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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
Sessão de 24 de Abril de 1849.
Presidiu — O Em.mo e Rev.mo Sr. Cardeal Patriarcha.
Secretarios — Os Sr.s Simões Margiochi
V. de Gouvêa.
(Summario — Correspondencia — Ordem do dia, Parecer n.º 118 sobre a Proposição de Lei n.º 101 authorisando o Governo a despender 4:000$000 para o principio de exploração geologica e mineralógica do Reino, e compra de um Herbario; Parecer n.° 116 sobre a Proposição de Lei n.º 105 reduzindo a 1 por cento ad valorem os direitos de exportação nas Provincias Ultramarinas do vinho e aguardente de producção portugueza; e Proposição de Lei n.º 57, na especialidade, estabelecendo as aposentações da Magistratura judiciaria)
Aberta a Sessão pouco antes das duas horas da tarde, estando presentes 32 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão — Concorreram os Srs. Ministros do Reino, Fazenda, e Justiça.
Ordem do dia.
Parecer n.º 118 sobre a Proposição de Lei n.º 104, authorisando o Governo para despender até 4:000$000 de réis no principio da exploração geologica e mineralógica do Reino, e compra de uma Herbario da Flora Portugueza.
Parecer n.º 118. A Commissão de Instrucção Publica examinou, com a devida attenção, o Projecto de Lei que a esta Camara foi enviado pela dos Srs. Deputados, no qual se determina que o Governo seja authorisado para despender até á quantia de quatro contos de réis, para dar principio á exploração geologica do Reino, e para a compra de um Herbario da Flora Portugueza, colligido por um distincto Naturalista. A Commissão. reconhecendo que a constituição geologica deste Reino ainda até agora não foi explorada, e que por consequencia os mineraes que elle contém são pouco e mal conhecidos, não póde deixar de approvar que o Governo seja habilitado com a somma necessaria para dar principio a uma exploração, da qual deve resultar grande interesse para a Sciencia, pifa a Agricultura e para a Industria; devendo pois esta despeza ser considerada como uma despeza productiva, não tem á Commissão duvida em propôr a sua approvação, não obstante reconhecer, que a miseravel situação da Fazenda Publica exige uma severa economia em todas as despezas, que se não provar serem productivas.
Accresce que á Commissão consta, pelas communicações officiaes, que lhe foram feitas pelo Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que esta exploração geologica e mineralógica será confiada a um habilissimo sabio, que já deu claras provas dos seus conhecimentos theoricos e praticos na primorosa Memoria sobre o geographia physica e geologica do Reino do Algarve, offerecida á Academia Real das Sciencias, e por ella mandada publicar.
Pelo que pertence ao Herbario da Flora Portugueza, consta á Commissão que nelle e observam um grande numero de especies de plantas até hoje não descriptas, nem pelos Botânicos portuguezes nem pelos diversos Sábios estrangeiros, que tem visitado este Paiz. A acquisição pois deste Herbario será um valioso auxilio para completar a Flora do nosso insigne Botânico Felix de Avellar Brotero. Seria alem disso vergonhoso que, por uma tão insignificante quantia, se deixasse sahir do Paiz a collecção mais rica de plantas de Portugal, que até agora tem sido formada. Por todos estes motivos, e por outros que a Commissão expenderá, sendo necessario, na discussão do Projecto, parece á mesma que o Projecto de Lei, cujo exame lhe foi commettido, deve ser approvado sem alteração alguma.
Sala da Commissão, 21 de Abril de 184-9. = G. Cardeal Patriarcha, Presidente —Francisco Tavares de Almeida Proença = Francisco Simões Margiochi — C. de Lavradio = Manoel de Serpa Machado.
O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, reconhecendo a illustração de todos os Membros desta Camara, parece-me escusado fazer um minucioso relatorio dos motivos, que á Commissão teve para propôr a approvação deste Projecto. Todos sabem que as Sciencias naturaes nestes ultimos tempos teem feito grandissimos progressos, e longe de mim o não querer reconhecer que estes progressos tenham sido seguidos pelos nossos Sábios; mas é necessario convencer-nos. de que a pratica destas Sciencias entre nós está em muitissimo atrazo, não direi por falta de Sábios, mas por falta de meios para as poderem praticar: no entanto uma das Sciencias que mais progressos tem feito, e de que mais necessidade ha, porque da sua pratica muita utilidade se tira, são sem duvida a Geologia e a Mineralogia; uma é consequencia da outra; os conhecimentos geologicos e mineralogicos são o resultado de muita pratica; por que estas Sciencias não se aprendem só no gabinete: quem as quizer saber bem ha de ir estuda-las nos terrenos, aliás se se limitar ao estudo do gabinete não sabe nada (Apoiados): logo estas Sciencias, para serem proveitosas, é preciso que se aprendam praticamente, porque desta pratica resulta o adiantamento das Sciencias propriamente ditas. Da exploração e conhecimento dos terrenos resulta o aproveitamento das riquezas que estão nas entranhas da terra; tanto que o proveito que deste estudo se tira não só aproveita á Sciencia, como tambem á Agricultura, Artes, á Industria, e ao Commercio, que é uma consequencia necessaria de uma e outra.
E se isto é assim, como creio que é, e ninguem, me parece, duvidará desta verdade, a som ma que se pede para esta importante exploração parece-me que não poderá ser taxada de excessiva, antes pelo contrario de muito pequena (Apoia dos); porque, eu não me posso persuadir, de que com esta somma se possam concluir trabalhos tão grandes como são estes! No entanto é necessario começar, e a somma pedida é, quanto a mim sufficiente para se dar principio aos trabalhos Como eu porém, sempre que se tracta da creação de uma nova despeza, em geral sou um rigido censor, forçoso é que de os motivos pelos quaes approvo esta despeza, posto que parte delles já estejam expendidos.
Esta despeza de 4:000$000 se elles forem bem despendidos, é uma despeza productiva, que ha de reproduzir o capital de um juro grandissimo: bastaria para provar esta preposição a utilidade da sciencia; mas, a bem desta, temos a utilidade material, que julgo ter já demonstrado. A duvida que alguem talvez terá para a votação desta somma, será a da difficuldade que se dará em se encontrar um individuo que reuna a Sciencia á pratica, mas a Commissão procedeu como devia; quero dizer, com pleno conhecimento de causa: dirigiu-se ao Sr. Ministro do Reino e soube de S. Ex.ª, que a pessoa que estava designada para essa Commissão reunia todas as qualidades necessarias para a bem desempenhar: e isto não por uma simples supposição, mas á vista dos trabalhos feitos por esse sabio distincto, os quaes foram justamente avaliados pela Academia Real das Sciencias. Os trabalhos a que me refiro, é uma Memoria sobre a Geographia Phisica e Geológica do Algarve, á qual a Academia deu tanta importancia, que se decidiu a nomear o seu illustre Author, seu Sócio, resolvendo que. a Memoria por elle apresentada fosse impressa á custa da mesma Academia: por conseguinte, podemos ter a confiança, á vista dos trabalhos que já existem, do resultado dos que vão emprehender-se.
Em quanto ao Herbario da Flora Portugueza, tambem me não demorarei muito em provar a sua utilidade. Este Herbario contém uma collecção de plantas, de que não havia noticia neste Paiz: sobem a cima de quatrocentas, as que ainda não tinham sido observadas pelos nossos Botânicos, nem pelos estrangeiros que teem visitado este Paiz; de maneira que por este meio se enriquecerá e augmentará a já rica Flora do nosso sabio Botanico Felix de Avelar Brotero, cujo nome sempre será respeitado (Apoiados.) Seria pois até vergonhoso, se por ventura deixassemos sahir do Paiz uma tão excellente collecção como é o Herbario da Flora Portugueza, para cuja compra se pede authorisação.
Por todos estes motivos a Commissão julgou, que devia propôr á Camara a approvação deste Projecto; mas se mais alguns esclarecimentos se quizerem, eu estou prompto a dal-os; além do que, o Sr. Ministro do Reino está presente, e S. Ex.ª poderá confirmar a verdade do que acabo de expender.
O Sr. V. de Sá da Bandeira— Estou perfeitamente de accôrdo com a asserção exarada no Parecer da Commissão, de que esta despeza, que se authorisa o Governo a fazer, será uma despeza productiva: todavia farei sobre o objecto algumas considerações que me occorrem.
Não ha muito tempo que estive lendo varios Relatórios sobre observações geologicas em alguns dos Estados da União Americana, que effectivamente paga a Geólogos para fazerem explorações. Os trabalhos desta especie foram começados em 1833, no Estado de Maryland; e segundo se lê em um dos respectivos Relatórios, os Agricultores intelligentes teem alli procurado apoiar estes trabalhos em virtude do augmento de valor, que tem resultado aos seus terrenos, depois do exame e inquerito geológico, porque em algumas partes deste Estado haviam certas apprehensões quanto á qualidade do terreno arável e do seu subsolo, que muitas vezes reputavam não ser sufficientemente productivo para certas qualidades de plantas: nu entanto o exame fez ver, que consideravel proveito se poderia tirar dessas terras, tanto para a cultura directa, como empregando-as como adubo para outras terras.
Ha porém uma outra consideração a fazer. Estes trabalhos geologicos teem ainda a vantagem de servirem de auxiliar aos trabalhos geodesicos, no que diz respeito ás Cartas do Paiz, visto que o Geólogo é obrigado a traçar um mappa do terreno que examina. A pessoa que o Sr. Ministro conta encarregar destes trabalhos é muito capaz pelos seus conhecimentos theoricos e practicos demonstrados pelos trabalhos que já apresentou sobre o Algarve
Uma outra consideração intendo eu, que tambem deve levar a Camara a approvar este Projecto de Lei. Com o conhecimento geolegico das vertentes septentrionaes das serras do Algarve e das serras do Alemtejo poder-se-ha tornar talvez esta Provincia tão fertil e populosa como a do Minho, porque taes conhecimentos indicarão os logares onde se poderá achar agoa fazendo poços artesianos. A falta de agoa é uma das causas principaes da falta de população e de cultura da Provincia; mas ainda ha outra circumstancia, que bastante obsta ao augmento de uma e outra, a qual consiste em achar-se a propriedade accumulada em poucas mãos. No entanto, a falta de agoa é mais essencial. As fontes artesianas poderão fornecel-a. Sei que em Castello de Vide, um proprietario muito intelligente, o Sr. Lecoq, abriu um poço artesiano do qual lhe tem resultado poder regar um vasto terreno na sua excellente propriedade. Quando seja bem conhecida a constituição geologica da Provincia do Alemtejo, poderá introduzir-se o uso de poços artesianos, e com a abundancia d'agoa poderá ella vir a ser uma das mais ferieis e populosas do Reino.
Quanto ao Hebario, estou de accôrdo com a Commissão, porque a sua acquisição é de muita vantagem para a sciencia, e é este um meio que se nos proporciona para augmentarmos as collecções dos Museos de productos do Paiz, do que são realmente muito pobres. Acontece que vindo a Portugal estrangeiros naturalistas, e visitando as collecções de Lisboa e Coimbra vê alli productos do Brasil e da Asia, em quanto que a respeito dos do nosso Paiz muito poucas cousas acha, do que ficam admirados.
Ouvi que o Governo estava disposto a mandar com este Naturalista encarregado dos trabalhos geologicos e mineralogicos, alguns mancebos, que se tenham dado ao estudo destas Sciencias, a fim de poderem praticar no terreno, o que é muitissimo importante, porque neste Paiz, ainda que hajam muitos conhecimentos theoricos, faltam com tudo os que dá a pratica; porque os nossos Homens de sciencia estão mais habituados a fazer os seus estudos no gabinete, do que a ir ás montanhas e a outros logares fazer indagações, motivo porque o catalogo dos nomes dos nossos Botânicos se limita a Brotero, Corrêa da Serra, Padre Loureiro, e poucos mais.
Termino pois declarando, que por estas e outras considerações devemos approvar este Projecto,
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Eu direi apenas duas palavras, porque não ha quem impugne o Projecto.
O Governo pede realmente muito pouco (Apoiados); mas é preciso attender a que isto e Só para dar principio ao trabalho. Eu porém, pelo conhecimento particular que tenho do Engenheiro civil, que vai ser encarregado desta obra, tenho a convicção de que com esta somma teremos, no anno proximo futuro, trabalhos muito importantes; e espero que pelo menos os da Provincia do Alemtéjo estarão concluidos.
O Sr. Presidente — Vou pôr á votação este Projecto de Lei na sua generalidade.