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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Sessão de 26 de agosto de 1868
PRESIDÊNCIA DO EX.MO SR. DUQUE DE LOULÉ
Secretarios os dignos pares Visconde de Soares Franco.
Conde de Fonte Nova.
(Presente o ministerio.)
Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 20 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.
Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento.
Deu-se conta da seguinte correspondencia. Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a auctorisada applicação das sobras que houver nos diversos artigos da tabella de despezas do ministerio da fazenda no exercicio de 1866-1867, ás despezas legaes do mesmo ministerio, que não tiverem suficientemente sido dotadas. A commissão de fazenda.
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser o governo auctorisado a applicar no exercicio de 1867-1868 as sobras que houver nos diversos capitulos da tabella de despezas do ministerio dos negocios da fazenda ás despezas legaes do mesmo ministerio no referido exercicio. A commissão de fazenda.
O sr. Jayme Larcher: — Sr. presidente, pedi a palavra em nome da commissão de obras publicas, e depois de usar d'ella n'essa conformidade, pedirei a V. ex.ª que m'a conceda novamente a fim de apresentar algumas observações ao sr. ministro das obras publicas, observações que julgo dignas da sua mais seria attenção.
Emquanto ao primeiro ponto direi que foi enviado á commissão de obras publicas o projecto de lei n.° 28, vindo da camara dos senhores deputados, projecto contendo tres artigos de essencial competencia da commissão de legislação, de cuja collaboração a commissão de obras publicas julga não poder prescindir. Portanto peço a V. ex.ª que consulte a camara, se ella quer que o mencionado projecto vá tambem á commissão de legislação.
O sr. Presidente: — -Peço a attenção da camara. O digno par, o sr. Larcher, por parte da commissão de obras publicas, pede que a commissão de legislação seja ouvida sobre o projecto de lei n.° 28. Portanto os dignos pares que entendem que este projecto deve ser remettido á commissão de legislação tenham a bondade de se levantar. Foi approvado.
O sr. Presidente: — Vae entrar-se na... O sr. Jayme Larcher: — -Peço a palavra antes da ordem do dia.
O sr. Presidente: — Tem V. ex.ª a palavra. O sr. Jayme Larcher: — Usarei da palavra para, como ha pouco disse, apresentar algumas observações ao sr. ministro das obras publicas.
Ha tres annos, sr. presidente, que se acha quasi terminado o observatorio astronomico de Lisboa, e se me não engano ha tres annos tambem que estão em Lisboa os instrumentos comprados para aquelle observatorio, achando-se igualmente prompto e competentemente habilitado o pessoal que ali ha de servir.
Quando se tratou da acquisição dos instrumentos, o sr. Repsold, julgo que assim se chama o constructor, annunciou que em breve tempo haveria noticia do resultado das observações feitas no observatorio astronomico de Lisboa. E comtudo não se podem fazer taes observações, por isso que ao edificio falta a cupula de ferro, ficando por este modo privada a sciencia dos uteis dados que o observatorio de Lisboa lhe poderia fornecer. Outro inconveniente resulta da prolongação d'este estado de cousas: aquelles instrumentos preciosos e de esmerada construcção, os quaes custaram 36:000$000 réis, não se acham collocados em seu logar e portanto não pôde empregar-se n'elles o cuidado diario e incessante, indispensavel para a conservação de apparelhos de tão subida ordem.
Continuando a permanecer encaixotados os instrumentos, em breve tempo ficarão elles completamente estragados, e farei notar, em abono d'esta asserção, que na objectiva do grande equatorial, objectiva que custou 9:000$000 réis, já se manifestam algumas nodoas provenientes da oxidação do vidro.
Urge portanto que se complete aquelle edificio com o assentamento da cupula, a qual está orçada em 6:000$000 réis ou 6:500$000 réis, quando não seja senão para se evitar a inutilisação dós instrumentos e consequente perda de 36:000$000 réis.
São estas as considerações que me levam a pedir ao sr ministro das obras publicas a sua maior attenção para o objecto a que me refiro, e que ordene que sem demora se proceda ao acabamento d'este estabelecimento.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Calheiros de Menezes). — Sr. presidente, eu tomo em toda a consideração as observações que acaba de fazer o digno par, o sr. Larcher, e posso assegurar a s. ex.ª que o governo já tinha pensado n'aquella obra e resolvido acaba-la dentro em pouco tempo O sr. Ferrão: — Mando para a mesa o parecer da com missão de fazenda, relativo ao projecto dos 100:000$000 réis que o governo pede para as obras das fortificações da capital.
Depois de Hão na mesa, mandou-se imprimir. O sr. Presidente: — Vae entrar-se na
ORDEM DO DIA.
Leu-se na mesa o parecer n.° 25, sobre o projecto de lei n.° 26, que são do teor seguinte:
Parecer n.° 35
Senhores. — A vossa commissão de marinha examinou detidamente a proposta do governo, que tem por objecto fixar o contingente de recrutas para a armada no corrente annota commissão é de parecer que este projecto deve ser approvado, para ser lei do estado.
Sala da commissão, em 24 de agosto de 1868. = Luiz Augusto Rebello da Silva = Visconde de Soares Franco - José Maria Baldy = Conde de Linhares.
Projecto de lei n.º 36 Artigo 1.° O contingente para a armada no anno economico de 1868—1869 é fixado em 692 recrutas.
Art. 2.° O governo fará a distribuição do contingente pelos departamentos e districtos maritimos, na proporção do numero dos maritimos recenseados em cada um dos mesmos departamentos e districtos.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. Palacio das côrtes, em 22 de agosto de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario = José de Faria Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão na sua generalidade.
O sr. Visconde de Soares Franco: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Tem V. ex.ª a palavra. O sr. Visconde de Soares Franco: — Pedi a palavra, sr. presidente, não com a idéa de impugnar o projecto, porque assignei o parecer da commissão, mas sim com a de deixar bem consignada a minha opinião.
Depois que em 1860 applicámos a lei do recrutamento á marinha pedimos ás populações maritimas ou do litoral do paiz 3:647 praças, mas só entraram durante estes ultimos oito annos 1:421, quer dizer que ha uma divida de 2:226 praças. O systema anterior era regulado por uma lei que eu não posso deixar de qualificar de iniqua, injusta e atroz, porque era a espada de Damocles suspensa sempre sobre a cabeça dos individuos de quatorze a quarenta annos; felizmente esta lei foi modificada pela que foi approvada o anno passado, na qual se determina que o recrutamento seja feito entre os individuos de dezoito a vinte e cinco annos, mas eu estou certo que esta lei ha de dar os mesmos resultados que a antecedente, isto é, que d'esses 692 recrutas que pedimos no contingente de 1868-1869 não hão de vir quasi nenhuns para a marinha, e a experiencia o demonstrará.
Ha muito tempo, sr. presidente, que eu tenho uma opinião fixa, e é, que o recrutamento deve ser um e unico; o paiz deve contribuir para este tributo, que se diz ser de sangue, mas que eu entendo que não é, e sim um tributo do dever e obrigação, e como tal o paiz todo para elle deve contribuir. Se nos limitarmos unicamente á população maritima, não faremos nada, porque é um erro suppormos que temos população propriamente d'esse caracter, e que tem elementos para se fazer um bom recrutamento. Os homens que eu reputo exactamente menos proprios para o serviço da armada são os pescadores, porque estes estão constantemente vendo quando acaba o tempo marcado de servirem para voltarem ás • suas terras, tratar das suas redes, e seguirem a mesma profissão do pae.
Os melhores marinheiros que tenho tido são os que nascem na serra da Estrella ou do interior, embarcam novos, habituam-se á vida do mar, e nunca mais a largam. Eu faço votos para que venha o contingente que n'este projecto, 'que agora está em discussão, se marca, porque se não for assim quando tivermos navios promptos, não teremos gente para os poder guarnecer, o quando tivemos gente não havia navios, de que resulta o abandono em que se acham as nossas provincias ultramarinas, bem como as ilhas adjacentes.
Mas agora, como se está tratando do concerto e arranjo dos poucos navios de guerra que possuimos (e parece-me que d'esta vez não deixaremos de os ter promptos) será bom que se tomem todas as providencias para que haja gente para os guarnecer, aliás o que estamos a votar é letra morta como tem acontecido com os outros contingentes, e da lei actual nada espero.
Tenho concluido, sr. presidente, porque o meu fim não foi outro senão o de deixar consignada a minha opinião.
O sr. Presidente: — Como não se acha inscripto mais nenhum digno par, vou pôr á votação o projecto na sua generalidade.
Foi approvada; passando-se á especialidade foram approvados successivamente os artigos 2.º e 3.º
O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.° 26 sobre o projecto n.° 30.
Leram-se na mesa e são do teor seguinte:
Parecer N.º 26
Senhores. — Á commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.° 30, vindo da camara dos senhores deputados, auctorisando o governo, na reforma a que proceder no quadro do exercito, a classificar os generaes de brigada por armas e corpo do estado maior, e a não promover coronel algum a general de brigada emquanto se não verificar pelas indicadas armas e corpo do estado maior a proporcional distribuição.
A vossa commissão, tendo attentamente examinado este projecto, é de parecer, de accordo com o sr. ministro da guerra, que elle deve ser approvado por esta camara para poder ser submettido á sancção regia e convertido em lei. Sala da commissão, em 24 de agosto de 1868. = Conde
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de Campanhã = José Maria Baldy = Marquez da Fronteira = D. Antonio José de Mello e Saldanha.
Projecto de lei n.° 30
Artigo 1.° E auctorisado o governo, na reforma a que proceder no quadro do exercito, a classificar os generaes de brigada por armas e corpo do estado maior.
§ unico. O governo não promoverá coronel algum a general de brigada emquanto se não verificar pelas armas e corpo do estado maior a proporcional distribuição
Art. 2.° Pica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 24 de agosto de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario == José de Faria Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Como este projecto não tem senão um artigo, parece-me que é conveniente haver uma só discussão (apoiados). Portanto está em discussão o projecto n.° 30, na sua generalidade e especialidade.
O sr. Baldy: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Tem V. ex.ª a palavra.
O sr. Baldy: — Tratando do assumpto, desenvolveu a materia com a proficiencia que todos lhe reconhecem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez de Sá da Bandeira):- Eu estou de accordo com tudo quanto acabou de dizer o digno par o sr. general Baldy, porque tem sido sempre minha opinião que se devo ser rigoroso em exigir habilitações para os postos de alferes, de majores e de general de brigada; podendo os mais postos conceder-se, sem inconveniente, por antiguidade. Para mostrar que assim tenho pensado ha muito tempo, direi que sendo ministro da guerra em 1837 ordenei ao supremo conselho de justiça militar que consultasse sobre qual era a legislação vigente concernente a promoções.
O conselho apresentou duas consultas, uma sobre a legislação geral relativa ás promoções, e a outra sobre a legislação especial concernente á promoção ao posto de major. Estas consultas, que se acham publicadas na ordem do exercito, foram resolvidas por Sua Magestade a Rainha, e devem considerar-se como estabelecendo as regras para as promoções. Parte d'estas regras porém não tem effectivamente vigorado, e uma dellas, a promoção por antiguidade de serviço, tem-se conservado no exercito. E isto tem sido até certo ponto uma conveniencia politica. Parece ter havido um accordo, tácito entre os differentes partidos que têem governado o paiz, deixar em vigor essa pratica, e até certo ponto com vantagem; porque se se não tivesse feito assim, teria acontecido o que succedeu no reino vizinho, onde em cada revolução que ali tem havido se tem feito muitas promoções de generaes; aqui não tem acontecido isso, tem-se feito algumas promoções, por taes causas, mas em escala muita baixa, proporcionalmente com o que tem occorrido em Hespanha.
Nas consultas a que me tenho referido, estabelece-se que os postos de official general não são de escala, são da escolha do rei. Para conciliar o principio d'esta legislação com a pratica, é minha intenção estabelecer tambem certos exames para os officiaes generaes, como se tem feito para os majores.
Em 1846 fez-se um regulamento para os exames de major, e foi publicado sendo eu ministro. Depois o sr. duque de Saldanha melhorou esse regulamento, que tem passado, desde então, por differentes alterações, e precisa ainda ser alterada, Â mesma pratica dos exames se deve estabelecer tambem para os officiaes generaes, mas de modo que seja uma cousa real, e por onde se mostre que os coroneis que pretendem ser promovidos sabem effectivamente o que devem saber. Não se pôde exigir que saibam cousas que não tinham obrigação de aprender, mas sim o que deviam saber, e dê garantias da sua competencia. Mas é preciso nomear commissões especiaes para estudarem e propor as regras que se devem adoptar, e depois do governo ter em seu poder os pareceres d'essas commissões, resolverá da maneira que lhe pareça mais proveitosa para o serviço do estado e disciplina do exercito.
Parece-me ter respondido ao digno par. Se comtudo precisar de mais explicações estou prompto a da-las.
O sr. Baldy: — Deu novos esclarecimentos sobre o assumpto.
O sr. Fernandes Thomás: — Não pedi a palavra para discutir a materia d'este projecto, porque não sou competente para isso. Nas materias a que sou estranho louvo-me sempre no voto das pessoas competentes.
O fim para que me levantei foi apenas para fazer uma pequena observação, filha da impressão que causou no meu espirito a apresentação d'este projecto, cujo intuito é a reforma de um serviço.
Ora, tendo sido votada nas duas camaras uma auctorisação ao governo para poder reformar os differentes ramos do serviço publico, parece-me escusado este projecto, por isso que o ramo de serviço a que elle se refere devia ser incluido na reforma geral para que foi concedida a auctorisação.
Não sei que a materia de que trata este projecto seja tão urgente, que haja necessidade de fazer para ella uma excepção, não a incluindo na auctorisação concedida ha dias ao governo.
Foi esta a impressão que me fez no espirito a apresentação d'este projecto, e foi unicamente para a manifestar, que pedi a palavra, porque na especialidade da materia não tenho competencia para entrar.
O sr. Presidente: — Não ha ninguem mais inscripto. Vae ler-se novamente a proposta para se votar.
O sr. Secretario leu.
O sr. Presidente: — Os dignos pares que a approvam tenham a bondade de se levantar.
Foi approvada.
O sr. Margiochi: — É para mandar para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda.
O sr. Secretario leu-os.
O sr. Presidente: — Mandam-se imprimir.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, distribuiram-se ha pouco aqui tres projectos, n.ºs 27, 28 e 29.
Segundo o regimento d'esta camara precisam passar dois ou tres dias primeiro que entrem em discussão. Eu peço a V. ex.ª que consulte a camara sobre se dispensa o regimento em relação a estes projectos para poderem entrar já em discussão.
O sr. Presidente: — Os projectos a que se referiu o sr. presidente do conselho faziam parte da ordem do dia de ámanhã. Se hoje se discutirem não haverá ámanhã materia para ordem do dia, e é muito conveniente que ámanhã haja sessão. Portanto parecia-me melhor reservar a discussão d'aquelles projectos para ámanhã, para assim seguirem os trabalhos d'esta camara o seu curso regular.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Pois bem, mas então pedia a V. ex.ª que consultasse a camara sobre se consentia que o projecto dos 100:000$000 réis para fortificações fosse discutido tambem ámanhã.
O sr. Presidente: — O parecer sobre o projecto dos réis 100:000$000 para as fortificações fica sobre a mesa, sem se imprimir, sendo objecto tambem para ordem do dia de ámanhã (apoiados). Como não ha reclamação julgo que a camara concorda.
Portanto a ordem do dia para ámanhã será os pareceres n.os 27, 28 e 29, e o dos 100:000$000 réis para as fortificações.
Está levantada a sessão.
Eram quasi quatro horas da tarde.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 26 de agosto de 1868
Os ex.mos srs.: Duque de Loulé; Marquezes, de Niza, de Sá da Bandeira, de Sabugosa; Condes, de Cabral, de Campanhã, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Fornos de Algodres, de Linhares; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Porto Côvo, de Soares Franco; Barão de Villa Nova de Foscôa; D. Antonio José de Mello, Rebello de Carvalho, Silva Ferrão, Margiochi, Larcher, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Baldy, Preto Geraldes, Fernandes Thomás.