instituição de caridade, são motivos bastantes para que a vossa commissão de fazenda julgue que o referido projecto deve ser approvado, para subir á real Sancção.
Sala da commissão, em 20 de abril de 1880. = Carlos Bento da Silva = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto = Conde de Castro = Thomás de Carvalho = Antonio de Serpa Pimentel = Mathias de Cãs valho e Vasconcellos.
Projecto do lei n.° 50
Artigo 1.° É concedido ao collegio da Regeneração, da cidade de Braga, o edificio do convento de Nossa Senhora da Conceição, da mesma cidade, com a igreja, e suas alfaias, cêrca e mais dependencias.
Art. 2.° Esta concessão não se tornará desde já effectiva, senão pelo que respeita á parte do edificio a que se refere a portaria do ministerio da justiça, de 14 de maio de 1879.
Art. 3.° Do resto do edificio, e bem assim da igreja, alfaias, cêrca e mais dependencias, e sobredito collegio só poderá tomar posse, para todos os effeitos, desde que no convento não existir a religiosa que actualmente ali reside.
Art. 4.º O convento, igreja, cerca e alfaias, voltarão para a posse do estado, quando o collegio da Regeneração deixe de satisfazer aos fins da sua instituição, ou de empregar n'elleS tudo quanto por esta lei lho é concedido
Art. 5.° Fica revogada a legislação era contrario.
Palacio dag côrtes, em 17 de abril de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José de Avila, deputado secretario.
Projecto de lei n.° 125-G
Senhores. - Ha na cidade de Braga uma casa de caridade, denominada collegio da Regeneração, cujo piedoso fim é recolher e educar christamente as infelizes mulheres, que, tendo caído no vicio, desejem sair d'esse estado desgraçado, e fugir aos perigos e seducções do mundo, que as perdêra, rehabilitando se perante Deus e a sociedade.
Este collegio, inaugurado em 18 de agosto de 1880, com a denominação de casa de abrigo, tem produzido os mais beneficos e salutares resultados. É crescido o numero de infelizes que ali se têem recolhido e que, regenerando-se pelo trabalho e pela educação, têem saído perfeitamente venbilitadas. Encontram ali, não só uma educação moral e christã, mas ao mesmo tempo o trabalho adequado ás suas condições, e que as prepara para só poderem entregar aos differentes misteres da vida, proprios do seu sexo.
Grande é por isso o acolhimento que tão benefica instituição tem encontrado da parte de todos os que têem tido occasião de conhecer os relevantes serviços que tem prestado. E é assim que se explica. como ella se tem conservado e se tem desenvolvido, amparada e soccorrida apenas pela caridade particular.
No emtanto, senhores, lucta este estabelecimento de caridade com grandes difficuldades; uma das maiores é,
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por certo, o não ter uma casa em que possa receber com as commodidades necessarias, e em maior numero, as desgraçadas, que ali procuram abrigo.
Fica este collegio contiguo ao antigo convento denominado de Nossa Senhora da Conceição. N'este convento, que se acha quasi em completo estado de ruina, existe apenas uma religiosa professa.
Attendendo o governo ao pedido que lhe fôra feito por parte do collegio da Regeneração, e reconhecendo por meio das competentes informações officiaes a sua grande utilidade, concedeu-lhe por portaria do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, de 14 de maio de 1879, uma parte d'aquelle. convento, de que a religiosa podesse prescindir.
No emtanto, senhores, comprehende-se bem que uma tal concessão, tendo o caracter provisorio, não anima a direcção d'aquelle collegio a emprehender as obras necessarias e até indispensaveis, para o conveniente aproveitamento d'essa parte do edificio assim concedida.
Por outro lado, nada mais santo e nada mais justo do que assegurar a t ao piedosa instituição a certeza de vir a possuir um edificio cora. as proporções que permitiam dar-lhe para o futuro o desenvolvimento que é para desejar.
N'estas circumstancias, e porque a unica religiosa professa que ainda existe no indicado convento habitando apenas uma pequena parte d'elle, já declarou por documento publico e authentico que lhe é até agradavel e inteiramente conforme aos seus sentimentos religiosos e de caridade, que não só se conceda definitivamente ao collegio da Regeneração a parte do convento que já está possuindo, mas que seja para tão util instituição todo o convento e suas dependencias quando se realise a sua vacatura, temos a honra de submetter á vossaillustrada consideração o seguinte:
PROJECTO DE LEI
Artigo l.º É concedido ao collegio da Regeneração, da cidade de Braga, o edificio do convento de Nossa Senhora da Conceição, da mesma cidade, com a igreja e suas alfaias, cêrca e mais dependencias.
Art. 2.° Esta concessão tornar-se-ha desde já effectiva apenas com relação á parte do edificio occupada por aquelle collegio, por virtude da portaria1 do ministerio da justiça de 14 de maio de 1879.
Art. 3.° Da restante parte do convento e bom assim da igreja, alfaias, cêrca e mais dependencias do edificio, só o sobredito collegio poderá tomar posse, para todos os effeitos, desde que se realisar a vacatura do convento por fallecimento da religiosa que n'elle existe, ou pela sua saída e mudança voluntaria para outro convento.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Saia das sessões, 13 de março de 1880. = Manuel Joaquim Penha Fortuna = Barão de Paço Vieira = José Barroso Pereira de Matos = Antonio Alves Carneiro = Paulo Marcellino Dias de Freitas = João Monteiro Vieira de Castro = Joaquim Alves Matheus.
Foi approvado sem discussão.
Procedeu-se á leitura do parecer n.° 63.
É o seguinte:
Parecer n.° 63
Senhores. - A vossa commissão da administração publica examinou, como lhe cumpria, o projecto de lei n.° 36, enviado pela camara dos senhores deputados, o qual, assentando sobre uma proposta cio governo, restitue á comarca o concelho de Soure as freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro, que foram annexadas á comarca e concelho do Montemor o Velho, por decreto de 12 de novembro de 1870, e lei de 19 de julho de 1879. Attendendo-se simplesmente á maior distancia d'estas freguezias á sede dá comarca e concelho de Soure, do que á séde da comarca e concelho de Montemor o Velho, fez-se a referida annexação, desattendeu-se a rasões mais ponderosas, em virtude das quaes reclamaram as juntas de parochia das referidas freguezias, a fim de serem restituidas á comarca e concelho de Soure, aonde pertenceram judicialmente desde 1852 até ao fim do anno de 1875, e administrativamente desde o dito anno de 1852 até ao mez de agosto de 1879, sem que da parte dos povos houvesse reclamação alguma.
E não podia haver reclamação fundada: 1.°, porque existiam de longa data relações, tanto pessoaes como commerciaes, entre os povos de Alfarellos e Granja do Ulmeiro e a villa de Souro; 2.°, porque n'esta villa ha um mercado semanal no domingo, que não é dia de trabalho, emquanto que em Montemór o Velho ha só um mercado quinzenal, e ordinariamente em dia de trabalho; havendo ainda proximo de Soure uma feira mensal de gado, extraordinariamente concorrida pelos povos das duas freguezias; 3.°, porque os povos de Alfarellos e da Granja do Ulmeiro podem ir quando e como quizerem á villa de Soure, tanto para os actos judiciaes e administrativos a que forem obrigados, como para tratar dos seus negocios particulares, o que não podem fazer em relação a Montemór, porque se lhes interpõe o rio Mondego, que nos invernos abundantes do chuvas, interrompe absolutamente toda e qualquer communicação em muitos dias seguidos, tendo igual sorte todas as freguezias do sul ao mencionado rio Mondego.
A todas estas ponderações acresce ainda a muito attendivel consideração do que o concelho de Montemór o Velho tinha antes da annexação das duas freguezias 5:187 fogo, emquanto que o concelho de Soure era composto de 4:268, resultando depois que o. concelho de Montemór ficou elevado, pelo augmento das duas freguezias, a 5:697, em detrimento do concelho de Soure, que ficou reduzido a 3:758 fogos (recenseamento de 1864).
Por todas estas considerações é a vossa commissão de parecer que o mencionado projecto n.° 36 deve ser approvado para receber a real sancção.
Sala da commissão, em 21 de abril de 1880.= João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = José Augusto Braamcamp = Conde de Castro = Luiz de Carvalho Daum e Lorena = Augusto Cesar Xavier da Silva = Tem voto do sr. Conde de Rio Maior = Antonio Egypcio Quaresma Lopes de Vasconcellos, relator.
Projecto de lei n.° 36
Artigo 1.° As freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro que, pelo decreto de 12 de novembro de 1875 e pela lei de 19 de junho do 1879, foram annexadas á comarca e concelho de Montemór o Velho, voltam a fazer parte da comarca e do concelho de Soure, a que pertenciam.
Art. 2.° Ficam revogados o citado decreto de 12 do novembro de 1875, a lei de 19 de junho de 1879 e toda a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 5 de abril de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.
Proposta de lei n.° 102-D
Senhores. - O decreto de 12 de novembro de 1875 e a lei de 19 de junho de 1879 desannexaram da comarca e do concelho de Soure, e annexaram á comarca e ao concelho de Montemór o Velho as freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro. Este desmembramento feito á comarca e concelho do Soure contrariou evidentemente os habitos as tradições da habitantes das duas freguezias, e tornou até impraticavel, em uma grande parte do anno, a sua communicação com a cabeça do concelho e da comarca, Montemór, separada das duas freguezias pelo Mondego, invadiavel no inverno. As relações commerciaes frequentes entre as duas freguesias e a villa de Soure, consequencia da communidade de interesses e da annexação por largos annos, são nullas ou insignificantes com Montemór, e nenhuma conveniencia publica persuade que se contrariem os habitos e interesses dos povos das duas freguezias para
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se manter uma annexação que lhes repugna. Movido por estas considerações e attendendo ás representações que recebeu, o governo tem a honra de apresentar-vos a seguinte
PROPOSTA DE LEI
Artigo 1.° As freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro, que pelo decreto de 12 de novembro de 1875 e pela lei de 19 de junho de 1879 foram annexadas á comarca e concelho de Montemór o Velho, voltam a fazer parte da comarca e do concelho de Soure, a que pertenciam.
Art. 2.° Ficam revogados o citado decreto de 12 do novembro de 1875, a lei de 19 de junho de 1879 e toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 2S de fevereiro de 1880. =José Luciano de Castro = Adriano de Abreu Cardoso Machado.
O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Na qualidade de relator do projecto agora lido na mesa, peço que seja adiada a discussão d'elle até que sejam enviados á commissão os esclarecimentos que requisitei, e espero receber talvez ámanhã, ou no dia immediato.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o adiamento proposto pelo sr. Quaresma de Vasconcellos, relator do projecto, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do parecer n.º64
É do teor seguinte:
Parecer n.° 64
Senhores. - As commissões de fazenda e administração examinaram o projecto de lei n.° 47, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual é considerado de grande gala e de festa nacional o dia 10 de junho do 1880, por se completar n'elle o terceiro centenario do grande e immortal auctor dos Lusiadas, sendo alem d'isso auctorisado o governo a auxiliar os trabalhos do iniciativa particular para commemorar esse dia.
As commissões reunidas são de parecer que o projecto deve ser approvado.
Sala das commissões, em 21 de abril de 1880. = Carlos Bento da Silva = Antonio de Serpa Pimentel = Conde de Castro = Thomás de Carvalho = João Baptiza da Silva, Ferrão de Carvalho Mártens = J. J. de Mendonça Cortez Conde de Rio Maior = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto = José Augusto Braamcamp = A. J. de Barros e Sá = Antonio Eqypcio Quaresma Lopes de Vasconcellos = Visconde de Valmór.
Projecto de lei n.° 47
Artigo l.° É considerado de festa nacional, e de grande gala, o dia 10 da junho de 1880, por se completai n'elle o terceiro centenario de Camões.
Art. 2.° É auctorisado e governo a auxiliar quaesquer trabalhos de iniciativa particular, tendentes a commemorar aquelle dia.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio dai côrtes, em 10 de abril de l880. = Antonio José da Rocha, vice-presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.
Projecto de lei n.° 89-H
Senhores. - Generalisa-se em todas nações modernas da Europa o patriotico costume das commemorações civicas, que são como que a apothese posthuma d'aquelles vultos historicos que, sobre symbolisarem na ordem scientifica, artistica e industrial o progresso da epocha em que viveram, bem mereceram, por serviços e trabalhos, a gratidão da terra que os viu nascer.
Essas commemorações poetico-festivas, que vão assumindo o caracter de uma fórma consciente de solidariedade social, celebram se na Hollanda e na Alemanha, na Inglaterra e na França, na Italia e na Hespanha, em honra dos nomes gloriosos de Spinosa, do Hegel, de Lessing, de Dante, de Petrarcha, de Miguei Angelo, de Voltaire e de Cervantes.
A consagração official d'este sentimento de justiça, com que os povos enaltecem a procria dignidade, e se retemperam na tradição, exalçando e radicando a memoria dos homens que representam a synthese da evolução pacifica do progresso, não é um esteril e simples culto que os vivos prestam aos mortos, senão e sobretudo uma sagrada divida de gratidão que as nações pagam a quem as serviu e honrou.
O nome de Luiz de Camões representa na litteratura moderna um mundo novo, aberto á actividade humana, bem como o regimen da guerra substituido pelo conflicto do trabalho, e pela lucta com a natureza nas descobertas e expedições maritimas.
Não fallam annaes portuguezes de nome que rasteje pelo de Camões em benemerencias de poeta, nem de coração que o sobrepuje em prendas de singular dedicação pelas cousas da sua terra; podendo asseverar-se com affoiteza que nunca a tamanho talento andou alliado tamanho patriotismo.
Os Lusiadas acham-se hoje traduzidos em todas as linguas cultas, e o nome do epico portuguez afigura-se e impõe-se a todos os espiritos, como a crystallisação gloriosa da vida historica da nacionalidade portugueza. Assim o affirma a critica scientifica desde Schiegel e Humboldt até nossos dias.
Pois bem, approxima-se o dia 10 de junho de 1880, memoravel por ser em igual dia de 1580, que Luiz de Camões, succumbindo pela miseria e pelo desalento, cumprir, essas dolorosas palavras proferidas na hora extrema d'elle e da patria: "Ao menos juntos morremos!"
Annunciam vozes da imprensa, que tanto no paiz, como fora d'elle, se preparam numerosos trabalhos para o centenario de Camões; é de presumir que os estabelecimentos scientificos e litterarios do paiz, que as emprezas dos theatros e algumas camaras municipaes collaborem com os esforços da sua fecunda iniciativa no grande festival do poeta soldado; é possivel que as salas da bibliotheca nacional se convertem por industria de espiritos levantado, em exposição publica de trabalhos litterarios sobro Camões, sua vida e obras; é certo que o nome do cantor das nossas antigas glorias será relembrado no dia 10 de junho de 1880 com aquelle sagrado respeito que a historia não póde negar ao mais engenhoso espirito portuguez do seculo XVI.
Urge, portanto, que esta camara, por ser a legitima representante da vontade popular, não deixe passar aquelle dia memoravel, sem que em nome da nação coopero, imprimindo ao centenario de Camões o seu profundo caracter nacional.
Convencidos de que um projecto de lei, no qual seja proclamado de grande gala o dia 10 de junho de 1880 e seja auctorisado o governo a auxiliar os trabalhos de iniciativa particular que nitidamente attestem o respeito da nação pelo nome de Camões no dia do seu festival, será um titulo de gloria para o paramento que o votar, temos a honra de propor a illustrada consideração da camara o seguinte:
PROJECTO DO LEI
Artigo 1.° É considerado de festa nacional o dia 10 de junho de 1880, por se cumprir n'elle o terceiro centenario de Camões.
Ari. 2.° É auctorisado o governo a auxiliar, segundo as forças do thesouro, quaesquer trabalhos do iniciativa, particular, tendentes a commemorar aquelle dia.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões dos senhores deputados, 16 de fevereiro do 1880. = José Simões Dias = Antonio Ennes = Antonio Candido Ribeiro da Costa.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Presidente: - Vae-se ler o parecer n.° 65.
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O sr. Vaz Preto: - Faltam poucos minutos para dar a hora: parece-me conveniente levantar se a sessão, se v. exa. assim o entender, pois o projecto que vae entrar em discussão é importante.
O sr. Presidente: - Ainda não deu a hora; mas eu consulto a camara sobre se quer continuar na ordem do dia.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O sr. Presidente: - Em vista da resolução da camara, passa-se á discussão do parecer n.° 65, que ha pouco foi lido.
O sr. Andrade Corvo: - Este assumpto é da natureza d'aquelles que, a camara não póde votar sem profundamente o meditar. Trata-se de uma organisação de cursos superiores, trata-se de organisar os estudos dos engenheiros navaes, e nós sabemos as dificuldades que tem havido para estabelecer esse serviço em Portugal. Não me parece, pois, conveniente que, sem um exame prévio da questão, vamos deliberar a este respeito. Eu não digo que me opponho ao projecto; a que me opponho é á precipitação num caso d'esta natureza.
Vozes: - Deu a hora.
O sr. Presidente: - Deu a hora; por consequencia, não póde continuar a sessão.
A ordem do dia para ámanhã é a discussão dos pareceres: n.° 58, se estiver presente o sr. ministro das obras publicas; n.° 63, se chegarem os documentos pedidos pelo sr. relator da commissão; e n.ºs 65, 66, 67 e 68.
Está levantada a sessão.
Eram cinco heras e cinco minutos da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 27 de abril de 1880 Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Vallada, de Sabugosa; Condes, de Avilez, de Bertiandos, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Linhares, de Podentes, do Valbom; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá,, de Borges de Castro, de Condeixa, de S. Januario, do Ovar, do Seisal, de Soares Franco, de Valmor; Barão de Ancede; Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Andrade Corvo, Braamcamp, Castro, Reis e Vasconcellos, Raposo do Amaral, Mello Gouveia, Palmeirim, Costa Cardoso, Mexia Salema, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Costa Lobo, Ornellas, Eugenio de Almeida, Castro Guimarães, Mamede.