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Passou-se á votação por espheras, e foi o parecer approvado por 35 espheras brancas contra 5 pretas.

O Sr. Presidente: — O artigo 27.° da carta constitucional diz (leu).

A commissão e a camara já se pronunciaram sobre o primeiro ponto de que trata este artigo, e eu desejava saber se a camara quer que sobre o segundo ponto se proceda já á votação, ou que seja primeiro consultada a commissão sobre elle (apoiados).

O sr. Ferrer: — Decidir a camara se o digno par deve ou não ser suspenso do exercicio das suas funcções, é um negocio grave, e a respeito do qual póde haver muitas opiniões pró e contra; e eu desejava que a camara votasse com conhecimento de causa. Por isso proponho que o negocio volte á commissão, para ella dar o seu parecer sobre essa questão. Este negocio é da natureza de crime, e póde haver conclusões hypotheticas; peço por conseguinte que o negocio volte á commissão.

(O orador não reviu nenhum dos seus discursos.)

O sr. Presidente: — Não havendo opposição ao que requer o sr. Ferrer, consultarei a camara sobre se o projecto deve voltar á commissão, para ser consultada sobre a segunda parte do artigo 27.° da carta constitucional.

Consultada a camara, decidiu que o negocio fosse primeiro a, commissão.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, que é a interpellação do sr. visconde de Fonte Arcada.

Não esta presente o sr. ministro do reino, mas vou manda-lo avisar, porque segundo me consta acha-se nos corredores.

(Pequena pausa.)

(Entrou o sr. ministro do reino.)

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

A INTERPELLAÇÃO SOBRE O ESTADO DO PAIZ

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, haverá um mez, ou mais, que o paiz esta vivamente agitado em consequencia da tenacidade do governo em fazer passar os seus projectos sobre impostos e administração, medidas verdadeiramente impopulares, e pela approvação que o parlamento já tem dado a algumas d'essas medidas.

No Porto houve alguns tumultos, e os conflictos suscitados entre o povo e a tropa em que foram feridos muitos soldados e cidadãos, o que todos muito lamentam, foram seguidos pelos desastrosos acontecimentos que se deram nas praças e ruas da cidade que lhe pozeram termo, mas não acalmaram de certo a agitação d'aquella cidade; cidade que, depois de Lisboa, é certamente a mais importante do reino pelo seu commercio, riqueza, illustração, e pelo espirito dos seus habitantes.

Tem havido movimentos de tropas nos diversos pontos do reino, e nomeadamente para Braga; e d'esta cidade, como hontem já constava, marchou alguma tropa para a Povoa de Lanhoso, aonde tinham havido motins; emfim em todo o paiz os animos estão profundamente agitados; é n'estas circumstancias que eu vejo uma proclamação do governador civil do Porto, assignada tambem pelo general commandante da guarnição; esta proclamação, sr. presidente, assignada por estas duas auctoridades, parece me um acto irregular, porque cada uma d'essas auctoridades tem attribuições diversas; e assim confundindo-se agora as diversas attribuições de cada uma com uma só, ficam ambas responsaveis pelos actos que cada uma praticar. Isto pareceme irregular, e póde ter más consequencias.

Sr. presidente, eu vejo que a proclamação teve um fim mais extenso do que aquelle que se lhe attribue (eu peço licença para a ter); dizem os dois srs. governadores da cidade, porque logo que as duas auctoridades estão assignadas na proclamação, este acto pertence a ambas que — o sobresalto em que estes ultimos dias tem estado a população d'esta cidade em consequencia dos tumultos provocados por espiritos desvairados, tem collocado a auctoridade na dura necessidade de os reprimir =; mais abaixo diz a proclamação que —as auctoridades incorreriam em não pequena responsabilidade se não recorressem a todos os meios que a lei lhes faculta, para fazer cessar os disturbios =.

Quanto a esta parte da proclamação não ha nada a dizer, porque as leis lá estão, e as auctoridades devem faze-las respeitar; mas a proclamação não acaba aqui, vejo mais abaixo estas muito significantes palavra, que =a força publica não póde, sem faltar aos seus deveres, deixar de empregar todos os recursos de que dispõe, para de uma vez pôr termo ás desordens e tumultos =, etc.

Isto é uma verdadeira contradicção com as primeiras" palavras; se as ultimas palavras da proclamação querem dizer o mesmo que estas, eram escusadas; mas dizem uma cousa muito diversa, e indicam que se quer lançar mão de um podér dictatorial, e não obrar segundo as leis; mas para que esse podér existisse era necessario que as garantias estivessem suspensas, o que não póde acontecer senão em virtude de uma lei, quando o parlamento esta reunido.

Tudo isto, sr. presidente, mostra que a cidade do Porto esta bem longe de estar socegada; póde estar opprimida, mas socegada não, porque o socego não se adquire por estes meios.

O que se deriva das ultimas palavras da proclamação que «os dois governadores do Porto fizeram é que elles têem em vista outra cousa que se não póde deprehender da primeira parte da mesma proclamação, é que não hão de recuar em tomar qualquer medida que seja, embora as leis a isso os não auctorisem.

Desejava, sr. presidente, que o governo desse algumas explicações sobre o estado em que se acha o paiz. Eu entendo, sr. presidente, que o paiz deve ser socegado, mas não com a espada na mão; quando temos visto vir ao parlamento centos de petições assignadas por muito milhares de cidadãos de que se não tem feito caso, a espada o não póde socegar; entendo, pelo contrario, que para chegarmos a este fim, devemos empregar outros meios adequados ás circumstancias, e mudar um systema que tem tão profundamente desassocegado o nosso paiz.

Concluo, sr. presidente, esperando que s. ex.ª, o sr. ministro do reino, dê algumas explicações a este respeito, e declare qual a intelligencia que s. ex.ª dá a estas ultimas palavras da proclamação, que são muito notaveis «.empregar todos os meios de que dispõem, para de uma vez acabar com as desordens».

Se d'aqui se entende que estes meios são os que as leis facultam, estas palavras eram escusadas; roas não é essa a idéa que bem claramente d'ellas se deduz, é para usar de todos os meios que as auctoridades entenderem, como se a cidade do Porto estivesse em estado de sitio, as garantias suspensas e o poder que lá governa fosse um poder dictatorial.

O sr. Ministro do Reino (Mártens Ferrão): — Sr. presidente, antes de mais reflexões devo afastar para longe da cidade do Porto e da maioria dos seus habitantes a especie de desfavor que lançam sobre ella as palavras do digno par.

S. ex.ª diz que o Porto póde estar opprimido. Ninguem opprimiu o Porto, nem elle é representado pelos individuos que tumultuaram nas ruas (apoiados). Tem sido opinião constante de todos os homens publicos, quando se tem tratado de assumptos da natureza d'este, que essas agitações não são derivadas das povoações, nem n'ellas entram os homens sensatos (que são a parte importante do paiz), e que não passam nunca das ultimas camadas, de individuos que illudidos vem ás praças publicas, não só desacatar e offender a propriedade, como pôr em risco as vidas.

Sr. presidente, o que succedeu no Porto foi uma cousa analoga; foi uma d'estas perturbações que são frequentes e que nem por isso são, nem esta o foi, nem o Porto podia aceita-la como tal, a representação daquella cidade, porque ella é composta de uma população civilisada e importante; e quando tratasse de fazer valer os seus direitos perante o governo não o faria por aquelle modo (apoiados).

Sr. presidente, não avultemos o facto nem as circumstancias, porque n'isto não fazemos um bom serviço ao paiz (apoiados).

S. ex.ª disse que o paiz estava todo agitado; eu declaro a V. ex.ª e á camara que as communicações, que tenho recebido de differentes pontos do reino, é que o paiz não se encontra n'esse estado de agitação que a. ex.ª disse.

(Interrupção do sr. Costa Lobo, que se não ouviu.)

Sr. presidente, nas circumstancias em que o paiz se encontra, em vista das medidas importantes que estão pendentes do parlamento, medidas que influem consideravelmente na vida da sociedade, em vista de medidas tributarias que têem sido e são uma necessidade da posição em que o governo se achou, porque elle encontrou um deficit accumulado de alguns milhares de contos de réis, e entendeu que se se continuasse a recorrer ao credito, correríamos com passos precipitados para a bancarota; e o que nos esperava era uma vida angustiosa e completamente prejudicial ao paiz: em vista d'essas circumstancias, repito, em que se conhece um grande mal, como é o desequilibrio entre a receita e a despeza, é necessario, para regular a despeza com a receita, recorrer aos meios do imposto e das economias, e qualquer d'elles offendem interesses, e não menos as reducções e economias do que o augmento do imposto como todos nós conhecemos, e portanto não é para admirar, sr. presidente, que um certo sobresalto se fizesse sentir; mas esse mesmo sobresalto a que se allude, tem sido muito pequeno relativamente com o que se podia receiar. E sabe V. ex.ª o que tem sido necessario fazer para que se tenha dado essa mesma agitação? Tem sido necessario que as commissões centraes de Lisboa tenham instado uma e muitas vezes com as localidades, dizendo-lhes que tem grande interesse em vir representar aos poderes publicos contra as medidas apresentadas na camara pelo governo, em desconfiar da acção dos eleitos do povo, para poderem, em nome da democracia, appellar para o veto absoluto, contra o qual tanto n'outros tempos combateu a escola democratica (muitos e repetidos apoiados).

Sr. presidente, eu tenho documentos na minha máo em que se prova que primeira, segunda e terceira vez têem sido instadas varias municipalidades para representarem ao poder moderador, a fim de que este negue a sua sancção as medidas que o parlamento votar. Ora, sr. presidente, se a agitação é tão manifesta, se é tão forte o interesse que as localidades têem em pugnar pelos seus interesses, parece que não seria necessaria tanta instancia para que ellas representassem (apoiados); parece que não seria necessario organisar commissões para instarem com os interessados para que façam representações que, ainda assim, apesar de se proceder d'este modo, são muito pouco numerosas e mui raras as assignaturas, com relação a grande massa do paiz. São estes, sr. presidente, os documentos que se andam distribuindo por todos os angulos do nosso paiz em nome da grande reunião de todo o povo, ou de quasi todo o povo, reunião que todos vimos as proporções que teve; são estes os documentos que eu tenho no ministerio a meu cargo, e que são bem conhecidos de todos.

Sr. presidente, quando os paizes se encontram nas circumstancias em que se acha o nosso, e que têem necessidade de progredir incessantemente para poderem alcançar o desenvolvimento que outras nações já têem alcançado; quando qualquer paiz se encontra n'estas circumstancias, tem de redobrar os seus esforços para recuperar o tempo perdido. E o que nos acontece. Temos as nossas finanças em um estado muito pouco lisonjeiro. Temos a administração publica de uma maneira, que não podemos deixar de attender a ella com o maior cuidado, porque se o não fizermos, muito mais difficil será de futuro colloca-la na altura em que deve estar. Nós temos a segurança publica em um estado que não descreverei, mas sobre o qual posso citar as palavras proferidas ha dez annos n'esta casa por um digno par, que ha pouco pediu a palavra. Ha dez annos, discutindo-se n'esta casa os tumultos que tiveram logar por causa do pão barato...

O sr. Eugenio de Almeida: — Mas quem os defende?

O Orador: — O digno par, que provavelmente usará da palavra depois de mim, levantava-se n'essa occasião n'esta casa, lamentando que não tivessemos organisada a policia de modo que fôsse garantida a segurança publica; lamentou que não tivessemos gendarmaria, quando isso acontecia já até em Constantinopla; e dez annos depois, sr. presidente, eu vejo, pelo contrario, em vez de ai reconhecerem estas necessidades, instar as municipalidades do paiz para que representem contra essas medidas de administração que se discutem no parlamento, e que não têem outro fim senão satisfazer a essas necessidades, nem têem originalidade nenhuma, porque não são mais do que transumptos do que se passa lá fóra. Dez annos depois, sr. presidente, repito, insta-se com as municipalidades para que venham representar contra as medidas que se discutem, pedindo aos poderes publicos que não dêem o seu voto a medidas que ha dez annos eram reputadas boas, necessarias e momentosas!...

Mas, sr. presidente, n'estas circumstancias, quando a fazenda carece de receita e largas economias, quando a administração necessita ser remodelada em pontos importantissimos, dando mais vida ás localidades para que ellas possam attender melhor aos seus interesses; quando é necessario organisar a policia e cuidar da segurança publica; quando é preciso tratar de estabelecer as nossas relações diplomaticas e colloca-las no pé em que devem estar; quando se trata de alargar as nossas relações commerciaes com as outras nações; quando tudo isto se apresenta á téla da discussão e á apreciação do paiz, não é para admirar que um certo sobresalto appareça. Mas a verdade é que esse sobresalto não se apresentou geralmente, porque V. ex.ª e a camara sabem perfeitamente que, alem dos tumultos occasionados e provocados por uma circumstancia toda local que se deu em relação ao Porto, o resto do paiz esta socegado. E ainda mesmo que algumas manifestações se tenham apresentado, não são para contestar todos os principios de administração seguidos pelo governo, mas só para pedir refórmas em um ou outro ponto. Já se vê portanto que o paiz não esta agitado, nem mesmo tem havido movimentos de tropas dignos de reparo. O unico movimento que houve foi o mandar-se um corpo de tropas para a cidade do Porto; e isto não era para admirar, por isso que havia n'aquella cidade tumultos populares, e era conveniente haver ali mais força. Emquanto ao movimento de destacamentos, é isso uma cousa tão usual, tão frequente, e que esta succedendo todos os dias e em todos os pontos, que tambem me parece não deveria ser notada. Alem d'estes movimentos não sei que houvesse outros.

Agora pergunto eu — em que outros pontos do paiz tem sido alterado o socego publico de maneira que revele estar a opinião publica revoltada contra as medidas do governo e contra a administração do paiz? Em parte nenhuma, nem mesmo na propria cidade do Porto. E o que houve no Porto? Toda a gente sabe que os tumultos foram o resultado de um conflicto que se deu entre algumas pessoas do povo e a policia, e que se não generalisou, porque os mesmos que fazem opposição ao governo foram os primeiros a reprovar os motins que se estavam dando. Foi necessario fazer uso da força armada para obstar a estes tumultos; fez-se uso d'ella a tempo; mas nunca se empregou sem que primeiro se procurasse convencer os desordeiros de que se deviam aquietar.

Sr. presidente, eu recordo-me ainda, pelo que presenciei e pelas discussões que então tiveram logar no parlamento, do que se disse e do que se julgou quando Lisboa esteve sujeita, pelo espaço de tres dias, a motins populares, em 1856. Eu lembro-me que por essa occasião vozes muito auctorisadas se levantaram n'esta casa, e lastimaram o estado de anarchia em que tudo se achava, acrescentando que a força publica estava de braços cruzados ante os revoltosos, deixando a vida e a prosperidade do cidadão á mercê dos aventureiros. Foi o digno par, que se me ha de seguir, que assim fallou em 1856. Eu autorizo-me com uma opinião illustrada, para as reflexões que faço n'um assumpto que tanta analogia tem com aquelle de que nos occupâmos.

Sr. presidente, o governo e a auctoridade administrativa do Porto cumpriu o seu dever obstando a que a revolta assumisse grandes proporções; e tanto isto foi reconhecido por toda a gente que, repito, os homens que fazem opposição ao governo, os homens que nada têem a ganhar com as revoluções, reprovaram estas manifestações populares, e collocaram se do lado da auctoridade administrativa, aconselhando aos revoltosos a que, se quizessem representar contra qualquer medida do governo, o fizessem por escripto, mas não tumultuando nas praças, como ali estava fazendo um insignificantissimo numero de pessoas em relação á população do Porto; e não consta das partes officiaes, note a camara bem isto, que um só homem, de uma certa representação, tomasse parte nos tumultos.

Eu bem sei que todos são iguaes perante a lei, em relação aos seus direitos, mas nem todos têem a mesma posição social, a mesma responsabilidade de opinião, a mesma influencia na sociedade. Mas, dizia eu, não consta das partes officiaes que um só homem que tivesse a perder, que representasse uma opinião politica pronunciada, se encontrasse compromettido, ou fosse preso na occasião dos tumultos.