O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

864

É por isso que similhante crime, em todos os tempos e em todas as nações, tem sido considerado como um dos mais perniciosos á sociedade, dos mais attentatorios da ordem e tranquillidade publica, e como tal severamente perseguido e punido.

Bem severas eram tambem as penas com que o mandava punir a nossa Ordenação livro 5.°, titulo 12.°: nem de certo são insufficientes, com quanto sejam muito mais moderadas as que lhe impõe o Código Penal nos artigos 206.° a 213.º E comtudo, nem sempre a satisfação á sociedade, pelo justo castigo dos delinquentes, se tem podido dar: nem sempre o exemplo da punição tem podido advertir os malfeitores para se conterem na carreira de suas malfeitorias.

Fabricas de moeda falsa foram apprehendidas em diversos sitios: foram presos e entregues aos Tribunaes os que residiam nas casas em que se fez a apprehensão; e a final, depois de alguns mezes de prisão, estes mesmos se viram livres, e talvez se sentiram mais animados para continuarem na perpetração do mesmo crime, porque os Juizes de facto o declararam não provado.

Outro tanto aconteceu já com passadores de moeda falsa presos em flagrante delicto.

Pelo conhecimento destes e de muitos outros factos é que eu, por occasião de aqui se discorrer sobre esta materia, disse, que havia entendido ser necessaria alguma medida legislativa a este respeito.

Tendo ainda a mesma opinião, e usando do meu direito de iniciativa, venho propôr-vos a que me pareceu adequada.

Segundo o artigo 1023.º da Novissima Reforma Judiciaria póde-se prender sem culpa formada pelo crime de levantamento de fazenda alheia. E os que fabricam moeda ou notas falsas, e os que as passam, não se levantarão com a fazenda daquelles que, acceitando tal moeda ou notas como boas, e pensando receber tanto como deram em troca, effectivamente recebem muito menos ou nada?

E o cerceamento dos cruzados novos que recentemente e em muito grande quantidade foram espalhados n'alguns districtos do reino, e que o Governo, para evitar o prejuizo dos particulares, e os incalculaveis embaraços da circulação, se viu na necessidade de recolher, mandando-os trocar por moeda com o peso legal: esse cerceamento não seria um levantamento da fazenda publica?

Necessária e justificada me parece, pois, a disposição do artigo 1.° do meu projecto.

E conforme os dictames da boa razão, as regras da moralidade das acções humanas, e os principios de direito geralmente estabelecido, poderão aquelles a que se encontrarem os instrumentos ou os effeitos de algum crime, os objectos que o constituem, ou que evidentemente o denunciam: poderão estes, em quanto mais evidentes provas em contrario se não produzirem, deixar de ser julgados auctores ou cumplices desse crime?

Não será, pois, de toda a conveniencia, não exigirá a boa administração de justiça, que taes principios não deixem de ser observados, como deixaram de o ser nos casos que acima referi?

Poderá nestes casos, em que a apreciação do facto é mais de direito do que da consciencia, ser util e conveniente não a commetter ao Poder judicial?

Taes são, em summa, as razões porque tambem tenho por fundadas e procedentes as disposições dos restantes artigos do projecto, que tenho a honra de sujeitar á sabedoria e consideração da Camara.

PROJECTO DE LEI.

Artigo 1.° Pelo crime de moeda falsa, nacional ou estrangeira, de notas falsas de qualquer Banco, nacional ou estrangeiro, de passador destas ou daquella, e de cerceamento de moeda legal, póde proceder-se a prisão antes de culpa formada.

Art. 2.° A achada e apprehensão dos instrumentos ou utensilios proprios para cunhar ou cercear moeda, nacional ou estrangeira, ou para abrir notas de qualquer Banco, nacional ou estrangeiro, certificada em auto mandado lavrar ou lavrado por alguma auctoridade administrativa ou judicial, e subsequentemente comprovada em juizo pelo juramento de duas ou mais testimunhas, que a tenham presenciado, constitue plena prova dos respectivos crimes:

1.° Contra aquelle em podér de quem se apprehenderem:

2.° Contra o inquilino ou dono da casa, ou da parte da casa em que forem apprehendidos, e que nella habitar:

3.° Contra aquelle que tiver tomado de arrendamento a casa ou parte da casa ou o local, e não havendo arrendamento, contra o dono da casa ou do local em que se fizer a apprehensão, mesmo que ahi não habitem. '

§ unico. Cessa porém, a disposição deste artigo em relação ás pessoas comprehendidas nos n.ºs 2. e 3. e se estas allegarem, e plenamente provarem:

1.° Que a outra pessoa, certa e designada, pertencem os ditos instrumentos ou utensilios:

2.° Que não tinham conhecimento da existencia delles na casa ou local em que foram achados e apprehendidos, incumbindo-lhes neste caso referir, e tambem provar os factos ou circumstancias, pelos quaes isto se deva naturalmente concluir.

Art. 3.° A achada e apprehensão de papel proprio para notas de qualquer Banco, nacional ou estrangeiro, constitue plena prova de cumplicidade do crime de notas falsas contra aquelle em podér de quem se achar, e apprehender, ou a que, por qualquer modo, pertençam os effeitos ou o local em que fôr apprehendido: excepto, 1.° se declarar, e plenamente provar quem lh'o entregou, e que ignorava a sua applicação: 2.° se allegar e provar a materia do § unico n.º 2 do artigo antecedente.

Art. 4.° A achada e apprehensão de moeda falsa de bronze ou cobre, de moeda falsa ou cerceada de prata ou ouro, nacional ou estrangeira, constitue plena prova de passador de moeda falsa, ou de notas falsas contra aquelle em podér de quem se fizer a apprehensão, ou a quem pertençam a bagagem, effeitos ou local em que fôr feita: excepto se logo declarar de quem, e porque legitimo titulo houve a dita moeda ou notas, e que as recebeu como boas.

§ unico. Será, porém, necessario, que tambem prove a dita declaração, quando a somma em moeda falsa, ou em notas falsas seja tal que, segundo as circumstancias da pessoa em podér de quem fôr apprehendida, senão deva ter por verosímil, que a recebesse como boa.

Art. 5.º A achada e apprehensão dos instrumentos, papel, moeda falsa ou cerceada, e notas falsas de que tratam os artigos antecedentes, sendo feita a bordo de alguma embarcação, ou no acto de se embarcarem ou desembarcarem, ou nas Alfandegas, constituo plena prova:

1.° Contra o capitão ou commandante da embarcação, se em esconderijo nella praticado, ou em logar do exclusivo uso delle, forem encontrados os objectos comprobativos do crime:

2.° Contra o passageiro ou individuo da tripulação, qualquer que elle seja, a que pertencer a bagagem ou os effeitos em que se encontrarem e apprehenderem:

3.° E no caso de serem encontrados e apprehendidos n'algum volume, de qualquer natureza ou especie que seja, contra aquelle a quem fôr remettido, e contra quem lh'o houver enviado, ou o tiver mandado para bordo; ou não se descobrindo logo quem estes sejam, contra o despachante do mesmo volume, senão declarar quem o encarregou de promover o despacho delle.

Art. 6.° Os crimes enunciados no artigo 1.° da presente lei, de que houver certeza legal por alguma das provas indicadas nos artigos antecedentes, serão processados e julgados sem intervenção de jury.

Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, 12 de Julho de 1858. = 0 Par do Reino, Julio Gomes da Silva Sanches.

Secretaria da Camara dos Dignos Pares, 12 de Julho de 1858. = O Conselheiro, Official-maior, Director geral, D. A. de Castro Constancio.