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Não posso; nem devo ír mais avante n'este ponto. Posso porém affirmar, a V. ex.ª e á camara que a tranquillidade está mantida e assegurada na cidade do Porto; e affirmo isto tanto quanto posso pelas informações officiaes, e tambem pelas particulares que tenho tido de diversos cavalheiros com quem me tenho entendido em relação a este negocio.

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

Sr. presidente, a proclamação a que se referiu o digno par contém, é verdade, a assignatura da auctoridade militar e a da auctoridade administrativa do Porto. S. ex.ª notou que estas' duas auctoridades administrativas tivessem proclamado ao povo do Porto, aconselhando-se a que não auxiliasse os desordeiros, ou por outra, convidando-o á ordem e ao respeito ás leis. Direi primeiro, em resposta ao digno par, que o terem assignado as duas auctoridades essa proclamação, ou te-la assignado uma só, é cousa completamente indifferente. Como todos sabem, a segurança publica, a policia não esta organisada convenientemente entre nós, e as divisões militares tomam grande parte no serviço policial do paiz. Em quasi todo o reino, mesmo nos pontos mais importantes do paiz, a policia é feita pela força armada, a requisição, é certo, da auctoridade administrativa, mas debaixo do, commando dos generaes de divisão ou commandantes de corpos. No Porto dá-se o mesmo, pela indole da nossa organisação, pela posição em que sempre se têem encontrado os generaes de divisão, que têem a seu cargo uma tão importante parte' do serviço da segurança publica.

Debaixo d'este ponto de vista a assignatura do general de divisão n'esta proclamação é uma cousa regular, que não póde merecer nenhuma objecção ou censura. Podiam te-la os termos em que esse documento se achasse redigido, se esses termos, por qualquer modo, tivessem o valor que lhes quiz dar o digno par. Diz-se n'esta proclamação, edital, ou como lhe queiram chamar (leu).

Sr. presidente, quando uma auctoridade diz que ha de recorrer aos meios que as leis lhe facultam esta completamente nos restrictos limites da legalidade. Mas, mais abaixo diz-se n'este documento: «E por isso...» Isto é a consequencia do periodo anterior, ao qual está portanto subordinado (leu).

«De todos os recursos de que dispõe.» De que recursos dispõe a auctoridade senão dos recursos que lhe facultam as leis? Isto é claro; e é querer forçar muito (e não se póde forçar muito a intelligencia d'este periodo) concluir d'estas palavras que ellas indicam completamente o contrario do que consta do periodo anterior, de que elle é uma consequencia subordinada.

A auctoridade póde actuar dentro das attribuições que a lei lhe prescreve, e por isso diz que = empregará todos os recursos de que dispõe =. Quaes são os recursos de que dispõe a força publica? São os de que póde usar dentro dos termos da lei. Não é possivel, sem torcer completamente o sentido d'este documento, dar a estas palavras, uma intelligencia contraria á do periodo anterior, a que, este esta subordinado, como acabei de dizer.

Sr. presidente, fallou-se em suspensão de garantias. Pois para usar dos meios repressivos, na occasião em que os tumultos se apresentam nas praças, é preciso suspender as garantias? Quem fallou em suspensão de garantias? Trata-se unicamente de uma questão de segurança publica, uma questão puramente local, que se póde resolver sem ser necessario saír fóra do circulo regular das leis. Deus nos livre que a carta constitucional, a lei politica do paiz, quando houvesse necessidade de manter a segurança publica, de fazer respeitar as leis, de assegurar a vida e a propriedade dos cidadãos, não tivesse em si recursos sufficientes para assegurar esses bens, e fosse necessario armar a auctoridade de poderes dictatoriaes! Dentro da carta, dentro dos limites legaes, ha meios sufficientes para se fazer manter a ordem e o respeito ás leis; e se não os houvesse, a carta seria um codigo incompleto. Circumstancias extraordinarias ha em que é necessario recorrer a meios tambem extraordinarios, mas essas circumstancias não se deram no caso que faz o objecto d'esta interpellação. Quando ellas se dão, tem de recorrer-se á suspensão das garantias. Mas, como digo, não é este o caso.

Sr. presidente, acresce alem d'isso a sensatez e prudencia de que estas auctoridades, tanto a administrativa como a militar, têem dado provas; uma pela maneira cordata e illustrada com que tem administrado diversos districtos do paiz, como provam as sympathias que tem adquirido dos seus administrados; e a outra, encanecida no serviço publico, juntando á sua grande prudencia o brio e pundonor 'militar, como tem demonstrado na sua longa carreira publica. Basta isto para se ver que ellas não quereriam destruir n'um momento todos estes elementos que devem entrar na apreciação do seu procedimento.

Não se póde dizer que estas auctoridades, proclamando nos termos que o fizeram, a bem da ordem e da segurança publica, assumiram poderes dictatoriaes e obraram como se as garantias estivessem suspensas. Não estão; nem é necessario suspende-las, porque a acção da opinião publica é muito forte, para que deixe chegar as cousas n'este paiz a Um estado anarchico, que legitimaria então medidas extraordinarias.

Sr. presidente, perguntou o digno par o que tinha occorrido em Povoa de Lanhoso. Devo responder que recebi hoje communicações ácerca do que ali occorreu, e que vi cartas particulares de individuos muito respeitaveis. Vinte ou trinta homens do campo entraram na Povoa de Lanhoso, capitaneados por um alfaiate, homem conhecido já por desordeiro, pois que por mais vezes tem praticado d'estes actos; entraram, digo, dando vivas á religião, ao monarcha, e abaixo os novos impostos e os pesos e medidas. Conservaram-se algum tempo dentro da povoação, porque o administrador do

concelho não se achava n'aquella localidade, e mais. tarde, sabendo elles que se tinha requisitado tropa, dispersaram, sem terem commettido nenhum acto de violencia.

Sr. presidente, não é a primeira vez que isto acontece; e eu, que não sympathiso com estes acontecimentos, sinto, e sinto deveras, que elles se dêem; mas é preciso saber-se que factos d'esta ordem têem occorrido n'outras occasiões, sem que tenham dado causa a suppor-se que o paiz esteja em estado de agitação. N'esta mesma localidade já se deu um caso identico; e ha dois annos, em Torres Vedras, um prejuizo popular, lançado entre o povo, fez concorrer áquella villa os povos serranos, e houve ali uma luta que, felizmente, não se deu agora na Povoa de Lanhoso.

São estes os acontecimentos que o digno par notou, e sobre os quaes pediu as explicações que estou dando.

Sr. presidente, dizendo isto é preciso fazer chegar a todas as classes da população o convencimento de que as medidas propostas pelo governo são uma necessidade de administração, que não ha melhoramentos sem sacrificios, e que estes sacrificios são compensados por vantagens na proporção de 100 por 1.

Sr. presidente, acreditando que este convencimento cada dia se ha de generalisar mais por todo o paiz, tenho as maiores probabilidades de que o socego publico não será alterado, e não podemos nem devemos, por credito nosso e do parlamento; exagerar acontecimentos que não têem o valor que se lhes pretende suppor. O que concorre para o progresso e a ventura do paiz não é o fazer-se acreditar que estamos á beira de uma revolução, quando não ha motivo para ella, querendo actuar sobre os poderes publicos, e mais do que tudo, sobre o credito do paiz nos paizes estrangeiros, pois que isso póde produzir graves resultados que redundam em perdas muito consideraveis.

Sr. presidente, eu tenho o convencimento de que a paz e a ordem publica não serão alteradas, e oxalá que elle seja igualmente o de todo o paiz (apoiados).

Se for necessario dar mais algumas explicações eu as darei.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Eugenio de Almeida: — Sr. presidente, eu julgarei superfluo pedir ao sr. ministro do reino mais amplas explicações a respeito dos ultimos acontecimentos do Porto. S. ex.ª já deu todas as informações que entendeu podia dar a similhante respeito, e até as acompanhou de extensos commentarios.

Houve disturbios nas ruas do Porto. Se no meio d'elles appareceram excessos e actos criminosos, não os podemos avaliar aqui. Não podemos ser juizes sem ter presente O processo, e sem ouvir os interessados. E natural que no meio d'esses disturbios houvesse excessos da parte do povo, e tambem da parte da auctoridade. Se houve crimes, se houve desacato ás leis e á auctoridade, todos os homens de bem condemnarão taes actos. E nós, que representámos aqui a auctoridade publica, devemos lançar sobre elles o mais severo estygma (muitos apoiados).

A opposição democratica condemna mais energicamente ainda, se é possivel, todos esses motins e tumultos. E a maior das iniquidades é, sem duvida, a de a reputar complice em actos, que são unicamente obra da homens turbulentos ou malevolos que apparecem sempre em todas as agitações das praças (apoiados).

Mas julgando assim este ponto, examinemos por alguns momentos uma questão que surge no meio dos acontecimentos que tiveram logar no Porto.

Tem ou não o cidadão portuguez o direito de se reunir pacificamente para discutir os negocios publicos?

É ou não esta uma das liberdades essenciaes para a vida dos povos livres?

Acata o governo este direito e esta liberdade como devem ser acatados?

São estas as perguntas que naturalmente temos direito de fazer a um governo, que parece, pelos actos que ordenou para o Porto, querer punir uma cidade inteira pelos disturbios em que poucos tomaram parte, e que todos promptamente condemnaram.

Se pois isto é verdade, como o proprio governo ha pouco acabou de declarar; se a grande maioria da população do Porto é estranha áquelles disturbios, é-nos permittido julgar que o governo, quando deu ordem para se dissolverem as associações populares do Porto, não foi porque as reputasse complices nas perturbações das praças, mas porque quiz aproveitar esse pretexto para fazer calar a voz d'essas associações que, condemnando os actos do governo e mostrando os inconvenientes do seu systema, o incommodavam tanto.

O orador passou então a examinar uma expressão do sr. ministro do reino, que dissera que a agitação que se observava no paiz era obra de algumas pessoas, que a promoviam. A isto respondeu o orador que n'este facto nada havia de estranho e que não se observasse em todos os povos livres. Os meios de propaganda e de persuasão são em toda a parte empregados pelos homens que, têem convicções fortes e desejos de que os outros as abracem. Não são poucos os meios de propaganda que o governo emprega sempre, mas principalmente quando nos actos eleitoraes procura dar a victoria aos seus candidatos. Quando esses meios são legitimos, o uso d'elles não é mais do que, o uso da vida constitucional do governo ou dos cidadãos.

O governo julga ficticia a agitação do paiz. Fixemos sobre esta palavra as nossas idéas para nos podermos entender bem. Se se trata da agitação das praças e dos tumultos das ruas, de que eu proprio já fui victima, como o foram muitos dos nossos collegas, que se sentam n'esta casa, o illustre duque de Loulé, o illustre conde da Ponte e outros mais; se se falla á essa agitação baixa e irracional, que só serve para comprometter as boas causas ou para adiar o seu triumpho, essa sem duvida é ficticia, porque é obra de malevolos, e as obras d'elles são frágeis e impotentes.

Se porém se falla da agitação do espirito publico, que se preoccupa e assusta com o estado deploravel a que chegou a fazenda publica d'este paiz, negar que similhante agitação exista, só o póde fazer quem fechar os olhos e os ouvidos a tudo o que se passa em roda de nós.

Quando se vê um deficit de 8.000:000$000 réis (e Deus sabe se é maior ainda, porque o deficit verdadeiro só se conhece quando o parlamento julga as contas de um exercicio findo, e esse acto, sem o qual não se concebe o regimento constitucional da fazenda publica de um paiz, ainda nenhum parlamento portuguez o exerceu desde 1834 até hoje); quando se considera que a nossa divida é de réis 250.000:000$000; quando se vê que a cobrança dos rendimentos publicos ainda não excedeu em exercicio algum a somma de 16.000:000$000 réis; quando se pensa no que ainda ha a fazer para supprir o muito que falta nas duas grandes necessidades do paiz — a instrucção primaria e as estradas—, e se sente que para tudo isto nos faltam os recursos; quando vemos triumphar na Europa uma theoria moderna de politica, que ensina que as pequenas nacionalidades devem desapparecer sem que possamos oppor a essa doutrina funesta a força que tem sempre um paiz, embora pequeno, mas ao qual a liberdade e a boa administração dão força e dignidade, que inspira o respeito; quando se vê tudo isto, e se observa que continua cora progresso delirante o curso de todas as causas que produziram este estado, negar a agitação do paiz, é negar-lhe o senso commum para pensar e a sensibilidade para sentir.

(Os srs. visconde de Chancelleiros, visconde de. Gouveia, visconde d'Algés e marquez de Vallada pediram todos a palavra.)

O orador I disse que entrára n'este desenvolvimento para não deixar passar sem observações o julgamento tão solemne e tão affoito que o sr. ministro do reino fizera a respeito da opinião do paiz; mas que não perdia de vista que o principal fim, para que pedíra a palavra, fôra para defender um direito que, na sua opinião, era o meio mais efficaz de pôr termo á desgovernação que leva este paiz á sua completa ruina, o direito de reunião dos cidadãos para examinar e discutir os negocios publicos.

O orador passou a desenvolver muito extensamente as diversas rasões em que se fundava esse direito.

Disso que, embora elle não estivesse expressamente reconhecido na carta constitucional, como estava na constituição de 1838, comtudo elle fazia parte integrante, e, para assim dizer, complementar de todos os direitos constitucionaes que a carta nos garantia.

Como podiam os cidadãos exercer o direito de petição sem antes se reunirem e combinarem as formulas dos seus pedidos e as rasões para os fundamentar?

Como podiam escolher os deputados que representassem as suas idéas e os seus principios sem que os eleitores reunidos verificassem primeiro a communidade dos seus pensamentos, e depois tratassem de procurar os candidatos que os podiam representar?

A imprensa é o direito de dizer a todos pela escripta o que cada um pensa. A reunião é o direito de a dizer pela palavra. O direito é o mesmo, só a fórma é differente.

Olhemos para a Inglaterra, disse o orador, para esta patria da liberdade moderna; vejamos como ali é exercido e respeitado este direito, como tem sido fecundo, como ali todas as revoluções são pacificas, como as maiorias do paiz formam as maiorias do parlamento, como o governo não oppõe a essas reuniões os severos poderes de que esta armado contra os abusos d'ellas.

Olhemos para a Hespanha, onde o governo não vê em qualquer reünião pacifica senão um pelotão de inimigos, que por muita mercê não manda arcabuzar logo.

E digam depois qual d'estas duas cousas preferem.

O governo tem, ninguem o nega, o direito de corrigir todas as demasias das reuniões politicas; tem o direito de punir os seus actos quando forem criminosos. Mas não deve exercer sobre a palavra proferida uma censura previa, como não póde exerce-la sobre a palavra escripta, sobre a imprensa. Não comprima os desabafos innocentes do paiz, evite que elles suffocados e amontoados possam degenerar em cholera.

Não tenha dois pesos e duas medidas para governar gente livre. Não permitta que os seus amigos e adeptos se possam reunir aqui na presença do governo, e com o concurso d'elle; no Porto e onde quer que é que tem amigos, e que ahi discutam sobre os negocios publicos tudo quanto lhes parecer; e não dissolva, não intimide, não injurie homens que têem o mesmo direito, mas que julgam por modo differente os actos d'esse governo. Seja a lei ou a applicação d'ella igual para uns e outros. Temos todos os mesmos direitos. Não admittimos privilegios dados por mercê ministerial.

Uma declaração, sr. presidente, devo fazer antes de terminar estas poucas observações. Se é energica de mais, se é ousada em excesso, não me atrevo a dize-lo. Sei que não é dita para provocação ou insulto, mas para exprimir com franqueza uma convicção profundamente arreigada.

Eu vou repetidas vezes a uma reunião politica, onde pares, deputados e cidadãos de todas as classes examinam e discutem os negocios publicos. Nunca ali ouvi a expressão de uma só idéa que levasse á infracção das leis ou ao desacato das auctoridades. Se o governo me prohibir que me reuna com os meus amigos, emquanto o seu procedimento for o que tem sido até hoje, hei de desobedecer ao governo, hei de pedir-lhe que me traga a esta camara, não para me sentar n'esta cadeira, mas ali no meio da sala, no banco em que se sentam os réus, hei de pedir aos meus collegas que me julguem; e se elles me condemnarem, ficarei então