O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1368

1368

CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 1 DE MAIO DE 1867

PRESIDENCIA DO EX. MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios os dignos pares

Marquez de Vallada

Reis e Vasconcellos

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a

Presença de 30 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Presidente: — Acabo de receber uma participação do sr. ministro do reino, que remette a esta camara a res posta que vou ter, e que foi dada por Sua Magestade á allocução que teve a mui subida honra de fazer lhe a deputação da camara dos pares, que no dia anniversario da autorga da carta constitucional foi ao paço apresentar as suas felicitações e homenagens ao mesmo augusto senhor.

(Levantou-se a camara para ouvir a leitura, que fez o mesmo sr. presidente, da resposta de Sua Magestade, a qual se acha publicada no Diario de Lisboa n.° 96, de 30 de abril ultimo.)

(Continuando.) A camara quererá que na acta se lance ter sido ouvida com o maior respeito e satisfação a resposta de Sua Magestade (apoiados). t

O sr. secretario marquez de Vallada mencionou a seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio da marinha e ultramar, remettendo para o archivo o autographo do decreto das côrtes geraes de 26 de março ultimo, pelo qual é auctorisado o governo, emquanto se der alguma vacatura no quadro dos segundos tenentes da armada, a admittir aspirantes extraordinarios, estabelecendo o vencimento d'estes, e augmentando os dos aspirantes do quadro. Teve o competente destino.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a extincção dos seis logares de inspectores das alfandegas, creados pelo artigo 16.° do decreto com força de lei, n.° 1, de 7 de dezembro de 1864.

A commissão de fazenda.

Leu-se um projecto da commissão administrativa da camara, auctorisando o governo a satisfazer á mesma commissão certa quantia, alem da já mencionada na lei de despeza, com applicação a pagamentos que no mesmo projecto são especificados.

Foi remettido á commissão de fazenda.

O sr. Conde de Peniche: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação do concelho de Cintra contra a lei dos impostos indirectos.

Teve o destino conveniente.

O sr. Menezes Pita: — Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação:

«Desejo interpellar o sr. ministro da fazenda sobre o imposto das portagens nas estradas da provincia do Minho. »

Peço a V. ex.ª queira ter a bondade de a fazer expedir.

Lida na mesa, expediu se.

O sr. Presidente: — Nenhum digno par mais pediu a palavra, vae portanto entrar-se na

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

DISCUSSÃO DO PARECER H.' 152

Senhores. — Foi presente á vossa commissão de legislação o processo crime sobre duello, remettido a esta camara pelo juiz de direito do 2.° districto criminal da comarca de lisboa, processo no qual, entre outros cidadãos, vem pronunciado como complice a prisão e livramento o digno par do reino Eduardo Montufar Barreiros.

A vossa commissão, depois do mais reflectido exame, e Visto os artigos 27.° e 41.* da carta constitucional da monarchia;

Vistos os artigos 385.° e 386.* do codigo penal portuguez;

Visto o despacho de pronuncia a fl. 93 r. em processo regular, e assente em bases juridicas:

E de parecer que o referido processo deve seguir os seus termos ulteriores, constituindo se a camara em tribunal de justiça, e proseguindo-se nos termos da lei de 15 de fevereiro de 1849 e do respectivo regulamento de 8 de agosto de 1861.

Sala da commissão, 24 de abril de 1867. = José Bernardo da Silva Cabral, presidente = Conde de Fornos de Algodres — Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão, relator.

O sr. Presidente: — Está em discussão o parecer n.° 152,

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, o artigo 27.° da carta constitucional diz que todas as vezes que algum par ou deputado for pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á respectiva camara, a qual decidirá sobre os dois seguintes pontos: 1.°, se o processo deve continuar; 2.°, se o membro pronunciado ha de ou não ser suspenso do exercicio das suas funcções; de maneira que a camara tem de resolver duas questões: ha de ou não continuar o processo? A esta questão responde o parecer, dizendo que a commissão entende que o processo deve continuar; mas emquanto á segunda, se o membro deve ou não ser suspenso do exercicio das suas funcções, a commissão não diz cousa alguma. Na verdade póde haver boas rasões para a camara dizer que o processo deve continuar e não as haver para se dizer que o digno par deve ser seus penso das suas funcções; mas é necessario que a commissão se pronuncie relativamente a esta segunda questão, a respeito da qual o parecer não diz nada.

Sr. presidente, poder-se íam talvez apresentar boas rasões, pelas quaes se mostrasse que esta doutrina da carta deveria ser revogada; mas emquanto vigora não temos outra cousa a fazer senão curvar ao que determina a lei fundamental; e ella determina que a camara, quando tem de pronunciar se sobre se ha de continuar o processo ou não, se pronuncie igualmente sobre se ha de o par ser seus penso das suas funcções. Temos o parecer da illustre com missão sobre a primeira questão, mas resta faze-lo sobre a segunda; e como falta esta, vou mandar para a mesa uma proposta, para que a commissão dê o seu parecer sobre ella.

O sr. Ferrão: — A commissão de legislação não podia pronunciar-se senão sobre a questão se o —processo de via ou não continuar. Depois se a camara approvar o parecer da commissão, se pronunciará quanto á suspensão do exercicio de funcções.

Então se demonstrará que, na hypothese e em presença do codigo penal, um par do reino não póde ser suspenso de suas funcções senão durante o cumprimento da pena, pois que o ser membro d'esta camara não o colloca em peiores circumstancias que outro qualquer cidadão. Cumpriu-se precisamente o que esta disposto no artigo 7.° do regulamento d'esta camara (quando constituida em tribunal de justiça) onde se determina que o processo seja remettido á commissão de legislação, para que com o seu parecer a camara possa resolver se o processo deverá ou não seguir os termos ulteriores. Este artigo nada mais determina, e por conseguinte a commissão nada mais devia fazer que o que fez. (O sr. Ferrer: — Peço a palavra. Tanto mais que para o caso de que se trata (o duello) só são applicaveis penas correccionaes, como se vê dos artigos 385.° a 388.° do codigo penal.

Mas esta questão não póde por emquanto ser tratada; é uma questão secundaria, que ha de ser resolvida depois que a camara decida, se decidir, affirmativamente o parecer da commissão.

Quando se discutir esta questão, então exporei a minha opinião.

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, eu que ouvi hontem com muito gosto o digno par que acaba de fallar, sinto agora que s. ex.ª seguisse uma direcção inteiramente diversa da que então seguiu. Hontem a materia das garantias era para s. ex.ª negocio gravissimo, em que não se podia tocar, por se achar consignada na carta constitucional, que esta acima de todas as leis e de todos os regulamentos; hoje que a disposição do artigo 27.° da mesma carta, onde se trata de uma importante garantia, não só para os membros d'esta camara, mas tambem para os da outra, e para as proprias camaras, argumenta-se com o codigo penal e outras leis e regulamentos, em que não entra questão politica, sendo aliás uma questão politica a que nós tratâmos.

Sr. presidente, o codigo penal não póde de modo algum ser chamado para aqui. Que me importa que os empregados não possam ser suspensos, como disse o digno par, senão pelo modo que referiu, se nós estamos n'um caso excepcional? Isto não póde ser, o que esta na carta constitucional ha dê cumprir-se, porque não ha regulamento, nem lei alguma que se possa antepor ás disposições da mesma carta. A questão portanto não é sómente se o processo continua ou não continua, é tambem se o par ha de ser suspenso ou não do exercicio das suas funcções. Não póde porventura o processo ser interrompido pelo governo para pôr fóra um membro d'esta casa, a fim de não votar n'uma questão dada? Póde. Para que se vem pois aqui argumentar com o codigo penal?

Sr. presidente, não me cansarei de o repetir, aqui ha duas questões—primeira, ha de ou não continuar o processo? Segunda, deve ou não ficar suspenso o par? E n'este sentido que a commissão devia dar o seu parecer, e dizer— deve ficar suspenso por taes e taes rasões; ou não deve ficar suspenso por isto e isto. E tambem assim que se tem feitor na camara dos senhores deputados, quando se tem tratado questões identicas a esta; e hoje mesmo lá se trata uma questão como esta.

A disposição da carta diz o seguinte (leu). Esta doutrina é commum ás duas camaras, e a disposição a este respeito diz claramente o seguinte (leu).

Esta é que é a verdade; é uma garantia importantissima que a camara deve zelar, e a respeito da qual a commissão devia dar o seu parecer; e visto que o não deu, deve da-lo, é por isso que eu entendo que o parecer deve voltar outra vez á commissão.

O sr. Ferrão: — Sr. presidente, a commissão cumpria fielmente o seu dever, isto é, o que lhe prescrevia o regimento, deu o seu parecer sobre a questão unica que lhe foi submettida; ha duas questões, é verdade, segundo a carta, mas uma só nasce da deliberação da camara sobre a primeira. Quer o digno par impor agora aos membros da commissão mais attribuições do que as que lhe impõe o regimento d'esta camara no artigo 7.°?

Não se encontra no parecer da commissão, emquanto se restringiu ao regimento, violação do artigo 27.° da carta constitucional, nem tão pouco ha contradicção alguma do que eu hontem disse, mas ha antes a coherencia.

Sr. presidente, não queiramos confundir uma questão com outra; porque são duas questões distinctas, e uma accessoria, que póde ou não nascer da deliberação sobre a primeira. A commissão assim as considerou; mas o digno par esta no pleno direito de as considerar como entender, e s. ex.ª póde propor se o digno par, compromettido n'este processo, ha de ser ou não suspenso, mas não ha de ser a commissão que ha de dar parecer sobre essa proposta sem que a camara assim o determine. N'esse caso a proposta do digno par póde então ir á commissão, que se pronunciará sobre ella. A camara póde prescindir do parecer da commissão, resolver a questão suscitada, ou póde ordenar que a commissão dê um parecer; mas a commissão não podia até agora pronunciar se senão emquanto á primeira questão, porque emquanto á segunda não tinha por emquanto logar nenhum (apoiados); a commissão portanto andou sempre conforme o regimento, e não tinha competencia para mais. O sr. Ferrer: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — O sr. Ferrer já usou da palavra por duas vezes, e eu, sinto bastante, mas não posso dar a palavra a s. ex.ª sem primeiro consultar a camara.

Consultada a camara, resolveu que o digno par o sr. Ferrer usasse da palavra.

O sr. Presidente: — Em vista da resolução da camara tem a palavra o digno par o sr. Ferrer.

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, V. ex.ª acaba de me conceder a palavra, em vista da resolução da camara, que eu agradeço; mas se me não fôsse concedida tambem me não incommodava com isso. Eu gósto de fallar poucas vezes, e por isso não tomarei muito tempo á camara.

Louvo a lealdade do digno par, que acaba de fallar, porque d'esta segunda vez foi elle proprio que reconheceu que não se podia deduzir argumento solido, nem do codigo penal nem do regulamento de 1861, em presença da disposição da carta em que se trata de materia constitucional, como é a de garantias.

Sr. presidente, o digno par soccorreu-se a final ao regimento d'esta camara, e a questão está n'este terreno agora. O regimento diz que = quando algum processo for remettido á camara, irá á commissão de legislação para ella dar seu parecer sobre se deverá ou não seguir os termos ulteriores, e se a camara deve constituir-se em tribunal de justiça =.

(Interrupção do sr. Ferrão, que se não ouviu).

É por isso mesmo. Esta bem claro que se os legisladores que fizeram o regimento não trataram da segunda questão, é porque não se lembraram do artigo 27.° da carta, que manda resolver as duas questões, e trataram apenas da primeira.

Disse o digno par, o sr. Ferrão, que reconhece muito bem a distincção que ha entre as duas questões que a carta manda resolver; mas entendeu s. ex.ª que a commissão por esta occasião não podia occupar se senão da primeira, e só podia occupar-se da outra depois d'esta resolvida; e por isto vejo eu, sr. presidente, que nos separa apenas uma questão de tempo; a commissão já devia ter dado o seu parecer por uma só vez, e não ser preciso estar a dar dois; mas, pois que assim o quer, eu não me opponho a isso. O que desejo é que se trate de ambas as questões e não de uma só, isto é, primeira é a de que estamos tratando, e a segunda se o digno par que for pronunciado ha de ou não ser suspenso. Era sobre este segundo ponto que eu queria que a commissão se tivesse já pronunciado, porque não sei o que me parece ter este negocio de voltar outra vez á commissão para ter dois pareceres, quando a commissão o devia ter feito de uma só vez; nem podia deixar de o fazer, porque assim esta consignado na carta constitucional.

Sr. presidente, torno a repetir, eu o que desejo é que se decida se o digno par pronunciado ha de ou não ficar suspenso do exercicio das suas funcções. Talvez eu seja contrario á opinião da commissão, e que me levante para lhe impugnar o seu parecer; mas ella deve pronunciar-se sobre o segundo ponto, não fazendo comtudo questão sobre se ha de ser agora ou depois. O que quero é que elle não deixe de ser attendido (apoiados).

O sr. Presidente: — Como não ha mais ninguem inscripto, vae proceder-se á votação.

O sr. Ferrer: — Uma vez que a commissão concorda em dar o seu parecer sobre este segundo ponto, depois de votado este parecer, retiro a minha proposta.

O sr. Presidente: — Nenhum digno par pede a palavra, vae proceder-se á votação do parecer por espheras.

Página 1369

1369

Passou-se á votação por espheras, e foi o parecer approvado por 35 espheras brancas contra 5 pretas.

O Sr. Presidente: — O artigo 27.° da carta constitucional diz (leu).

A commissão e a camara já se pronunciaram sobre o primeiro ponto de que trata este artigo, e eu desejava saber se a camara quer que sobre o segundo ponto se proceda já á votação, ou que seja primeiro consultada a commissão sobre elle (apoiados).

O sr. Ferrer: — Decidir a camara se o digno par deve ou não ser suspenso do exercicio das suas funcções, é um negocio grave, e a respeito do qual póde haver muitas opiniões pró e contra; e eu desejava que a camara votasse com conhecimento de causa. Por isso proponho que o negocio volte á commissão, para ella dar o seu parecer sobre essa questão. Este negocio é da natureza de crime, e póde haver conclusões hypotheticas; peço por conseguinte que o negocio volte á commissão.

(O orador não reviu nenhum dos seus discursos.)

O sr. Presidente: — Não havendo opposição ao que requer o sr. Ferrer, consultarei a camara sobre se o projecto deve voltar á commissão, para ser consultada sobre a segunda parte do artigo 27.° da carta constitucional.

Consultada a camara, decidiu que o negocio fosse primeiro a, commissão.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, que é a interpellação do sr. visconde de Fonte Arcada.

Não esta presente o sr. ministro do reino, mas vou manda-lo avisar, porque segundo me consta acha-se nos corredores.

(Pequena pausa.)

(Entrou o sr. ministro do reino.)

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

A INTERPELLAÇÃO SOBRE O ESTADO DO PAIZ

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, haverá um mez, ou mais, que o paiz esta vivamente agitado em consequencia da tenacidade do governo em fazer passar os seus projectos sobre impostos e administração, medidas verdadeiramente impopulares, e pela approvação que o parlamento já tem dado a algumas d'essas medidas.

No Porto houve alguns tumultos, e os conflictos suscitados entre o povo e a tropa em que foram feridos muitos soldados e cidadãos, o que todos muito lamentam, foram seguidos pelos desastrosos acontecimentos que se deram nas praças e ruas da cidade que lhe pozeram termo, mas não acalmaram de certo a agitação d'aquella cidade; cidade que, depois de Lisboa, é certamente a mais importante do reino pelo seu commercio, riqueza, illustração, e pelo espirito dos seus habitantes.

Tem havido movimentos de tropas nos diversos pontos do reino, e nomeadamente para Braga; e d'esta cidade, como hontem já constava, marchou alguma tropa para a Povoa de Lanhoso, aonde tinham havido motins; emfim em todo o paiz os animos estão profundamente agitados; é n'estas circumstancias que eu vejo uma proclamação do governador civil do Porto, assignada tambem pelo general commandante da guarnição; esta proclamação, sr. presidente, assignada por estas duas auctoridades, parece me um acto irregular, porque cada uma d'essas auctoridades tem attribuições diversas; e assim confundindo-se agora as diversas attribuições de cada uma com uma só, ficam ambas responsaveis pelos actos que cada uma praticar. Isto pareceme irregular, e póde ter más consequencias.

Sr. presidente, eu vejo que a proclamação teve um fim mais extenso do que aquelle que se lhe attribue (eu peço licença para a ter); dizem os dois srs. governadores da cidade, porque logo que as duas auctoridades estão assignadas na proclamação, este acto pertence a ambas que — o sobresalto em que estes ultimos dias tem estado a população d'esta cidade em consequencia dos tumultos provocados por espiritos desvairados, tem collocado a auctoridade na dura necessidade de os reprimir =; mais abaixo diz a proclamação que —as auctoridades incorreriam em não pequena responsabilidade se não recorressem a todos os meios que a lei lhes faculta, para fazer cessar os disturbios =.

Quanto a esta parte da proclamação não ha nada a dizer, porque as leis lá estão, e as auctoridades devem faze-las respeitar; mas a proclamação não acaba aqui, vejo mais abaixo estas muito significantes palavra, que =a força publica não póde, sem faltar aos seus deveres, deixar de empregar todos os recursos de que dispõe, para de uma vez pôr termo ás desordens e tumultos =, etc.

Isto é uma verdadeira contradicção com as primeiras" palavras; se as ultimas palavras da proclamação querem dizer o mesmo que estas, eram escusadas; mas dizem uma cousa muito diversa, e indicam que se quer lançar mão de um podér dictatorial, e não obrar segundo as leis; mas para que esse podér existisse era necessario que as garantias estivessem suspensas, o que não póde acontecer senão em virtude de uma lei, quando o parlamento esta reunido.

Tudo isto, sr. presidente, mostra que a cidade do Porto esta bem longe de estar socegada; póde estar opprimida, mas socegada não, porque o socego não se adquire por estes meios.

O que se deriva das ultimas palavras da proclamação que «os dois governadores do Porto fizeram é que elles têem em vista outra cousa que se não póde deprehender da primeira parte da mesma proclamação, é que não hão de recuar em tomar qualquer medida que seja, embora as leis a isso os não auctorisem.

Desejava, sr. presidente, que o governo desse algumas explicações sobre o estado em que se acha o paiz. Eu entendo, sr. presidente, que o paiz deve ser socegado, mas não com a espada na mão; quando temos visto vir ao parlamento centos de petições assignadas por muito milhares de cidadãos de que se não tem feito caso, a espada o não póde socegar; entendo, pelo contrario, que para chegarmos a este fim, devemos empregar outros meios adequados ás circumstancias, e mudar um systema que tem tão profundamente desassocegado o nosso paiz.

Concluo, sr. presidente, esperando que s. ex.ª, o sr. ministro do reino, dê algumas explicações a este respeito, e declare qual a intelligencia que s. ex.ª dá a estas ultimas palavras da proclamação, que são muito notaveis «.empregar todos os meios de que dispõem, para de uma vez acabar com as desordens».

Se d'aqui se entende que estes meios são os que as leis facultam, estas palavras eram escusadas; roas não é essa a idéa que bem claramente d'ellas se deduz, é para usar de todos os meios que as auctoridades entenderem, como se a cidade do Porto estivesse em estado de sitio, as garantias suspensas e o poder que lá governa fosse um poder dictatorial.

O sr. Ministro do Reino (Mártens Ferrão): — Sr. presidente, antes de mais reflexões devo afastar para longe da cidade do Porto e da maioria dos seus habitantes a especie de desfavor que lançam sobre ella as palavras do digno par.

S. ex.ª diz que o Porto póde estar opprimido. Ninguem opprimiu o Porto, nem elle é representado pelos individuos que tumultuaram nas ruas (apoiados). Tem sido opinião constante de todos os homens publicos, quando se tem tratado de assumptos da natureza d'este, que essas agitações não são derivadas das povoações, nem n'ellas entram os homens sensatos (que são a parte importante do paiz), e que não passam nunca das ultimas camadas, de individuos que illudidos vem ás praças publicas, não só desacatar e offender a propriedade, como pôr em risco as vidas.

Sr. presidente, o que succedeu no Porto foi uma cousa analoga; foi uma d'estas perturbações que são frequentes e que nem por isso são, nem esta o foi, nem o Porto podia aceita-la como tal, a representação daquella cidade, porque ella é composta de uma população civilisada e importante; e quando tratasse de fazer valer os seus direitos perante o governo não o faria por aquelle modo (apoiados).

Sr. presidente, não avultemos o facto nem as circumstancias, porque n'isto não fazemos um bom serviço ao paiz (apoiados).

S. ex.ª disse que o paiz estava todo agitado; eu declaro a V. ex.ª e á camara que as communicações, que tenho recebido de differentes pontos do reino, é que o paiz não se encontra n'esse estado de agitação que a. ex.ª disse.

(Interrupção do sr. Costa Lobo, que se não ouviu.)

Sr. presidente, nas circumstancias em que o paiz se encontra, em vista das medidas importantes que estão pendentes do parlamento, medidas que influem consideravelmente na vida da sociedade, em vista de medidas tributarias que têem sido e são uma necessidade da posição em que o governo se achou, porque elle encontrou um deficit accumulado de alguns milhares de contos de réis, e entendeu que se se continuasse a recorrer ao credito, correríamos com passos precipitados para a bancarota; e o que nos esperava era uma vida angustiosa e completamente prejudicial ao paiz: em vista d'essas circumstancias, repito, em que se conhece um grande mal, como é o desequilibrio entre a receita e a despeza, é necessario, para regular a despeza com a receita, recorrer aos meios do imposto e das economias, e qualquer d'elles offendem interesses, e não menos as reducções e economias do que o augmento do imposto como todos nós conhecemos, e portanto não é para admirar, sr. presidente, que um certo sobresalto se fizesse sentir; mas esse mesmo sobresalto a que se allude, tem sido muito pequeno relativamente com o que se podia receiar. E sabe V. ex.ª o que tem sido necessario fazer para que se tenha dado essa mesma agitação? Tem sido necessario que as commissões centraes de Lisboa tenham instado uma e muitas vezes com as localidades, dizendo-lhes que tem grande interesse em vir representar aos poderes publicos contra as medidas apresentadas na camara pelo governo, em desconfiar da acção dos eleitos do povo, para poderem, em nome da democracia, appellar para o veto absoluto, contra o qual tanto n'outros tempos combateu a escola democratica (muitos e repetidos apoiados).

Sr. presidente, eu tenho documentos na minha máo em que se prova que primeira, segunda e terceira vez têem sido instadas varias municipalidades para representarem ao poder moderador, a fim de que este negue a sua sancção as medidas que o parlamento votar. Ora, sr. presidente, se a agitação é tão manifesta, se é tão forte o interesse que as localidades têem em pugnar pelos seus interesses, parece que não seria necessaria tanta instancia para que ellas representassem (apoiados); parece que não seria necessario organisar commissões para instarem com os interessados para que façam representações que, ainda assim, apesar de se proceder d'este modo, são muito pouco numerosas e mui raras as assignaturas, com relação a grande massa do paiz. São estes, sr. presidente, os documentos que se andam distribuindo por todos os angulos do nosso paiz em nome da grande reunião de todo o povo, ou de quasi todo o povo, reunião que todos vimos as proporções que teve; são estes os documentos que eu tenho no ministerio a meu cargo, e que são bem conhecidos de todos.

Sr. presidente, quando os paizes se encontram nas circumstancias em que se acha o nosso, e que têem necessidade de progredir incessantemente para poderem alcançar o desenvolvimento que outras nações já têem alcançado; quando qualquer paiz se encontra n'estas circumstancias, tem de redobrar os seus esforços para recuperar o tempo perdido. E o que nos acontece. Temos as nossas finanças em um estado muito pouco lisonjeiro. Temos a administração publica de uma maneira, que não podemos deixar de attender a ella com o maior cuidado, porque se o não fizermos, muito mais difficil será de futuro colloca-la na altura em que deve estar. Nós temos a segurança publica em um estado que não descreverei, mas sobre o qual posso citar as palavras proferidas ha dez annos n'esta casa por um digno par, que ha pouco pediu a palavra. Ha dez annos, discutindo-se n'esta casa os tumultos que tiveram logar por causa do pão barato...

O sr. Eugenio de Almeida: — Mas quem os defende?

O Orador: — O digno par, que provavelmente usará da palavra depois de mim, levantava-se n'essa occasião n'esta casa, lamentando que não tivessemos organisada a policia de modo que fôsse garantida a segurança publica; lamentou que não tivessemos gendarmaria, quando isso acontecia já até em Constantinopla; e dez annos depois, sr. presidente, eu vejo, pelo contrario, em vez de ai reconhecerem estas necessidades, instar as municipalidades do paiz para que representem contra essas medidas de administração que se discutem no parlamento, e que não têem outro fim senão satisfazer a essas necessidades, nem têem originalidade nenhuma, porque não são mais do que transumptos do que se passa lá fóra. Dez annos depois, sr. presidente, repito, insta-se com as municipalidades para que venham representar contra as medidas que se discutem, pedindo aos poderes publicos que não dêem o seu voto a medidas que ha dez annos eram reputadas boas, necessarias e momentosas!...

Mas, sr. presidente, n'estas circumstancias, quando a fazenda carece de receita e largas economias, quando a administração necessita ser remodelada em pontos importantissimos, dando mais vida ás localidades para que ellas possam attender melhor aos seus interesses; quando é necessario organisar a policia e cuidar da segurança publica; quando é preciso tratar de estabelecer as nossas relações diplomaticas e colloca-las no pé em que devem estar; quando se trata de alargar as nossas relações commerciaes com as outras nações; quando tudo isto se apresenta á téla da discussão e á apreciação do paiz, não é para admirar que um certo sobresalto appareça. Mas a verdade é que esse sobresalto não se apresentou geralmente, porque V. ex.ª e a camara sabem perfeitamente que, alem dos tumultos occasionados e provocados por uma circumstancia toda local que se deu em relação ao Porto, o resto do paiz esta socegado. E ainda mesmo que algumas manifestações se tenham apresentado, não são para contestar todos os principios de administração seguidos pelo governo, mas só para pedir refórmas em um ou outro ponto. Já se vê portanto que o paiz não esta agitado, nem mesmo tem havido movimentos de tropas dignos de reparo. O unico movimento que houve foi o mandar-se um corpo de tropas para a cidade do Porto; e isto não era para admirar, por isso que havia n'aquella cidade tumultos populares, e era conveniente haver ali mais força. Emquanto ao movimento de destacamentos, é isso uma cousa tão usual, tão frequente, e que esta succedendo todos os dias e em todos os pontos, que tambem me parece não deveria ser notada. Alem d'estes movimentos não sei que houvesse outros.

Agora pergunto eu — em que outros pontos do paiz tem sido alterado o socego publico de maneira que revele estar a opinião publica revoltada contra as medidas do governo e contra a administração do paiz? Em parte nenhuma, nem mesmo na propria cidade do Porto. E o que houve no Porto? Toda a gente sabe que os tumultos foram o resultado de um conflicto que se deu entre algumas pessoas do povo e a policia, e que se não generalisou, porque os mesmos que fazem opposição ao governo foram os primeiros a reprovar os motins que se estavam dando. Foi necessario fazer uso da força armada para obstar a estes tumultos; fez-se uso d'ella a tempo; mas nunca se empregou sem que primeiro se procurasse convencer os desordeiros de que se deviam aquietar.

Sr. presidente, eu recordo-me ainda, pelo que presenciei e pelas discussões que então tiveram logar no parlamento, do que se disse e do que se julgou quando Lisboa esteve sujeita, pelo espaço de tres dias, a motins populares, em 1856. Eu lembro-me que por essa occasião vozes muito auctorisadas se levantaram n'esta casa, e lastimaram o estado de anarchia em que tudo se achava, acrescentando que a força publica estava de braços cruzados ante os revoltosos, deixando a vida e a prosperidade do cidadão á mercê dos aventureiros. Foi o digno par, que se me ha de seguir, que assim fallou em 1856. Eu autorizo-me com uma opinião illustrada, para as reflexões que faço n'um assumpto que tanta analogia tem com aquelle de que nos occupâmos.

Sr. presidente, o governo e a auctoridade administrativa do Porto cumpriu o seu dever obstando a que a revolta assumisse grandes proporções; e tanto isto foi reconhecido por toda a gente que, repito, os homens que fazem opposição ao governo, os homens que nada têem a ganhar com as revoluções, reprovaram estas manifestações populares, e collocaram se do lado da auctoridade administrativa, aconselhando aos revoltosos a que, se quizessem representar contra qualquer medida do governo, o fizessem por escripto, mas não tumultuando nas praças, como ali estava fazendo um insignificantissimo numero de pessoas em relação á população do Porto; e não consta das partes officiaes, note a camara bem isto, que um só homem, de uma certa representação, tomasse parte nos tumultos.

Eu bem sei que todos são iguaes perante a lei, em relação aos seus direitos, mas nem todos têem a mesma posição social, a mesma responsabilidade de opinião, a mesma influencia na sociedade. Mas, dizia eu, não consta das partes officiaes que um só homem que tivesse a perder, que representasse uma opinião politica pronunciada, se encontrasse compromettido, ou fosse preso na occasião dos tumultos.

Página 1370

1370

Não posso; nem devo ír mais avante n'este ponto. Posso porém affirmar, a V. ex.ª e á camara que a tranquillidade está mantida e assegurada na cidade do Porto; e affirmo isto tanto quanto posso pelas informações officiaes, e tambem pelas particulares que tenho tido de diversos cavalheiros com quem me tenho entendido em relação a este negocio.

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

Sr. presidente, a proclamação a que se referiu o digno par contém, é verdade, a assignatura da auctoridade militar e a da auctoridade administrativa do Porto. S. ex.ª notou que estas' duas auctoridades administrativas tivessem proclamado ao povo do Porto, aconselhando-se a que não auxiliasse os desordeiros, ou por outra, convidando-o á ordem e ao respeito ás leis. Direi primeiro, em resposta ao digno par, que o terem assignado as duas auctoridades essa proclamação, ou te-la assignado uma só, é cousa completamente indifferente. Como todos sabem, a segurança publica, a policia não esta organisada convenientemente entre nós, e as divisões militares tomam grande parte no serviço policial do paiz. Em quasi todo o reino, mesmo nos pontos mais importantes do paiz, a policia é feita pela força armada, a requisição, é certo, da auctoridade administrativa, mas debaixo do, commando dos generaes de divisão ou commandantes de corpos. No Porto dá-se o mesmo, pela indole da nossa organisação, pela posição em que sempre se têem encontrado os generaes de divisão, que têem a seu cargo uma tão importante parte' do serviço da segurança publica.

Debaixo d'este ponto de vista a assignatura do general de divisão n'esta proclamação é uma cousa regular, que não póde merecer nenhuma objecção ou censura. Podiam te-la os termos em que esse documento se achasse redigido, se esses termos, por qualquer modo, tivessem o valor que lhes quiz dar o digno par. Diz-se n'esta proclamação, edital, ou como lhe queiram chamar (leu).

Sr. presidente, quando uma auctoridade diz que ha de recorrer aos meios que as leis lhe facultam esta completamente nos restrictos limites da legalidade. Mas, mais abaixo diz-se n'este documento: «E por isso...» Isto é a consequencia do periodo anterior, ao qual está portanto subordinado (leu).

«De todos os recursos de que dispõe.» De que recursos dispõe a auctoridade senão dos recursos que lhe facultam as leis? Isto é claro; e é querer forçar muito (e não se póde forçar muito a intelligencia d'este periodo) concluir d'estas palavras que ellas indicam completamente o contrario do que consta do periodo anterior, de que elle é uma consequencia subordinada.

A auctoridade póde actuar dentro das attribuições que a lei lhe prescreve, e por isso diz que = empregará todos os recursos de que dispõe =. Quaes são os recursos de que dispõe a força publica? São os de que póde usar dentro dos termos da lei. Não é possivel, sem torcer completamente o sentido d'este documento, dar a estas palavras, uma intelligencia contraria á do periodo anterior, a que, este esta subordinado, como acabei de dizer.

Sr. presidente, fallou-se em suspensão de garantias. Pois para usar dos meios repressivos, na occasião em que os tumultos se apresentam nas praças, é preciso suspender as garantias? Quem fallou em suspensão de garantias? Trata-se unicamente de uma questão de segurança publica, uma questão puramente local, que se póde resolver sem ser necessario saír fóra do circulo regular das leis. Deus nos livre que a carta constitucional, a lei politica do paiz, quando houvesse necessidade de manter a segurança publica, de fazer respeitar as leis, de assegurar a vida e a propriedade dos cidadãos, não tivesse em si recursos sufficientes para assegurar esses bens, e fosse necessario armar a auctoridade de poderes dictatoriaes! Dentro da carta, dentro dos limites legaes, ha meios sufficientes para se fazer manter a ordem e o respeito ás leis; e se não os houvesse, a carta seria um codigo incompleto. Circumstancias extraordinarias ha em que é necessario recorrer a meios tambem extraordinarios, mas essas circumstancias não se deram no caso que faz o objecto d'esta interpellação. Quando ellas se dão, tem de recorrer-se á suspensão das garantias. Mas, como digo, não é este o caso.

Sr. presidente, acresce alem d'isso a sensatez e prudencia de que estas auctoridades, tanto a administrativa como a militar, têem dado provas; uma pela maneira cordata e illustrada com que tem administrado diversos districtos do paiz, como provam as sympathias que tem adquirido dos seus administrados; e a outra, encanecida no serviço publico, juntando á sua grande prudencia o brio e pundonor 'militar, como tem demonstrado na sua longa carreira publica. Basta isto para se ver que ellas não quereriam destruir n'um momento todos estes elementos que devem entrar na apreciação do seu procedimento.

Não se póde dizer que estas auctoridades, proclamando nos termos que o fizeram, a bem da ordem e da segurança publica, assumiram poderes dictatoriaes e obraram como se as garantias estivessem suspensas. Não estão; nem é necessario suspende-las, porque a acção da opinião publica é muito forte, para que deixe chegar as cousas n'este paiz a Um estado anarchico, que legitimaria então medidas extraordinarias.

Sr. presidente, perguntou o digno par o que tinha occorrido em Povoa de Lanhoso. Devo responder que recebi hoje communicações ácerca do que ali occorreu, e que vi cartas particulares de individuos muito respeitaveis. Vinte ou trinta homens do campo entraram na Povoa de Lanhoso, capitaneados por um alfaiate, homem conhecido já por desordeiro, pois que por mais vezes tem praticado d'estes actos; entraram, digo, dando vivas á religião, ao monarcha, e abaixo os novos impostos e os pesos e medidas. Conservaram-se algum tempo dentro da povoação, porque o administrador do

concelho não se achava n'aquella localidade, e mais. tarde, sabendo elles que se tinha requisitado tropa, dispersaram, sem terem commettido nenhum acto de violencia.

Sr. presidente, não é a primeira vez que isto acontece; e eu, que não sympathiso com estes acontecimentos, sinto, e sinto deveras, que elles se dêem; mas é preciso saber-se que factos d'esta ordem têem occorrido n'outras occasiões, sem que tenham dado causa a suppor-se que o paiz esteja em estado de agitação. N'esta mesma localidade já se deu um caso identico; e ha dois annos, em Torres Vedras, um prejuizo popular, lançado entre o povo, fez concorrer áquella villa os povos serranos, e houve ali uma luta que, felizmente, não se deu agora na Povoa de Lanhoso.

São estes os acontecimentos que o digno par notou, e sobre os quaes pediu as explicações que estou dando.

Sr. presidente, dizendo isto é preciso fazer chegar a todas as classes da população o convencimento de que as medidas propostas pelo governo são uma necessidade de administração, que não ha melhoramentos sem sacrificios, e que estes sacrificios são compensados por vantagens na proporção de 100 por 1.

Sr. presidente, acreditando que este convencimento cada dia se ha de generalisar mais por todo o paiz, tenho as maiores probabilidades de que o socego publico não será alterado, e não podemos nem devemos, por credito nosso e do parlamento; exagerar acontecimentos que não têem o valor que se lhes pretende suppor. O que concorre para o progresso e a ventura do paiz não é o fazer-se acreditar que estamos á beira de uma revolução, quando não ha motivo para ella, querendo actuar sobre os poderes publicos, e mais do que tudo, sobre o credito do paiz nos paizes estrangeiros, pois que isso póde produzir graves resultados que redundam em perdas muito consideraveis.

Sr. presidente, eu tenho o convencimento de que a paz e a ordem publica não serão alteradas, e oxalá que elle seja igualmente o de todo o paiz (apoiados).

Se for necessario dar mais algumas explicações eu as darei.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Eugenio de Almeida: — Sr. presidente, eu julgarei superfluo pedir ao sr. ministro do reino mais amplas explicações a respeito dos ultimos acontecimentos do Porto. S. ex.ª já deu todas as informações que entendeu podia dar a similhante respeito, e até as acompanhou de extensos commentarios.

Houve disturbios nas ruas do Porto. Se no meio d'elles appareceram excessos e actos criminosos, não os podemos avaliar aqui. Não podemos ser juizes sem ter presente O processo, e sem ouvir os interessados. E natural que no meio d'esses disturbios houvesse excessos da parte do povo, e tambem da parte da auctoridade. Se houve crimes, se houve desacato ás leis e á auctoridade, todos os homens de bem condemnarão taes actos. E nós, que representámos aqui a auctoridade publica, devemos lançar sobre elles o mais severo estygma (muitos apoiados).

A opposição democratica condemna mais energicamente ainda, se é possivel, todos esses motins e tumultos. E a maior das iniquidades é, sem duvida, a de a reputar complice em actos, que são unicamente obra da homens turbulentos ou malevolos que apparecem sempre em todas as agitações das praças (apoiados).

Mas julgando assim este ponto, examinemos por alguns momentos uma questão que surge no meio dos acontecimentos que tiveram logar no Porto.

Tem ou não o cidadão portuguez o direito de se reunir pacificamente para discutir os negocios publicos?

É ou não esta uma das liberdades essenciaes para a vida dos povos livres?

Acata o governo este direito e esta liberdade como devem ser acatados?

São estas as perguntas que naturalmente temos direito de fazer a um governo, que parece, pelos actos que ordenou para o Porto, querer punir uma cidade inteira pelos disturbios em que poucos tomaram parte, e que todos promptamente condemnaram.

Se pois isto é verdade, como o proprio governo ha pouco acabou de declarar; se a grande maioria da população do Porto é estranha áquelles disturbios, é-nos permittido julgar que o governo, quando deu ordem para se dissolverem as associações populares do Porto, não foi porque as reputasse complices nas perturbações das praças, mas porque quiz aproveitar esse pretexto para fazer calar a voz d'essas associações que, condemnando os actos do governo e mostrando os inconvenientes do seu systema, o incommodavam tanto.

O orador passou então a examinar uma expressão do sr. ministro do reino, que dissera que a agitação que se observava no paiz era obra de algumas pessoas, que a promoviam. A isto respondeu o orador que n'este facto nada havia de estranho e que não se observasse em todos os povos livres. Os meios de propaganda e de persuasão são em toda a parte empregados pelos homens que, têem convicções fortes e desejos de que os outros as abracem. Não são poucos os meios de propaganda que o governo emprega sempre, mas principalmente quando nos actos eleitoraes procura dar a victoria aos seus candidatos. Quando esses meios são legitimos, o uso d'elles não é mais do que, o uso da vida constitucional do governo ou dos cidadãos.

O governo julga ficticia a agitação do paiz. Fixemos sobre esta palavra as nossas idéas para nos podermos entender bem. Se se trata da agitação das praças e dos tumultos das ruas, de que eu proprio já fui victima, como o foram muitos dos nossos collegas, que se sentam n'esta casa, o illustre duque de Loulé, o illustre conde da Ponte e outros mais; se se falla á essa agitação baixa e irracional, que só serve para comprometter as boas causas ou para adiar o seu triumpho, essa sem duvida é ficticia, porque é obra de malevolos, e as obras d'elles são frágeis e impotentes.

Se porém se falla da agitação do espirito publico, que se preoccupa e assusta com o estado deploravel a que chegou a fazenda publica d'este paiz, negar que similhante agitação exista, só o póde fazer quem fechar os olhos e os ouvidos a tudo o que se passa em roda de nós.

Quando se vê um deficit de 8.000:000$000 réis (e Deus sabe se é maior ainda, porque o deficit verdadeiro só se conhece quando o parlamento julga as contas de um exercicio findo, e esse acto, sem o qual não se concebe o regimento constitucional da fazenda publica de um paiz, ainda nenhum parlamento portuguez o exerceu desde 1834 até hoje); quando se considera que a nossa divida é de réis 250.000:000$000; quando se vê que a cobrança dos rendimentos publicos ainda não excedeu em exercicio algum a somma de 16.000:000$000 réis; quando se pensa no que ainda ha a fazer para supprir o muito que falta nas duas grandes necessidades do paiz — a instrucção primaria e as estradas—, e se sente que para tudo isto nos faltam os recursos; quando vemos triumphar na Europa uma theoria moderna de politica, que ensina que as pequenas nacionalidades devem desapparecer sem que possamos oppor a essa doutrina funesta a força que tem sempre um paiz, embora pequeno, mas ao qual a liberdade e a boa administração dão força e dignidade, que inspira o respeito; quando se vê tudo isto, e se observa que continua cora progresso delirante o curso de todas as causas que produziram este estado, negar a agitação do paiz, é negar-lhe o senso commum para pensar e a sensibilidade para sentir.

(Os srs. visconde de Chancelleiros, visconde de. Gouveia, visconde d'Algés e marquez de Vallada pediram todos a palavra.)

O orador I disse que entrára n'este desenvolvimento para não deixar passar sem observações o julgamento tão solemne e tão affoito que o sr. ministro do reino fizera a respeito da opinião do paiz; mas que não perdia de vista que o principal fim, para que pedíra a palavra, fôra para defender um direito que, na sua opinião, era o meio mais efficaz de pôr termo á desgovernação que leva este paiz á sua completa ruina, o direito de reunião dos cidadãos para examinar e discutir os negocios publicos.

O orador passou a desenvolver muito extensamente as diversas rasões em que se fundava esse direito.

Disso que, embora elle não estivesse expressamente reconhecido na carta constitucional, como estava na constituição de 1838, comtudo elle fazia parte integrante, e, para assim dizer, complementar de todos os direitos constitucionaes que a carta nos garantia.

Como podiam os cidadãos exercer o direito de petição sem antes se reunirem e combinarem as formulas dos seus pedidos e as rasões para os fundamentar?

Como podiam escolher os deputados que representassem as suas idéas e os seus principios sem que os eleitores reunidos verificassem primeiro a communidade dos seus pensamentos, e depois tratassem de procurar os candidatos que os podiam representar?

A imprensa é o direito de dizer a todos pela escripta o que cada um pensa. A reunião é o direito de a dizer pela palavra. O direito é o mesmo, só a fórma é differente.

Olhemos para a Inglaterra, disse o orador, para esta patria da liberdade moderna; vejamos como ali é exercido e respeitado este direito, como tem sido fecundo, como ali todas as revoluções são pacificas, como as maiorias do paiz formam as maiorias do parlamento, como o governo não oppõe a essas reuniões os severos poderes de que esta armado contra os abusos d'ellas.

Olhemos para a Hespanha, onde o governo não vê em qualquer reünião pacifica senão um pelotão de inimigos, que por muita mercê não manda arcabuzar logo.

E digam depois qual d'estas duas cousas preferem.

O governo tem, ninguem o nega, o direito de corrigir todas as demasias das reuniões politicas; tem o direito de punir os seus actos quando forem criminosos. Mas não deve exercer sobre a palavra proferida uma censura previa, como não póde exerce-la sobre a palavra escripta, sobre a imprensa. Não comprima os desabafos innocentes do paiz, evite que elles suffocados e amontoados possam degenerar em cholera.

Não tenha dois pesos e duas medidas para governar gente livre. Não permitta que os seus amigos e adeptos se possam reunir aqui na presença do governo, e com o concurso d'elle; no Porto e onde quer que é que tem amigos, e que ahi discutam sobre os negocios publicos tudo quanto lhes parecer; e não dissolva, não intimide, não injurie homens que têem o mesmo direito, mas que julgam por modo differente os actos d'esse governo. Seja a lei ou a applicação d'ella igual para uns e outros. Temos todos os mesmos direitos. Não admittimos privilegios dados por mercê ministerial.

Uma declaração, sr. presidente, devo fazer antes de terminar estas poucas observações. Se é energica de mais, se é ousada em excesso, não me atrevo a dize-lo. Sei que não é dita para provocação ou insulto, mas para exprimir com franqueza uma convicção profundamente arreigada.

Eu vou repetidas vezes a uma reunião politica, onde pares, deputados e cidadãos de todas as classes examinam e discutem os negocios publicos. Nunca ali ouvi a expressão de uma só idéa que levasse á infracção das leis ou ao desacato das auctoridades. Se o governo me prohibir que me reuna com os meus amigos, emquanto o seu procedimento for o que tem sido até hoje, hei de desobedecer ao governo, hei de pedir-lhe que me traga a esta camara, não para me sentar n'esta cadeira, mas ali no meio da sala, no banco em que se sentam os réus, hei de pedir aos meus collegas que me julguem; e se elles me condemnarem, ficarei então

Página 1371

1371

sabendo qual é a jurisprudencia constitucional do meu paiz. Sei de obedecer, como devo, á sua sentença, mas ficarei sabendo que os graus da minha liberdade dependem da medição que lhes fizer o governo. _

Se a associação união patriotica do Porto, que desejo ver espalhada pelo paiz inteiro, e da qual espero muito, esfriar no seu proposito quando vir que o governo recusa, como é provavel, aos seus estatutos a approvação que lhe pede, e que não me parece necessaria quando se dê a essa associação a fórma que se lhe póde dar; se eu vir isto direi então que, se os cidadãos d'este paiz não têem o direito de reunião, é porque o não merecem ter.

O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello):

Sr. presidente, mudou de aspecto a questão. Lisonjeio-me muito com isso, o que todavia não maravilhou, porque não era de esperar outra cousa da capacidade do digno par que me precedeu..

Não é em nome dos tumultos, nem das agitações que o digno par interpella o governo e lhe pede explicações ácerca do estado do paiz.

Esses tumultos, essas agitações foram classificados pelo digno par como deviam sê-lo, e ainda de uma maneira mais vehemente e energica do que o tinha feito o governo (apoiados).

Agitação baixa e irracional, disse o digno par, e disse muito bem (apoiados).

Sr. presidente, mesmo quando se descrê dos principios fundamentaes do systema representativo, dos direitos que estão consignados na carta constitucional e que se acham estabelecidos em todas as leis, appellar para o tumulto e para a agitação, é baixo e irracional (apoiados). Justa condemnação que do alto d'esta tribuna, e por um homem tão respeitavel, foi lançada sobre os tumultuarios do Porto! (Muitos apoiados.).

Mudou de aspecto a questão, porque não se trata já de justificar o appello para a revolução das praças, mas de discutir um principio de direito publico constitucional, sobre o qual o digno par chamou a attenção da camara e do governo, e que merece ser apreciado pela sua importancia. Trata-se do direito de reunião; e não só d'este direito, mas do de associação, que é uma cousa muito distincta.

O direito de associação de que pretendiam usar alguns cidadãos da cidade do Porto, sem que julgassem indispensavel a auctorisação do governo para se constituirem nos termos e dentro dos limites das leis do estado, não lhe podia ser reconhecido pelos poderes publicos.

E de passagem, seja dito, sr. presidente, que eu sinto que O digno par, para quem tenho tido a maior consideração e muita estima, como sabe, e a quem tenho visto sempre sustentar o principio da auctoridade em nome da ordem social, viesse dizer á camara que quando o governo no uso do seu direito, no plenissimo uso da sua auctoridade...

O sr. Eugenio de Almeida: — Essa é que é a questão.

O Orador: — Já lá vamos.

E para manter a ordem publica intimasse aquelles que fazem reuniões, que deixassem de as fazer, lhes aconselharia que desobedecessem!

Disse mais o digno par: Se isso me succeder, como membro que sou de uma d'essas associações, se receber uma intimação similhante do governo, declaro desde já que desobedeço». (O sr. Eugenio de Almeida: — Apoiado.) E eu declaro, por parte do governo, que se esse facto se desse havia de proceder com o digno par da mesma sorte que a respeito de todos os outros cidadãos que se achassem na mesma associação (muitos apoiados).

Se querem levar a questão para esse terreno vamos a isso. Depois de se ter declarado que a agitação era baixa e irracional, se se quer passar para outra, que não direi que seja baixa, mas que não me parece altamente racional no interesse da causa publica...

O sr. Eugenio de Almeida: — É legitima.

O Orador: — E isso que eu quero ver demonstrado.

Se se quer fazer resistencia ás leis do paiz, á constituição, ao nosso codigo politico, que não permitte associações sem previa licença da auctoridade (apoiados), e sem que tenham estatutos approvados pelo governo (muitos apoia, dos); se se quer trazer a questão para este campo, o governo aceita a n'elle, porque não póde estar em melhor terreno. Aconselhar resistencia á lei, dizer que se lhe havia de desobedecer, não é senão querer mostrar que se é superior á lei (muitos apoiados), e que se esta acima d'ella (muitos e repetidos apoiados).

Mas, sr. presidente, o governo é que não póde reconhecer nada superior á lei, e o seu dever e a sua obrigação é fazer manter as leis, e cumpri-las (muitos apoiados) dentro dos limites que lhe marcam essas mesmas leis, que todos temos obrigação de respeitar (apoiados repetidos).

Sr. presidente, esta questão não é nova. Eu era membro do parlamento, e fazia opposição ao governo, que então estava á frente dos negocios publicos, quando n'uma occasião de crise, n'uma epocha tristemente memoravel, a paz publica foi alterada, e o governo decretou, e decretou por uma simples portaria, que a associação chamada patriotica fosse dissolvida...

O sr. Eugenio de Almeida: —Porque conspirava.

O Orador: — Por não ter estatutos.

(Interrupção do sr. Eugenio de Almeida, que se não percebeu.)

Peço ao digno par que leia a portaria do governo. Eu não posso suppor nem referir me a outros motivos se não aos que estão expressos n'aquelle documento, que diz que = a associação fosse dissolvida por não ter estatutos approvados pelo governo = (apoiados).

Uma voz: — Proclamava o regicidio.

O Orador: — Eu não sei o que a associação proclamava, o que sei, o que o governo allegou como rasão sufficiente, é

que estava fóra da lei, não tinha estatutos approvados. Eu era membro do parlamento, e fazia opposição ao governo, repito, vim para a camara e não fiz opposição a este acto, porque o achei regular (apoiados). Desconhecer a legalidade de um acto similhante é querer saír fóra das leis, é querer fazer resurgir aqui os factos que se deram com os jacobinos em França (apoiados).

Sr. presidente, isto não é uma questão de reünião, é uma questão de associação, que é cousa muito differente.

O sr. Costa Lobo: — E puramente de reunião.

O Orador: — Peço perdão. Todos nós temos o direito de fallar, mas é quando nos cabe a palavra.

O sr. Costa Lobo: —E porque V. ex.ª esta argumentando no ar.

O Orador: — Pois argumente V. ex.ª no chão quando lhe tocar a palavra (riso.) Eu argumento como entendo e como quero, em vista dos dados que se me offerecem. Repito, não é questão de direito de reunião, é questão de direito de associação. O governo deixou reunir quem se quiz reunir nas praças publicas, ou nas casas particulares. Reuniram-se todos quantos quizeram, representaram ao governo como quizeram, e disseram o que quizeram dizer.

Muito bem, perfeitamente. Agora, sr: presidente, a par d'este direito esta o direito da auctoridade, que tem obrigação de fazer cumprir as leis (apoiados).

Sr. presidente, eu sinto que na camara dos pares se levante um homem tão auctorisado e respeitavel, e venha proclamar principios subversivos da ordem publica, principios contrarios ás leis e ao principio da auctoridade, de que o digno par foi sempre um zeloso apostolo e defensor...

O sr. Eugenio de Almeida; — Eu não disse o que s. ex.ª me esta attribuindo.

O Orador: — Peço perdão. Eu não quero argumentar contra idéas que s. ex.ª não apresentou.

O sr. Eugenio de Almeida: — Eu fallei no direito de reunião pura e simplesmente; portanto o que v. ex.ª diz é fóra da questão..

O sr. Presidente: — Não posso consentir as interrupções. Os dignos pares podem fallar quando tiverem a palavra.

O Orador (proseguindo): — O governo não fez senão o mesmo que já tinha feito outro governo, e mandou dissolver a associação patriotica do Porto.

(Interrupção do sr. Eugenio de Almeida, que não se ouviu.)

Pois s. ex.ª não disse que pertencia a uma associação, de que é honrado chefe, e que não conhecia direito ao governo de ordenar que ella se não reunisse, e se o ordenasse que havia de desobedecer-lhe?...

Ora, sr. presidente, isto é que o governo não póde tolerar, isto é que o governo me consente. O governo não podia dissolver os meetings do corpo da Guarda ou da praça Nova emquanto não perturbassem a paz publica, mas podia dissolver a associação patriotica, que formulou e proclamou pela imprensa qual o seu fim e propaganda, e não tinha estatutos approvados pelo governo. Ora pergunto eu, esta associação estava legalmente constituida? Não, porque não tinha estatutos; logo não podia funccionar.

O sr. Eugenio de Almeida: — Peço a palavra.

O sr. Vaz Preto: — Peço tambem a palavra.

O Orador: — Sr. presidente, eu creio que o deficit é grande...

O sr. Eugenio de Almeida:'— Grande.' E medonho.

O Orador: — O deficit é grande, é mesmo medonho, disse o digno par, mas parece que o meio de diminuir o deficit ou extingui-lo, o remedio heroico são os cáusticos votantes, as agitações e tumultos nas ruas e as pedradas. E eu creio pelo contrario que o deficit não se póde matar assim, não se mata ás pedradas (muitos apoiados); se se quer extingui-lo, hão de empregar-se medidas pacificas e prudentes: esse é que é o meio. Eu posso dizer isto. O digno par conhece-me ha muito tempo, e sabe quaes são as minhas opiniões a este respeito; sabe que muitas vezes contribui com o meu pequeno contingente, assim como os meus amigos politicos, para suffocar disturbios politicos, mas nunca contribui para os excitar; porque, eu entendia que desde que tinha um logar no parlamento devia respeitar e conservar o meu posto de honra, e n'isso nunca hesitei, ainda mesmo que não tivesse uma cadeira no parlamento. Por tanto o digno par sabe que as minhas opiniões politicas são estas, e que sempre censurei nos outros o procedimento contrario. O que convem é que, não só o governo, mas todos os homens intelligentes do paiz, empreguem todos os meios legaes para melhorar a situação d'elle.

Ora, se o deficit é grande, repito, não creio que seja este o meio de o extinguir; e o digno par no fundo do seu coração ha de julgar que eu tenho rasão em dizer que não se podem d'esta maneira aplanar as difficuldades financeiras; e que se acaso nós não fizermos sacrificios, havemos de nos achar mal. Eu creio que é com a regularisação das despezas e organisando bem os serviços, tanto no que toca aos nossos negocios internos, como nos externos, que havemos de melhorar; creio que assim é que se ha de conseguir, senão a extincção do deficit, pelo menos a sua attenuação em escala mui grande, e de maneira a mostrar tanto a nacionaes como a estrangeiros que nós procurámos governar-nos de modo que nos achâmos habilitados a satisfazer todos os encargos e obrigações, e conseguir melhorar a situação do paiz dentro e fóra d'elle.

Tendo feito este pequeno discurso talvez que eu não respondesse a tudo quanto aqui se tem dito, porque não estava presente quando se tratou de outros pontos a que de certo já respondeu o meu illustre collega do reino. Sinto pois não me poder explicar de uma maneira tão clara e positiva como desejava ácerca de objectos, sobre os quaes eu tenho ha muito as idéas mais fixas que se póde imaginar.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr Visconde de Chancelleiros: — Sr. presidente, vou usar da palavra aproveitando o pouco tempo que me resta, porque é provavel que eu não possa vir á sessão de ámanhã, e desejo portanto deixar significado o meu voto com relação á questão que incidentemente se levantou n'esta casa por iniciativa do digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada. Pedi a palavra, sr. presidente, sob a impressão (que não qualificarei de funesta) e surpreza que me causou a proclamação dos principios e idéas que todos acabâmos de ouvir ao digno par que me precedeu.

Sr. presidente, eu tive a honra de fazer opposição ao lado de s. ex.ª, e proclamávamos a nossa opposição, não só no' seio do parlamento, mas tambem n'aquellas reuniões que todos os cidadãos têem direito de fazer. No entanto as nossas doutrinas (como ainda hoje são as minhas) não eram. aquellas que o digno par acaba aqui de proclamar. Então se ex.ª, em mais de uma occasião, apresentou-se como apostolo do culto que se deve prestar á auctoridade, e proclamou muito bem o quanto era necessario dar-lhe força e prestigio, reprovando altamente que ao governo se fizesse opposição pelos meios que agora se empregam: então s. ex.ª reprovava com toda a força dos seus grandes recursos intellectuaes, que se empregassem esses meios para combater O governo, levando a opposição para as praças publicas, promovendo-se assim a desordem e a anarchia, e substituindo a opposição legal á illegal, illegitima e revolucionaria. Então, como disse, estava eu ao lado de s. ex.ª,.de quem aprendi e abracei esta doutrina, e muitas outras que tenho tambem aprendido de s. ex.ª; mas por isso mesmo não esperava agora ouvir do digno par uma doutrina tão diametralmente contraria áquella.

Tendo pois s. ex.ª sustentado aquella boa doutrina, que tanto me agradou; e com a qual me conformo, senti hoje muito ouvir da bôca do digno par principios tão oppostos áquelle! Senti deveras, repito (O sr. Eugenio de Almeida offerece rapé ao orador), e agradecendo ao digno par a mimosa offerta que me faz e que eu tomo, ma? a que me não posso acostumar; continuo dizendo que muito senti ouvir hoje aquelles principios proclamados por um homem, cuja auctoridade de palavra, é tão grande como respeitada pelos eminentes dotes que em s. ex.ª todos reconhecem. Senti deveras que s. ex.ª viesse agora aqui proclamar idéas que, não só não sustentava em outro tempo, mas que até severamente combatia..

Pretende o digno par dar uma grande importancia a esses tumultos, que a final pouco ou nada significam. Diz-se que ha um sobresalto no paiz, que o paiz levanta-se assombrado pela monstruosidade do deficit... Oh! sr. presidente, pois agora é que o paiz se sobresalta e se assombra' com essa, monstruosidade do deficit? Pois o paiz não sabia já ha muito que existia esse deficit? Então sabia que era preciso de algum modo fazer-lhe face recorrendo aos impostos? De certo que havia de sabe-lo. Não podia ignora-lo sem ter de suppor-se que elle era indifferente a si mesmo, e isso não abona muito nem ao menos o valor das representações.

Se o paiz se agita hoje, se essa agitação se manifesta até em representações que não têem sido solicitadas pela commissão a que o digno par pertence; se isso assim é hoje, porque o não era hontem? Pois quando todos desejâmos attenuar o deficit, quando isto se consegue de algum modo pelo augmento do imposto, achâmos sobresaltadas as localidades, que se não sobressaltaram com os frequentes appellos ao credito, que tornavam, necessarios os impostos por se lhes pedirem esses impostos, que não são mais do que um encargo obrigado, como o reconhecem todas as opiniões financeiras?

O sr. Costa Lobo: — Faz se opposição ao desperdicio.

O Orador: — O digno par é dos mais novos que aqui se assenta. Eu já tive tambem a mesma opinião de que o digno par se acha animado. Eu sustentei, e sustento hoje, as mesmas idéas que possuia então; mas o que tenho de mais * é o convencimento, filho do trato da vida publica; e elle diz-me que isso não é systema, que não é levantando acintosamente uma opposição, que não é agrupando em volta do governo difficuldades, que se póde esperar a satisfactoria resolução de uma crise como aquella que estamos presenciando.

Sr. presidente, eu tenho a honra de ser relator da commissão de fazenda no projecto de lei, contra o qual penso se levanta a maioria, e tive occasião de dizer o que disse agora, que o maior dos impostos para nós é o deficit. E não sei mesmo, se fosse possivel transferir o digno par d'esta cadeira para aquellas onde se assenta quem gere a pasta da fazenda (e isto em mim não é mais do que um voto sincero que faço); se fôsse possivel, repito, transferir o digno par do logar que occupa, para aquelle que acabo de indicar, receio muito que s. ex.ª, por mais tratos que désse á sua poderosa imaginação, por muito que procurasse os meios de satisfazer ás necessidades vitaes do nosso paiz, sem recorrer ao augmento, do imposto, que não encontraria de certo nenhum outro. E preciso, sr. presidente, que se equilibre a receita com a despeza, que se trate muito seriamente de amortisar o deficit, que se dêem os cortes necessarios nas despezas publicas.

O sr. Eugenio de Almeida: — Essa é que é a questão.

O Orador: — Estes principios, sr. presidente, tenho eu aqui sustentado sempre. Ditos pela minha bôca, podem não produzir tanta sensação como pronunciados por a de outrem; são principios que alegram os homens de todos os partidos; mas eu, que me tenho levantado contra mais de um governo; eu que por vezes tenho mandado para a mesa moções de ordem contrarias a diversos membros do gabinete, quando se trata da questão do orçamento, tenho-me conservado mudo, porque entendo que é um trabalho inglorio o de propor, mesmo sem consciencia, como muitas vezes succede, reducções na despeza publica.

(Interrupção que não se ouviu).

Página 1372

1372

Não o fez ainda ninguem; só o governo o podia fazer. Eis a rasão por que em certa occasião, fazendo allusões transparentes, conhecidas e claras á pessoa do digno par, appellei para aquelle homem de auctoridade, de força e energia, em cujas mãos eu queria ver a administração...

O sr. Eugenio de Almeida: — V. ex.ª permitte que eu lhe diga duas palavras? O Orador: — Pois não... O sr. Eugenio de Almeida: — Se ha cousa desagradavel para mim são as allusões da especie d'aquellas que o digno par esta fazendo. Sei bem que não é com essa intenção que o digno par as faz, porque conheço a delicadeza dos seus sentimentos, e tenho provas da sua amisade obsequiosa para commigo. Mas é tão prolongada essa allusão, que eu não posso conter algumas palavras que lhe servirão de resposta.

Eu tenho ouvido tantas profissões de falsa modestia, tão desmentidas depois, que tremo sempre pelo ridiculo que póde caír sobre uma profissão similhante, embora eu a faça com a convicção mais sincera. Vou pois faze-la, e pense cada um o que quizer.

Sou homem, e têem entrado em mim muitas paixões falsas e vãs; mas a vaidade de occupar aquellas cadeiras apontando para as cadeiras dos ministros), se vaidade póde haver em as occupar depois do que nós temos visto, nunca entrou no meu espirito; nunca entrou, nem ainda quando procuraram tentar-me para que ella entrasse. Ha bastantes testemunhas que souberam que eu resisti ás tentações, e duas d'ellas são collegas nossos e amigos particulares meus, o sr. marquez de Ficalho e o sr. conde de Peniche. Entre os muitos favores que devo a Deus é sem duvida um dos maiores o de conhecer as funcções para que sirvo, e aquellas para que sou improprio. Posso consagrar-me como humilde operario ao serviço do meu paiz; não tenho algumas das qualidades physicas e das qualidades moraes que são necessarias para funcções mais elevadas. Não faço falta nenhuma. Temos abundancia de candidatos a ministros, e emquanto são candidatos sómente não é possivel acha-los mais perfeitos.

O sr. Presidente: — Estas interrupções são muito contra rias á boa ordem da discussão, e eu não posso consentir n'ellas.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — E verdade; mas tambem muitas vezes estas interrupções apressam a ordem do debate, e pela minha parte não posso deixar de folgar com as explicações que o digno par acaba de dar á camara. Mas apesar d'ellas, não deixarei de pugnar pela idéa espontanea e sincera que se traduz no desejo de ver s. ex.ª n'aquellas cadeiras (apontando para as dos srs. ministros).

Sr. presidente, o que eu digo, e o que tenho já dito n'outras occasiões, é que não é possivel nem se póde exigir do governo que faça reformas repentinas. E muito facil proclamar a necessidade de se fazerem economias; é porém muito difficil apresentar as condições em que ellas devem ser feitas; é muito possivel dizer theoricamente que ha necessidade de reformar de pelo a pelo, e da terra até ás nuvens, mas o que é difficil é fazer encarnar essas idéas de reforma na pessoa de qualquer ministro, com as condições de força e energia para as poder fazer (Interrupção do sr. Eugenio á Almeida, que se não ouviu.) Se o digno par, se a opposição me mostra no paiz esses intuitos, se este movimento de reacção que se nota, significa que se procura occorrer a essa necessidade, se assim se quer lavrar o terreno para lhe lançar depois esta semente, estou ao seu lado, não só com o meu concurso e apoio, mas com a minha dedicação e enthusiasmo. Se se quer crear no espirito publico a força precisa para servir de base a um governo forte e energico que possa fazer desassombradamente as reformas de que o paiz carece, se se quer formar uma opinião publica forte e illustrada, conhecedora dos seus interesses, zeladora d'elles; que possa dar força e firmeza a um governo reformador no interesse legitimo do paiz, eu associo-me a essa idéa, porque caminho tambem para o mesmo fim. Mas se ao contrario a agitação que se promove tem por unico fim um interesse partidario, pôr difficuldades e obstaculos á marcha do governo, para só se conseguir uma mudança de homens n'aquellas cadeiras, eu divirjo completamente d'esses intuitos, e opponho-me a elles. Nem comprehendo que pessoas que tiverem certa illustração possam acompanhar similhante movimento para obterem tão mesquinho resultado.

Ha grande agitação no paiz contra as propostas do governo. Fazem-se representações contra ellas, com grande numero de assignaturas. Mais representações, e com maior numero de assignaturas vieram ao parlamento contra a medida do ensino, por occasião da questão das irmãs de caridade, e ninguem disse que o paiz estava sobresaltado. Pois a febre de representar era então muito maior. Todos sabem o que significam estas representações com grande numero de assignaturas, e como ellas se podem obter; todos sabem tambem que muitas vezes não representam a verdadeira opinião do paiz.

O Sr. presidente, eu fui solicitado por uma camara municipal do districto de Lisboa para que lhe dissesse se devia tambem representar contra as medidas do governo, mas louvando-se na minha opinião, como mais conhecedor das circumstancias em que se achava a nossa politica, e pediu-me informações e conselho. Eu expuz a questão em termos taes, que a camara de que fallo não representou. Appellei para a minha consciencia, e disse o que entendia ser conforme com ella. Hoje, com perto de dez annos de vida publica, não tenho outros desejos senão ver seguir o caminho da ordem e da legalidade, e manter os principios de um bom governo; quero o governo mantido e apoiado. Reconheço a abstenção de certos homens que podem fazer serviços ao paiz e não os fazem, não porque lhes faltem as condições moraes ou physicas, mas porque j

não querem. A rasão é que têem a consciencia de que o paiz lhes não agradece os sacrificios que por elle façam.

Sr. presidente, eu não tenho vocação para ser ministro, nem nunca essa idéa me passou pelo espirito. Se me passasse, e sentisse aquelle famoso estoiro que o padre Antonio Viera sentiu na cabeça, e lhe deu um talento tão brilhante, que o tornou tão fecundo orador, o mais fecundo orador sagrado do nosso pulpito; se a luz da divina graça me illuminasse agora, se me sentisse com todas as condições de poder ser ministro, e me offerecessem se-lo ámanhã, declaro a V. ex.ª, debaixo da minha palavra de honra, que não aceitava uma tal missão nas condições em que vejo este governo e todos os que o precederam; e emquanto o espirito publico não se reformar...(O sr. Eugenio de Almeida: — Essa é que é a questão.) E a questão, mas o espirito publico não se reforma com a propaganda que o digno par esta promovendo.

(Interrupção do sr. Eugenio de Almeida, que se não ouviu.)

Banca rota!! O que eu vejo é a reacção contra o augmento dos impostos, augmento que é uma necessidade, que não entendo como se possa desconhecer.

Vou fazer ponto a estas minhas observações, pois a hora esta adiantada e a camara fatigada.

Sr. presidente, o que é verdade é que não ha senão um meio de remediar estes males, e é que os homens sinceros e de illustração auxiliem todos os governos, que se apresentarem com intuitos generosos, fallando verdade ao paiz, que é o que se não tem feito até aqui.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente: — Creio que a camara quererá que esta discussão continue na proxima sessão (apoiados), mas como os srs. ministros não podem comparecer ámanhã na camara, só poderá haver sessão na proxima sexta feira.

A ordem do dia será pois a continuação da interpellação do sr. visconde de Fonte Arcada, e mais o parecer n.° 151, que tambem estava dado para a segunda parte da ordem do dia, e o parecer n.° 155 sobre o projecto n.° 149.

O sr. Marquez de Niza: — Continua a discussão sobre a interpellação?

O sr. Presidente: — Julgo que a camara assim o entendeu, e mesmo como ha ainda muitos dignos pares com a palavra, e são os seguintes (leu), parece me que esta discussão não póde deixar de continuar (apoiados).

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 1 maio de 1867

Os ex.mos srs.: Condes, de Lavradio e de Castro; Marquezes, de Niza, do Pombal, de Sá da Bandeira e de Vallada; Condes, de Alva, de Cavalleiros, de Campanhã, de Farrobo, de Fonte Nova, de Fornos, de Peniche, da Ponte, do Sobral e de Thomar; Viscondes, de Benagazil, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, de Gouveia, de Monforte, de Seabra e de Soares Franco; Moraes Carvalho, D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Braamcamp, Silva Cabral, Pinto Basto, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Eugenio de Almeida, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Fonseca Magalhães, Preto Geraldes, Canto e Castro, Menezes Pita, Fernandes Thomás e Ferrer.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×