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quando poder, reduza a altura que a lei marca aos mancebos para o assentamento de praça, e essa altura, que é de 1m,56, desça a 1m,55. Não peço tambem a s. ex.ª a reducção da idade, porque voto contra essa reducção, nem lhe peço a organisação das reservas, porque tambem voto contra toda a organisação de reservas que não tenha por fim estabelecer que ellas só fiquem pertencendo aos cascos do regimento de que fizeram parte. A camara sabe perfeitamente que ha regimentos com 500 homens, e ainda menos, e um corpo com este numero de praças, segundo a tactica moderna, não serve quasi para nada; é preciso que as reservas se lhe reunam para se poder formar de cada regimento tres batalhões.
Peço desculpa á camara de todas estas considerações.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Guerra (Marquez de Sá da Bandeira): — O digno par apresentou duas ordens de observações, e foram uma em relação á idade dos mancebos recrutados e ácerca da sua minima altura, outra em relação ás remissões por dinheiro.
Respondendo ao digno par, direi que foi nomeada uma commissão pela camara dos senhores deputados, com o fim de reformar a lei do recrutamento, e essa commissão estou certo de que ha de tocar sobre os pontos a que s. ex.ª se referiu. O ministerio da guerra, bem como o do reino, estão promptos a fornecer-lhe todos os esclarecimentos de que ella necessitar, a fim de que possa apresentar um bom trabalho a este respeito. Isto pelo que respeita á primeira parto das reflexões do digno par. Emquanto ás remissões por dinheiro, direi que estou de accordo com s. ex.ª em que convem acabar com esta especie de remissão, mas tambem o que é preciso é acabar com o systema dos substitutos serem approvados nas capitães dos districtos em logar de o serem no proprio regimento.
Pelo que respeita aos contingentes serem maiores, direi que isso será necessario por causa do apuramento dos recrutas. Mas a grande vantagem d'esta disposição consiste em os mancebos estarem apenas tres annos nas fileiras. Este systema da reducção do tempo para o serviço militar acha-se adoptado em toda a Europa. Na Russia o espaço de tempo para o serviço militar foi já reduzido, e na Baviera está actualmente reduzido a dois annos. Sendo menor o tempo de serviço deverá ser menor a repugnancia da parte dos mancebos em assentarem praça, havendo portanto maior movimento nos corpos e crescendo o numero dos individuos habilitados no exercicio das armas e promptos para em caso de necessidade se apresentarem a fazer serviço.
Tenho aqui um pequeno mappa que contém o numero de individuos de 20 a 21 annos que no anno de 1860 foram recenseados e vejo que são 37:000, e no anno de 1861 subiu este numero a 38:000, são os recenseamentos em que recaíram os sorteamentos. E no mesmo anno, em mancebos de 21 a 22 annos, já dispensados todos os outros, andam por perto de 8:000 a 9:000. De maneira, que dá o total do numero dos mancebos de 20 a 22 annos, no primeiro, 46:000, e no segundo 48:000.
Os contingentes pedidos têem sido de 7:200 praças, e algumas pessoas julgam excessivo este numero; mas deve notar-se que entre o numero do contingente votado, e o numero recebido de recrutas, ha uma differença grande, mais de 30 por cento, porque o que se recebe ordinariamente anda por 67 a 68 por cento.
Alguns districtos têem em dia ou quasi em dia o seu recrutamento; por exemplo, Faro, que em doze annos não deve um só recruta. Cada um dos districtos do Alemtejo, os de Castello Branco e de Bragança devem pequeno numero de recrutas; o districto de Santarem tem dado 90 por cento; mas ha outros, como é o de Braga, que de seis mil e tantos recrutas votados em doze annos, deve mais de 4:000, Coimbra está quasi no mesmo caso. E estão constantemente nos districtos do Minho a pedir, forças para lá. Não dão soldados e querem guarnições! E necessario que a lei de recrutamento seja mais efficaz do que é. A causa da sua ineficacia deriva das fraudes que se praticam por occasião das eleições para deputados (apoiados).
Por consequencia, é preciso, antes de tudo, acabar-se com a interferencia do governo nas eleições (muitos apoiados) Mesmo para a organisação das finanças, é isso necessario, porque muitas vezes os administradores de concelho e os escrivães de fazenda, por causa de alguns votos, permittem que os individuos ricos deixem de pagar o que devem (Muitos apoiados).
Agora, quanto á reserva, diz o § unico do artigo 2.°, que o governo apresentará ás côrtes na proxima sessão legislativa uma proposta de lei determinando a especie de serviço a que a reserva fica sujeita, e a fórma como ha de ser organisada. E como esta é uma lei que ha de dar logar a uma grande discussão, porque as leis importantes devem ter uma larga discussão, a camara n'essa occasião a apreciará.
Eu entendo que se pôde organisar uma reserva sem grande despeza; e ainda que o que eu vou dizer não seja opinião definitiva, creio que se se quizer dar a cada regimento uma circumscripção de recrutamento, como antiga mente acontecia, a esse corpo pertenceriam todos os soldados da reserva da mesma circumscripção, poderemos ter, com os mesmos officiaes, e talvez apenas com mais alguns outros reformados, que vão ás proprias freguezias da localidade dar a instrucção aos mancebos, poderemos ter uma reserva efficaz e economica, sem excitar a repugnancia da parte dos habitantes, porque sabem que os individuos da reserva deverão unir ao corpo cujo quartel é na respectiva localidade.
O digno par sabe que antigamente o regimento de cavallaria de Chaves tinha sempre voluntarios, sendo as vacaturas das praças de pret preenchidas quasi hereditariamente. Quando um regimento está localisado, embora isso tenha alguns inconvenientes, tem comtudo a vantagem de formar uma especie de familia com os habitantes da terra. O governo tinha e tem que considerar entre os dois systemas, o hespanhol e o francez, que estabelece certas vantagens para aquelle que apresenta o filho quando está nas circumstancias de servir.
O sr. Conde de Cavalleiros: — Não são os nossos costumes.
O Orador: — O que fica dito é para mostrar quaes as vistas com que o governo 'trouxe assim formulada a presente proposta, e a intenção em que está de se progredir no empenho de conseguirmos o melhor.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Vota a favor do projecto em discussão, nem podia deixar de assim o fazer, porque em documentos officiaes já ha muito consignou esta sua opinião.
Alem d'isto não tendo este projecto applicação para o ultimo contingente, e que vae ser chamado ao serviço, por ser sabido que a lei unicamente tem execução depois de seguir as formalidades legaes, todavia é, na opinião d'elle, orador, o reconhecimento de uma opinião, já de ha bastante manifestada, e que se deve inserir na lei, que na proxima sessão será apresentada ás camaras, acompanhada de outras disposições, que a elle, orador, tambem lhe parecem indispensaveis.
Vota-se n'esta occasião, como principio, a reducção do tempo de serviço; principio que lhe parece muito conveniente, não só como meio de facilitar o recrutamento (opinião em que diverge da do digno par, o sr. conde de Cavalleiros), mas igualmente de importancia economica e moral. Não ficando assim os mancebos por tanto tempo fóra dos habitos e occupações ordinarias da vida das populações, não terão, como actualmente, tanta repugnancia no sacrificio que todos devem á patria. Cinco annos é um periodo longo na adolescencia; e ninguem deixará de reconhecer que n'esse periodo se perde o ensejo da aprendizagem de qualquer officio, ou occupação, que, sem duvida, no centro das populações são os cimentos da prosperidade, se bem que igualmente as armas são a gloria de todas as nações.
Concorda com o digno par, o sr. conde de Cavalleiros, no desejo de ver desapparecer na lei do recrutamento a repugnante disposição, muitas vezes impossivel de executar, que os paes dos recrutados respondam, pelos seus bens, no caso do desapparecimento dos filhos; e n'esta occasião dá testemunho ao sr. ministro da guerra de quanto folgou de lhe ouvir que similhante clausula será eliminada, bem como a outra das substituições a dinheiro, substituições que tem sido a causa da ruina de muitas familias, e injustas pela desigualdade do sacrificio em relação ás fortunas.
Emquanto á idade para o recrutamento, recordando quanto é tardio, em o norte do reino, o desenvolvimento da adolescencia — o que tem sido causa de se rejeitarem muitos mancebos, se bem que com todas as condições da robustez —, opina pela reducção, como igualmente é seu voto a reducção na altura hoje determinada por lei, pois que tem visto muitos individuos eximirem-se do serviço por causa da altura.
Emquanto á reserva do exercito, nada dizia, por não ser competente na materia, mas conhece a necessidade d'ella, dizendo de sua propria opinião que se admirou de ver que alguns individuos pertencentes á reserva se apresentassem como o fizeram, no acampamento de Tancos, não sendo em similhante conjunctura de esperar tanto. Este facto de mostrou-lhe que, em caso urgente, a patria pôde contar com os seus filhos.
(Durante o discurso do precedente orador entrou o sr ministro da justiça.)
O sr. Presidente: — Não ha mais nenhum digno par in scripto, e por consequencia vou submetter á votação da camara esta proposta de lei.
O sr. Marquez de Vallada: — Pediu a palavra sobre a ordem para um negocio muito importante depois de votado este projecto.
Posto á votação o parecer e respectivo projecto de lei, foram approvados na generalidade e especialidade.
O sr. Presidente: — Tem o sr. marquez de Vallada a palavra sobre a ordem.
O sr. Marquez de Vallada: — Declarou que tencionava pedir a palavra antes da ordem do dia, por esperar ver n'esta camara o sr. ministro dos negocios da marinha e do ultramar; e pedira-a tambem n'esta occasião sobre a ordem porque estão presentes, alem do sr. presidente do conselho, dois membros do gabinete, e deseja chamar a attenção de ss. ex.ªs sobre um negocio que elle, orador, julga muito importante.
Consta-lhe que entrou no Tejo o vapor Africa, vindo de Cabo Verde, e que ali começou a febre amarella a fazer grandes estragos n'aquellas populações.
Ainda ha poucos dias elle, orador, fallou n'esta camara com relação a Cabo Verde, porque nunca perde a occasião de fallar nas provincias do ultramar, a fim de se melhorarem as suas circumstancias.
Espera do governo, especialmente do sr. ministro do reino, que dê as providencias necessarias para a febre se não espalhar em o nosso solo; e espera tambem que o governo, pelo amor do bem publico, empregue todos os meios para minorar os effeitos d'aquelle flagello, mandando os soccorros que forem precisos. Está convencido de que o governo, conscio do seu dever, dará todas as providencias, concorrendo muito e especialmente para que se não propague n'esta capital, e não venha outra epocha como a de 1857, o que seria uma grande desgraça para o paiz.
Chama pois a attenção do sr. ministro dos negocios do reino, que é o mais competente para este assumpto, por não estar presente o sr. ministro da marinha e ultramar.
O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): — O digno par deve convencer-se de que todos nós devemos tremer diante do flagello, e por isso escuso de apresentar muitas considerações a este respeito, porque é um d'aquelles casos em que não ha pae por filho, nem filho por pae, porque o mal ataca a todos.
Portanto o governo ha de fazer tudo quanto humanamente possivel para sermos poupados a similhante flagello (apoiados).
O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.° 30, sobre o projecto de lei n.° 18. E do teor seguinte:
Parecer n.° 30
Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 18, vindo da camara dos senhores deputados, tendo por objecto auctorisar o governo a despender 100:000$000 réis para a continuação das obras da fortificação destinada á defeza de Lisboa, e para dar principio ao armamento das fortalezas que defendem o porto da mesma cidade.
E a commissão, comquanto pelos esclarecimentos que lhe foram subministrados pelo governo, esteja na convicção de que as obras de que se trata, para terem uma importancia real com relação ao seu fim carecem de sommas por tal modo consideraveis que se tornam incompativeis com as necessidades da fazenda publica, e um impossivel portanto na actualidade das circumstancias financeiras do paiz.
Comtudo:
Attendendo que a somma pedida vae substituir as verbas de despeza contempladas no orçamento em vigor para o anno economico corrente (capitulo 10.°, artigos 37.º e 45.°), com destino para o campo de instrucção e manobras, e para os transportes, os quaes ficam supprimidos;
Attendendo que o governo ha de despender a somma pedida com aquelle previdente cuidado e estricta economia com que devem ser feitas todas as despezas extraordinarias, para que se consiga o seu fim com o menor numero de sacrificios que seja possivel:
E de parecer que o dito projecto de lei poderá ser approvado por esta camara, a fim de que, reduzido a decreto das côrtes geraes, suba á sancção real.
Sala da commissão, em 26 de agosto de 1868. = Conde de Cabral, presidente = Francisco Simões Margiochi = Barão de Villa Nova de Foscôa = José Augusto Braamcamp = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.
Projecto de lei n.° 18
Artigo 1.° É o governo auctorisado a despender a quantia de 100:000$000 réis para a continuação das obras de fortificação destinadas á defeza de Lisboa, e para dar principio ao armamento das fortalezas que defendem o porto da mesma cidade.
Art. 2.° Os 100:000$000 réis de que trata o artigo antecedente, serão transferidos das verbas de despeza que no orçamento em vigor para o anno economico corrente (capitulo 10.°, artigos 37.° e 45.°) estão destinados para o campo de instrucção e manobras e para os transportes.
Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.
Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 18 de agosto de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario = José de Faria Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria, deputado secretario.
Leu-se na mesa e entrou em discussão.
O sr. Vaz Preto: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Tem o digno par a palavra.
O sr. Vaz Preto: — Não contava fallar n'este momento, não estava mesmo preparado para o fazer, porque sendo o assumpto de tanto alcance e tão momentoso, nunca suppuz que o regimento fosse dispensado; mas por outro lado a camara tem rasão porque em circumstancias taes e em objectos d'esta ordem não deve haver demora nem adiamento, visto que pelo adiantamento da sessão o projecto não poderá votar-se talvez seguindo as praxes regulares. N'este caso conformando-me e acatando a resolução da camara, que eu respeito sempre, ouso comtudo levantar o meu brado debil e frouxo n'este recinto, e com timidez e acanhamento apresentar á consideração da camara as minhas humildes opiniões, as minhas idéas, posto que mal coordenadas, mas que uma convicção intima determina e acompanha. Fa-lo-hei pois com desassombro, embora pareça arrojo não sendo esta a minha especialidade, e sem estar preparado para metier fouce em seara alheia e discutir uma materia tão interessante e de tanta magnitude; mas os instinctos de portuguez, as susceptibilidades da patria, os brios de representante do paiz, e os deveres inherentes á minha posição, tendo assento no meio de uma assembléa tão respeitavel como a dos dignos pares, me impellem a este arrojo, audacia talvez, porquanto o projecto que se discute é de alto valor e summa consideração, não tanto pelo imposto ou contribuição que se nos pede na verba de 100:000$000 réis, como pelos motivos que determinam este sacrificio e os symptomas mais ou menos visíveis, mais ou menos assustadores da molestia, para não dizer gangrena que se pretende atalhar, e que tem feito e faz todos os dias progressos rapidos e crescentes estragos.
Sr. presidente, não nos illudamos, a nossa situação é grave, gravissima, quer a consideremos com relação ás difficuldades internas que nos circumdam, quer a observemos com attenção aquelles que nos podem provir da attitude actual da Europa, e dos factos incríveis e extraordinarios que n'estes ultimos annos se têem passado á nossa vista, e observação que lhes é contemporanea; factos ou antes acontecimentos que mudaram a phase politica dos grandes povos que marcham na vanguarda da civilisação.
A destruição dos tratados de 1815, destruiu o equilibrio