O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1354

Sr. presidente,.não teria pedido a palavra sobre este assumpto se não visse que o principio da carta tinha sido infringido.

Acredito plenamente, como já disse, que os dignos pares a que se refere o parecer não commetteram a desobediencia de que são accusados, mas isso deve ser decidido pela camara, quando estiver habilitada para o fazer, e não agora que nenhum de nós o esta.

Em boa fé, sr. presidente, qual de nós póde dizer que os dignos pares de que se trata não commetteram uma contravenção legal?! Nenhum de nós poderá dizer isto, porque nenhum de nós conhece o processo para o poder avaliar. O parecer da commissão devia dizer se o processo podia ou não continuar, mas declarando os motivos em que se fundava.

O que deixo dito salta aos olhos de todos, e creio que não é preciso insistir mais sobre este ponto.

Sr. presidente, a rasão por que pedi a palavra foi para estabelecer os verdadeiros principios constitucionaes sobre este ponto, porque entendo que. a camara não tem o direito de annullar a acção da justiça, que não deve deixar de ter O seu curso.

O tribunal competente n'este caso é a propria camara, não como camara, mas como corpo judicial.

Se o poder judicial quizer exercer uma injusta pressão sobre qualquer membro d'esta casa, temos o direito de dizer, como corpo judicial, que o processo não continua; mas n'esta qualidade não podemos decidir sobre a criminalidade de qualquer individuo. Isso era uma cousa impossivel, e custa-me a crer que se possa sustentar similhante doutrina.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, eu sinto ter de entrar n'esta discussão, porque diante de rasões taes como aquellas que o digno par acabou de apresentar, não ha outro remedio senão, ou curvar a cabeça ao arbitrio, proscrevendo a logica, a critica e a rasão, ou reagir contra a inexperiencia, causa primaria da erronea apreciação com que se desnatura o mais simples assumpto (apoiados).

O digno par veiu estabelecer uma doutrina inteiramente contraria a tudo quanto se tem seguido, e unanimemente aceito desde que existe parlamento n'este paiz; mostrou até que não conhecia o nosso proprio regimento, porque com o que avançou nos provou até á saciedade que desconhecia as tres instancias que deve percorrer o objecto ou especie em discussão, pretendendo levantar-se em mantenedor de garantias constitucionaes que ninguem ataca.

Louvo as intenções do digno par, mas não posso de maneira nenhuma deixar de notar a sua erronea apreciação, filha, no meu modo de pensar, da precipitação com que se deu ao estudo do assumpto, em vez de reflectir n'elle, como era para esperar da sua capacidade (apoiados).

Sr. presidente, que é o que manda o nosso, regimento, que é por ora a lei d'esta casa? Que é o que elle prescreve sobre este ponto? Eu vou dize-lo ao digno par e á camara, é depois mostrarei os legitimos fundamentos com que a commissão procedeu, fundamentos justificados não só pelo regimento e pela lei, mas por todos os precedentes desde que existe a camara dos dignos pares, precedentes portanto que n'este ponto constituem a verdadeira jurisprudencia parlamentar, que não deve nem póde justificadamente ser contrariada sem graves motivos que reclamem a sua opportuna e legitima alteração (apoiados), visto que se trata da ordem do processo. Veja a camara o que manda o regimento quando a camara dos dignos pares se constitue em tribunal de justiça.

É meu dever demorar-me um pouco n'este objecto, pondo diante dos olhos da camara as suas disposiçoes, para que se possa ver o erro em que o digno par marchou. O artigo 7.° do regimento (notarei de passagem que as suas providencias são o resultado da lei de lo de fevereiro de 1849, e confeccionadas por consequencia debaixo da sua influencia, dispõe o seguinte:

«Quando algum processo for remettido á camara dos pares, em o qual se ache pronunciado algum individuo dos que pertencem á sua exclusiva jurisdicção, o presidente, dando conhecimento d'isso á camara, o enviará á commissão de legislação, para que com o seu parecer a camara possa resolver se o processo deverá ou não seguir os termos ulteriores, e se a camara deve constituir se em tribunal de justiça.»

Eis o primeiro passo ou instancia em que a camara, ainda na esphera de suas funcções legislativas, aprecia e decide se deve ou não passar-se ao exercicio das funcções judiciarias, a que se refere o artigo 41.° § 1.° da carta constitucional quando diz:

«E da attribuição exclusiva da camara dos pares conhecer dos delictos individuaes commettidos, da familia real, ¡ministros d'estado, conselheiros d'estado e pares, e dos delictos dos deputados durante o periodo da legislatura.»

Á vista pois de disposições tão claras, tão terminantes, e ao mesmo tempo tão harmonicas, pergunto eu — será á camara a quem pertence resolver a especie, na altura em que ¡é offerecida á sua apreciação, ou á mesma camara com o tribunal de justiça, segundo disse o digno par? A consciencia da camara, em harmonia com a sua illustração, não póde deixar de se pronunciar no sentido opposto á nova e absurda jurisprudencia do digno par, que por si mesmo ha de conhecer a excentricidade das suas idéas applicadas a um objecto, que não póde deixar de ser considerado n'uma esphera positiva, determinada e concreta (apoiados).

A camara por altas rasões politicas ou de conveniencia publica póde decidir que o processo não continue, mas esta decisão tomada dentro, da esphera legislativa não importa declarar o processo extincto na esphera criminal, aonde prevalece outra ordem de idéas; á commissão nem pela idéa lhe passou confundir tão diversas especies, e portanto não

podia, a não ser, como é, a sua conclusão tão explícita para a continuação do processo, ter o pensamento de se pronunciar pela extincção do processo na segunda hypothese.

O sr. Costa Lobo: — Não disse isso.

O Orador: — Sr. presidente, tinha uma resposta frisante a dar a esta interrupção, mas não a quero dar, porque quero conservar a seriedade do debate.

Sr. presidente, o parecer de que nos estamos occupando é a primeira phase ou instancia preparatoria para todos os processos crimes, similhantes áquelle de que nos estamos occupando: desconhecer estas idéas trivialissimas, e querer levantar o arbitrio ou uma innovação abstrusa na marcha regular das idéas, não me parece proprio da elevada intelligencia do digno par, que a final, depois de alguma reflexão, ha de certamente conhecer o erro em que caíu.

Ha uma segunda instancia ou formalidade a satisfazer n'esta ordem de processos, e qual é ella? E aquella que, depois da camara declarar que se constitua em tribunal de justiça, manda effectuar o artigo 9.° do precitado regulamento, dispondo que = a camara nomeará por escrutinio um dos seus membros para relator, o qual relatará o processo em sessão publica do tribunal, e findo o relatorio os juizes passarão a votar em conferencia particular sobre a procedencia ou improcedencia da pronuncia, observando-se o que em respeito a estes actos nos tribunaes de justiça se acha decretado nas leis =.

Então é que começam as funcções judiciarias, absolutamente independentes das funcções legislativas, e, na sua respectiva esphera, com plena liberdade para julgar se sim ou não deve a pronuncia proceder, e quando a pronuncia proceda vem a necessidade do processo plenario, tudo sabiamente previsto nos artigos 10.°, 11° e 12.°—artigo (12.°) que marca e determina a ultima phase, e a mais importante do processo, até á sentença definitiva, tudo previsto nos artigos 13.° e seguintes. E não é só o regimento que o diz, é tambem a lei de 15 de fevereiro de 1849, que no seu artigo 4.°, pela sua referencia á legislação especial do paiz, applicavel ao supremo tribunal de justiça, para o julgamento dos crimes e erros de officio, manifestamente se coaduna com as disposiçoes do regulamento, para as quaes serviu de norma a mesma lei (apoiados).

Emquanto pois não só o pensamento, mas a phraseologia do parecer da commissão, estão em inteira conformidade com a carta, com o, regulamento, com a lei e com a jurisprudencia parlamentar, vê-se ao reverso que a theoria do digno par esta em completa desharmonia com todas estas fontes ou normas para uma justa e legitima decisão.

Já se vê portanto que a argumentação do digno par cáe toda por terra, e que os escrupulos que se apresentam não têem rasão, de ser. Mas agora, passando d'esta questão de fórma ao objecto considerado em si, eu acrescentarei mais algumas reflexões.

Este negocio, sr. presidente, foi mandado á commissão de legislação em virtude do regimento e da lei; a incumbencia á commissão era justamente para dizer se sim ou não tinha logar o constituir-se a camara em tribunal de justiça; a commissão entendeu que não; e porque o entendeu assim? Porque não ha facto criminoso, materia unica que póde provocar a transformação da camara em tribunal de justiça.

O sr. Costa Lobo: — O tribunal é o que deve decidir; a camara antes do se constituir em tribunal não decide se ha ou não crime para que o processo haja de continuar. Isto não é compativel com as funcções legislativas, ha de ser' em tribunal (apoiados).

O sr. Presidente: — Não posso consentir as interrupções. V. ex.ª responderá depois, para o que está inscripto, mas por emquanto não tem a palavra.

O Orador: — Sr. presidente, este processo veiu aqui em' virtude do artigo 27.° da carta, e este artigo manifestamente contraria todas as idéas do digno par a este respeito; pois o que é que diz o artigo citado? Eis-aqui as suas textuaes palavras:

«Se algum par ou deputado for pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta -á sua respectiva camara, a qual decidirá se o processo deva continuar, e o membro ser ou não suspenso no exercicio das suas funcções. »

Póde haver cousa mais evidente do que o pensamento d'este artigo? Não diz elle expressamente que = a camara' é que ha de decidir se o processo deve continuar? = Se houvesse crime poder-se-ía dizer que a negativa para a sua continuação era ou injusta, ou inconveniente, ou irreflectida; mas desde que não se apresenta facto criminoso a commissão devia dar o seu parecer conforme a lei, e a camara tem toda a competencia para a decisão que entender melhor, segundo mesmo o artigo da carta, que não póde admittir duvidas na sua interpretação (apoiados). Pois acamara devia constituir-se em tribunal tendo a consciencia de que não havia materia propria da sua competencia? Similhante apparato para tal fim seria quasi uma insensatez, ou pelo menos uma contradicção do facto com a idéa. Vejam se os primeiros artigos do codigo penal, e conhecer-se-ha então melhor ainda a nenhuma rasão que havia para vir aqui apresentar-se similhante argumentação como aquella que a camara tem ouvido, tratando-se de combater o parecer da commissão de legislação, que foi exarado tendo em attenção tudo quanto se devia pensar sobre a natureza do objecto e circumstancias que n'elle se davam (apoiados).

Intimaram-se os directores da companhia do gaz para que não continuassem com a construcção de um projectado gazometro, esta intimação foi feita a dois cidadãos, pares ou não pares, pouco deve considerar-se para o caso como mui sensatamente disse, o digno par, o sr. conde de Cavalleiros, porque a apreciação do facto para a sua imputabilidade não depende dó objecto adjectivo (apoiados): esses cidadãos responderam que segundo a lei não eram obrigados a suspender a obra, porque não se dava o caso previsto nas leis. e regulamentos de saude, e não era applicavel ás circumstancias da obra a portaria que mandava suspender a obra, portaria expedida do ministerio do reino em data de 6 de abril de 1861.

Peço aqui a attenção da camara, porque a questão ventilada assim o exige, com particularidade n'este ponto.

Sr. presidente, a quem quer que não deseje estabelecer uma doutrina a seu talante, marchando pela senda de um arbitrio cego, em vez de amoldar-se ás disposições das leis do paiz, ha de conhecer que a commissão commetteria um redondo e indesculpavel descuido se viesse apresentar á camara parecer diverso do que apresentou (apoiados).

A commissão compulsou, como era dever seu, os differentes regulamentos sanitarios: o primeiro de 27 de agosto de 1855, e os dois subsequentes de 3 de outubro de 1860 e de 21 de outubro de 1863; meditou na disposição do artigo 15.° § 2.° do regulamento de 3 de outubro, analysou os artigos 30.° e 31.° do regulamento de 21 de outubro, leu e reflectiu nos estatutos da companhia do gaz nas suas tres edições (pelas successivas reformas) desde 1846 até 1861, aonde vem sempre consignada a faculdade para fazer as obras necessarias para o desenvolvimento da sua industria; e chegou depois de um detido exame á convicção profunda, irrefutável e legal: 1.°, que a portaria que mandou suspender a obra começada era arbitraria, porque [a obra começada estava fóra das attribuições da administração civil, debaixo do ponto de vista de saude, visto que se tratava então só de profundar uma cova; e que quando se desse prejuizo de terceiro era só por embargo judiciario que deveria ter logar a suspensão da obra; 2.°, que todos os precitados regulamentos exigindo, para constituir a intervenção administrativa, a condição da laboração dos estabelecimentos, na presente hypothese não só não havia essa laboração, mas a edificação estava distante; e a administração civil é incompetente para intervir nos direitos exercidos em virtude do direito de propriedade, direito que só póde ser limitado pela providencia da lei (apoiados); 3.°, que em consequencia e sem necessidade de recorrer a outros argumentos, era visivel que sendo indispensavel para se dar o crime ou delicto de desobediencia, na fórma do artigo 188.° do codigo penal, que quem ordenou tenha competencia para ordenar, e que portanto a obediencia seja devida tanto objectiva como subjectivamente, faltando manifestamente estes requisitos na especie sujeita, a consequencia não podia ser senão a que a commissão deduziu de fundamentos tão irrefragaveis; 4.°, que ainda quando não fôssem ou houvesse rasões tão convincentes, bastava comparar a disposição do artigo 30.° do regulamento de 21 de outubro de 1863 com o artigo 70.º do codigo penal, para se conhecer que o processo estava irremediavelmente extincto e morto pela propria disposição da lei, pois que para a hypothese em que a lei posterior ou diminua a pena, ou elida a criminalidade do facto, se manda observar a lei posterior, embora o facto seja praticado sob a influencia de uma lei mais dura ou quanto a pena ou quanto a criminalidade do facto (apoiados).

Se o regulamento de 21 de outubro de 1863 tinha extinguido a necessidade de renovação da licença para os estabelecimentos fundados anteriormente a 27 de agosto de 1855; se as mesmas fabricas de gaz desde 1860 eram comprehendidas na 2.ª classe, e por consequencia, quanto á sua suspensão, inteiramente fóra do alcance das attribuições administrativas; se o codigo penal no citado artigo é tão explicito a extinguir a moralidade criminal do acto, qual, pergunto francamente á camara, deveria ser o seu juizo se a commissão viesse improvisar theorias que repugnam com a lei, com a logica e com a verdadeira hermeneutica? (Apoiados.)

Assim fundamentado e esclarecido o parecer da commissão, prevenidas mesmo quaesquer objecções em contrario pela enunciação de idéas que não pódem ter reparo serio, entendo eu e entendeu a commissão que, dando o parecer que se discute, cumpriu o dever de que a camara a incumbiu (apoiados).

O sr. Costa Lobo: — Sr. presidente, dizem os poetas que é sempre terrivel a colera da leoa quando lhe robam os filhos; assim tambem se descrevo a colera de Achilles e de outros; mas todas estas coleras são como choros de creanças quando se comparam com a colera do digno par que acaba de fallar! Confesso que fiquei aterrado com as palavras do digno par, de cujo echo as abobadas d'esta casa ainda retumbam! Isto para fulminar a minha ignorancia!!

Sr. presidente, V. ex.ª é testemunha, e a camara toda o sabe, que tenho sempre acatado o respeito devido ao logar que occupo... (Apoiados.) Pelo que estou grato a V. ex.ª em particular, e igualmente a cada um dos meus collegas. Nunca proferi aqui uma unica palavra que podesse sequer parecer offensiva a qualquer dos dignos pares (apoiados repetidos).

Ainda ha pouco fallei, mas foi apenas sobre a questão de doutrina, sem me dirigir a pessoa alguma; mas quando o digno par do alto da sua elevada sciencia entende que todos se devem curvar ao peso das suas rasões, é força dizer-lhe que s. ex.ª se engana se entende que tem direito a dar aqui as leis.

Pois, sr. presidente, uma vez que o digno par transcendeu os limites que eu nunca transpuz, não lhe responderei mais do que com o rifão popular: «Presumpção cada um toma a que quer». (O sr. Silva Cabral: — Esta claro.)

Sr. presidente, a argumentação do digno par, entrando nos fundamentos das reflexões que fiz á camara, laborava em completa confusão, e assim triumphou declarando que eu tinha dito que a camara não podia suspender o processo. A camara tem direito mesmo a annullar o processo. A ques-