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CAMARA DOS DIGNOS PARES

A Commissão especial encarregada de examinar o projecto de lei approvado na Camara dos Sr.s Deputados, que tem por fim o estabelecimento d'um systema uniforme de pesos e medidas em toda a Monarchia Portugueza, meditou e discutiu este projecto com aquella particular attenção que reclama um assumpto tão grave, e tão intimamente ligado com os habitos e com as necessidades de todos os habitantes dos territorios portuguezes.

Seria superfluo tentar fazer a demonstração de quanto conviria, e de quanto é necessario, que tenhamos um systema uniforme de medidas, pois que desde seculos que em Portugal se tem sentido e exprimido esta precisão. E o mesmo tem acontecido em outros paizes onde existia a desigualdade de medidas.

As tentativas feitas em diversos Estados para se obter a desejada uniformidade; as difficuldades que na pratica se tem encontrado, produzidas principalmente pelos habitos arreigados dos povos; o modo como os Governos tem procurado vencer a sua repugnancia, são factos que o legislador deve ter em vista, pois que lhe indicam como deve proceder cautelosamente quando pretender que uma reforma similhante seja levada a effeito.

Para tentarmos em Portugal a introducção de um systema uniforme de medidas, cumpre-nos ter bem presente, que não é sómente para homens instruídos, nem sómente para as gerações futuras que havemos de legislar, mas tambem, e muito principalmente para a geração que hoje existe; cumpre lembrar-nos que esta tem habitos que toda a força do legislador não é capaz de destruir, senão violentamente.

Se isto assim não fosse, o mais prompto e o mais conveniente, seria adoptar na sua integridade o bello systema metrico legal de França, que é fundado nos progressos da astronomia e da physica, e que é o resultado dos trabalhos longos e delicados de illustre» sabios mathematicos; trabalhos cuja exposição fórma um magnifico monumento da sciencia, e que tiveram por objecto dar ao systema metrico uma base tomada nas dimensões do globo terrestre.

Adoptar os resultados de investigações scientificas feitas em um Estado nenhum desar traz a

qualquer outro, porque taes investigações pertencem á herança commum dos povos civilisados, os quaes todos tem convindo e estão concorrendo, mais ou menos para o augmento deste precioso legado das gerações passadas.

Entretanto, se tal praticássemos, commetteriamos um grave erro, de que a alheia experiencia nos deveria preservar; experiencia feita, e que ainda continua a fazer-se, em França, onde o systema metrico, decretado em 1793, tem tido a luctar, durante meio seculo, contra a força de inercia, contra os prejuizos, e contra os habitos dos povos, como o fazem evidente as providencias que ainda nestes ultimos annos tem tomado o Governo daquelle paiz para tornar completa a sua execução.

Observe-se ainda, que o proprio Governo de Napoleão, apesar da sua reconhecida energia, considerava-se obrigado a transigir com a resistencia tenaz dos povos, e por isso em 1812 applicou por um decreto as denominações vulgares dos pesos e das medidas, aos pesos e ás medidas scientificas: mas a experiencia subsequente mostrou que a repugnancia popular não provinha sómente da mudança dos nomes, mas tambem de que se tinham de alterar com esta mudança as idéas das grandezas ou dos pezos que eram até então representados por nomes identicos. De sorte que o decreto de 1812 prestou um novo motivo de confusão aos que existiam anteriormente. Entretanto, á força de perseverança da parte do Governo, e pelo ensino feito nas escólas, e pelo uso nos estabelecimentos do Estado, a completa adopção e execução do systema metrico decimal em toda a França se tem tornado cada di, mais proxima de effectuar-se.

Convirá tambem não esquecer o que se passou na Gram-Bretanha quando alli se quiz uniformar os pezos e as medidas usuaes. Teve-se em vista o que em França havia occorrido, e por isso o acto do parlamento de 1820, conservando as medidas mares que eram geraes as quaes definiu em partes do comprimento do pêndulo que bate segundos em Londres, conservando o pezo tambem geral, entendeu sómente com as medidas de capacidade, e com as agrarias; e para unidades destas foram escolhidos padrões, cujas grandezas eram tão proximas quanto possivel daquellas que se achavam geralmente em uso.

Havendo-se perdido os padrões dos novos pezos e medidas britannicos, em consequencia do incendio que destruiu o palacio do parlamento, onde se conservavam, foi nomeada uma Commissão especial, de que foram membros alguns dos mais sabios astronomos da Europa, para que propozesse o modo de restaurar os padrões perdidos; esta Commissão em um longo relatorio, apresentado em 1841, conclue que se abandone inteiramente a idéa de se ter um padrão de medida cuja base seja derivada da natureza, que os padrões sejam de metal fabricados com todo o esmero, e que um destes seja guardado dentro da cantaria d'um dos principaes edificios de Londres, indicado medida de capacidade seja determinada por uma inscripção para, em caso de necessidade, ser dalli extrahido para por elle se regularem os padrões em uso; que a medida de capacidade seja determinada pelo pezo, com exclusão da medida liniar; e que sendo fiara desejar a introducção na Gram-Bretanha d'um systema metrico decimal (o que por agora a Commissão pensa não poder-se tentar) »e comece por introduzi-lo na moeda, para que o povo, habituando-se a elle, possa para o futuro ter menos difficuldade em acceita-lo para os pezos e medidas.

Convém muito observar neste logar que sendo a Gram-Bretanha a nação do globo que tem um mais vasto commercio; sendo aquella em que os melhoramentos materiaes tem sido, e estão sendo os mais rapidamente introduzidos; estando ahi a educação de todas as classes extremamente desenvolvida, e estando por isso em circumstancias mais favoraveis do que muitas outras nações para receber qualquer grande innovação nos seus pezos e medidas, nem por isso tem achado os seus legisladores e os seus sabios, que esta deva effectuar-se, se não de um modo que affecte o menos possivel a pratica geral estabelecida.

Tomando em consideração quanto fica exposto, e aproveitando a historia da experiencia alheia, a Commissão especial escolhida por esta Camara, é de parecer que a reforma nas medidas portuguezas, seja a menor possivel, apenas a sufficiente para as tornar uniformes em toda a Monarchia, por ser o unico meio de se levar avante com facilidade a mesma reforma. Ora, sendo a medida liniar igual em todo o Reino, com a insignificante excepção do palmo do covado, o qual

está para o palmo craveiro na razão de 34 para 33, a Commissão propõe que a unidade liniar seja o palmo craveiro, e que esta unidade se chame palmo legal.

Sendo o comprimento da légua desigual em quasi todo o Reino, a Commissão concorda com o projecto approvado pela Camara dos Sr.s Deputados, de que a legua se compute ser a vigessima parte do gráo medio do meridiano terrestre.

A unidade da medida de superficie sendo desigual em toda a Monarchia, forçoso foi á Commissão escolher uma unidade, e preferiu o nome de geira para a designar, como o mais commum. Quanto á sua grandeza. a Commissão adoptou a que fóra proposta por Joaquim de Foyos em sua memoria que se acha na collecção das da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Esta proposta geira é um quadrado que tem por lado 24 braças, e que, por tanto, contém 376 braças quadradas: a vantagem desta medida consiste em ser divisível exactamente por 2, 3, 4, 6, 8, 12, o que na pratica é extremamente commodo; ha ainda a circumstancia de que o meio de terra, medida agraria do Riba-Téjo, comprehende exactamente 18 destas geiras propostas.

A Commissão reconhece que neste ponto a sua escolha foi arbitraria, porque outra unidade poderia designar-se, com grande conveniencia para o calculo, como por exemplo, o quadrado de 10 braças ou 100 braças quadradas; a extensão de 1000 braças quadradas, a qual se aproximaria á geira dos campos de Coimbra que tem 1311 braças quadradas; a extensão de 10,000 braças quadradas que seria pouco mono» do que o meio de terra do Riba-Téjo que tem 40,368 braças quadradas.

Quanto aos pezos, a Commissão é de parecer que se não deve fazer alteração alguma, por existir já em todo o Reino a sua desejada uniformidade. O arratel, deve por tanto ser a unidade de pezo.

Tornar geral em toda a Monarchia uma unica medida de volume é o mais difficultoso ponto que offerece a(reforma que se tem em vista.

É sabido que as medidas de capacidade, tanto para liquidos como para seccos, variam em todo o Reino, não sómente de Concelho para Concelho, mas entre povoações do mesmo Concelho, e é digno de notar-se que mesmo recentemente, em alguns Concelhos municipaes do Reino as authoridades locaes tem feito alterações nesta especie de medidas.

A Commissão depois de uma prolongada discussão sobre este objecto, assentou propôr que á unidade das medidas de capacidade seja a canada; e que esta seja igual aquella de que se usa em Lisboa, e seu Termo.

As razões que determinaram a Commissão afazer esta escolha são as seguintes:

1.ª As medidas de Lisboa para liquidos e para seccos são tambem aquellas de que faz uso um maior numero de portuguezes, porque, alem do Exercito e da Armada, em cujas corporações, e em cujos importantissimos estabelecimentos, ellas são as unicas medidas legaes, são ellas usuaes entre os individuos que constituem 57,000 fogos, em quanto que as de Guimarães são usadas por 34,000, e as do Porto por 15,000 fogos sómente.

2. ª Entre a grande variedade de medidas de capacidade de que se usa nos territorios portuguezes, umas maiores, e outras menores, do que as de Lisboa, não acha a Commissão motivo para dar sobre estas a preferencia a alguma daquellas; e pela mesma razão a nenhumas outras novas medidas que se pertendessem introduzir.

3. ª As medidas de Lisboa são, desde muitos annos, conhecidas em todos aquelles Concelhos do Reino onde tem existido assento do Commissariado, e onde tem estado estacionados corpos do Exercito nos quaes as distribuições se fazem por estas medidas.

4. ª Em todo o Reino existe um grande numero de individuos, os quaes, tendo servido como militares, tem conhecimento pratico destas medidas.

5. ª Em todas as Provincias Ultramarinas ha, maior ou menor conhecimento das medidas de Lisboa, tanto pelas relações commerciaes que entretém com a Capital, como pela frequencia de seus portos pelos navios do Estado.

Adoptando-se a canada de Lisboa nenhuma alteração haveria a fazer nas outras medidas para liquidos, devendo conservar-se os seus multiplos sub-multiplos presentemente em uso; assim, o almude continuaria a ter 12 canadas, e a pipa legal 300 canadas ou 25 almudes.

Nas medidas para seccos. comtudo, seria preciso fazer uma pequena alteração para que o alqueire contivesse um numero inteiro d« canadas. O alqueire de Lisboa contém 9 canadas e 8 decimos, ou 98 decimos da canada de Lisboa: fazendo-se-lhe um augmento de 2 decimos de canada, ficaria este alqueire sendo igual a 10 canadas.

Por este modo ficaria o alqueire para o almude na razão de 5 para 0, e se tornaria extremamente facil a conversão das medidas de liquidos nas dos seccos e vice-versa, e estas medidas viriam desta sorte a servir para se poderem verificar mutuamente. Adoptando-se o alqueire igual a 10 canadas, seria o meio igual a 600 canadas, igual ao dobro da pipa de 25 almudes ou ao tonel.

A Commissão propõe tambem que a capacidade da canada seja determinada pelo peso da agoa em circumstancias designadas, com exclusão da referencia á medida liniar; o que prestaria um meio prompto de verificar a exactidão das medidas de capacidade qualquer que seja a fórma que estas tenham.

A Commissão propõe que seja conservada a tonelada para a arqueação dos navios de 100 palmos cubicos como já se acha determinado por Lei.

O systema metrico decimal de França, o qual se acha adoptado em alguns Estados que fizeram parte do Imperio francez, foi na sua origem destinado a tornar-se geral entre os povos civilisados, o que seria de uma immensa vantagem para o commercio reciproco e para outras muitas relações, como o seria igualmente o de uma unica moeda commum a todas as nações. Quando se considera a utilidade que os povos civilisados tiram de usarem de um mesmo systema de numeração, da mesma divisão do circulo, e do tempo, e de certos signaes empregados em varias sciencias e artes, poderemos avaliar a conveniencia que havia se fosse cumprido o voto dos sabios e dos estadistas eminentes que fizeram emprehender e executar a medição de um grande arco do meridiano terrestre com o fim de se conseguir uma base para um systema universal de pezos e medidas. Difficuldades de grande momento se tem opposto á realisação deste voto, mas o desenvolvimento das communicações entre todos os povos civilisados, hoje tão acceleradas pela applicação do vapor á locomoção, e pelo uso das vias ferreas, tornou cada dia mais evidente a conveniencia de que uma mesma moeda e uma mesma medida se tornem communs á sociedade destas nações.

A Commissão partilha estes principios, e acha que o systema metrico decimal de França é o mais appropriado para este fim. Mas reconhece ao mesmo tempo que para o tornar usual carece-se deum largo espaço de tempo, de muita purdencia e de muita perseverança, e que precipitar a sua adopção excitaria taes resistencias da parte dos povos, que a final estas haviam de retardar a sua introducção. De mais para que se possa tirar de um systema metrico decimal toda a utilidade, é preciso que aquelles que delle devem usar saibam lazer operações arithmeticas com os numeros decimaes. Ora, em Portugal, e muito mais ainda um seus dominios, ião comparativamente, mui raros os individuos que Saibam fazer taes operações.

Pelas considerações acima expendidas verá a Camara os motivos porque a Commissão não póde approvar as provisões do projecto de Lei que foi submettido ao seu exame: provisões pelas quaes seria estabelecido o systema metrico decimal francez, impondo-se ás medidas e aos pezos decimaes nomes das medidas e dos pezos hoje usuaes em Portugal. Havendo em França mostrado a et pertencia que pelo Decreto de 1812, acima mencionado, se nao póde conseguir o fim que se leve em vista quando foi publicado, mas que augmentou as difficuldades, confundindo as idéas o os nomes, e dando logar a praticas fraudulentas do especuladores sobre a ignorancia do publico, commetteriamos um grave erro emprehendendo praticar uma medida identica.

Por todas estas razões é a Commissão de parecer, que o systema metrico legal de França sómente seja adoptado em Portugal, ilhas adjacentes e Provincias ultramarinas, para os seguinte» fins:

1. º Como base a que sejam referidos os pezos e as medidas usuaes.

2. º Como systema usual para os corpos scientificos, e para aquellas Repartições do Estado que o Governo successivamente achar que delle podem fazer uso. Desta sorte a Commissão conforma-se até certo ponto, com o principio do projecto de Lei que foi approvado pela Camara dos Sr.s Deputados.

A Commissão e tambem de parecer que nas