SESSÃO N.° 49 DE 29 DE AGOSTO DE 1908 17
O Sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 30, que trata da renuncia ao pariato, apresentada pelo Sr. Braamcamp Freire.
Lido na mesa foi posto em discussão.
O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: a minha moção de ordem, conjugada com as affirmações explanadas no parecer em discussão, constituirá, segundo os principies regulamentares, o thema da oração que vou proferir.
A moção é a seguinte:
A Camara entende, sem tergiversações de especie alguma, que é ella a unica entidade competente para deliberar acêrca de pedidos de renuncia, formulados pelos Dignos Pares de nomeação regia, e bem assim pelos de direito proprio e pelos hereditarios, e continua na ordem do dia. = Sebastião Baracho.
Não o julga por este modo, não se regula por estas praxes, por assim dizer, intuitivas, o parecer da commissão.
Estranha obcecação esta!... É a propria Camara que toma iniciativas e se aventura em expedientes, para diminuir e cercear as suas atribuições! Parece incrivel, mas é a triste realidade, nitida e simples.
Com effeito, na sessão de 8 de janeiro de 1907, a Camara approvou, por 52 votos contra 6, uma proposta para ser reformado o seu regimento, no sentido o mais draconianamente inutil e deprimente. A maioria foi constituida pelos dignos pares regeneradores, progressistas e franquistas, isto é, pela quinta, essencia do nocivo rotativismo, na sua mais ampla e additada expressão.
Mallogrou-se, porem, essa premeditada tentativa despotica, por motivos que ocioso seria especificar, neste momento, mas que denotam exuberantemente- e isso convem que fique registado -, que o rotativismo teve de retrahir-se na questão sujeita, não por vontade propria, e sim por ter sido compellido a recuar, pelo imperio inilludivel das circunstancias.
Em sessão de 22 de junho derradeiro, foi rejeitada, por 27 votos contra 10, a minha proposta de inquerito parlamentar, para cumprimento do § 5.° do artigo 15.° da Carta Constitucional, em conformidade com o estatuido no artigo 14.° do Primeiro Acto Addicional, que nivela os poderes syndicantes, nestes precisos termos:
Artigo 14° Cada uma das Camaras das Côrtes tem o direito de proceder, por meio de commissões de inquerito, ao exame de qualquer objecto da sua competencia.
A maioria que rejeitou a minha proposta patenteou-se contraria a que a commissão inquiridora fosse investida de plenos poderes, consoante eu indiquei, com o salubre objectivo de que a sua missão não ficasse mystificadoramente dependente do Executivo, isto é, do arbitrio do syndicado.
Agora cabe a vez á commissão encarregada de tomar conhecimento da renuncia do Digno Par Anselmo Braamcamp, e que se não peja em acoimar de incompetente esta casa do Parlamento, para resolver esse assunto, cuja simplicidade é evidente: - tão evidente, que nem a commissão conseguiu complicá-la, não obstante ter-se embrenhado no dedalo resultante:
Da citação errada de legislação varia;
Da apresentação de antecedentes inopportunos e descabidos;
Da omissão de um importante texto legal, identificado com a materia e que resolve a questão.
Mas vamos por partes.
Entre as citações falseadas ha a distinguir as que emanam de erros de imprensa, em que a commissão só tem a responsabilidade de não ter cuidado a revisão; e as que derivam da exhibição de doutrina obsoleta e condemnada, substituida por ulteriores preceitos, actualmente vigorantes.
No primeiro grupo, attribue-se a lei de 3 de maio ao anno de 1898, quando ella é de 1878; e a de 24 de julho, ao anno de 1881, quando ella é de 1885.
No segundo grupo, dão-se como subsistentes o artigo 39.° e o artigo 74.° e seus paragraphos da Carta Constitucional; e a verdade é que elles estão, respectivamente, substituidos pelo artigo 1.° e paragraphos, e pelo artigo 6.° e paragraphos do Terceiro Acto Addicional de 3 de abril de 1896.
Para notar é que esta é já a segunda modificação realizada nos dois artigos da Carta citados pela commissão.
Effectivamente, a primeira alteração consta do Segundo Acto Addicional de 24 de julho de 1885, artigos 6.° e 7.°
Pois nem a primeira, nem a segunda revogação chegaram ao conhecimento da conspicua commissão. Para ella só existe a Carta anachronica e archaica, mas immutavel até na parte cuja derogação já conta nem menos de duas edições.
É pyramidal!
Posto isto, vejamos agora se a preclara commissão foi mais feliz desempoeirando os precedentes, em que pretende amparar-se, e que, por serem de natureza differente, convem por todos os motivos extremar. Dizem quatro d'elles respeito a Pares do Reino que nunca tomaram assento na Camara, e que, portanto, nunca exercitaram o seu logar. Foram elles Alexandre Herculano, Pinto de Magalhães, Anselmo José Braamcamp e Marquez de Castello Melhor.
Assim se verifica pela Estatistica do Pariato Português que tenho á mão.
O outro exemplo, ou antecedente, invocado é relativo a João José Vaz Preto Geraldes, que tomou assento nesta Casa, e exerceu as funcções inherentes ao pariato. A sua nomeação tem a data de 3 de maio de 1842, e a sua renuncia a de 26 de novembro de 1844.
Mas se nenhum dos quatro primeiros a que me referi tomou assento na Camara, isto é, nunca fez parte effectiva d'esta assembleia, com que objecto os designou a commissão? Maliciosamente?
Alimentaria ella, porventura, a illusão de que pode haver alguem, por muito ingenuo que seja, que encontre a minima paridade entre a situação d'esses quatro assinalados varões, e a do Digno Par o Sr. Anselmo Braamcamp, cuja renuncia se acha em debate?
Aqui muito á puridade, uma tal supposição só poderia ter acolhimento entre quem admitisse, como de boa lei? que a qualquer assembleia seria licito resolver sobre renuncias de quem d'ellas não faz parte.
Isto seria o cumulo do absurdo. Excederia mesmo o absurdo rotativo.
Não vale a pena gastar mais cera com tão ruim defunto. Passo por isso adeante, para me occupar de João Vaz Preto, cujo parecer da respectiva commissão tem a data de 3 de dezembro de 1844, sendo a renuncia, insisto, de 26 de novembro do mesmo anno.
Attento o curto periodo decorrido entre a renuncia e o parecer parlamentar correspondente, a Camara apreciará se eu tinha, ou não, razão para instar pela pronta solução do assunto, que nos está occupando. É o caso para exclamar, com Cicero, o mais eloquente orador romano:
- O tempora! O mores!
Esse parecer, que, por todos os titulos, merece registo, é d'este teor:
A commissão especial encarregada de dar o seu parecer sobre a participação dirigida a esta Camara pelo Exmo. Sr. João José Vaz Preto Geraldes examinou com a devida attenção o conteudo na mesma participação, na qual declara que tem resolvido não continuar a exercer as suas funcções de Par do Reino, por ter renunciado a esta dignidade, havendo com esse fim remettido a Sua Majestade a carta regia da sua nomeação; igualmente examinou o officio expedido pela Secretaria de Estado dos Negocios do Reino em que se faz a esta Camara igual participação, acrescentando que a dita carta regia fica archivada naquella Secretaria de Estado.
A commissão, considerando que qualquer deliberação que a Camara tomasse sobre este objecto importava o exercicio de um direito. que ainda se não acha legalmente definido, e que só pode derivar da expressa disposição de uma lei que marque explicitamente as attribuições d'esta Camara para a decisão d'este e de outros negocios que digam respeito ou possam de qualquer modo affectar a successão do pariato por direito creditario: