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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 26 DE MAIO.

Presidencia do Ex.mo Sr. Visconde de Algés, Vice-Presidente.

Secretarios - os Srs.

Conde de Mello.

Conde da Louzã (D. João).

(Assistiam os Srs. Ministros, do Reino, Marinha, e Fazenda.)

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 34 dignos Pares, disse

O Sr. Presidente — Falta ainda um digno Par, e por tanto a Camara não está em numero legal; no entanto se os dignos Pares convêm, vai lêr-se a correspondencia, porque é natural que nesse intervallo a Camara se complete (apoiados).

Visto que a Camara annue vai lêr-se a correspondencia.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte expediente:

Um officio do Ministerio da Guerra, satisfazendo ao requerimento da commissão de guerra, desta Camara, sobre os officiaes inferiores, que depois de terem baixa do serviço passaram a servir.

Para a secretaria.

- do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, enviando 75 exemplares do Boletim n.° 2, do mesmo Ministerio.

Foram distribuidos.

- da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei, que regula o serviço da policia sanitaria da barra do Porto.

À commissão de administração publica.

- da mesma Camara, acompanhando outra proposição de lei, que fixa os emolumentos e salarios dos Auditórios, e Camaras Ecclesiasticas.

À commissão de negocios ecclesiasticos.

— da mesma Camara, acompanhando outra proposição de lei, que concede um predio nacional á Junta de parochia de S. Felix, concelho de S. Pedro do Sul.

À commissão de fazenda.

- da mesma Camara, acompanhando outra proposição de lei, que concede um predio nacional á Camara municipal de Leiria.

À commissão de fazenda.

- do digno Par Visconde de Laborim, participando, que por estar annojado pelo fallecimento de sua irmã, não pode concorrer ás sessões pelo tempo do seu nojo.

O Sr. Presidente — Não ha mais correspondencia; mas a Camara ainda não póde funccionar, porque por ora não está em numero.

O Sr. Ministro da Marinha — Com quanto ainda a Camara não esteja em numero para poder funccionar, vou apresentar esta proposta, que lerei, para que o digno Par o Sr. Conde de Villa Real possa ser empregado n'uma commissão fora do reino (leu-a).

Mando-a para a Mesa, para ahi ser lida, e submettida á votação da Camara, quando esta estiver em numero legal para poder deliberar.

«O Governo pede á Camara dos dignos Pares, que permitta que o digno Par Conde do Villa Real possa ser empregado em uma commissão do serviço publico fora do reino. Lisboa, 26 de Maio de 1855. = Visconde d'Athoguia.

O Sr. Presidente — Já ha numero dentro do edificio, porque chegou o digno Par o Sr. Conde da Ponte, mas não está a Camara em numero, porque o digno Par ainda aqui não entrou.

(Entra o Sr. Conde da Ponte.)

O Sr. Presidente — Está a Camara em numero; vai lêr-se a acta.

Leu-se a acta da sessão antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Brito do Rio — Na fórma do estylo fui desanojar o digno Par o Sr. Visconde de Laborim, cujos padecimentos se aggravaram em consequencia da morte de sua irmã; e por isso pede á Camara que o dispense de concorrer ás suas sessões por mais alguns dias.

Leu-se na Mesa a proposta do Sr. Ministro dos negocios Estrangeiros, a qual sendo logo submettida á votação, como se costuma para as de similhante natureza, foi approvada.

O Sr. Ferrão — Pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei, cuja leitura vou fazer, mas que não gastarei tempo em sustentar (leu). Agora peço a V. Ex.ª que consulte a Camara sobre se dispensa na Mesa a leitura deste meu projecto de lei, declarando-o urgente, e enviando-o a uma commissão para o examinar.

Foi dispensada a leitura, approvada a urgencia, e remettido o projecto á commissão de legislação.

O Sr. Conde de Thomar leu e mandou para a Mesa uma proposta de censura ao Ministerio.

Ficou para segunda leitura. — N.B. Nesta occasião dar-se-ha conta da sua integra.

O Sr. José Maria Grande , disse que ia rogar ao Sr. Presidente, e á Mesa, que se dignassem de recommendar á commissão do Regimento que, quanto antes, apresentasse o seu parecer acerca da proposta do Sr. Visconde de Balsemão, que lhe foi submettida para a examinar.

O orador no que pede não tem animo nenhum de censurar a illustre commissão, está mesmo certo de que ella se ha de ter occupado deste objecto, mas os factos que ultimamente se teem dado levam-no a fazer este pedido, tanto mais, que se esse parecer se appresentar e discutir, tornar-se-ha talvez inutil a discussão do projecto que acaba de apresentar o digno Par o Sr. Ferrão. (O Sr. Aguiar — Esse tracta de outra cousa.)

O Sr. Presidente — Eu posso informar o digno Par e a Camara, de que a Commissão já se reuniu mais de uma vez (apoiados); mas achou que o objecto, de que se tracta, é muito grave e exige muita meditação, por conseguinte parece-me que nem o digno Par, nem outro qualquer poderá, com razão, increpar a commissão de menos diligente.

Passemos á ordem do dia.

Segundo a nota que aqui vejo, dada por S. Em.ª, segue-se agora a discussão do parecer n.° 224 antes da interpellação do digno Par o Sr. Conde de Thomar.

O Sr. Conde de Thomar — Esse projecto, a que se refere o parecer desta Camara n.° 224, não entrou em discussão porque então se não achava presente o Sr. Ministro do Reino; achando-se porém agora S. Ex.ª presente, assim como o Sr. Ministro da Fazenda, o que nem sempre póde ter logar, em consequencia dos muitos affazeres de S. Ex.ªs, e sendo o objecto da minha interpellação relativo aos dois Srs. Ministros, parecia-me mais conveniente, que primeiramente se me desse a palavra para eu interpellar a S. Ex.ªs

O Sr. Presidente — Na ultima sessão em que dirigi os trabalhos da Camara, tinha designado para primeira parte da ordem do dia a interpellação do digno Par; mas agora, pela nota que se mostrou, feita por S. Em.ª, vejo eu que para primeira parte está designada a discussão do projecto n.° 193, sobre que recahiu o parecer desta casa n.° 224; porém, se a Camara quer, principiaremos pela interpellação (apoiados).

O Sr. Conde de Thomar — Sr. Presidente, passo a fazer a interpellação que ha muitos dias annunciei aos Srs. Ministros do Reino e Fazenda, e oxalá que eu possa intender as notas que tomei dos differentes documentos que examinei: farei por ser breve, mas não serei tanto quanto desejava, porque tenho de entrar n'uma questão em que se tracta de nada menos que uma manifesta violação da Carta Constitucional, apresentando-se ao mesmo tempo um documento vivo de patronato, que eu qualificarei de escandaloso, praticado por S. Ex.ªs

Eu sinto, Sr. Presidente, que se tivessem passado certos factos em menospreso do que em contrario já havia sido julgado pelo poder judicial, como eu terei occasião de mostrar no decurso da minha interpellação; e com quanto eu já em outra occasião tivesse dito qual era o objecto desta interpellação, como é possivel que não esteja na memoria dos dignos Pares, ou que mesmo alguns, que agora aqui se acham, o não estivessem então, far-me-ei cargo de repelir o que já disse a primeira vez em que a annunciei.

Existe nesta cidade uma capella notavel denominada de S. Braz e de Santa Luzia; esta capella tem um Capellão e Thesoureiro providos por Decreto Real expedido pela Secretaria de Estado dos Negocios do Reino; o Capellão é encartado na administração da mesma capella pagando por isso novos direitos correspondentes ás vantagens e proventos que recebe dessa administração, como são — casa, quintal, logradouro, etc. Junto desta capella existia uma casa pertencente á fazenda publica, a qual foi arrematada pela Junta do credito publico em 1842, e tanto no auto da arrematação, como na lista publicada no Diario do Governo, pela mesma Junta do credito publico, inseriu-se a declaração de que o arrematante nunca faria obras ou abriria janellas que de algum modo podessem prejudicar o adro e logradouros daquella capella; mas aconteceu que tendo sido arrematada, o mesmo arrematante, que se tinha sujeitado a essas condições, fez obras nas casas, e abriu janellas, prejudicando assim o adro e logradouros da capella; então o Capellão intendeu que era de sua obrigarão requer embargo de nova obra, chamando o Ministerio publico para vir tomar a defeza da causa visto tractar-se de objecto da fazenda; os autos correram seus termos; deram-se provas, e houveram vistorias, proferindo-se a final sentença na primeira instancia, a qual não é necessario que eu lêa toda, bastará dizer que nella se desenvolvem os principias de direito applicaveis á especie sobre que a mesma se funda; mas não posso dispensar-me de ler o Portanto dessa mesma sentença, porque me parece que por elle conhecerá a Camara qual foi a decisão tomada pelo Juiz de primeira instancia:

«Portanto e o mais dos autos, e supprindo qualquer erro de processo, como permitte a Ordenação livro 3.°, titulo 63; e attendendo tambem aos privilegios da igreja e fazenda nacional, julgo procedentes ambos os embargos, e condemno os nunciados a pôr grades de ferro em todas as janellas da sua propriedade para a banda do adro da capella, de maneira que dessas janellas se não possa descer ou passar para o adro, nem lançar cousa alguma para elle, para o que lhe assigno o praso do quinze dias, depois de ter esta sentença passado em julgado, com a comminação de se fazer toda esta obra á sua custa: paguem tambem as custas dos autos, e a mulcta que se liquidar. Lisboa, 6 de Abril de 1850.= (Assignado) Joaquim de Almeida Novaes.»

Esta sentença foi appellada para o Tribunal de segunda instancia, isto é, para a Relação, onde se proferiu o accordão seguinte:

«Accordam em Relação: Bem julgado foi pelo Juiz da inferior instancia na sentença appellada, que confirmam por alguns dos seus fundamentos, e pelo mais constante dos autos, e tencionado; e condemnam os appellantes nas custas do recurso. Lisboa, 15 de Fevereiro de 1851. = (Assignados) Fernandes Coelho = Lopes = Pina Cabral.»

Deste accordão não se interpôz recurso algum; e na conformidade do julgado pelas mesmas sentenças, e a requerimento do Ministerio publico, foi a parte vencida intimada para dentro do praso de quinze dias pôr nas janellas que abrira as competentes grades de ferro; mas passado o prazo, a requerimento da parto e do Ministerio publico, houve o competente lançamento, passando-se a final mandado para o réo pagar a quantia de 80$000 réis (que tanto havia sido pelos louvados arbitrado para se porem as grades do ferro nas janellas), e quando não pagasse se lhe fizesse penhora, etc. Quando porém as cousas se achavam neste estado, e o réo vencido em todos os Tribunaes, não achando recurso, algum para poder conseguir os seus fins, intendeu que o meio mais favoravel era recorrer á omnipotencia ministerial para que annullasse o effeito das sentenças que tinham decidido a questão contra elle, e em favor da fazenda publica; e assim póde arrancar do Ministerio dos Negocios do Reino uma ordem para que o Capellão e administrador da capella se abstivesse de pro-seguir na causa, devendo tambem abster-se de se involver em quaesquer actos contrarios da administração a seu cargo (N.B.) sem que para isso tenha recebido os poderes em direito necessarios! Admira que tal se escrevesse e mandasse! O documento porém ahi está!... E depois voltando-se para o Ministerio da Fazenda obteve favor ainda mais extraordinario, e inteiramente contrario ás leis e interesse da fazenda, publica, porque obteve se ordenasse ao Ministerio publico desistisse de todo e qualquer direito que á fazenda podesse pertencer, requeresse o que julgasse conveniente e legal para se julgar finda a causa intentada, e já definitivamente julgada, como se não tivesse existido! Dizendo isto, Sr. Presidente, estou divisando nos dignos Pares uma certa demonstração de duvida, custando-lhes a acreditar nas minhas palavras; não me admira porém essa duvida, ou hesitação, da sua parte, porque a mim aconteceu-me o mesmo, em quanto não li os documentos; mas a sua leitura, que vou fazer á Camara, mostrará até que ponto chegou a prepotencia ministerial, e o escandaloso patronato!

Lerei o Officio ou Aviso do Ministerio do Reino ao Em.mo Cardeal Patriarcha — diz assim:

«Ministerio do Reino = Secretaria geral, etc., etc. = Tendo Francisco José Vianna representado no incluso requerimento a violencia que pelo Capellão da Real Capella de Santa Luzia, Joaquim José Pontes e Torres, lhe era feita, de o compelir judicialmente a pôr grades nas janellas de uma sua propriedade, comprada em hasta publica, na contiguidade da referida Capella, sem que o dito Capellão se ache para esse procedimento legitimamente authorisado pelo Governo, vou rogar a V. Em.ª haja de ordenar ao mencionado ecclesiastico, que se abstenha de proseguir perante a authoridade publica, o dose involver em quaesquer actos contenciosos da administração a seu cargo, quando para elles não tenha recebido os poderes por direito necessarios. Dignando-se V. Em.ª de informar sobre este objecto, se ainda assim para isso houver motivo bastante. Deos guarde etc. Em 28 de Julho de 1854. = (Assignado) Rodrigo da Fonseca Magalhães.»

Agora a fl. 64 do respectivo processo appa-

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rece a Portaria do Ministerio da Fazenda, que é ainda mais notavel. Ei-la aqui:

«Ministerio da Fazenda. = Direcção geral dos proprios nacionaes. = Sendo presente a Sua Magestade El-Rei, Regente em Nome do Rei, o requerimento de Francisco José Vianna, e sua mulher D. Jacinta Isabel de Magalhães Vianna, em que se queixavam dos prejuizos occasionados pelo illegal procedimento do padre Joaquim José Pontes e Torres, na acção judicial contra elles intentada pelo mesmo padre, a fim de os obrigar a mandar fechar com grades de ferro as janellas de um predio contiguo á Real Capella de S. Braz, e comprado á Fazenda nacional, sem tal condição, e pediram providencias para se sobreestar na continuação de taes vexames por parte do Ministerio publico, por isso que o referido ecclesiastico desistira já nos autos para mais não figurar em similhante litigio, e pelo Ministerio do Reino se expediram as competentes ordens ao Cardeal Patriarcha, a fim de que o predicto ecclesiastico se abstivesse de prosseguir na causa, e de se envolver em quaesquer actos contenciosos da administração publica a seu cargo, quando para isso não recebesse os poderes em direito necessarios, e tomando o Mesmo Augusto Senhor em consideração todo o exposto, e o mais que lhe foi presente nas informações a que mandou proceder: Manda que o Delegado do Procurador Regio da segunda vara da comarca de Lisboa desista logo por parte da Fazenda nacional, de qualquer direito que porventura lhe possa pertencer, e requeira o que fôr conveniente e legal para se julgar finda a -causa intentada, como se não tivesse existido: e de assim o ter cumprido dará conta, etc. Em 14 de Outubro de 1853. = (Assignado) Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.»

Sr. Presidente, falta ainda, para bem se avaliar este negocio, fazer sentir claramente o que o Sr. Ministro do Reino disse nesse officio expedido pela repartição a seu cargo.

A parte, ou antes o protegido do Ministerio, classifica em seu requerimento, como violencia, as decisões dos tribunaes de 1.ª e 2.ª instancia, e tanto poder exerceu uma tal declaração no animo do Sr. Ministro, que foi por si bastante para, sem mais informação, ordenar que o Capellão se abstivesse de proseguir na causa! É pela simples allegação da parte que se expede uma ordem tão illegal. Custa a crêr! Mas a Camara acabou de ouvir lêr o Aviso ao Em.mo Cardeal Patriarcha, expedido pelo Sr. Ministro do Reino! Ao mesmo tempo que o Sr. Ministro da Fazenda dá como provado em uma Portaria que faz expedir ao Ministerio publico para que desista de todo e qualquer direito que a Fazenda tenha ou possa ter «que o Parocho já havia desistido pela sua parte» o que não é verdade, porque tal desistencia não tinha havido, porque o Parocho não fez mais do que chamar o Ministerio publico para vir tomar conta da questão, visto que a causa era com a Fazenda nacional; por conseguinte, digo — não houve desistencia da parte do Parocho, e quer-me parecer que S. Ex.ªs foram enganados pelo seu protegido, aliás não procederiam como effectivamente procederam. E ainda existindo tal desistencia do padre a Portaria é insustentavel, assim como o Aviso. Se o negocio era de particular interesse do padre, o Governo não lhe podia ordenar que se abstivesse de proseguir na causa: se era negocio da Fazenda nacional, a sua desistencia nem dava, nem tirava direitos áquelle. Esses direitos só provinham da natureza da causa, e das sentenças proferidas, cujo effeito o Ministerio não podia destruir por acto seu.

Na lista que disse fora publicada no Diario do Governo, com o n.° 149, cuja cópia se acha nos autos, e de que tenho aqui uma certidão, se acha o contrario do que diz a parte em seu requerimento, e do que diz a Portaria do Sr. Ministro da Fazenda; vou portanto fazer a sua leitura á Camara para reconhecer que se toma por fundamento uma falsidade para justificar o escandalo!... (leu).

Eis-aqui tem por conseguinte a Camara, como mesmo as primícias que se adoptam na Portaria são contrariadas pelo documento a que na mesma se recorre, eis-aqui bem manifesto que a lista respectiva diz o contrario do que dizem os Srs. Ministros. Mas agora desejarei eu saber, se, achando-se pendente no Poder judicial uma causa de execução em virtude de duas sentenças que julgaram direitos e vantagens á Fazenda publica, um acto do Poder executivo póde ordenar que o author dessa causa que venceu, não prosiga mais no andamento da mesma causa: pois um acto ministerial podia prohibir que o Capellão da Capella que administrava intentasse a causa, que, como devia, intentou?... O Capellão, como administrador era parte legitima para defender os interesses da Capella, e suas pertenças, digo mais, tinha rigorosa obrigação de o fazer, aliás seria um máo administrador, sendo tambem certo, que, como pessoa do povo tinha direito para intentar essa acção, como é reconhecido nas proprias sentenças; como então ordenar-lhe que se abstenha de proseguir na causa, e como qualificar de violencia aquillo que os tribunaes competentes já tinham qualificado de justiça? Como é que póde justificar-se a positiva e terminante ordem dada ao Ministerio publico, para que desistisse de todo e qualquer direito que á Fazenda podesse pertencer, e direito já julgado em 1.ª e 2.ª instancia? Note o Sr. Ministro, que fazendo desistir o Ministerio publico desse direito, reconheceu a injustiça com que o mesmo Ministerio publico havia litigado; é pelo seu acto veio até a renunciar á multa que a sentença impôz á parte vencida, e não sei se tomou a responsabilidade do pagamento das custas, em que igualmente a parte vencida foi condemnada nas duas instancias! Eis-aqui o imbroglio immenso a que nos levaram esses dois actos ministeriaes! Mas as cousas ainda aqui não pararam, porque para mais provar o escandaloso patronato, não obstante ter a parte vencida conseguido tudo quanto quiz do Governo, para annullar o effeito de duas sentenças, ainda a final annexou ao seu predio metade do quintal da Capella, que obtivera por meio de uma subrogação em inscripções, feita ás portas fechadas! De modo que se fazem subrogações de bens nacionaes por inscripções ás portas fechadas! Eu bem sei que o negocio de que se tracta é pequeno em valor, mas admittido o principio a respeito de uma pequena propriedade, admittir-se-ha depois a respeito de todas as outras. Com isto não quero eu dizer, que S. Ex.ªs sejam capazes de com um negocio de maior valor procederem com tanta precipitação, e se isto fizeram agora é porque alguem os arrastou contra sua vontade, e estou certo, repito, que se se tractasse de cousa de maior valor haviam de olhar para ella com maior seriedade. No entanto o que eu digo, Sr. Presidente, é que não ha Lei alguma que authorise o Ministerio a praticar taes actos, antes ao contrario todas as Leis o prohibem! E o que é mais, é que me consta que o pobre padre, reclamando pelo Ministerio da Fazenda contra os actos assim praticados, o Sr. Ministro da Fazenda enfadado do direito de petição, de que o requerente se servia, escrevera ao Sr. Ministro do Reino, exigindo-lhe que S. Ex.ª fizesse com que o padre fosse reprehendido para que mais o não incommodasse! (O Sr. Ministro da Fazenda — Não me lembro de tal). Pois procure S. Ex.ª na sua Secretaria, ou nas repartições a seu cargo, esses requerimentos que o padre fez, que lá os ha-de encontrar; e eu, em verdade, sinto que taes actos o Governo praticasse, confundindo tudo, para que assim as sentenças do Poder judicial em favor da Fazenda publica, ficam para ser executadas sujeitas ás suas ordens! Ainda não ha muitos dias disse um dos Sr. Ministros, que ficassem os membros do Poder judicial intendendo, que não eram semi-deuses! Isto é, o Governo quer que os Juizes não sejam independentes, mas sim seus escravos! Não o são porém, nem serão, porque não posso acreditar que haja um unico Juiz, que queira considerar-se escravo do Ministerio, nem mesmo quando este mandar annullar as suas sentenças, destruindo os seus effeitos por Portarias!

Espero pois uma explicação da parte de SS. Ex.ªs, e oxalá que ella me possa satisfazer, o que receio não aconteça, porque o caso é de tal natureza que me parece impossivel que SS. Ex.ªs possam dar uma satisfação completa.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino disse, que o digno Par tinha acabado o seu discurso com uma exclamação muito digna de mover a attenção da Camara, e de certo dos Ministros. Que S. Ex.ª, alludindo a uma frase metaphorica, segundo diz, de um dos Srs. Ministros, n'uma das sessões passadas — que o Poder judicial não é composto de simi-deoses — disse, ou pareceu que dizia, que o Ministerio queria que o Poder judicial fosse composto de seus escravos. O orador escusa de fazer pedidos ao digno Par; mas julga que lhe será permittido lembrar a S. Ex.ª que a exageração das imputações e das censuras diminue muito a verdade, importancia e valor dellas.

Que póde acontecer o que diz, sem o confessar nem o negar — que os Ministros commettam uma falta; que poderá notar-se-lhes, e a todos os que teem passado por aquellas cadeiras, um e mais de um exemplo de factos, que possam ser qualificados de violação da Carta a respeito da independencia do Poder judicial; mas que dahi até á proposição geral, de que o Ministerio pertende converter em escravos seus os agentes do Poder judicial, ha uma distancia immensa, que só póde ser vencida pela exaggeração.

Observou que o digno Par tinha começado esta sua interpellação com o fogo da mocidade, e com o estylo da invectiva, de que tantas vezes se serve, e muito bem: mas que elle como accusado será, não diria que mais sincero, mas mais simples e singelo; e assim principiará por negar a S. Ex.ª, em seu nome, e no do Sr. Ministro da Fazenda, que tivessem procedido por effeito de patronato, de favoritismo, ou de suggestões.

Que não conhece o padre, nem o seu contendor; nunca foi á capella de S. Braz, e Santa Luzia; e se lhe fosse necessario indicar onde ella se acha collocada, não sabia, nem agora o sabe. Indo contar assim singelamente o facto, possue documentos em que se abone, e julga poder mostrar ao digno Par, que não houve nem a intenção de defraudar dos seus direitos quem os tivesse, nem menos o intuito de intrometter-se na decisão do Poder Judicial. Ignora o nobre Ministro, se o digno Par tem confrontado as datas, mas póde asseverar que a noticia da sentença que obteve uma dessas partes contendoras, foi-lhe dada pelo Procurador geral da Corôa, em officio muito posterior (cujo original tem presente), em Março deste anno; e todo o negocio passou o anno passado.

Que a questão versava sobre servidões. O possuidor e comprador de uma casa contigua ao adro da capella de S. Braz, e Santa Luzia, levantou a sua propriedade, elevando as paredes do predio, e o Administrador da capella recorreu (ainda antes que elle orador entrasse no Ministerio), ao Ministerio do Reino, para que fizesse promover pelos agentes do Ministerio publico, a bem da fazenda nacional, a que pertencia, e pertence a dita capella, a sustentação dos direitos da mesma capella: e que o Ministro do Reino encarregou deste dever, ao Ministerio publico, desde quando o negocio seguiu os seus termos. Que assim corria o negocio. Tinha sido commettido ao Procurador geral da Corôa, que fizesse instaurar pelo Ministerio publico os procedimentos necessarios em defeza dos logradouros, das prerogativas legaes daquella capella (e aqui pediu que o desculpasse a Camara, se não era muito exacto e rigoroso na terminologia forense).

Que achando-se encarregado de proseguir neste serviço, o Ministerio publico proseguiu, e proseguiu ainda, quando appareceu um requerimento que o digno Par leu; e com quanto não duvide de que o digno Par o lêsse exactamente, tal qual está, porque não é capaz de vir aqui falsificar documentos; pede licença para lêr o officio que tem comsigo no seu original (leu). Notou que a differença consiste em que a logica um tanto apaixonada de S. Ex.ª tira do mesmo officio inferencias um pouco exageradas, que elle orador nem o prelado tirou. Que sabendo que esta questão não era prejudicada, (e aqui reflectiu que fazia a exposição dos sentimentos e desejos que nutria, em que não lhe parece ter andado mal), porque o Ministerio publico tinha tomado esta questão em defensão dos bens nacionaes, e representando-lhe Francisco José Vianna e sua mulher, no requerimento que já tinha lido o digno Par, que aquelle ecclesiastico o perseguia, e lhe fazia offensa. O orador pediu á Camara que lhe perdoasse, porque tambem queria vêr se ella se impressionava dos mesmos sentimentos que nelle imprimiu este requerimento, que póde ser qualificado, posto que não o qualificasse elle, de ob e subrepticio (leu).

Concluida a leitura, accrescentou o orador, que os direitos da fazenda nacional haviam de ser defendidos pelo Ministerio publico; considerando aquella propriedade da fazenda nacional; não tendo noticia, nem tendo visto nem sabido do andamento que tinha aquelle processo, mas conhecendo que elle não podia deixar de estar legitimamente recommendado aos agentes do Ministerio publico, intendeu que fazia um grande serviço ao padre, e á paz publica, removendo de cima do caracter ecclesiastico esta pecha de rabulista, de amigo de questões forenses, destas chicanas, que tornam sempre, e em toda a parte, odiosos os ecclesiasticos, que vão estabelecer entre elles e os seus visinhos uma rixa, uma malquerença, que é summamente nociva para a paz publica, e muito pouco vantajosa para o caracter ecclesiastico; e que fez?... Mandou por ventura ao Poder judicial que sobrestivesse na causa? Não: escreveu ao Em.mo Prelado, o qual tão pouco póde mandar ordens ao Poder judicial, que indicasse áquelle ecclesiastico, que se abstivesse de entrar neste processo, para que não estava authorisado; mas parece-lhe que a sua recommendação não era definitiva, como já leu tanto o orador como o digno Par; não era uma ordem absoluta expedida ao Prelado para obrigar o clerigo a que não continuasse a ser parte naquelle processo; mas unicamente uma recommendação para que elle não entrasse em processos administrativos, senão quando para isso tivesse authorisação: pois intendeu que o verdadeiro direito de promover este processo estava no Ministerio publico.

Que considerando, ainda outra vez o dizia, que ao Ministerio publico assistia toda a intelligencia e actividade, para promover a favor da fazenda nacional, a quem pertencia aquella propriedade; desejando que o caracter sacerdotal, se lhe era licito dizê-lo assim, se não inquinasse com a nota de chicaneiro e rabulista; querendo que se mantivesse a paz entre o padre e o seu visinho; e não havendo neste seu desejo nenhuma cousa em detrimento do bom resultado da justiça, não duvidou tomar aquella resolução, depois de ter pedido e obtido previamente informações de S. Em.ª

Que era possivel que o seu desejo fosse excessivo, que o manifestasse um pouco mais energico, tudo póde ser; mas dependendo das informações do Em.mo Prelado, como já disse, e em virtude das quaes elle Sr. Ministro procedeu no andamento deste negocio, não póde ser tachado de violar as immunidades do Poder judicial. Mas quando diz — não posso ser tachado — não é porque queira desligar-se do Sr. Ministro da Fazenda, com o qual toma toda a responsabilidade que a S. Ex.ª couber do acto praticado, pois francamente se liga com elle nessa responsabilidade: mas como se demora em explicar qual foi o comportamento que teve relativamente a este objecto, e qual o intuito que o moveu, diz ao digno Par — tudo o que acaba de assegurar é o que aconteceu, e tambem não teve noticia, nem soube do andamento do processo, e tão pouco quiz que fosse suspenso; pois dizendo que o padre se não intromettesse no negocio, não disse, nem podia dizer, que não continuasse a intrometter-se o Ministerio publico, mas sim o padre, e só com este intuito, que lhe parece que elle não avaliou bem, e que por isso se foi queixar ao digno Par, intende que não póde ser censurado.

Que tambem é uma verdade que não soube do resultado da decisão judicial. Tudo isto aconteceu (o nobre Ministro tomou nota das datas) em Julho de 1854. Não sabe quando foi a sentença, pois o unico fim que o Governo teve em vista foi evitar esta questão, mas póde ler ao digno Par quando foi que teve a participação do Procurador geral da Corôa. Esta participação é de 13 de Março de 1853 (leu). Foi então que soube o estado deste negocio, que não sabia até alli.

O Sr. Conde de Thomar — Mas V. Ex.ª leu um requerimento, no qual a parte diz, que fôra citada para pagar oitenta mil réis, em que o Poder judicial a condemnou.

O orador — Parece-lhe que não leu isso, mas vai vêr se isso está escripto (leu.)

O Sr. Conde de Thomar — Já se vê que isso é resultado da sentença.

O orador — Pois não podia ser citado para isto independentemente da sentença final? Vozes: — Não podia.

O orador — Então recebo esse quináo (riso). O orador observou que havia a attender, que se tinha commettido ao Ministerio publico a defeza deste direito, e o proseguimento do processo: que além disso não se tinha intromettido nos actos do Ministerio publico, dizendo a S. Em.ª, que aconselhasse o Padre, para não proseguir nessa questão judicial: — é isto um conselho que qualquer pastor póde, e deve dar a uma sua, ovelha: que o Governo intendeu que lhe era licito proceder assim, para evitar desordens e mal querenças entre aquelle ecclesiastico e o seu visinho. Foi este o intuito que elle e o seu collega o Sr. Ministro da Fazenda tiveram para proceder assim. Que porém, não deve esquecer, que todo este procedimento tinha relação com um predio dos bens nacionaes (apoiados.)

E concluio dizendo, que o digno Par o tinha accusado de ter intervindo nos actos do poder judicial, mas que tem mostrado concludente mente que não interveio: e allegou que ao seu collega pertencia responder á outra parte da accusação do digno Par, e que estava certo de que S. Ex.ª provaria que não merece as censuras, que o digno Par lhe fez.

O Sr. Ministro da Fazenda disse que fallava seguindo-se ao seu collega, porque a Camara ouvio que a interpellação dirigida ao Governo pelo digno Par o Sr. Conde de Thomar, contém duas partes distinctas, e duas accusações diversas, uma das quaes já foi respondida pelo Sr. Ministro do Reino, e a outra o deve ser por elle orador: que demais a mais a censura, ou accusação, que o digno Par dirige ao Governo, é mais forte e mais grave pelo que respeita a elle em, presença do documento que se expedio pelo Ministerio a seu cargo.

Observou que o digno Par qualificava de escandaloso patronato, o acto praticado pelo Governo na expedição desses documentos, sobre a questão de que se tracta; ao que elle Sr. Ministro respondeu, certificando á Camara que não conhece, nem de vista, os individuos a favor dos quaes mandou passar a Portaria de que falla o digno Par: — ao capellão da capella de S. Braz e Santa Luzia fallou uma só vez em sua casa, e isso ha tanto tempo, que bem póde assegurar, que se elle entrasse agora por aquella porta dentro não o conheceria: e portanto, que esse grande escandalo que o Governo commetteu, foi a favor de individuos que nem proxima, nem remotamente são conhecidos do seu collega, como S. Ex.ª já declarou, nem delle orador, o que assegura sobre sua palavra de honra, porque é verdade. Que com tudo agradecia ao digno Par, e dá mesmo parabens á sua fortuna, de vêr que é sobre uma questão de se porem, ou não, umas grades de ferro n'uma casa proxima á capella de S. Braz e Santa Luzia, que S. Ex.ª o accusa, dizendo que elle se decidio por favoritismo: (apoiados) pois parece que se o digno Par tivesse accusações mais graves que fazer com relação a actos seus, de certo o não pouparia; poria mesmo este de parte para se occupar de outros assumptos em que a responsabilidade delle Ministro estivesse mais gravemente compromettida.

O que ha de grave e de serio neste negocio intende o orador que é a asserção que fez o digno Par, de que o Governo por uma Portaria, mandou sobreestar numa sentença do Poder judicial, posta a questão debaixo deste ponto de vista, é certo que a responsabilidade do Governo seria tremenda, dado que fosse exacto o resultado que o digno Par quiz tirar, ou concluir da Portaria que se expedio pelo Ministerio da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda não quer dizer que não seja exacto o que referio o digno Par; mas não póde deixar de lhe observar que o equivoco está no modo de intender a Portaria.

Contando rapidamente a historia deste acontecimento, disse que este edificio foi doado, segundo lhe consta, ao Sr. D. Miguel, por um Padre capellão daquella Capella: — mas em 1833 ou 1834, considerando-se aquelles bens como do Infantado, mandou-se fazer venda delles pela Junta do credito publico que era então quem tinha a seu cargo a venda dos bens nacionaes: venda que foi annunciada com certas condições determinadas, e com ellas vendida: que uma dessas condições foi, que o comprador da casa vedaria a communicação para o adro, e conservaria grades nas janellas. E tendo sido pratica constante no Ministerio da Fazenda fazer sempre boa venda, por parte do Governo, aquelles que compram o objecto vendido, e só nos termos em que elle foi annunciado e vendido; e não se tendo coarctado nessa venda que se fez, o direito ao comprador, de edificar mais andares sobre o predio que comprou (e a prova disto está na mesma sentença que manda se ponham grades nos andares superiores); é claro que cumpria ao Governo o sustentar os direitos desse comprador, pois não iam de encontro aos interesses da fazenda.

Disse mais que quem tinha comprado a casa, a tinha levantado, e aberto no novo andar janellas; e que constou pelos requerimentos que fez, que era compellido em juizo para pôr grades de ferro nessas janellas do andar que levantára de novo no predio, as quaes dizia não havia posto por não ser a isso obrigado, e só sim a conserva-las nos andares baixos, para vedar a communicação com o adro: que em presença deste allegado, procedeu o Governo a indagar qual o estado em que se achava este negocio; e soube que o Capellão que é quem levara esta questão a juizo tinha desistido, parece que em Maio de 1848, do proseguimento da acção, deixando esse cuidado ao Ministerio publico que tinha chamado, por se tractar de objecto de fazenda nacional, porque o Padre não é o proprietario desse edificio, é sim um empregado publico que alli está nomeado pelo Governo, que pode ser por elle demittido, e que por isso não podia intentar este pleito, sem consentimento do Governo, o qual lho não deu.

Accrescentou o Sr. Ministro que não era novo, que pelo contrario se acham arestos no Ministerio da Fazenda, de em todos os tempos, o Governo intervir para fazer boa a venda ao comprador, do objecto vendido pela fazenda nacional: e que, nestes termos, vendo o Governo que o capellão intentára a acção, procurando zelar

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os interesses da fazenda publica, interesses que diziam respeito a uma condição que não tinha sido imposta no acto da venda, tendo o Governo a obrigação de fazer com que as condições da venda fossem respeitadas, mandou-se, que o Delegado do Procurador Regio requeresse conforme fosse conveniente e legal, a fim de que a acção não proseguisse, e se fizesse desistencia por parte da fazenda.

Á vista desta exposição perguntou o Sr. Ministro se o Governo teria ou não o direito de dizer ao Agente do Ministerio publico, que não proseguisse n'uma acção intentada por parte da fazenda? Por sua parte está persuadido que sim, porque se mandou requerer, e pediu que se notasse bem isso, o que fosse julgado legal e conveniente; para o que está sempre o Governo no seu direito mandando uma tal ordem a uma authoridade sua subordinada: que, nestes termos, o Governo obrou dentro da esphera das suas attribuições; o Governo não dá ordens ao Poder judicial. (O Sr. Conde de Thomar — Muito bem: adopto isso.) Já se vê, pois, que o Governo não póde ser responsavel pelo modo que indica o digno Par, arguindo-o de ter mandado ao Poder judicial suspender o effeito de uma sentença!

Que talvez o Governo podesse ser accusado de zelar pouco os interesses da fazenda, mas que essa questão era outra, e que a ella responderia com os termos, com o direito, e com a obrigação que tinha o Governo de cumprir e fazer cumprir, quanto estivesse ao seu alcance, aquillo a que se tinha obrigado, segundo as condições da praça: sendo comtudo que a questão não pode ser tractada senão neste terreno, por isso mesmo que o Governo não mandou suspender a acção do Poder judicial, e sim, e tão sómente mandou pelo Ministerio publico que se requeresse o que era legal e conveniente.

Se ha suspensão da causa não foi o Governo que a fez, foi o Juiz competente; e esse é que sabe se podia ou devia suspender o effeito da sentença. Pensando assim, é que elle Sr. Ministro sem escrupulo assignou esta Portaria, por lhe parecer que o Governo, procedendo assim, procedia na boa fé, pois mantinha as disposições do contracto que tinha feito sem invadir nenhumas attribuições do Poder judicial, que podia fazer seguir ou não seguir a sentença.

Isto pelo que toca á primeira parte da interpellação, mas o Sr. Ministro reflectiu que o digno Par fallára depois em subrogações feitas no Thesouro a portas fechadas: a proposito do que disse que o digno Par é muito leal para negar que não lhe havia indicado esse ponto na sua interpellação: que isso é uma outra especie para que não vinha preparado: apenas tem uma idéa vaga, uma reminiscencia afastada de que se vendeu um bocado de um quintal, encravado, e que pela sua situação não podia ser comprado se não pelo dono do predio contiguo; tem tambem idéa de que estava avaliado em 20$000 réis, e com essa avaliação na lista; e que se vendeu por 200$000 réis em inscripções; que por isso parece-lhe que a fazenda não foi lezada: e em quanto á questão de legalidade, que não póde avançar a mais, porque já isto que disse foi de memoria: que o digno Par sabe como esses negocios de expediente se fazem, e correm pelas repartições sem dependencia do Ministro, sendo que é claro que elle em todo o caso não declina a responsabilidade constitucional; mas que o digno Par não o tendo prevenido dessa especie, não estranhará que elle adie para outra occasião a resposta, mais precisa sobre este ponto (apoiados).

O Sr. Conde de Thomar — Não obstante as explicações dadas pelos Srs. Ministros, eu presisto ainda em sustentar que o Governo praticou um acto illegal, que não póde deixar de ser qualificado como patronato escandaloso.

Eu esperava que os Srs. Ministros explicassem singelamente esta questão, e que tivessem a bondade de confessar que este foi um daquelles negocios, que por ser talvez de pouca importancia quanto ao valor do objecto, foi decidido por SS. EE. sem se terem dado a um serio exame das leis, e principios applicaveis á especie. Achava melhor esta declaração feita pelo Ministerio do que a defeza que acaba de se apresentar, e que não serve senão para condemnar cada Tez mais a SS. EE.

O Sr. Ministro do Reino, com a tactica parlamentar que todos lhe reconhecemos, intendeu que em logar de começar a responder ás arguições que eu lhe tinha dirigido pelos actos praticados no Ministerio a cargo de S. Ex.ª, devia fallar em exclamações, em invectivas, em violencia de lingoagem, e outras cousas taes que são sempre as armas de que S. Ex.ª gosta de se servir para lançar o odioso sobre seu adversario; mas eu peço perdão para lhe dizer, que esta occasião não era aquella em que S. Ex.ª devia vir com uma resposta que eu começo a qualificar de banal! O fallar com mais ou menos viveza n'uma discussão não prova que se esteja dominado de paixão, nem que se empreguem invectivas.

S. Ex.ª é o primeiro que combate nesta casa empregando essa fórma de argumentação, pois que raras vezes deixa de mostrar viveza nos discursos, mas eu não sei que se possa jamais ir buscar fundamento a uma tal circumstancia para se poder lançar qualquer odioso sobre o adversario! Tudo isto, porém, me convence de que se julgou necessario recorrer a este meio, por isso mesmo que a causa tinha má defeza, ou antes, como causa injusta, não tinha defeza no campo dos principios, e na presença das leis; campo este em que eu unicamente a tractei, e hei-de continuar a tractar.

Eu sinto tambem dizer que o Sr. Ministro do Reino apresentando a sua defeza quizesse fazer declinar toda a responsabilidade do negocio sobre o Sr. Ministro da Fazenda. Pertendeu S. Ex.ª fazer persuadir á Camara, que por si nenhuma medida tinha adoptado, nenhuma ordem havia dado para que se sustasse neste negocio ou se interferisse nelle de maneira que se destruíssem e annullassem os effeitos das sentenças dos tribunaes judiciaes. O nobre Ministro condemnou assim formalmente a Portaria do seu collega, que mandou desistir dos direitos que podessem pertencer á fazenda nacional, os quaes se achavam alias julgados por duas sentenças do Poder judicial!

Nem sequer, porém, nesta parte S. Ex.ª foi verdadeiro, assim como o não foi quando disse que nenhuma ordem tinha dado a S. Em.ª sobre este objecto, porque as não podia dar.

Felizmente estamos hoje n'um campo em que S. Ex.ª não póde fazer uso do seu talento para argumentar com generalidades; temos documentos, principios e Lei a que necessariamente nos havemos de ligar.

S. Ex.ª leu-nos o requerimento da parte, e accrescentou que foi por esse requerimento que fez obra! Não viu S. Ex.ª, que fazendo uma tal asserção me foi dar fundamento para eu repetir as minhas censuras! Pois é a simples exposição da parte interessada que deve decidir o Ministro a tomar uma resolução qualquer, sempre que ella versa sobre facto e facto tão importante como aquelle de que se tracta? S. Ex.ª tinha rigorosa obrigação de pedir delle informações antes de resolver, evittaria assim o erro em que cahiu, e o engano que se lhe fez.

S. Ex.ª tomando logo como verdade tudo que a parte expunha em seu requerimento, abalançou-se a qualificar de violencia o acto que o Capellão praticára em virtude da Lei, já reconhecido como legal e procedente por duas sentenças do Poder judicial! Portanto: precipitação e inadvertencia da parte do Sr. Ministro, e permitta-me que mais lhe diga: erro de administração, porque resolveu direitos de partes sem as informações que só posteriormente pediu! E pois que S. Ex.ª me disse que reparasse nas datas, dir-lhe-ia que a sentença de primeira instancia é de 6 de Abril de 1850, a da Relação de 15 de Fevereiro de 1851, e o Officio a S. Em.ª tem a data de 9 de Julho de 1854, quer dizer que S. Ex.ª classificou precipitadamente de violencia um direito julgado, e tres annos depois que as sentenças do Poder judicial tinham sido proferidas! Como póde, pois, S. Ex.ª vir dizer que não linha conhecimento do facto julgado, quando expediu o aviso a S. Em.ª? Não tinha! diga antes, não quiz te-lo!

E porque não pediu S. Ex.ª logo informações sobre o contexto do requerimento antes de mandar que o Capellão se abstivesse de proseguir na causa, qualificando logo temerariamente de violencia um acto que já tinha sido declarado, repito, conforme ao direito por sentença do Poder judicial. Pois que é isto, Sr. Presidente (leu).

Note-se bem «a violencia que pelo Capellão era feita.» S. Ex.ª diz — violencia — o Poder judicial diz — «direito exercido não só em virtude da qualidade de administrador e uso fructuario daquella capella e suas pertenças, mas como homem do povo, na conformidade das Leis citadas na sentença da primeira instancia.» Isto é que são os principios e Leis contra os quaes nada se póde oppôr e era necessario que S. Ex.ª os tivesse em vista, mas proseguimos. (Leu.)

Diz S. Ex.ª que não deu ordens! Pois que é isto? S. Ex.ª ordena ao padre se abstenha de proseguir na questão, e S. Ex.ª diz que não dá ordens. (O Sr. Ministro do Reino — Não dei, não.) Pois S. Ex.ª roga a S. Em.ª que ordene ao padre que se abstenha... (roga é a fórma como se escreve das Secretarias a S.Em.ª). Que quer dizer — se abstenha de proseguir na causa? (O Sr. Ministro do Reino — Ahi sempre ha de mais.) Eu lhe vou dizer o que ha demais (leu). Não só ordena que se abstenha de proseguir nesta causa, e é para isso que se mandou o requerimento da parte a S. Em.ª, mas estabelece que o Capellão não se póde involver em actos contenciosos da administração a seu cargo, o que aliás estava decidido em sentido contrario pelo Poder judicial, reconhecendo esse direito ao Capellão como uso fructuario e homem do povo (leu). Isto é mais claro que a luz do dia. S. Ex.ª diz que S. Em.ª informou, mas não quer ter a bondade de nos ler a informação de S. Em.ª, que alias diz ter comsigo! (o Sr. Ministro — Não é preciso, mas tenho-a, tenho-a). Pois S. Ex.ª não quer ler! Eu lhe digo a razão, porque naturalmente receia mostrar a condemnação do seu procedimento, do procedimento do Governo, e por isso que S. Ex.ª não lê, eu devo suppôr, e digo mais; devo até asseverar que lá está a sua condemnação, em quanto S. Ex.ª não me convencer do contrario com leitura da informação. (Riso.)

Foi em 13 de Março de 1855 que chegou ao poder de S. Ex.ª a primeira informação do Procurador geral da Corôa sobre este objecto, e no entanto, como acabei de mostrar, já em 1850 e 1851 haviam sido proferidas as sentenças de primeira e segunda instancia, e só depois destas sentenças estarem em execução é que a parte assim vencida requereu pelo Ministerio dos Negocios do Reino, e obteve as ordens que S. Ex.ª expediu. Ora, por esse mesmo requerimento da parte se conhece que ella o que procurava era impedir a execução daquellas sentenças, porque não pedia ella que se ordenasse ao padre que a não perseguisse, e não obrigasse a pagar os 80$000 réis (quantia em que os louvados haviam avaliado o importe das grades, que em virtude das sentenças proferidas se haviam de pôr nas janellas que tinha, aberto)? Esse mandado de que a parte se queixava significava a consequencia de uma ou mais sentenças que já tinham passado em julgado, e estavam em execução, e comtudo os Srs. Ministros nada souberam nem conheceram! SS. Ex.ªs declaram que não sabem onde está collocada essa capella, que não conhecem o Capellão, e muito menos a parte que lhes arrancára todas essas ordens e Portarias! Eis-aqui como os Srs. Ministros se pertendem justificar de taes actos illegaes e do patronato por elles praticados! Talvez que assim seja... mas o que SS. Ex.ªs sabem e conhecem é quem é o individue que serviu de protector, e que teve força para fazer com que SS. Ex.ªs praticassem o mais escandaloso patronato arrancando-lhes das mãos todas essas ordens e Portarias!... (O Sr. Ministro do Reino — Diga-nos quem é esse individuo.) Quer S. Ex.ª que lhe diga quem é esse individuo?... (O Sr. Ministro da Fazenda — Peço ao digno Par que declare quem é.) Não o declararei em publico, mas em particular a S. Ex.ª se quizer.... (O Sr. Ministro da Fazenda — Pois o digno Par diz que houve um individuo, que teve força para obrigar os Ministros a praticar esse patronato, arrancando-lhes das mãos ordens e Portarias, e não nos diz quem é esse individuo.) Pois querem que o declare?... (Vozes — Declare. Outras vozes — Não declare, não declare.) Vejam lá, porque se querem, eu não tenho duvida em a declarar. (Vozes — Não declare que é melhor.) Pois bem. Não declararei....

Ora, o Sr. Ministro do Reino diz-nos que officiára ao Sr. Cardeal Patriarcha para que admoestasse o padre a que não proseguisse na cousa intentada (e já julgada por duas sentenças!) mas que assim procedera na convicção de que fazia um serviço ao padre, e de que com isso se não prejudicava a questão, porque lá estava o Ministerio publico para requerer o que fosse conveniente aos interesses da fazenda nacional. Eu de certo não esperava ouvir tal desculpa da parte do Sr. Ministro do Reino, porque ella não faz mais do que reforçar as accusações feitas ao Sr. Ministro da Fazenda. O Sr. Ministro do Reino desconhecia que estivesse pendente uma execução, nem havia dado ordem alguma para que ella se sustasse, antes exigindo que o padre não proseguisse na causa, deixava isso ao cuidado do Ministerio publico, porque S. Ex.ª intende que o Governo não póde desistir dos direitos julgados á fazenda nacional, mas como o Sr. Ministro da Fazenda expediu ordens e Portarias para que o Ministerio publico desistisse de todo e qualquer direito da fazenda, logo é claro que o Sr. Ministro do Reino com a sua desculpa reforça as accusações feitas ao Sr. Ministro da Fazenda! Por este lado vemos nós que o Sr. Ministro do Reino se não justificou, nem era possivel justificar-se das ordens que passára, porque S. Ex.ª praticou actos que não podia praticar, e muito menos em virtude de um simples requerimento que a parte lhe apresentára, sem ao menos se dar ao incommodo de obter algumas informações! Agora vamos vêr se o Sr. Ministro da Fazenda se justificou do acto que praticára expedindo a Portaria, que effectivamente expediu, ao Ministerio publico: vamos a vêr se S. Ex.ª está ao facto daquillo que assignou, porque, em verdade, eu fiquei admirado quando o nobre Ministro, referindo-se á Portaria que assignára, disse inteiramente o contrario; do que nella se continha, disse S. Ex.ª, que só havia ordenado, que o Ministerio publico, na causa de que se tractava, requeresse o que fosse legal e conveniente! Se assim fosse a justificação era completa! A fallar a verdade, quem é que! podia extranhar-que o Sr. Ministro desse ordens aos seus subordinados para que requeressem o que fosse legal e conveniente á fazenda nacional? A esta defeza menos exacta sou eu obrigado a oppôr o contexto da sua propria portaria, a qual diz: «desista logo por parte da fazenda nacional de qualquer direito, que por ventura lhe podesse competir. (N. B. Julgado por duas sentenças.)

Pois quando se ordena ao Ministerio publico que perante o Poder judicial fosse desistir de todo e qualquer direito que á fazenda nacional podesse assistir, dir-se-ha que só se ordena que requeira o que for conveniente e legal a favor dos interesses da mesma fazenda? Creio que não: pois esse procedimento do Sr. Ministro é legal? (O Sr. Aguiar — É legal.) É legal?! É legal determinar um Ministro que o Ministerio publico desista dos direitos que tem a fazenda, e direitos já julgados por duas sentenças do Poder judicial!... Quem se atreve a sustentar similhante erro? Pois não seria melhor antes dizer-se que essas ordens e Portarias haviam antes sido assignadas como se fossem de um simples expediente, e sem se lhes prestar maior attenção? Não, senhores, intende-se que é melhor sophismar, contra o que está na Portaria, dizer-se que só se ordenou que se requeresse o que fosse conveniente e legal!

Pois S. Ex.ª que ordena ao Ministerio publico, no fim da Portaria, que requeira o que fôr conveniente e legal, não é para que se verifique a ordenada desistencia de todos os direitos da fazenda, e direitos que lhe haviam sido julgados por sentenças do Poder judicial?... De certo: isto não admitte replica. E comtudo depois de terem sido empregadas nas ordens e Portarias aquellas expressões tão claras e terminantes, vêem ainda os Srs. Ministros dizer ao Parlamento que não commetteram uma illegalidade, nem se violára Lei alguma, antes andaram dentro do circulo das suas attribuições! E o mais é, que no fim de tudo isto, não querem que se lhes diga que se praticou o patronato mais escandaloso!... O Sr. Ministro da Fazenda disse que estava o Ministerio da Fazenda cheio de arestos, pelos quaes se ordenavam similhantes desistencias para que se fizessem boas as arrematações. Pois eu desafio a S. Ex.ª para que me mostre se desde que ha Thesouro ainda se apresentou um acto igual a este! É impossivel que no Thesouro se encontre um facto pelo qual o Governo depois de ter obtido duas sentenças passadas em julgado, e havendo já execução em virtude dellas, ordene que o Ministerio publico requeira graciosamente, e para proteger um individuo, que essas sentenças fiquem sem effeito!...

Sr. Presidente, o Sr. Ministro referindo-se ao Capellão como sujeito a dimissão, e assim, perguntou — pois o Governo não estava authorisado para dimittir o Capellão que administra aquella capella em consequencia de nomeação do mesmo Governo?! Quem é que fallou nesta materia? Eu não entrei nessa questão, a minha questão foi outra, e inteiramente differente.

Mas o Sr. Ministro mostra ainda estar perfeitamente enganado em tudo quanto disse relativamente á lista, que fora publicada no Diario do Governo, cuja leitura eu já fiz á Camara, abstendo-me por isso de repetir essa mesma leitura; no entanto, devo dizer ao Sr. Ministro, que ainda quando na lista não se achasse o que effectivamente está, e della se não podesse deprehender o que eu apresentei, lá estavam as duas sentenças passadas em julgado, que obrigavam a parte a pôr as grades nas janellas que abrira sobre o adro e logradouro da capella. Mas diz-nos o Sr. Ministro da Fazenda, que o arrematante só se obrigára a conservar grades de ferro nas janellas do primeiro andar da casa que arrematára, e que as janellas que abrira depois, foram no segundo andar que levantára, o que não póde ser comprehendido na condição, a que se sujeitára. Esqueceu-se, porém, S. Ex.ª, de que é sobre essas janellas abertas no segundo andar, que julgaram as duas sentenças do Poder judicial, mandando pôr-lhes grades; mas se esse segundo andar, e por consequencia as suas janellas, não podem ser comprehendidas na condição da arrematação, como expediu o Sr. Ministro ordem para se desistir do direito julgado, com o motivo de querer fazer a venda boa? Isto são razões que eu não esperava da parte dos Srs. Ministros em sua defeza. Confessem, portanto, os Srs. Ministros, que andaram com muita precipitação sobre este negocio, que é serio, e muito grave, pelo precedente que estabelece; e procedendo, como procederam, destruindo, por um acto seu, os effeitos de duas sentenças do Poder judicial, abusaram do seu poder, abuso provado pelo aviso ao Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha, e pela Portaria ao Ministerio publico» prejudicando os direitos da fazenda, que, além disto, não receberá as mulctas, em que os nunciados foram condemnados, e que fica obrigada ao pagamento das custas, visto que foi a juizo reconhecer a injustiça com que litigára.

O Sr. Ministro do Reino não lhe restaria mais nada que dizer á Camara em sua defeza, sobre a repetição das arguições e accusações que o digno Par lhe fez, se acaso a Camara não tivesse notado, ou ao menos elle orador não tivesse a peito, que a Camara notasse bem, uma certa insistencia vivaz do digno Par, em pertender fazer persuadir ao Sr. Ministro da Fazenda, que elle orador adrede se esforçara em fazer recair sobre o mesmo Sr. Ministro toda a responsabilidade deste facto; e isto quando muito clara e explicitamente havia declarado, que em tudo se associava ao Sr. Ministro da Fazenda, partilhando com elle de toda e qualquer responsabilidade (apoiados). E se a Camara ouviu isto (muitos apoiados), e se a Camara o não duvida, antes o confirma, como é que o digno Par pertende fazer ver, que elle Sr. Ministro quiz descarregar toda a responsabilidade sobre o seu collega da Fazenda, illudindo assim? a que a elle proprio cabia?! O orador assevera que foi explicito, claro e franco, como o tem sempre sido! (O Sr. Ministro da Fazenda — Apoiado).

Pedindo venia para fallar de si, já que a isso era forçado, disse, jamais deixou de ser claro, explicito e franco, em todas as transacções em que tem entrado com os seus illustres collegas, em todos quantos negocios tem com elles resolvido (O Sr. Ministro da Fazenda — Apoiado); que portanto, não sabe como ha de qualificar essa insistencia da parte do digno Par; que a qualificasse a Camara como intendesse, porque ouviu a declaração que elle aqui apresentou, declaração, muito clara e explicita, e feita em alta voz, de que associava em tudo a sua responsabilidade, neste negocio, ao seu illustre collega, o Sr. Ministro da Fazenda (apoiados). Que fôra tambem muito claro, que não usára dos subterfugios que o digno Par lhe attribuiu no elogio que lhe fez, e que infelizmente lhe não agradou, quando disse o que intendia, e do que estava convencido, que o digno Par era um orador distincto, e muito forte no campo da invectiva. Em que aggrediu nisto ao digno Par, quando lhe reconheceu essa grande qualidade, que é uma das muitas que o adornam, e que muito lhe inveja?...

Voltando agora ao negocio que lhe pertence, a repetindo que nelle em tudo partilha da responsabilidade que possa caber ao Sr. Ministro da Fazenda, com quem inteiramente se associa, disse que esperava que os tachygraphos exarassem bem esta sua declaração, tomando-a na sua contemplação (porque não tem querido receber discursos, nem extractos), assim como o que ia dizer, ou repetir.

Que elle Sr. Ministro ignorava que tivessem havido uma, ou duas sentenças proferidas pelo Poder judicial, as quaes vê agora que tinham tido logar antes da sua entrada para o Ministerio: que o digno Par apresentára um officio seu, mas que na apresentação desse documento convertêra uma idéa em outra, porque no officio dirigido por elle orador ao Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha, dizia que o requerente (cujo petição enviava) allegava a violencia que se lhe havia feito; e por conseguinte não era elle Ministro quem dizia que tinha havido essa violencia, mas sim a parte; apezar do que o digno Par transportára a opinião do requerente para a delle orador, e disse que elle tinha declarado que se havia feito a violencia á parte, quando tal não se tinha dito; mas que a parte o dizia, e que no presupposto do allegado, pedia ao Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha, que houvesse de chamar o padre, e o admoestasse, para que mais se não intromettesse em negocios forenses, que haviam sido incumbidos ao Ministerio publico: que com isto não assentou que prejudicava ao andamento do negocio, que de certo não podia padecer com a não intervenção do padre (O Sr. Conde de Thomar — Não é isso que está no officio). Não estará, mas o caso é que se não ignorava; elle Sr. Ministro, para fazer um offi-

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rio, não precisava de superabunda-lo cora motivos de primeira, segunda e terceira ordem; bastava que os tivesse, limitando-se por conseguinte a dizer, que taes circumstancias existiam, e pedindo que se lhe respondesse sobre o que houvesse a tal respeito. Que o que é certo é que a ordem para o Ministerio publico intervir no negocio, existia, e tanto existia, que, como o digno Par disse, ella tinha saído do Ministerio da Fazenda, e desde que as sentenças não foram participadas ao Ministerio do Reino, não vê o Sr. Ministro que haja nisto senão muita vontade de o accusar e arguir!

Observou que o digno Par diz — porque é que tendo elle orador recebido esse requerimento da parte, officiou em consequencia delle, sem que primeiramente se informasse? — Ao que respondia, pedindo licença para dar esta resposta, que não se informou, por que não quiz, e porque o digno Par, nem ninguem póde accusa-lo, senão daquillo que devia fazer, e não fez: que lhe mostrasse a Lei que o obrigava, e que despresou. O que o Sr. Ministro fez, o que devia fazer, era dirigir-se ao Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha, a fim de que procedesse, como procedeu a respeito do padre, e o informasse acerca do que a tal respeito houvesse: faltou, pois, alguma cousa? Pois participando ao Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha as circumstancias que se davam, o que o requerente allegava, e pedindo-lhe informações, andou precipitado neste negocio?! Chama-se a isto precipitação?! O orador acha nisto grande vontade de accusar e de arguir! Mas desculpa essa vontade, intende mesmo que o digno Par tem motivos para isso, mas não sobre este negocio, porque para elle não ha motivo algum.

Notou o nobre Ministro que se dizia que S. Em.ª informou, e que não se quer ler essa informação: que se S. Ex.ª não tivesse dito isto com uma tal intimação que mais pareceu ser uma ordem, nenhuma teria em le-la, mas sendo assim, como foi, que não o fazia.

Como o orador pediu essa informação, e como ella veio, e pois que pelo Ministerio a seu cargo não houve nada mais; a que proposito vem a accusação do digno Par? Que mal fez elle Sr. Ministro ao Padre, ou á causa? Que é isto? O orador instou com o digno Par que lhe notasse um detrimento qualquer, que em virtude do procedimento do Governo viesse ao Padre, ou á causa: mas que S. Ex.ª disse e repetiu: — lá apontou o Sr. Ministro do Reino para o seu collega que está á direita! Intendeu com isto estabelecer a desintelligencia entre elle orador e o Sr. Ministro da Fazenda? Diria mais, entre quatro collegas e amigos que se amam o estimam, e que não declinam a responsabilidade dos seus actos? (Os Srs. Ministros da Fazenda e da Marinha — Apoiados.) Que o Sr. Ministro da Fazenda, como verdadeiro cavalheiro, é homem incapaz de se malquistar com o orador por taes cousas; porque sempre o achou homem verdadeiro e sincero amigo seu, e leal em todas as occasiões: sempre foi assim, e ainda agora é. (O Sr. Ministro da Fazenda — Apoiado.) Ponderou que expostos com esta exactidão com que o fez os motivos que o moveram a proceder como procedeu na questão sujeita; pede ao digno Par que diga quem foi que o fez praticar essa immensa violencia, de perguntar ao Sr. Patriarcha, se aquelle litigio, e procedimento do padre Capellão era justo, e acha extraordinario que se qualifique de violencia, uma simples pergunta!

Se o que o Sr. Ministro fez foi acto de ignorancia, confessa que ateve, mas sempre dirá que lhe parece ter visto, que um simples requerimento feito para embargar uma obra nova, o Juiz despacha-o mandando fazer essa intimação. Que supposto, porém, que haja uma completa ignorancia da sua parte, perguntaria ainda, se fez algum desaguisado que causasse prejuiso ao Padre, ou á causa publica? Que isso não se podia dizer, e menos provar: que o que fez foi pedir informações ao Sr. Patriarcha; que S. Em.ª as mandou, mas que não as lia, porque o não julgava necessario.

Observou por ultimo ao digno Par, que era deliciosa a facilidade com que obteve cópias do Officio e da Portaria; que nada diria sobre isso, e notaria apenas que é essa mais uma prova de que ha uma grande docilidade em toda a parte para fornecer essas cópias. (O Sr. Conde de Thomar — Isto está em um processo publico, do qual eu tenho direito para tirar cópia das peças que nelle se acham.)

O orador disse que não fallava para o digno Par só, que fallava para todos, e para toda a parte. E concluiu dizendo, que a votação de um empregado de commissão contra o digno Par, custou a Mosinho de Albuquerque a sua demissão! Cá não ha disto (apoiado).

O Sr. Conde de Thomar — Peço a palavra.

O orador rematou dizendo que julgava ter locado todos os principaes pontos de accusação com que o digno Par não quer acha-lo de maneira nenhuma escusável no procedimento que teve.

O Sr. Presidente — A hora já deu, e por isso a Camara dirá se quer continuar a tractar esta questão, ou deixa-la para a sessão seguinte.

Vozes — É melhor acabar hoje.

O Sr. Presidente — Então proponho a prorogação da sessão até findar esta interpellação.

A Camara conveio.

O Sr. Conde de Thomar — Desejo ser muito breve, porque não valle a pena de questionar com o Sr. Ministro do Reino sobre este objecto, porque S. Ex.ª quando falla, falla conforme intende ser conveniente para desviar de si a accusação que se lhe faz, mas não falla na conformidade do documento por S. Ex.ª assignado.

Sr. Presidente, o que eu vejo desse documento 6, que o Sr. Ministro do Reino deu ordem ao Sr. Patriarcha para intimar o padre Capellão, a fim de se abster de continuar com aquella questão; mas vendo S. Ex.ª que isso era illegal, disse — e se houver alguma cousa em contrario informe. Ora, essa informação é que S. Ex.ª não quer ler, e isso é certamente porque nessa informação devem estar todas as circumstancias pelas quaes se mostre que aquelle Officio tinha sido expedido indevidamente.

(O Sr. Ministro do Reino — Vai em separado.)

O Sr. Ministro do Reino — Peço licença ao digno Par para dar uma explicação.

O Sr. Conde de Thomar — Sim senhor.

O orador — Talvez que o digno Par tenha a cópia desse officio incorrecta, e por isso permitta-me que observe a S. E, que depois de eu ter dito nesse officio o que julguei ser preciso, como já fiz vêr, accrescentei mais o seguinte (leu). Quiz dizer com isto; mas quando estes dados, quando estas circumstancias não sejam de todo o rigor verdadeiras, isto é, quando a execução tiver inconvenientes, então sim. Eu peço a todos os que aqui estão versados nestas modificações da lingoa portugueza, como nós a fallamos, que digam se isto se póde intender de outra maneira (apoiados).

O Sr. Conde de Thomar — Continuando direi, Sr. Presidente, que ainda insisto em dizer que nem o Sr. Patriarcha, nem ninguem póde intender que o officio do Sr. Ministro do Reino contenha aquillo que S. Ex.ª quer persuadir que elle contém (apoiados). Esse officio diz o seguinte (leu). 1.ª Proposição. O Sr. Ministro do Reino dá provado a S. Em.ª, que o capellão não podia, sem estar authorisado pelo Governo, promover esta questão. O contrario estava julgado pelo poder judicial. Diz mais (leu). Estes poderes não podiam ser dados ao padre senão pelo Ministerio do Reino. Ora, o Sr. Ministro é quem manda que se abstenha o capellão de continuar nesta questão, por falta de poder, para se involver em actos contenciosos da administração a seu cargo: logo S. Em. recebendo este officio, nenhuma outra cousa tinha a fazer, senão intimar o padre para não proseguir. Assim o fez, mas que informou S. Em.ª por essa occasião? O Sr. Ministro recusa-se a mostrar a informação!... Quando eu disse que S. Ex.ª tinha em vistas passar a carga para o Sr. Ministro da Fazenda, não tive com isso em vista o suscitar desintelligencias entre elle e o seu collega: nem o Sr. Ministro da Fazenda, que tem bastante talento, podia conceber que uma simples frase, como a que eu proferi no meio de argumentação, tinha tanta importancia. Mas o Sr. Ministro do Reino tomou um fogo tão grande e tão forte, que deu assim a intender que alguma cousa ha a este respeito, porque do contrario S. Ex.ª não empregaria a sua eloquencia e força de argumentação, nem tomaria tanto calor n'uma questão tão pequena!....

Agora direi, que eu não tenho má vontade contra o Sr. Ministro do Reino: se eu tivesse essa má vontade, muitas questões havia em que eu o tivesse podido provar. S. Ex.ª, pois, não é justo comigo: e se se percorrerem as discussões que teem havido nesta casa, vêr-se-ha o contrario do que S. Ex.ª affirma, e pensa. Mas S. Ex.ª imagina, que quando, se entra em qualquer discussão com elle, como actualmente succede por ler tomado essa medida illegal, intende, digo, que essa accusação que se lhe faz é por se ter má vontade para com S. Ex.ª Responderei ao Sr. Ministro, que se isto é mostrar má vontade, então eu lembrarei para exemplo, o que S. Ex.ª praticava comigo quando eu estava no Ministerio, e S. Ex.ª na opposição (apoiados): o facto verdadeiro é este, que os Srs. Ministros actuaes estranham que alguem se levante para lhes fazer opposição: tenham paciencia. A opposição é pequena, mas pequena como é ha-de sempre levantar a sua voz contra os actos praticados por S. Ex.ªs que forem illegaes e contrarios ás Leis. É pela má vontade que S. Ex.ª mostra, e não eu, que S. Ex.ª ainda agora mesmo veio aqui referir um facto que não tinha absolutamente nada com a questão! Pois a que proposito vinha a demissão dada ao Sr. Mousinho? Para que recordar agora esse facto, quando de mais a mais elle não produz o effeito que S. Ex.ª quer, por isso mesmo que essa demissão foi plenamente justificada?! Não se sabe por ventura que o Sr. Mousinho foi demettido na occasião em que fazendo-se chefe da opposição apresentou na Camara uma proposta pedindo a demissão do Ministerio? Pois foi então que eu francamente disse ao Sr. Mousinho, que se S. Ex.ª não podia ter confiança em mim, como Ministro, eu tambem não a podia ter em S. Ex.ª como inspector geral das obras publicas, e que por esse facto o demittia. Isto é logico: quando o inspector geral das obras publicas, empregado de confiança do Governo, declara que nenhuma confiança tem no Ministro do Reino, seu superior, este nenhuma obrigação tem de confiar no seu subordinado (apoiados). Quando um empregado subalterno vem ás Côrtes apresentar uma proposta para que se peça a demissão do Governo, este tem direito de propôr ao Chefe do Estado a demissão daquelle funccionario. Sempre sustentei estes principios, não os combato agora, nem os hei-de combater quando se der alguma demissão em taes circumstancias.

Mas se agora não ha desses factos, ha outros muito mais atrozes, e bastará que aquelle opponha o d'esse joven official, homem de reconhecido talento em todo o exercito, e em todos os estabelecimentos de instrucção publica (muitos apoiados), e que não obstante, apesar de todas as qualidades que o recommendavam, só porque trabalhava nas eleições em sentido opposto ao do Governo foi tirado dos seus estudos da escola do exercito, e por fim obrigado a pedir a demissão para não interromper a sua brilhante carreira litteraria, e abandonar a sua familia (apoiados). Isto é muito mais atroz (apoiados repetidos). Pois esse joven não tinha vindo pedir a demissão do Ministerio, não veio dizer publicamente que não tinha confiança no Governo, mas pelo simples facto de trabalhar para vencer uma eleição e votar contra o Governo é obrigado a interromper a sua brilhante carreira, e a deixar a sua familia, ou ha-de pedir a demissão! (Vozes — É verdade.) Creio que todos sabem que me refiro ao Sr. Conde de Semodães, filho (apoiados).

Destes factos podia apresentar ainda outros similhantes, más apresentando este é quanto me basta para contrapor, e para mostrar que muito mau é vir com taes argumentos que depois trazem as reconvenções, que não podem deixar de se fazer.

Agora só o que peço a final é que se note que o Sr. Ministro do Reino que nos está sempre a dizer que não accusa ninguem, que não é homem de accusações, nem de reconvenções, veio agora, ainda pela ultima vez até hoje, dar mais um desmentido a si mesmo, apresentando um facto que vinha inteiramente fora de proposito.

De resto, como o Sr. Ministro do Reino não apresentou mais nenhum argumento novo, e só veio explicar-nos a seu modo o officio que tinha dirigido ao Sr. Patriarcha, limito a isto as minhas observações, para ter ainda o gosto de ouvir novamente o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda disse que ainda não foi da sua boca que sairam as expressões a que se refere o digno Par, e com quanto esteja certo de que o seu collega póde por todos os motivos responder melhor do que elle orador, que lhe permittisse a Camara que fizesse sentir bem a differença dos dois casos; que o procedimento que S. Ex.ª teve foi para com um membro do Parlamento, que veio fallar em nome dos seus direitos constitucionaes que se lhe não podiam contestar, por isso que estava sentado n'uma cadeira da Camara dos Srs. Deputados. O Sr. Ministro não quer fazer comparações entre o presente e o passado; mas como o Governo se honra com os principios de tolerancia que tem seguido constantemente, não podia deixar passar sem reparo a observação de S. Ex.ª, e dizer-lhe, que com quanto sejam certos e verdadeiros os principios que o digno Par apresenta, porque é realmente logico o procedimento do Governo quando procede como o digno Par procedeu; apesar d'essa logica porém este Governo tem-se sentido com bastante força para a não seguir, deixando-se accusar fortemente nas duas casas do Parlamento por individuos que são seus dependentes (apoiados).

O Sr. Ministro confessa que o digno Par estava tanto no seu direito, dimittindo um funccionario publico que pedia a demissão do Ministerio, como o estaria aquelle Ministro que dimittisse o funccionario que lhe viesse lançar em rosto ao Parlamento a accusação de roubos, extorsões, e outras cousas mais! Que este Governo, porém, tem-se considerado com bastante força moral para não precisar de proceder assim, e ser mais generoso, por isso que cresce á sombra dessa força.

Disse que os Ministros actuaes estão todos conformes nestas idéas; e que como falla com relação a essa harmonia diria, que está agora com a opposição em quanto ella diz que o seu collega o Sr. Ministro do Reino fallou de mais sobre a suspeita de falta de harmonia, quando não valia a pena, pois que elle não se dava, nem tinha de que se dar por offendido de S. Ex.ª

Os Ministros, disse o orador, vivem na melhor harmonia, estão certos da lealdade uns dos outros, e elle particularmente está tão certo do caracter e da amizade do Sr. Ministro do Reino, que nem por um instante poderia suppôr que houvesse da parte de S. Ex.ª uma falta de cavalheirismo em declinar sobre elle orador a responsabilidade toda de uma accusação que era dirigida a ambos: accrescendo que de mais a mais todos ouviram o seu collega declarar cathegoricamente que tomava tambem a sua parte de responsabilidade no facto arguido a elle Sr. Ministro da Fazenda (apoiados).

Observou que o digno Par, vendo um certo fogo, e a vivacidade com que o seu collega tractára de rejeitar a accusação da falta de cavalheirismo, concluiu que um similhante modo de fallar, com tal força e com tal eloquencia, dava logar a que realmente se desconfiasse de alguma desintelligencia entre os Ministros (riso).

Que perguntava ao digno Par, se S. Ex.ª não concluiria do mesmo modo no caso de que o seu collega tivesse respondido frouxamente sobre este ponto? (Riso.) Que lhe parece estar ouvindo S. Ex.ª a dizer, logo que eram verdadeiras as suas apprehensões, que estava provada a sua desintelligencia ministerial pela frouxeza com que era repellida essa supposição (riso).

Quanto á accusação principal notou que ella já tinha perdido muito da sua importancia, por isso mesmo que a questão principal tem-se tornado incidental, a incidental tomou o logar desta, pois agora está na informação que o Sr. Ministro do Reino devia ter pedido ao Sr. Patriarcha, mas que o Sr. Patriarcha não devia ter dado; porque o pedido della devia estar antes da ordem, e não depois da ordem; porque estava a palavra tinha em logar de tenho, e etc, ficou reduzida a uma questão de grammatica, pelo que quasi que elle orador já tem acanhamento de entrar no debate (o Sr. Conde de Thomar — O Sr. Ministro do Reino é que fez isso). O que elle orador diz é, que não vinha nada para o caso o officio do Sr. Ministro do Reino, a pedir informações ao Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha, e que se este representou alguma cousa foi o proprio Governo que lhe disse que representasse, que informasse como authoridade daquella cathegoria, que o podia fazer como qualquer outra, ainda que inferior, pois que até aos militares, onde isso é mais grave e mais severo, tambem é permittido darem informações, e até mesmo representar.

Em quanto á questão importante, que lhe diz immediatamente respeito, observou que o digno Par leu uma parte da Portaria que elle não desconhecia, e que não póde negar; e a proposito della, ainda toma a liberdade de perguntar ao

digno Par, se o Governo tem ou não o direito de dizer a um agente do Ministerio publico, que desista de certos direitos da fazenda n'uma dada causa, por isso que o Governo assim o intende (Vozes — Não tem). Essa é muito notavel! Então direi que dessas faltas, ou desses erros estão as secretarias cheias.

Continuou dizendo, que o digno Par é verdade que disso que o Governo tinha mandado suspender a execução de uma sentença do Poder judicial, mas que elle nega esse facto, porque isso é que o Governo não podia fazer, nem fez; mas mandar requerer pelo Ministerio publico perante o Poder judicial, que pelos meios legaes e convenientes se requeresse a desistencia, isso podia o Governo fazer, e é o que fez, sem que tema que o digno Par traga a questão para este terreno, procurando então indagar o que sómente compete, isto é, se Ministro da Fazenda zelou ou lesou os interesses e direitos da fazenda publica. Nesse campo colloca-se bem o digno Par, mas elle Sr. Ministro ha-de sem duvida nenhuma procurar tambem ahi a defeza que julga ter.

Em quanto á questão que o digno Par apresenta, sustenta que o Governo obrou dentro das suas attribuições, e o Juiz respectivo é que podia indeferir o requerimento do Ministerio publico. Para que lhe mandou o Juiz dar cumprimento? (O Sr. Conde de Thomar — Sobre a ordem.) Tem elle Ministro culpa disso? Se a sentença se não executou é por culpa do Governo? Pois um requerimento do Ministerio publico obriga infallivelmente o Poder judicial a revogar uma sentença em execução?

O Sr. Ministro declara-se estranho a estas questões de direito, mas que apezar disso ha aqui muita gente que lhe ha-de achar razão (apoiados).

Disse mais que a questão do digno Par, a em que elle insiste é, em que o Governo invadio attribuições do Poder judicial; estabeleceu um conflicto de poderes, e ainda mais — que o Governo quer os Juizes para seus escravos! Ora realmente! A isto basta dizer, que aos escravos não se requer (apoiados); e o Governo, repetiu S. Ex.ª, o que fez, foi requerer, ou mandar requerer por um agente seu nos termos em que o podia fazer; o que mostra que o Governo reconhece tambem que o Poder judicial estava no seu direito de desattender o requerimento. E disse o digno Par que não sabia para que elle Ministro vinha aqui dizer que o Capellão desta capella é um empregado do Governo! Foi para mostrar que elle não podia intentar uma acção sem se intender com o Governo, e obter deste a necessaria authorisação pois que não se tractava de um negocio seu particular. Aqui está dada a razão do que disse, e a razão porque fez a observação de que o padre era um empregado do Governo, que por este podia ser demittido, assim como era nomeado. Que conseguintemente intende que o Governo nenhum abuso commetteu, e que sómente fez o que podia fazer, por intender que assim devia proceder, para a todo o custo se manter a fé de um contracto feito em praça; e que notasse o digno Par que este é que é o fundamento de tudo, pois dá a sua palavra de honra a elle digno Par e á Camara de que ninguem lhe fallou a favor deste negocio, e por, consequencia está claro que ninguem lhe podia arrancar da secretaria uma Portaria fosse de que ordem fosse. Aqui não houve influencia de nenhum individuo, pois quem unicamente lhe fallou a este respeito, e uma unica vez, foi o padre (em sua casa) e esse já se vê que não influia para isto, porque fallava contra. Ha muitos negocios em que as proprias pessoas interessadas, ou qualquer que tem relações com os Ministros, vem fallar uma ou outra vez, e fazem a sua recommendação, apresentam os seus memoriaes, pedem a brevidade na decisão, etc. Isso sempre aconteceu em todos os tempos, e provavelmente ha-de succeder; mas no negocio de que se tracta, não aconteceu assim; e se não se póde provar o contrario do que elle Ministro affirma, para que é tanta acrimonia em qualificar isto desde logo como um escandalo, um favoritismo, e patronato descabellado!! O Governo promoveu como estava ao seu alcance ajusta e rasoavel decisão deste negocio, declarando-se por parte da fazenda publica a desistencia. O Governo póde ter errado; mas de errar a praticar um acto escandaloso de livre vontade, por mero patronato, vai uma distancia immensa.

Que os Tribunaes não intenderam que se não podesse levantar a casa; não foi sobre esse ponto que versou a sentença, o que esta intimou foi, que se pozessem as grades nas janellas, porque d Capellão fez crêr ao Poder judicial que assim se devia intender; mas a parte contraria intendeu que tendo-se feito a venda sem essa condição, devia ser mantido o direito que dahi derivava, e não sujeitar-se a um novo que se lhe queria impôr. N'uma palavra, que esta questão está esgotada (embora o digno Par pedisse outra vez a palavra): que elle orador dá-se por satisfeito, desde que pensa ter provado que o procedimento do Governo em nada affectou a independencia do Poder judicial, que ninguem mais do que o Ministerio actual deseja que seja mantida, como se deve intender.

O Sr. Conde de Thomar — Tenho ainda de repetir, visto que se altera sempre aquillo que digo: eu não apresentei o negocio como ataque ao Poder judicial, mas sim como ataque á Carta como uma violação das Leis e como um patronato escandaloso, foi esta a proposição que estabeleci e que demonstrei.

Agora o Sr. Ministro da Fazenda ha-de permittir-me que lhe diga incidentalmente que no dia em que eu lhe perguntei se estava prompto para responder a esta interpellação fui ao seu logar pedir-lhe que viesse então preparado para responder tambem sobre a subroga cão do quintal (O Sr. Ministro da Fazenda — Bem, pois eu peço perdão a S. Ex.ª porque não tinha feito maior reparo nisso, aliás não diria que S. Ex.ª não me tinha prevenido). Como S. Ex.ª em todo

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o caso não se póde agora julgar habilitado para tractar desse ponto, esperarei para a occasião mais opportuna e mais proxima que for possivel.

Agora como o Sr. Ministro sobre a outra parte da minha interpellação conclue que estava no seu direito em dar ordem ao Ministerio publico para desistir dos direitos que lhe davam as sentenças passadas em 1.ª e 2.ª instancia sem mais appellação e como caso julgado, comprometto-me a apresentar uma moção.

O Sr. Ministro da Fazenda — Como o digno Par pertende fazer uma moção fundado nas minhas expressões peço-lhe licença para repetir bem aquillo que disse.

Eu não disse que o Governo tinha poder para mandar desistir dos direitos que dá uma sentença, mas sim para mandar desistir perante o Poder judicial dos direitos suppostos á fazenda no caso de que se tracta.

O Sr. Conde de Thomar — O Sr. Ministro falla em direitos suppostos, mas elles são direitos julgados (O Sr. Ministro — A questão não é de julgados). A questão é de desistencia de direitos julgados por duas sentenças (apoiados). N'uma palavra, eu, como me não é possivel trazer os Srs. Ministros ao verdadeiro ponto da questão, e o Sr. Ministro da Fazenda estabeleceu a proposição de que o Governo póde mandar aos agentes do Ministerio publico que desistam dos direitos da fazenda, ainda mesmo quando julgados por sentença (sussurro) comprometto-me a apresentar dentro em poucos dias uma moção acompanhada dos respectivos documentos na especie de que se tracta para que a commissão de legislação dê o seu parecer a tal respeito.

O Sr. Presidente — A ordem do dia para segunda-feira é a discussão dos pareceres n.ºs 214, 215, 216 e 217, sobre as proposições de lei n.ºs 193, 122, 202 e 198 da Camara dos Srs. Deputados. — Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e tres quartos da tarde.

Relação dos dignos Pares presentes na sessão de 26 do corrente.

Os Srs. Silva Carvalho; Marquezes de Fronteira, e de Vallada; Condes do Bomfim, de Fonte Nova, de Mello, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, do Sobral, de Thomar, e de Villa Real; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, de Athoguia, de Balsemão, de Castro, de Fornos de Algodres, de Francos, e de Nossa Senhora da Luz; Barões de Chancelleiros, e de Porto de Moz; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, Silva Costa, Guedes, José Maria Grande, Duarte Leitão, Brito do Rio, Fonseca Magalhães, e Aquino de Carvalho.

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