O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1758

CAMARA DOS DIGNOS PARES

Sessão em 28 de Abril de 1864

Presidencia do ex.mo sr. Conde de castro

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

(Assistia o sr. ministro da fazenda.).

As duas horas e meia da tarde, sendo presentes 50 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da precedente sessão, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio do digno par conde do Avilez, participando o fallecimento de seu irmão Jorge Frederico de Avilez.

Um officio do cirurgião em chefe do exercito remettendo para serem distribuidos pelos dignos pares 60 exemplares do mappa da gerencia da repartição a seu cargo, respectivo ao anno economico de 1862-1863.—Mandaram-se distribuir.

O sr. Secretario: — Sr. presidente, peço a V. ex.ª que queira mandar desanojar o digno par o sr. conde de Avilez.

O sr. Osorio da Castro: — Peço a palavra.

O sr. Presidenta: — Tem a palavra.

O sr. Osorio de Castro: — E para mandar para a mesa uma declaração de voto, e creio que, segundo o regimento, póde ser lançada na acta da sessão de hoje.

O sr. secretario leu-a, e é do teor seguinte:

«Na sessão de 27 de abril de 1864 votei que fosse nominal a votação sobre o requerimento do digno par Augusto Xavier da Silva, para que se julgasse a materia discutida, rejeitei o mesmo requerimento e rejeitei os artigos 17.°, 18.° o 19.°.

«Sala da sessões, 28 de abril de 1864. = O par do reino, Miguel Osorio Cabral de Castro.»

O sr. Presidente: — Manda-se lançar na acta.

O sr. Secretario: — Leu uns documentos remettidos pelo ministerio da marinha e ultramar.

O sr. Marquez de Sá: — Peço a palavra sobre os documentos que acabaram de se lêr.

O sr. Presidente: — Tem V. ex.ª a palavra.

O sr. Marquez de Sá: — Eu li com toda a attenção os documentos impressos que, por pedido do digno par o sr. Osorio de Castro, foram mandados pelo governo, e que dizem, respeito ao transporte do pretos, de Angola para S. Thomé.

Achei n'elles_ certas lacunas que podiam ser preenchidas, segundo me parece, ou com documentos na sua integra, ou com extractos. Este negocio é muito grave porque o governo da Gran-Bretanha sustenta que o referido transporte «j illegal, segundo a interpretação que dá ao tratado, que com elle temos para a suppressão do trafico da escravatura.

No ministerio da marinha o ultramar existem os documentos que mostram as medidas que se têem tomado para se levar a effeito a emancipação dos escravos nas nossas colonias.

Parece conveniente que se torne publico tudo que diz respeito ao negocio em questão. Eu acho que o meio de -evitar reclamações por causa do referido transporte, consiste na abolição completa do estado de escravidão nas ilhas de S. Thomé e Principe. —Peço, sr. presidente, ser inscripto desde já para apresentar um projecto de lei para a abolição immediata da escravidão nas duas ilhas.

Pelo decreto de 14 de dezembro de 1854, referendado pelo sr. visconde d'Atoguia, um dos ministros mais illustrados que tem dirigido os negocios do ultramar, estabeleceram-se regras tendentes á successiva emancipação dos escravos; elle contém tambem um regulamento para o registo d'estes, em que ha excellentes disposições.

Devo aqui dizer de passagem que o sr. ministro da marinha e um sr. deputado muito distincto pelo seu saber, fizeram-me a honra, na outra camara, de attribuir a mim esse regulamento. Agradecendo cordialmente a sua benevolencia, direi que aquelle louvor pertence ao conselho ultramarino e ao sr. visconde d'Athoguia, que referendou o decreto que o tornou legal. Eu só tive n'aquelle trabalho uma parte como membro do mesmo conselho.

O decreto de 10 de dezembro de 1836 prohibia a exportação de escravos em todas as colonias portuguezas; conservou portanto trabalhadores em abundancia na nossa Africa continental e em Timor. *

Nas colonias francezas tias Antilhas e ilha da Reunião, assim como nas colonias inglezas da Mauricia e índias occidentaes, carece-se da importação de trabalhadores da índia e da China, os quaes são obtidos por contratos em que se obrigam a servir ordinariamente durante cinco annos, tendo portanto os seus patrões direito a exigir d'elles trabalho por todo esse tempo. Ora, isto é o que, até certo ponto, succede com os libertos nas nossas colonias, os quaes são obrigados ao serviço durante um certo numero de annos.

As colonias portuguezas da Africa têem uma grande vantagem sobre as colonias das outras nações, porque póde-se ter ali o trabalho por preço muito baixo; resultando d'isto que os generos que n'ellas se "cultivarem, poderão ser vendidos por preços módicos.

Quanto á abolição da escravidão em S. Thomé e Principe, lembrarei á camara que pelo decreto de 29 de abril de 1858 foi determinado que o estado de escravidão ficaria completamente abolido em toda a monarchia portugueza vinte annos depois da data do mesmo decreto.

Quando tive a honra de apresentar esse decreto ao Senhor D. Pedro V, Sua Magestade dignou-se assigna-lo com grande satisfação, o que teve logar no mesmo dia em que em Berlin se celebrava o casamento do mesmo augusto senhor.

Já estão passados seis annos depois da data do decreto, e por consequencia restam quatorze, para que essa humanitária medida tenha plena, execução. Mas no entanto póde-se ir fazendo gradualmente a abolição em alguns pontos como já se tem feito, passando os pretos escravos á condição de libertos, na qual durante um determinado praso de tempo prestarão os mesmos serviços aquelles que são hoje os seus senhores, reservando-se a realisação da indemnisação para quando terminar o praso fixado para a abolição da escravidão. Essa indemnisação poderá ser dada, por exemplo, em inscripções de 3 por cento.

Por este modo poderiamos, sem se empregar agora um só real, declarar libertos todos os escravos que existem nas ilhas de S. Thomé e Principe. Assim, a abolição da escravidão em algumas partes da monarchia portugueza poderá effectuar-se com promptidão. No estado da índia, por exemplo, onde existem muito poucos escravos, póde-se realisar desde já esta medida, assim como se poderá ella applicar ás ilhas do Santo Antão e de S. Nicolau, onde o numero de escravos é muito diminuto.

Na ilha de S. Vicente está já abolida a escravidão ha alguns annos, assim como em Macau; e tambem está abolida por lei nos territórios de Angola situados entre o rio Lifune e o Zaire, que formam o districto do Ambriz. Decretada como está a abolição completa da escravidão, acho que devemos empenhar-nos em ir progressivamente acabando com essa ignominiosa instituição.

Na Africa continental não é possivel por em quanto faze-lo, por isso que reclamaria um grande capital de que não podemos dispor desde já. Não quero tomar mais tempo á camara, reservo-mo para dizer mais alguma cousa sobre este objecto quando apresentar um projecto de lei que estou redigindo para o que já pedi a V. ex.ª que tivesse a bondade do me inscrever.

O sr. Osorio de Castro: — -Peço a palavra sobre este incidente.

O sr Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Osorio de Castro: — Sr. presidente, conformando-mo com o que acaba de dizer o digno par o sr. marquez de Sá, não posso n'este momento deixar de me mostrar satisfeito por ver que o meu pedido, chamando a attenção do nobre marquez, fez com que s. ex.ª se interessasse n'esta questão. Sr. presidente, eu não quiz que se podesse dizer que esta questão era trazida aqui de sobresalto; a camara tem visto a maneira porque ella se tem tratado. Esta questão realmente carece de muita meditação o pausa, por isso que é muito grave, que importa nada menos que a liberdade e trabalho de muitos dos nossos concidadãos. O homem não é propriedade de ninguem, é só de Deus, mas o trabalho é a lei de Deus, imposta ao homem. E se ninguem póde dispor do homem, como de uma cousa, devem as sociedades pôr o homem ignorante em tutela, abrindo-lhe a estrada da civilisação pela lei geral imposta por Deus — a lei do trabalho.

É isto o que precisa fazer-se nas nossas colonias a respeito dos libertos e homens livres. Alguém já disse, sr. presidente, e com rasão, que a nossa vida dependia da manutenção e desenvolvimento das nossas colonias, e que se não olhássemos por ellas nos poderiam um dia ser tiradas, por utilidade geral do mundo. O homem deve pois o trabalho á sociedade para o bem de todos, mas só se deve exigir do homem o trabalho livre e não de escravo. E isto o que o sr. marquez de Sá quer, e eu abundo completamente nas suas idéas.

Emquanto aos documentos acho, como o nobre marquez, que essas lacunas devem ser preenchidas, por isso que ha circumstancias que só podem ser conhecidas cabalmente por esses documentos, os quaes são tambem os que podem fazer avaliar bem a importancia do uma questão tão grave; por consequencia é indispensavel que essas lacunas se preencham, porque do contrario não podemos estudar plenamente a questão.

Eu tenho por costume não pedir aos srs. ministros que mandem a esta camara documentos de que eu não possa usar em publico; quando pedi estes documentos ao sr. ministro da marinha, declarei a s. ex.ª o fim para que eram. S. ex.ª, com a urbanidade e delicadeza que o caracterisa, e para que eu fosse satisfeito com mais brevidade, convidou-me a ir vê-los á secretaria, ao que eu me recusei. Disse mesmo a s. ex.ª que eu desejava que fossem publicados os que viessem, para que toda a camara se podesse interessar n'esta questão, e conhecesse o seu alcance, porque d'ella depende a colonisação o a riquissima cultura da ilha de S. Thomé.

O sr. ministro portanto mandou os documentos que lhe pareceram convenientes; depois d'isto, sr. presidente, V. ex.ª o sabe, perguntei ao sr. ministro se haveria inconveniente em serem publicados estes documentos; s. ex.ª disse-me que não. Fiz esta pergunta, apesar dos documentos terem sido trazidos para a camara, porque eu não queria de fórma alguma suscitar difficuldades ao governo, muito principalmente em questões que podem trazer complicação com o estrangeiro.

As considerações que ao meu espirito se Apresentam n'este negocio, vejo com satisfação que são apoiadas por um digno par tão competente no assumpto como o nobre marquez de Sá, e esta satisfação é tanto mais profunda quanto o meu desejo é estar associado ás idéas do digno par, que tem dado provas exuberantes de que deseja o desenvolvimento o o progresso das nossas colonias.

Para que as lacunas que se notam nos documentos que vieram sejam preenchidas, eu vou mandar para a mesa um requerimento para que no caso de alguns documentos, por sua extensão ou por outra qualquer circumstancia, não poderem ser copiados na sua integra, se tirem d'elles extractos.

O requerimento é do teor seguinte:

«Requeiro que pelo ministerio da marinha sejam remettidas a esta camara, com urgencia, a nota de 24 de abril do ministro inglez e o officio de 8 de janeiro dos commissarios inglezes, a que se refere o § 1.º do documento n.º 32, assim como o officio do nosso ministro em Londres, a que se refere o § 1.° do documento n.º 33, e a nota do ministro inglez, a que se refere o documento n.º 34.

«Sala das sessões, 28 de abril de 1864-.= Miguel Osorio Cabral de Castro.»

O sr. Presidente: — -Manda-se expedir.

O sr. Rebello da Silva: — Mando para a mesa um parecer da commissão dos negocios externos, o qual leio por não ser extenso. (Leu-o.)

O sr. Presidente: — Será impresso e distribuido.

O sr. Filippe de Soure: — Mando para a mesa o parecer sobre as emendas apresentadas aos artigos do projecto que está em discussão.

O parecer é do teor seguinte:

PARECER N.° 339

Foram presentes ás commissões reunidas, de fazenda, administração publica e legislação, as propostas que se offereceram para alterar ou aditar o parecer n.º 351 (assignadas):

l.ª Pelo digno par o sr. Manuel Vaz Preto.

2.ª Pelo digno par o sr. conde de Thomar.

3.ª Pelo digno par o sr. Rebello da Silva.

4.ª Pelo digno par o sr. conde de Thomar.

5.ª Pelo digno par o sr. Silva Carvalho. 5.ª Pelo digno par o sr. Osorio de Castro.

As commissões entendem que a respeito da 1.ª pertence á mesa o propor o artigo á votação do modo que julgar mais conveniente.

Em quanto ás outras, que tendem a alterar as disposições consignadas no parecer, são de opinião que não podem ser approvadas, por subsistirem ainda as rasões que as determinaram, e que serão expostas no acto da discussão.

Sala das commissões reunidas, 28 de abril de 1864.= (Assignados)= Conde de Castro—Vicente Ferrer Neto Paiva = Conde de Thomar (vencido em parte) = Joaquim Antonio de Aguiar (vencido em parte) = Conde d'Avila (vencido quanto ao praso do artigo 1.°) — Augusto Xavier da Silva — Francisco Simões Margiochi—José Maria Eugenio de Almeida — Manuel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco —Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto = Julio Gomes da Silva Sanches—Barão de Villa Nova de Foscoa = Visconde de Fornos de Algodres = Felix Pereira de Magalhães— Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz—José Augusto Braamcamp)—Joaquim Filippe de Soure = Antonio Luiz de Seabra (vencido em parte) —Alberto Antonio de Moraes Carvalho—José Lourenço da Luz.

O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão.

(Tinha entrado o sr. presidente do conselho).

O sr. Marquez de Vallada: = Usou da palavra para se referir a uma proposta de lei que se apresentou na outra camara, ácerca das graças que se conferem aos srs. deputados; e provocou a este respeito uma resposta do sr. Presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho (Duque de Loulé): — Eu não estou prevenido para responder ao digno par ácerca d'este assumpto, porque não tenho presentes todas as disposições do projecto a que s. ex.ª se refere; por consequencia só posso declarar que estou inteiramente de accordo, nem podia deixar de estar, com tal medida; e, se a camara dos srs. de-

Página 1759

1759

putados quizer dar andamento a este objecto, o governo não se opporá, pelo contrario dar-lhe-ha o seu apoio.

O sr. Marquez de Vallada: — Fazendo mais algumas ponderações sobre o assumpto, concluiu declarando-se satisfeito com a resposta do sr. duque de Loulé.

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, que é o parecer que acaba de apresentar o illustre relator das tres commissões. A camara acaba de o ouvir lêr, e parece-me que dispensa a segunda leitura.

Sobre este parecer tem a palavra o sr. Osorio de Castro.

O sr. Osorio de Castro: — Sr. presidente, parece-me que esta minha tão rapida instancia para fallar, dá direito á camara de me applicar n'esta occasião, o que se diz n'um soneto de Bocage.

Eu prometto n'este momento não abusar da palavra. Reconheço o desejo com que a camara está de terminar este trabalho; reconheço a sua insistência; nem isto admira. A camara, quasi toda, tem conhecimento da lei e das emendas que foram mandadas ás commissões reunidas, que se compõem das principaes illustrações d'esta casa; e tão numerosa ficou a reunião das commissões que deram o seu parecer que quasi se podia dizer, ser toda esta camara que estava trabalhando em commissão; isto explica o conhecimento que têem do projecto, e não se póde de fórma alguma inferir que haja da parte da camara outra idéa senão resolver o que por ella já está reconhecido. Mas, sr. presidente, se as principaes illustrações da camara estão tão repassadas do verdadeiro principio do projecto, não admira que eu apresente as minhas duvidas aos mestres, e d'este modo mostre que se não concordo com as suas opiniões é porque tenho uma tal ou qual opinião para me afastar d'ellas; eis o que me obriga a instar pela palavra, significando ainda d'esta fórma, quanto respeito os meus collegas, mesmo afastando-mo de sua opinião.

Sr. presidente, faltaria a um dos meus primeiros deveres, se eu, collocado sempre n'esta camara, em posição muito respeitosa para com todos os meus collegas, a quem presto homenagem e consideração, e igualmente a V. ex.ª a quem tambem devo estima e respeito, se eu não pedisse hoje desculpa á camara do calor com que hontem fallei, mesmo debaixo da observação que V. ex.ª me fez, de que fallava sem me ter sido dada a palavra. E a triste sorte de quem se julga offendido por lhe imporem o silencio, recurso que se traduziria lá fóra em uma apreciação pouco agradavel.

Se os homens publicos devem manter illesos os seus caracteres, áquelles que começam a sua vida publica ainda mais os devem manter, porque, sr. presidente, os primeiros passos que damos em publico, são áquelles que nos servem para sermos apreciados na opinião geral em toda a nossa carreira.

Disse hontem o digno par, o sr. Soure, com tanta auctoridade como delicadeza, o que é proprio de s. ex.ª, que não lhe impressionavam o seu animo os interesses particulares, e que só tinha em attenção os interesses publicos. Eu que discordo da opinião do digno par, que discordo da opinião da commissão, porque foi a commissão que adoptou os artigos addiccionaes d'esta lei, preciso mostrar á camara e fazer conhecer ao paiz que a proposito de interesses, não era verdadeira a censura que implicitamente se fez aos que combatiam esta materia...

O sr. Filippe de Soure: — Peço a palavra.

O Orador: — Estimo que o digno par pedisse a palavra, porque estou persuadido que no animo de s. ex.ª não houve a menor idéa de irrogar censura a ninguem. (Apoiados.)

Mas s. ex.ª com a delicadeza que lhe é propria, devia salvaguardar os nossos deveres, para que não ficasse no animo do publico uma injusta apreciação que nós não merecemos, se alguem precisa mostrar que só olha para os interesses geraes; quem se afasta d'esses interesses geraes, se porventura attende a interesses particulares, parece dever mostrar, que em seu animo tambem não ha suspeição de amisade; não entrarei n'esse caminho, e pela minha argumentação se verá, que ponho de parte interesses geraes e particulares, mas que não posso pôr a justiça e a carta, porque uma e outra são offendidas n'este projecto.

Deploro muito sr. presidente, que seja necessario que todos os dias os homens publicos estejam a justificar o seu voto. Mas veiu-me a lição das palavras do sr. Soure, e mais ainda, das commissões reunidas.

O digno par o sr. José Maria Eugenio de Almeida, que não tenho a honra de ver presente, lembrou-se de addicionar um artigo, que as commissões com muita rasão rejeitaram; mas não tanto, que não deixasse de ver a luz da publicidade; não tanto que não deixasse de vir até na lei, não talvez para ser discutido ou para ser recebido, porque já traz o veredictum contrario da commissão, mas para ser lido em publico, saber-se a origem que trazia, e mostrar que o seu auctor se impossibilitava de tirar interesse da lei que votava. Consequências, sr. presidente, de se fazerem leis de momento, e não em relação a principios e a cousas, mas em relação a interesses e a pessoas.

E pelo menos o que se deixa ver de todo este imbróglio e até da maneira por que esta discussão tem corrido.

Sr. presidente, estas apreciações, perdoe-me a camara que as faça, mas é necessario faze-las hoje, por isso mesmo que não foram feitas hontem, porque me não foi concedida a palavra tantas vezes pedida e pela qual tantas vezes insisti. Estas apreciações é que tem feito talvez lavrar mais no animo do publico ácerca da necessidade dos artigos addicionaes, do que mesmo pelos principios de justiça, que segundo a minha opinião, ficam feridos e o que todos geralmente reconhecem.

Sr. presidente, a camara fez hontem uma lei, e uma lei

Popular, mais popular do que a lei vincular, mais popular o que todas as leis que aqui se tem feito, e a camara fez muito bem; mas eu entendi dever afastar-me d'esta lei, sem temer nem a impopularidade, que podia influir no animo de alguem, de que eram os interesses particulares que me levavam a fazer estas apreciações; porque sr. presidente, eu mostrei na discussão do presente artigo, quaes eram os fundamentos que tinha para o rejeitar. E sr. presidente, tendo feito estas reflexões direi agora á camara quaes são os motivos porque eu rejeito o §, que é a unica cousa que está em discussão. Tenho por consequencia a restringir muitas considerações que tinha a fazer sobre os artigos que já estão approvados e de que a camara não póde tomar conhecimento; mas antes d'isso como não faço tenção de fallar mais n'esta questão, e n'esta parte já a camara sabe que eu não a masso, (riso) direi só, que approvo plenamente o artigo 1.° d'esta lei, e se approvo plenamente o artigo 1.° d'esta lei, n'isto cumpre-me louvar o governo, a quem apoio pela iniciativa que tomou n'este projecto.

Sr. presidente, o motivo porque eu approvo plenamente o artigo 1.° d'esta lei, não hei de cançar a camara com elle, porque já está completamente discutido, e n'esta parte estou plenamente de accordo com o sr. Filippe de Soure, porque este artigo foi discutido triumphantemente; e é minha opinião que tanto os dignos pares que o approvaram, como os que o impugnaram, devem manter a sua opinião, porque cada um de nós deve respeitar a opinião dos outros. Comtudo, sr. presidente, disposições ha, que foram acrescentadas a esta lei, que não vinham no projecto do governo ou da outra casa, e que foram addicionadas por esta camara; póde-se hoje assim dizer, porque esta camara hontem votou os artigos propostos pelas commissões reunidas

Não me importa, sr. presidente, que alguem entenda que d'este facto se podem tirar apreciações menos exactas contra o governo, porque aceitou artigos que na outra casa não admittiu; mas, ainda n'este mesmo caso, na minha consciencia digo, que apoio o governo, porque transigiu no que lhe pareceu que não alterava o pensamento da lei, porque queria dotar o paiz com uma lei que ha de satisfazer as conveniencias publicas e interesse do mesmo paiz. E se ha alguma duvida a respeito da questão de fazenda, sobre os redditos que haviam de vir ao estado, essa duvida fica plenamente sanada com o primeiro passo que nós dermos para a liberdade do commercio e da industria, que se está desenvolvendo tão clara e patentemente, como nós estamos vendo, com o desenvolvimento dos trabalhos publicos.

Sr. presidente, se não destruirmos plenamente estas antigualhas economicas, se não dermos pouco a pouco estes passos para a liberdade economica, se não pozermos a liberdade de industria e de commercio em relação com o desenvolvimento material, que procurámos dar á viação publica, seria aniquilarmos as despezas feitas que por inuteis seriam injustas. Diz-se que talvez tenhamos de recorrer á bolsa do contribuinte, por via da contribuição directa, por isso que esta fiscalisação não produzirá tanto, como o monopolio. Não o neguemos, sr. presidente, póde ser que assim seja.

Mas as novas industrias que se estabelecerem com a liberdade de fabrico e de venda, não são uma nova base de materia tributavel? Parece-me portanto, que ainda aqui os recursos do futuro, não mostram ter rasão tão forte que nos possa convencer.

Sr. presidente, comtudo direi que eu, pela minha parte, não estimaria que o governo aceitasse alguns d'estes artigos e de que não estimaria, a prova é que os rejeitei. Não estimaria porque me parece que foram offendidos os principios de justiça, e eu antes quereria que deixássemos de ter todas as vantagens e beneficios que nos podem prestar esta e outras leis, que uma só vez na minha vida atropellar os principios de justiça.

Parece-me que ainda fizemos mais alguma coisa do que isto; que ainda fomos mais alem do que podiamos ir; offendemos a carta constitucional, que nós juramos manter como principio fundamental da nossa sociedade politica e civil, e que é até um dos fundamentos da nossa sociedade religiosa, se considerarmos que ella determina que a unica religião do estado seja a catholica apostolica romana; por consequencia é um pacto entre o rei e o povo, que reune em si todos os elementos sociaes.

Sr. presidente, vi, e com pasmo, debater a doutrina da expropriação, ainda antes de se terem apresentado argumentos contra ella! Foram architectados argumentos, principalmente sobre uma palavra que ainda aqui se não tinha ouvido proferir por nenhum orador que tivesse fallado sobre a materia, a palavra expoliação, e que só vinha dos individuos que tinham começado a defender o projecto! E certo que esta palavra chegou aos ouvidos de um digno par que tinha fallado sobre a materia, mas eu creio que ella veiu de fóra.

O sr. Conde de Thomar: — Está na representação.

O Orador: — Pois veiu de fóra.

O sr. Conde de Thomar: — Mas está na camara.

O Orador: — Disse-se que, commettida esta espoliação, se reconhecia aos interessados o direito de reclamarem, quando entendessem que' havia qualquer falta de justiça.

Sr. presidente, o artigo 145.° da nossa carta constitucional, no seu § 21.°, diz: (leu) «E garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude, se o bem publico legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será elle previamente indemnisado. A lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção e dará as regras para se determinar a indemnisação».

E nós estamos aqui a fazer uma lei especial para irmos tirar o que? A fortuna a quem a tem.

Diz-se: «Mas essa propriedade é uma propriedade excepcional». Propriedade excepcional! D'esta fórma toda a propriedade é excepcional.

Pois é uma propriedade excepcional a que é baseada sobre um contrato que tem risco a correr?! Talvez que a propriedade territorial seja uma propriedade muito mais excepcional do que esta. A propriedade territorial tem um direito preexistente, e esta só tem o direito de risco.

Dizia-se: « Ataca a carta constitucional a existencia do monopolio ». Voltae-vos então contra os poderes publicos, contra vós mesmos, mas não contra o monopolista que, correndo o risco do seu contrato, debaixo de tão maus auspícios, obteve uma propriedade.

Mas, sr. presidente, diz-se mais: «Que lei vamos nós impor? Que lei é esta? Eu creio que as leis sobre contratos morrem com os mesmos contratos, e que são feitas antecipadamente para habilitarem os governos, para poderem tratar com os contratadores, e só obrigam os contratadores, quando se vêem sujeitar a lei já feita, ou ás condições n'ella impostas; mas nós estamos aqui fazendo uma lei que vae obrigar contratadores de um contrato já findo.

E que vantagem vamos nós procurar, e para quem? E para o estado?

Sr. presidente, o artigo 15.° d'este projecto, fazendo passar toda a propriedade, as machinas, os objectos moveis, os bónus d'esta malfadada expropriação, para novos contratadores, parece não ter por fim senão substituir uns proprietarios a outros proprietarios.

Diz-se: «Nós tratamos de satisfazer aqui a necessidade publica dos fumantes»! Não direi o que se diz no Evangelho: «Homens inconsequentes! porque não sei se serei tambem inconsequente; mas direi que nós respeitamos tanto a propriedade nos generos alimenticios; respeitamos tanto os celeiros de cada cidadão, que mandamos abrir os portos para poderem vir generos do estrangeiro; andamos a fazer despezas importantes, comprando generos para os ir levar a povoações que têem fome, e não dizemos: «Quem tem mais que dê, porque isto de acudir á fome é uma necessidade real.

O fumo é uma necessidade factícia, e para este precisámos inverter principios, atacar a propriedade; não sei, sr. presidente, qual é a necessidade urgente que nos obriga.

Mas, sr. presidente, para que é estar eu aqui a combater artigos que já estão votados?! Isto não é senão mostrar, com os poucos argumentos que apresento, que fiquei n'essa questão gravemente prejudicado, por se não ter discutido a materia devidamente, e foi assim que me obrigaram a rejeita-la. Triste ignorancia a que me levaram!

Ouvi tambem dizer «E a expropriação por utilidade publica!» A carta mantendo o direito de propriedade, diz: «a expropriação só terá logar por utilidade publicai); mas essa utilidade por certo que nem b legislador, nem a camara, nem os jurisconsultos entendem que é pela diminuição de preço; se é ir comprar mais barato, quando eu vou a um mercado e compro mais barato, a utilidade é para mim. Não é isso do que se trata, é de uma necessidade publica que nos auctorisa a irmos tirar a propriedade, que é um direito fundamental de toda a sociedade; seria inutil e absurdo entrar agora na definição do direito em que a propriedade se baseia. Mas sr. presidente, de que maneira? Não sei se se trata de propriedade movei ou immovel, como aqui disse o sr. Soure, o que seguramente se allega na representação, que a esta casa dirigiram os caixas, porque não tive a lembrança de lêr a representação que veiu a esta camara; naturalmente é da propriedade movei, mas tanto uma como a outra tudo é propriedade. Nós mesmos temos uma lei de expropriação, que n'um dos seus artigos auctorisa a expropriação dos moveis, em caso de guerra. Pois que é entrar em casa dos cidadãos, tirar-lhe as suas cavalgaduras e abrir-lhe os seus celleiros para prover o exercito?

E uma necessidade, é q sálus populi. Mas para mim, não me importa que seja movei ou immovel a propriedade, porque reconheço tanto direito á sociedade, em expropriar uma, como outra; aqui não se dá isso.

Haverá talvez apprehensão de que o novo contrato possa ficar sem ter que vender, quando tudo está por ahi regurgitando de tabaco! Não, a questão é de rapé! Foi para esse ponto tão frívolo que acharam, foi, digo, para ahi que a commissão fugiu, dizendo: «E preciso tempo para o fazer, e para que elle não envenene a população». Está-me parecendo que se acaso se propozesse um artigo que dissesse que o governo ficava auctorisado a tratar da expropriação do rapé, d'esta grande necessidade, por algum accordo entre os actuaes contratadores e os que lhes succedessem, haveria talvez rasão e teriamos prestado preito e homenagem ao direito de propriedade. Mas como se fazem as expropriações, quando nós reconhecemos a sua necessidade? E pela lei de 23 de julho de 1850.

Peço aos srs. jurisconsultos que me digam se ha outra lei mais moderna por onde esta materia se regule?, O Sr. Conde de Thomar: — Nos casos extraordinarios.

O Orador:-E quando os casos são extraordinarios, legisla-se d'esta maneira: (leu). É d'esta fórma que se legislou para a expropriação dos terrenos para o matadouro, declarando-se n'esta camara, que era urgente; dizia pois o artigo da lei: «Fica pois declarado urgente e de utilidade publica a expropriação dos terrenos necessarios para,» etc... Mas quanto ás indemnisações, quanto ao processo, tudo ficou comprehendido no que antecipadamente se achava estabelecido pela lei de 23 de julho de 1850.

E como acontece nos casos extraordinarios, e então nesses casos diz-se — é urgente a expropriação; lá está a lei commum. Mas aqui até se diz — é uma expropriação excepcional; aqui noto eu que já apresentei uma emenda, e peço o favor de ser novamente lida na mesa para se ver que ahi se garante ao proprietario o direito que a nossa legislação lhe dá: a commissão acha que não é necessaria; mas eu devo explicar para mostrar que a consideração que se fez não deve valer, porque a minha emenda dizia assim (leu).

Página 1760

1760

Ficando salvo ás partes, os recursos estabelecidos nas nossas leis.

E a carta diz (leu). No artigo 127.° «Nas eiveis (causas) poderão as partes nomear juizes árbitros, suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes». Nós não podemos fazer uma lei contraria á carta. Ora agora — diz o projecto os árbitros decidirão ex cequo et bona; e da sua decisão não haverá recurso algum? Pois qual é a lei em que se póde formar uma resolução tão insólita, permitta-me a camara que assim me explique! A independencia do poder judicial é uma garantia não tanto para o juiz como para a sociedade.

Que cousa mais importante do que o cidadão ser julgado por um poder independente? Pois que garantia melhor para a sociedade ver sustentar o direito de propriedade, do que ser esta julgada por um juiz completamente livre, sobre o qual não influam os poderes do estado? Se esta garantia existe para todos como é que havemos de tirar aos contratadores? Não aos novos contratadores, mas aos contratadores do contrato que findou a quem não temos direito de impor lei alguma, senão as anteriores ao seu contrato, porque a lei tambem não tem effeito retroactivo, pela carta. E porque? Porque; fizeram um contrato que lhes era util?

Nós somos parte e parece que não podemos impor a outra parte um juiz arbitral por similhante fórma. O que se vê na lei das expropriações? Procuram-se todos os meios para evitar que o interesso particular fosse actuar de tal fórma que prejudicasse o interesse publico, o interesse geral da causa publica; por isso se disse — quando a expropriação for decretada por uma lei; nós estamos aqui a fazer lei, mas é preciso observar as formas e garantias que a carta estabelece. Quando se declara a expropriação por utilidade publica suo chamados os interessados a virem combinar com os expropriantes, para que haja cedencia debaixo de certas condições; se não se concordam nomear-se-hão árbitros, dois de cada parte, e um terceiro para desempate que é nomeado pelo juiz, isto é o que se faz sempre como a camara sabe. Aqui é preciso uma garantia tambem de que o governo não ha de actuar, e que a decisão lia de ser de um homem integerrimo. Veja-se que nós vamos fazer duas cousas que contrariam o direito commum. O preço estabelecido pelo contrato dos doze annos seria bom para aquella epocha, mas não o é para hoje que estamos em vespera de transição para o systema de liberdade.

Este deposito devia ser feito primeiramente pelo valor arbitral, reconhecida a utilidade publica, julgada e determinada esta de accordo com as partes, e nós somos partes n'esta materia. Que se diz n'uma expropriação regular? Diz-se entre em deposito o preço, e se não o quizerem receber lá fica perante os tribunaes o direito de litigar.

Mostra cada um, perante os tribunaes, em que foram feridos os seus interesses. Talvez se diga — mas então arriscar-nos-íamos a ficar sem rapé e os fumantes privados de fumar! Não senhor, os consumidores ficarão servidos do sufficiente e do necessario segundo o que fica em deposito, e fica salvo esse direito de recorrer aos tribunaes, direito que não podemos negar a ninguem, porque é um direito que a carta não permitte que se ponha em duvida; é pela observancia da carta que eu pugno, e ainda acima da carta impera sobre mim o respeito á justiça; para aquillo que eu de fórma alguma podia admittir que se fizesse com relação a uma propriedade qualquer, não o possa admittir no tabaco, que póde ser, e é, tinto propriedade de quem o tem. como o fato que temos sobre nós o é igualmente do cada um,.

Eu mando para a mesa a proposta que servo de base á discussão; de mais, eu já disse que esta propriedade nem passa para as mãos do estado, nem para as mãos do publico, nem talvez saia da mão dos contratadores; o que nós sabemos é que no fim, dos dois mezes passa de uns para outros contratadores. Mas, sr. presidente, a camara cansa-se de me ouvir, e eu conheço que tem rasão, agradeço-lhe a benevolencia que até aqui teve em me escutar, e vou concluir para não me tornar enfadonho; direi sómente que o celebre publicista Benjamin Constant, quando tratava das leis especiaes, quando, tratava da applicação das leis de guerra em casos excepcionaes, dizia—no caso excepcional é que nós devemos querer o cumprimento das formulas, porque nos casos ordinarios quasi que ellas não são necessarias. E, assim é, as formulas são uma garantia que dá a sociedade ao, individuo. É na presença dos casos excepcionaes que a attenção publica se presta toda com mais affinco. E diz-se não se póde ser rico á custa do estado.

Sr. presidente, do que se trata e do que se deve tratar é do cumprimento das leis; todos os interesses são legitimos quando se não violam as leis. Dizem os hespanhoes num ditado bem conhecido n'aquella nação: «Las leis las hacem como las quierem:» parece-me que é este o caso exactamente; nós fazemos uma lei em que talvez se possa, provar que vamos alem, do que nos é permittido, porque não podemos proceder de fórma alguma que não seja seguipdo,os principios de justiça, sobretudo regulando-nos pela observancia do codigo, fundamental, que jurámos, e que devemos sempre respeitar e manter a todo o custo, (apoiadas). Diz um digno par: «Mas a culpa de se votar, este projecto é da maioria», e eu pergunto a s. ex.ª: e a opposição em grande parte não tem contraindo a mesma responsabilidade, votando algumas disposições do projecto; não têem estas disposições sido todas apresentadas pela opposição, sustentadas, mantidas e votadas por ella? Que de outra fórma não haveria, maioria para estas injustiças,

O sr. Sebastião José de Carvalho: — Apoiado.

O Orador: — Diz o mesmo, digno par: «Mas a maioria, erra, a maior culpa é do governo que trouxe agora á pressa esta medida.

O sr. Sebastião José de Carvalho: — Apoiado.

O Orador: — Pois se assim é, seja, e vamos todos contra

o governo rejeitando-lhe similhante medida (apoiados); mas nós maioria, que reputámos que o principio é bom, temos a coragem de o dizer com todas as suas consequencias; corrijam-se os defeitos, mas aproveite-se e salve-se é principio. Ainda que seja sacrificio da fazenda, venha a liberdade e venha a justiça; ainda que á sombra d'essa liberdade se enriqueça quem poder enriquecer-se; o que nós não temos é direito de ser injustos. Vozes: — Isso não.

A opposição fez uma grande concessão em votar a lei, mas não se diga que a responsabilidade é do governo, porque a responsabilidade aqui é dos membros das commissões reunidas; é de nós todos que votamos a medida; a responsabilidade do governo acaba quando a medida se lança sobre aquella mesa para nós a apreciarmos; d'ahi por diante não é de ninguem mais se não de nós; e eu tenho a honra de declarar, como declarei já, para ser inserida na acta de ámanhã, que não tomo a responsabilidade do certos artigos do projecto, como o não tomo sobre este paragrapho.

Eu já sabia a resposta que o sr. Soure me havia de dar em nome das commissões reunidas, e não era de certo a idéa de que podesse convencer a camara que me levou a pedir a palavra, mas unicamente o desejo de concorrer para que os trabalhos fossem a meu ver mais regulares; não se tornava a entrar em uma discussão finda, como ha de acontecer.

Eu não podia deixar de manifestar os motivos, porque me afastava do digno par, que é tão habil jurisconsulto; e se o não podesse fazer aqui, havia de ir expor a minha opinião em outra tribuna para o publico a conhecer; por consequencia, sinto que se fizesse o requerimento para se julgar a materia discutida, porque ha uma lei superior á lei escripta, que é a lei que no? obriga a todos, ao cumprimento dos nossos deveres, e ainda que seja incommodo para os dignos pares o ouvirem-me, porque não os instruo, comtudo preciso expender a minha opinião.

Sr. presidente, eu vou terminar, porque não quero cansar a camara, mas sempre direi que a responsabilidade da lei é nossa, e de ninguem mais; o governo só tem responsabilidade para com as suas maiorias. A responsabilidade das alterações regulamentares que se fizeram na lei, é mais da camara dos srs. deputados do que nossa, porque tem de olhar para ás conveniencias do estado, e tem de olhar se os tribunaes terão ou não o direito de executar isto, e acima de tudo está a conveniencia publica de sustentar o governo, porque eu não tenho duvida de me declarar ministerial n'esta questão, que considero immensamente vantajosa para o paiz.

Eu louvo os dignos pares que estão na opposição que é clara e franca, e tão franca e tão clara, que até o sr. conde de Thomar disse: «E um manejo, e não levo a mal esse manejo ao ministerio, mas a opposição ha de responder-lhe com outros e esses manejos todos deram em resultado uma flagrante injustiça.

Sr. presidente, parece-me que tenho dito sufficiente para justificar a minha emenda, que já sei ha de ser rejeitada, porque o sr. Soure de certo vae occupar-se em combate-la, dizendo que se não poderá estabelecer uma nova fórma de processo, que as commissões entendem que não deve ser, etc...

Era por isso que eu queria que a camara fosse consultada, porque queria uma votação expressa sobre o artigo; mas hão de me dizer que se eu queria isso, fizesse uma emenda, ao artigo.

Eu sr. presidente, não sei fazer senão aquillo que quero; ha certos expedientes parlamentares que eu vejo que nunca saberei fazer; eu vejo os que tem a palavra prò a fallarem contra, os que tem contra a fallarem a favor,

Hontem, tinha a palavra sobre a ordem para fazer uma emenda, e cedi-a por uma obrigação de delicadeza, a um digno par que parecia estar ancioso per fallar, que é um jurisconsulto abalisado e experimentado, e o resultado foi votar-se a questão e eu ficar privado da palavra. Foi, talvez uma conveniencia, para, a causa publica, mas eu é que não conheço estas conveniencias, e tenho votado sempre e hei de continuar a votar para que se não abafem, as discussões, assim como, hei de votar sempre em todas as occasiões a favor, da votação nominal.

Eu bem sei que a causa d'isto foi a pressa, mas isto produz apreciações injustas da parte do publico, e dizem-nos que não, temos a coragem de emittir francamente o nosso voto; e eu, novo ainda, na vida publica, em que apenas tenho dado os, primeiros passos, assusta-me tanto esta, idéa, que fiz hoje a declaração que se lançou na acta, ainda mesmo que sobre mim possam caír algumas censuras.

Sr. presidente, nada mais tenho a dizer, e peço desculpa á camara de ter por tanto tempo abusado da sua, bondade.

O sr. José Izidoro Guedes: — Sr. presidente, o estado da minha saude não tem, permittido que eu tome parte n’este debate, comtudo tinha vontade e tinha necessidade de o fazer; porque mal me parecia, que tendo tido a, gerencia do contrato do tabaco por, espaço de doze annos, não dissesse alguma cousa sobre este assumpto. A camara apreciará, de certo que só motivo muito ponderoso, como é a falta de saude me inhibiu, de cumprir mais cedo este dever. Hei de usar da palavra em tempo competente sobre a materia pois estou inscripto; e agora fallarei só sobre a ordem e serei breve visto que a discussão do projecto está já tão adiantada, pois que muitas das suas disposições estão votadas, e por consequencia não há logar para que me possa occupar dellas. Todavia, não posso por esta occasião deixar de dar os meus emboras ao governo pela iniciativa que tomou d'esta medida, porque a existencia, d'este monopolio repugna na época actual (apoiados).

Vamos á questão de ordem para que pedi a palavra.

Eu não entendo bem o que está em discussão; é o artigo primeiro e áquelles que se não votaram hontem por terem emendas affectas ás commissões reunidas, ou é algum artigo especial?

O sr. Presidente;—E o parecer das commissões reunidas apresentado hoje pelo sr. Soure, e que se refere ás emendas.

O Orador: — E o parecer sobre as alterações que se apresentaram. Bem quereria eu que V. ex.ª e a camara me desculpassem, e me ajudassem mesmo, porque receio contrariar os estylos parlamentares, para poder entrar n'esta questão; mas...

Mas não seja a fórma que prejudique a essencia, e vejamos se ha aqui uma questão previa a apreciar, porquanto os principios ensinam que o parlamento não tem auctoridade para fazer lei alguma que esteja em contradicção aos artigos constitucionaes da carta?

O sr. S. J. de Carvalho: — Peço a palavra.

O Orador: — Será uma questão para alguem, para mim não o é, porque sendo constitucional, o artigo 145.°, § 21.°, que garante o direito de propriedade em toda a sua plenitude, estabelece comtudo por excepção as expropriações nos termos previstos no mesmo artigo, da necessidade, e do bem publico, legalmente verificado com indemnisação previa.

É realmente este um artigo constitucional, e não podemos á vista d'elle fazer lei alguma de expropriação por utilidade publica sem o pagamento previo. Ora eu não sei direito, não tive a honra de cursar as aulas da universidade; mas para interpretar um artigo tão claro e terminante, basta saber lêr portuguez.

Vejo que a carta diz, que quando o bem da sociedade exija o sacrificio da propriedade particular, ha de pagar-se antes o seu valor; e por este artigo do projecto o pagamento nem é previo, nem é pagamento, nem mesmo é garantia.

O sr. Ferrer: — Peço a palavra.

O Orador: — Desde o momento em que o nobre membro da commissão, digno reitor da universidade, professor da escola de direito, pessoa a quem tributo toda a consideração, pediu a palavra; eu estou ancioso por ouvir s. ex.ª explicar o que me parece não ter explicação possivel, mas hei-de ouvi-lo e acompanha-lo, se a sua opinião me mover, pois que eu não desejo senão esclarecer a verdade, e antes quero ser convencido de ignorancia do que ver postergados os principios salutares da liberdade.

Parece uma grande ousadia, estou espantado de mim mesmo, como me atrevo na presença da nação portugueza a dizer que as disposições do projecto são anti-constitucionaes; quando esse projecto está assignado por tão eminentes jurisconsultos d'esta camara. Mas a carta no § 21.° do artigo 145.° diz o seguinte: (leu)

Se este artigo é constitucional, como eu entendo que é, parece-me que nós não temos auctoridade para o alterar, porque elle diz expressamente que o pagamento da expropriação ha de ser previo. Parece-me que previo quer dizer anterior, e qual seria o pensamento que dominou este artigo? Desculpem-me os nobres jurisconsultos se metto a fouce em seara alheia, mas não póde ser outro senão conservar o dono da propriedade particular na posse não interrompida da, sua propriedade, ou do seu equivalente. A expropriação é sempre um acto de violencia, que a lei auctorisa quando justificado pela necessidade publica, mas por isso que é um acto contrario á vontade do dono da propriedade expropriada, a lei não quer que elle esteja privado da sua propriedade, e portanto determina que o pagamento d'ella seja previo, não só come segurança, mas, repito, para se não interromper a posse do que cada um possue. Se a expropriação não fosse isto, seria um acto de violencia e de risco, ou mesmo uma expoliação. Vamos ver como no projecto está combinada esta doutrina; sem receio de ser contradictado, parece-me que o projecto colloca os donos da propriedade que for expropriada na situação talvez de risco, de desembolso por longo tempo, e em todo o caso de não pagamento previo do preço da sua propriedade.

Em primeiro logar, perguntarei que auctoridade tem a camara para fazer esta alteração? Eu peço aos dignos pares que ponham, a mão na sua consciencia, e me respondam se esta camara póde approvar esta disposição do projecto?

Ignora-se o valor da, cousa expropriada, e comtudo a camara marca já qual é esse valor, para constituir a caução que manda, depositar nas mãos do governo!

Diz-se—exproprie-se o tabaco, conceda-se por hypothese; mas quanto vale este tabaco? De quanto ha de ser a caução? E uma cousa que a sabedoria da camara não póde marcar, porque não tem nenhuns documentes nem dados para o fazer, e comtudo diz-se que seja a importancia calculada pelos preços dos tabacos que passaram do contrato dos doze annos para o actual.

A camara, sabe qual foi este preço? Sabe quaes foram os tabacos que passaram e que existem? Sabe o valor que ha seis annos tinham esses tabacos e os que tem hoje? Não sabe nada a este respeito; mas offerece-se um arbitrio sem fundamento, que á primeira vista se conhece ser não só deficiente na base, mas deficiente na garantia, e contra-põe-se este arbitrio a um artigo constitucional, que manda fazer o pagamento previo!

Quando se admitta. e principie de deposito, mas nunca caução, comprehende-se que quando ha duvida de preço entre a pessoa, expropriada e p expropriante, se faça o deposito, por uma quantia maior, para que a garantia seja segura, como acontece nas questões que são decididas pelo poder judicial; mas, aqui não é assim, porque a garantia não tem base, é insufficiente e é uma caução feita nas mãos do governo.

O sr. S, J. de Carvalho: — E a maior garantia.

O Orador: — Nas mãos do governo quer dizer onde a acção do poder judicial, não chega, se o governo sob qualquer pretexto se recusasse a entregar.

Página 1761

1761

Mas há mais ainda; o projecto no artigo 19.° não falla em deposito mas sim era caução, e o nosso respeitavel collega o sr. Soure, já disse o que era caução, a qual póde ser de diversos modos ou consignação em deposito ou fiança. Ora esta caução, esta fiança, é feita de accordo ou com a acquiescencia dos proprios individuos a quem se expropria?

Não senhor, é na mão do governo sem o accordo da parte interessada, de modo que é o governo sem missão dos proprietarios, quem aprecia se ella é boa ou não. Nas vicissitudes da vida humana, quem não vê as mudanças da fortuna sempre caprichosa e um risco mais ou menos grande, na fiança de um homem qualquer que elle seja? Pois se essa caução de um dia para o outro se tornasse nulla, essa garantia seria uma illusão, e eis-aqui como seria executado um artigo da carta, que quer que o pagamento seja feito previamente, e note-se como o artigo da carta é completamente... desconsiderado, não sei dizer outra phrase.

Uma voz: — Pôde dizer.

O Orador: — Eu não estou censurando uma resolução da camara.

O sr. Soure: — A reticencia é o peior, é melhor dizer francamente.

O Orador: — Agradeço ao digno par a sua advertencia, mas usarei d'ella como me parecer.

O sr. Soure: — Aa reticencias não são permittidas.

O Orador: — Aqui não ha reticencias, nem ha nada que possa offender directa ou indirectamente a delicadeza da camara nem dos dignos pares, eu queria usar de uma expressão que fosse menos severa (apoiados). Não estou aqui fazendo censura nenhuma, estou tratando da materia do artigo, e peço a V. ex.ª que me faça o favor de dizer se o artigo 19.° já está votado?

O sr. Presidente: — Não está.

O Orador: — Então já se vê que estou perfeitamente na ordem, e digo mais que se eu entendesse que a camara tinha andado mal, havia do respeitar as suas decisões, mas havia de dizer a minha opinião francamente e mesmo propor a reconsideração da medida, o portanto já se vê que não fiz censuras, porque se as fizesse tinha a franqueza de o declarar.

Repito, sr. presidente, que me parece que o § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional, não permitte de modo nenhum que nós façamos uma lei, que está diametralmente opposta a esse mesmo artigo e paragrapho; o portanto, sendo a doutrina d'este artigo constitucional, não nos é dado fazer combinações ou arranjos que no fim de tudo não são o pagamento antecipado, como determina a carta, nem ainda mesmo o deposito não no poder do governo, mas sim no deposito publico onde possa o poder judicial manda-lo levantar, e não haja difficuldades que se opponham a essa entrega, como seria no caso de impossibilidade do pagamento no thesouro, como muitas vezes se tem dado; porque n'este caso o poder do juiz passaria por assim dizer para a mão do ministro.

Eu faço toda a justiça ao nobre ministro da fazenda, estou lhe dando o meu apoio no principio da liberdade que a lei estabeleceu; mas estou tambem expondo as idéas que tenho a respeito de algumas das disposições do projecto, o repito que faço os meus cumprimentos a s. ex.ª por acabar com essa cousa chamada contrato do tabaco. E se o estou apoiando por este facto, não e senão por uma convicção intima, que julgo deve ser partilhada por todos os membros da camara de que e um grande acto de administração publica acabar com a arrematação do contrato do tabaco (apoiados). Esta entidade a que se chama contrato do tabaco, objecto que tem agglomeradas contra si muitas suspeitas, muitas invejas, muitos odios, é uma cousa verdadeiramente impopular. A calumnia levanta-se sempre para suspeitar os homens publicos nas mais eminentes posições sociaes, estes afastam-se e subtrahem-se a resolver os negocios do mesmo contrato.

Se um ministro pratica algum acto de justiça a favor do contrato, as insinuações mais perfidas suspeitam da honra do ministro; se elle ao contrario procede com injustiça, o faz violencia aos contratadores, louva-se o homem independente.

Ministros tem sido victimas, e demittidos por causa d'este malfadado contrato (apoiados) Suppõe-se que elle exerce muitas vezes influencias funestas; as suas liquidações e as demandas a que elles dão causa, eternisam-se Na gerencia do contrato dos doze annos, eu tive por experiencia propria conhecimento de tudo o que avanço, e de muito mais que poderia dizer á camara, e soffri as maiores torturas em ver como o contrato era accusado de grandes influencias, quando elle estava sendo victima das maiores violencias!

No parlamento e na imprensa as mais duras accusações foram feitas ácerca das indemnisações dadas ao contrato do tabaco por occasião da guerra civil de 1846 e 1847; julgou essas indemnisações o meu amigo o nobre conde d'Avila; s. ex.ª dou aos contratadores o menos que podia dar-lhe, foi, seja dito francamente, demasiado severo para com o, contrato, o apesar d'isso os partidos -serviram-se desse pretexto para insultar o governo, e o nobre conde appareceu caricaturado, fumando um charuto de 80:000$000 réis (riso geral). Pois quer a camara ouvir quaes foram os resultados da liquidação, relativa aos seis primeiros annos do contrato dos doze annos, comprehendidas todas as indemnisações e vantagens que lhe foram concedidas? Foi uma perda de 46:000$000 réis nos primeiros seis annos! Eis aqui como se fazem apreciações infundadas. Em fim bastava ver-se a agitação da camara e as resoluções que ella tomou no modo de discutir este projecto, para se conhecer que era negocio com o contrato do tabaco.

Em uma palavra é minha opinião que o monopolio do tabaco não deve mais arrematar-se, não póde, não deve existir (apoiados).

Peço á camara desculpa d’esta divagação, o meu fim é notar os inconvenientes que offerecem as provisões do projecto em referencia ao § 21.° do artigo 145.° da carta, artigo que o parlamento não póde alterar sem poderes constituintes.

Não cansarei a camara com a demonstração da inconveniencia de que o governo seja escolhido para receber o deposito ou a caução. Por circumstancias extraordinarias que se podem dar, o governo póde ver-se em carência de meios, e servir-se do deposito ou da caução que tiver no seu poder, e depois para o restituir passado o anno economico terá de recorrer ao parlamento.

Eu poderia apresentar muitos exemplos d'estes, factos que se têem dado sem offensa dos caracteres que têem estado no ministerio, mas por força de circumstancias extraordinarias que ninguem póde prever. Um só facto mencionarei.

Não vae muito longe a epocha em que entraram na pagadoria de Vizeu quantias superiores as que devia um arrematante de rendas publicas, e para este cobrar uns 6:000$000 ou 8:000$000 réis que o estado recebeu de mais, estabeleceu-se uma consignação annual de 600$000 réis; de modo que para esta restituição são precisos alguns oito ou dez annos.

Será com contingências d'esta ordem que se pretende substituir o sagrado pagamento da expropriação que a carta julga tão previligiado, que quer que seja antecipado?

Sr. presidente, vou terminar, julgo ter provado que no artigo 145.° § 21.°, que é constitucional, se prescreve a indemnisacão previa, no caso de expropriação, &• que a caução nas mãos do governo, nem é pagamento previo, nem mesmo garantia segura da expropriação; o que n'estes termos as provisões do projecto são insustentáveis.

Eu confesso, sem me fazer cargo de outras disposições, que não sei mesmo se será preciso mandar para a mesa uma moção de ordem, o que acho é que isto é uma questão previa que a camara deve apreciar para estar segura de não invadir um preceito constitucional.

O sr. Presidente: — Queira V. ex.ª mandar por escripto a sua proposta.

O sr. Izidoro Guedes: — Eu não tinha tenção de escrever, mas vou cumprir com a determinação de V. ex.ª, esperando que me concederá de novo 'a palavra, se me for necessaria, para sustentar a minha moção, sem prejuizo da minha inscripção sobre a materia, pois que agora só fallei sobre a ordem (pausa).

Leu-se na mesa a moção que é do teor seguinte:

«Proponho que a camara se pronuncie se nas disposições contidas no projecto, sobre o modo de pagamento previo das expropriações excedo os poderes que ella tem, por isso que o artigo 145.°, § 21.° é constitucional e expresso sobre o pagamento previo. = Guedes.»

O sr. Soure e o sr. Ferrer: — Pedem ao mesmo tempo a palavra cobre a ordem.

O sr. Silva Carvalho: — Pede pela mesma fórma.

O sr. Rebello da Silva: — Igualmente.

O sr. Xavier da Silva: —.Para um requerimento.

O sr. Presidente: — A primeira cousa que tenho a fazer é ver se a camara admitte a proposta á discussão (apoiados).

Foi admittida.

O sr. S. J. de Carvalho: — Pode a palavra sobre a ordem, dizendo que já a tinha pedido quando a proposta se estava lendo na mesa.

O sr. Vaz Preto: — Pede a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — Para requerimento está primeiro o digno par o sr. Xavier da Silva.

O sr. Vaz Preto: — Eu queria unicamente pedir a V. ex. que tivesse a bondade do mandar lêr o parecer que hoje deram as tres commissões sobre as emendas que lhe foram remettidas pois não estava aqui quando se leu.

O sr. Secretario leu.

O sr. Vaz Preto: — Deu-se por satisfeito.

O sr. Presidente: — Eu devo dizer que depois de admittida a questão previa caducaram as palavras que se tinham pedido antes (apoiados).

Agora tem para um requerimento o digno par o sr. Xavier da Silva.

O sr. Xavier da Silva: — Requeiro a V. ex.ª consulte a camara se quer que a proposta do sr. Guedes se discuta conjunctamente (Vozes;—Não póde ser), e que finda a discussão se vote primeiro que tudo. A camara resolverá depois de V. ex.ª propor.

O sr. Presidente: — O digno par não póde insistir no seu requerimento porque é do regimento que a questão previa tome o logar da questão principal (apoiados).

O sr Xavier da Silva: — V. ex.ª hade-me permittir o dizer que com quanto eu não seja antigo n'esta casa tenho já visto fazer-se o que proponho, isto é, discutir conjunctamente e votar depois a questão previa antes que se vote a principal. Faça porém a camara o que entender, mas vote-se o meu requerimento.

Entregue á votação foi rejeitado.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ferrer.

O sr. Ferrer: — Sr. Presidente, a minha situação é especial. Proclamado n'esta casa professor de direito publico, e vindo-se accusar aqui de inconstitucional um artigo proposto pela commissão sobre expropriações, a camara hade reconhecer que eu necessito tomar a palavra para mostrar que o não é; porque se o fosse, ou eu desconhecia a verdadeira intelligencia da carta, e era ignorante da materia, o que de certo me não fazia muita honra ou tinha entendido a carta como a entendeu o illustre auctor da proposta, e tinha sido injusto em subscrever ao parecer: este dilema, por qualquer dos lados, era para mim pouco lisongeiro. É por isso que eu preciso, n'este caso, dizer o que entendo a este respeito.

Serei breve como costumo; até porque n'este caso, poucas palavras são precisas para responder ao digno par.

E verdade que o § 21.° do artigo 145.° da carta, diz que para a expropriação ter logar, precederá indemnisação prévia; mas o digno par, apesar de saber lêr tambem como diz, não quiz lêr o resto do § 21.° «A lei marcará os casos em que terá logar esta unica excepção e dará as regras para se determinar a expropriação ».

Sr. presidente, todos sabem que os artigos d'uma constituição, são apenas as condições essenciaes, os principios fundamentaes da organisação politica do governo d'uma sociedade; são como brevissimas theses e não uma exposição ampla, como se deve apresentar nas respectivas leis regulamentares. Assim diz a carta, por exemplo, que o poder executivo concederá cartas de naturalisação, e não diz mais nada.

A vista da generalidade d'estes artigos da carta poderá todo o estrangeiro ser naturalisado? Não. Fez-se uma lei regulamentar para a naturalisação; e n'essa lei estabeleceram-se os requisitos para poder ella ter logar.

Que se fez n'esta lei regulamentar? Desenvolveu-se o grande pensamento, isto é, a base que está no artigo da carta; o n'esse desenvolvimento apresentaram-se condições e requisitos que restringiram e modificaram aquelle principio fundamental.

O que acabo de dizer com relação á lei regulamentar das naturalizações, tem-se feito em todas as leis regulamentares da carta que são muitas. E esta a doutrina dos publicistas. As rasões não são agora para aqui.

Segundo esta doutrina não podemos fazer uma lei, que tiro o seu a seu dono sem indemnisação; mas podemos dar as regras, segundo as quaes, essa indemnisação se ha de verificar. Deduz-se isto dos principios que acabo de expor, e o que e mais, da propria letra da carta nas palavras que já li textualmente das regras para a indemnisação.

E que estamos nós a fazer aqui com esta discussão! Estamos a fazer uma lei regulamentar, dando as regras sobre o modo de verificar a expropriação de que se trata. A camara está pois dentro dos limites constitucionaes, e não se póde com verdade dizer, que o artigo estabelecendo a caução na mão do governo é inconstitucional, e muito mais depois da commissão ter resolvido substituir a caução, termo generico, pelo deposito.

Alterado o artigo como disse, substituindo caução por deposito, não sei como o digno par propoz o sustenta a sua questão previa.

E na verdade a lei geral regulamentar sobre expropriações está feita: é a lei de 23 de julho de 1850, a qual no artigo 50.° diz claramente que póde ter logar o deposito provisorio havendo urgencia da expropriação o passando, feito este, o dominio da cousa para o governo, continuando depois o processo da indemnisação até que a final se verifique effectivamente com a entrega do valor da cousa. A rasão d'esta disposição da lei citada é porque o processo da expropriação póde levar muito tempo; e a expropriação ser urgente e não poder esperar.

Dá-se uma garantia de pagamento ao dono da cousa expropriada; o governo toma posse, o continua o processo da expropriação. Se o valor provisoriamente depositado é maior, o governo levanta o excesso, só é menor, paga o resto. É d'este modo se realisa a indemnisação, consignada na carta, salvaguardando o bem publico, fundamento da expropriação, o o interesse individual, fundamento da indemnisação. Limito a isto as minhas respostas ás observações do illustre auctor da questão previa; porque, vindo prompto para sustentar a constitucionalidade das expropriações, vejo que o digno par abandona já essa questão, limitando a sua questão previa ao modo da indemnisação provia.

Sr. presidente, resta sómente dizer que, estando nós a fazer uma lei regulamentar do § 21.° do artigo 145.° da carta, relativa á indemnisação de que falla a questão previa, a podemos fazer. Estas leis regulamentares são da competencia das côrtes ordinarias. As leis d'esta natureza todas têem sido feitas por côrtes ordinarias. Os poderes constituintes sómente são necessarios quando se trata de revogar ou alterar algum artigo constitucional da carta, caso em que não estamos.

Concluo, sr. presidente, que ainda que o § 21.° do artigo 145.° da carta não fallasse em lei regulamentar, nós podiamos fazer esta do que estamos tratando. O artigo 37.° da carta não falla de lei regulamentar. Estabelece a herança do pariato. E todavia fez-se uma lei que restringiu muito o principio hereditário; e ninguem chamou a essa lei inconstitucional, porque foi regulamentar do artigo 39.°, e as côrtes que a fizeram eram côrtes ordinarias.

Ao digno par que nos disse que sabia lêr o § 21.° do artigo 145.°, e que lhe bastava saber lêr, peço que lhe não escapem as palavras da última parte. E depois de as lêr, appello para a sua consciencia, para a qual tantas vezes appellou, e espero que ha de retirar a sua questão previa.

O sr. Filippe da Soure: — O digno par que me precedeu já respondeu, melhor do que eu o poderia fazer, ás reflexões que se apresentaram sobre esta materia, por isso pouco terei a acrescentar.

Sr. presidente, o digno par que ha pouco mandou para a mesa a sua moção previa, combate como inconstitucional este parecer. Creio que s. ex.ª se equivocou. Eu peço perdão ao digno par; mas queira s. ex.ª reparar que o deposito não se faz nas mãos do governo, mas sim onde se fazem todos os outros depositos. Quando se verifica a caução é que a commissão propunha que este se prestasse nas mãos do governo, porque este então não é parte. A transacção é unicamente entre os contratadores que acabaram e os que entram.

Interrupção do sr. José Izidoro Guedes, que se não ouviu. Então para que fallou o digno par em deposito?

Página 1762

1762

O sr. Izidoro Guedes: — Fallei unicamente como argumento.

O Orador: — Quando se diz n'este artigo que os novos contratadores prestarão caução nas mãos do governo, então não é este parte.

Eu disse na primeira discussão que houve, que não fazia questão sobre ser o deposito feito do mesmo modo. O pensamento é o mesmo, mas concordo em que se dêem todas as garantias.

Os srs. contratadores actuaes é que têem dada uma interpretação mui diversa a este objecto, como se vê na representação que dirigiram a esta camara.

(Interrupção que se não percebeu.)

Eu posso referir-me a esta representação, porque ella foi apresentada na camara, foi presente ás commissões e V. ex.ª mandou-a distribuir na camara para todos os dignos pares tomarem conhecimento d'ella. Disse-se tambem que eu não podia fazer allusões a palavras que não foram aqui proferidas.

Eu posso referir-me ao papel que tenho diante de mim, e que foi distribuido para a camara tomar d'elle conhecimento.

Diz-se aqui que esta doutrina não é conforme com os bons principios do direito consignado na carta! A propriedade que tem os contratadores de qualquer monopolio, não é igual á propriedade adquirida segundo os principios de direito commum e por elles regida; é diversa e até não merece este nome, porque o seu objecto está fóra do commercio, sendo só permittido aos contratadores adquiri-lo para o entregar ao consumo debaixo de determinadas condições. N’isto é que está o sui generis e de que se não podia lembrar Bentham. Para um monopolio não ha leis communs, nem as póde haver.

Os contratadores têem direito a expropriar os donos das cavalgaduras do seu uso, pagando-lhe depois o aluguer. Têem direito a mandar buscar á alfandega os tabacos de quem quer que for pagando-lhos tambem depois pelo preço que se arbitrar; logo porém que passem os generos para as suas mãos, a propriedade passa a ser tão privilegiada que ainda por urgente necessidade publica, e com previo pagamento de preço, lhes não podem ser tirados!!!

Eu não desejo fatigar a camara; todavia não posso deixar de acrescentar ainda mais algumas palavras ácerca das expressões que proferi hontem, ácerca das minhas relações com os contratadores.

Devo declarar que só conheço dois dos actuaes caixas do contrato, e que a unica attenção que lhes devo, e a que me referia, era a de alguma vez lhes haver tomado letras para algumas administrações do Alemtejo; letras que como é de uso lhes pagava no acto mesmo do as receber. Era negocio regular, conveniente para mim e para elles.

Mas quiz-se dar uma interpretação a estas minhas expressões, que ellas não podem ter e eu confesso francamente que estou arrependido de as ter proferido; porque não eram necessarias, e eu evitaria assim que os meus adversarios n'esta questão se mostrassem ressentidos.

Mas podia eu por ventura querer insinuar que, quem não vota comigo, vota por maus motivos?

Eu tinha ouvido dizer por toda a parte que este projecto nascera do odio, e não tivera outro motivo! O digno par tambem ha de ter ouvido o mesmo.

Como o digno par o sr. Eugenio de Almeida e eu tinhamos sido os auctores do projecto, (s. ex.ª mais do que eu, porque em tudo me é superior) como, digo, éramos os auctores, procurei arredar de algum modo a idéa de ser o odio o que o motivara, referindo-me ás attenções que devia aos caixas; nada mais (apoiados).

Agora reconheço que fiz mal. Hei de emendar-me. Os membros do parlamento fallam e votam como entendem, e não dão satisfações a ninguem (muitos apoiados); o parlamento é para tratar dos negocios publicos (apoiados repetidos). Cada um falla e vota como entende, e ainda que seja contra qualquer amigo, cumpre o seu dever, e só praticando o contrario, poderia ter remorsos (muitos apoiados).

O sr. Presidente: — Vae-se ler-se a relação dos dignos pares que hão de ter a honra de cumprimentar Sua Magestade, ámanhã 29 do corrente. Será composta, alem do presidente, dos dignos pares, srs. Condes de Mello; Marquezes de Alvito e de Vallada; Condes, da Ponte de Santa Maria, de Rezende, de Rio Maior, de Sampaio e do Sobral; viscondes, de Santo Antonio, da Borralha e de Condeixa; e do digno par Antonio de Azevedo Mello e Carvalho.

O sr. Presidente: — Eu inscrevi os dignos pares que pediram a palavra para a questão previa, na ordem em que a pediram; mas parecia-me que os devia inscrever prò ou contra, como determina a resolução regimental que ultimamente se tomou; portanto vou lêr os nomes dos dignos pares que estão inscriptos, para saber em que ordem hão de ficar (leu-a).

O sr. Izidoro Guedes: — Eu pedia a V. ex.ª que me concedesse dizer duas palavras á camara, porque talvez com ellas esta questão se podesse evitar. Se a camara me concede o especial obsequio de ouvir duas palavras sobre esta proposta que mandei para a mesa...

Vozes: — Falle, falle.

A questão já se elucidou muito depois da declaração do digno par, e eu até já prescindo... (Sussurro.)

O sr. Sebastião de Carvalho: — Peço a V. ex.ª que me dê a palavra, porque sou a favor. Vozes: — Falle, falle. (Sussurro.)

O sr. Presidente: — Primeiro tem a palavra o sr. Sebastião de Carvalho.

O sr. Sebastião José de Carvalho: —..................

O sr. Presidente: — A sessão seguinte terá logar no sabbado, e a ordem do dia será a mesma que vinha para hoje. Está levantada a sessão.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 28 de abril de 1864

Ex.mos srs. Conde de Castro; Duques, de Loulé e de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Niza, de Sá da Bandeira, da Ribeira, de Vallada, de Sabugosa; Condes, das Alcaçovas, de Alva, d'Avila, da Azinhaga, de Fonte Nova, de Linhares, da Lousã, de Mello, de Paraty, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rezende, de Rio Maior, de Sampaio, do Sobral, de Thomar; Viscondes, de Santo Antonio, de Benagazil, da Borralha, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Monforte, da Vargem da Ordem; Barões, das Laranjeiras, de S. Pedro, de Foscoa; Mello e Carvalho, Moraes Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Seabra, Pereira Coutinho, Teixeira de Queiroz, Barreto Ferraz, Cunha Leitão, Custodio Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, Felix Pereira de Magalhães, Margiochi, Osorio e Sousa, João da Costa Carvalho, João da Silva Carvalho, Aguiar, Soure, Pestana, Braamcamp, Silva Cabral, Pinto Basto, Silva Costa, Passos, Izidoro Guedes, José Lourenço da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Matoso, Silva Sanches, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Fonseca Magalhães, Vellez Caldeira, Vaz Preto, Miguel Osorio, Miguel do Canto, Menezes Pita, Sebastião de Almeida e Brito, Sebastião José de Carvalho e Ferrer.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×