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Sr. presidente, não desejo cansar por mais tempo a camara e abusar da sua benevolencia; terminarei pois as rainhas simples e singelas observações acompanhadas dos mais ardentes desejos. Haja pois vontade, energia, saber e sciencia de mostrar ao povo os seus deveres, e colloque-se o governo pelo que faz, e pelo exemplo á frente d'esta nobre e santa cruzada, e o povo não lhe recusará o maior, o mais enorme sacrificio que se lhe pedir, e os, homens serios e de valor de todos os partidos agrupar-se-hão em torno da bandeira nacional erguida, e a cujo tremular não podem deixar de acudir, quando os interesses e defeza da patria estão ali.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Observando que o negocio em discussão é de mui subida importancia, não lhe parece que se deva tratar de um modo inconveniente, porquanto tendo o sr. ministro da guerra apresentado este projecto foi elle remettido á respectiva commissão, e esta requisitou um certo numero de esclarecimentos; esses esclarecimentos vieram na precedente sessão, ficando apenas sobre a mesa para poderem ser examinados; mas nem elles, nem o parecer da commissão se mandaram imprimir. Ora, perguntará, como é possivel que os membros d'esta camara possam ter d'este modo o necessario conhecimento do que se trata? Na verdade isto é uma cousa extraordinaria, e elle, orador, sente que se esteja amiudadas vezes a repetir factos de similhante natureza.
Não pretende com isto fazer a minima censura á presidencia, que não tem culpa alguma, mas não pôde deixar de confessar que similhante procedimento é singularissimo. Diz-se que é da maior importancia, e por esse mesmo facto quer-se tratar de um modo que não pôde nem deve ser tratado?!
Não propõe o adiamento do projecto, mas no estado em que se acha collocada a questão vê-se obrigado a votar contra, porque quer votar com conhecimento de causa, e pelo modo por que se está discutindo o assumpto não o tem, nem o pôde ter.
Vota portanto contra o projecto, sem mesmo tratar de apreciar a conveniencia ou inconveniencia de se gastarem 100:000$000 réis para se fortificar Lisboa, lembrando apenas que se se apresenta um perigo ha muito entulho e muitos hombros para o poderem conduzir, a fim de se fortificarem os arredores de Lisboa quando for necessario, o que se pôde fazer em muito pouco tempo, ao passo que para levar ao cabo as fortificações de que se trata são precisos tantos annos, que talvez não estejam promptas na occasião de serem necessarias.
Assim motiva o seu voto.
O sr. Conde de Cavalleiros: — Sr. presidente, eu não posso ver arguir o governo de não ter feito cousa alguma, quando apenas começou a sua carreira; mas tambem não entendo que se deva louvar previamente pelo que ainda ha de fazer;> comtudo, nas circumstancias em que nos achamos, eu entendo que tenho obrigação moral de prestar a este governo, ou a qualquer outro, todo o apoio possivel para o desembaraçar de qualquer difficuldade, a fim de que não possa desculpar-se no futuro de não ter feito nada no preterito; por isso, sr. presidente, votei outro dia uma auctorisação ampla, para que o governo possa simplificar e organisar os serviços publicos, diminuindo o numero dos empregados.
Nunca na minha vida me custou menos a votar uma auctorisação, e, sr. presidente, se eu tivesse a mais pequena duvida em prestar-lhe o meu voto, bastava um facto bem notorio, aqui referido pelo sr. visconde de Chancelleiros, para eu não vacillar em votar essa auctorisação.
Este governo, segundo creio, foi convidado a assumir a dictadura. Ora, sr. presidente, creia v. ex.ª que no tempo em que nos achamos, sendo o governo composto de homens intelligentes, era uma tentação terrivel, de que felizmente fomos salvos pelo bom senso de ss. ex.ªs, e pelo exemplo dos seus antecessores a quem não aproveitou a dictadura.
Uma dictadura é sempre má, mas uma meia dictadura é peior.
Se o governo assumisse a dictadura para vir aqui revogar duas ou tres leis, e não fizesse mais nada, desconceituava-se, caía, tinhamos outra crise, e o paiz continuava na abjecção de ver caír e nomear ministerios até á sua completa perdição.
A dictadura é a reunião do poder executivo com o poder legislativo; não é mais nada; porque se passa d'ahi é o despotismo. Pôde haver dictadura que não seja despotismo, mas ha muita cousa que pôde ser feita pelo despotismo e não o pôde ser pela dictadura.
Se a dictadura atacasse os artigos da carta, que envolvem a separação dos poderes, tornava-se em tyrannia, e eu não sei se poderia haver parlamento que absolvesse similhante procedimento.
Sr. presidente, digo isto como uma resposta amigavel ao meu nobre amigo e collega, que outro dia me pareceu se tinha estimulado quando eu pedi a palavra para declarar que era contrario á dictadura, porque, se eu fosse dictador, havia de ser dictador completo até ao fim. (O sr. Visconde de Chancelleiros: — Apoiado, e peço a palavra.)
Sr. presidente, trata-se de uma proposta que concede 100:000$000 réis, não para as fortificações de Lisboa (é necessario que se entenda), mas para o artilhamento das fortificações marginaes do Tejo, em grande parte, o que é muito differente. Esta verba é principalmente destinada ao artilhamento dos fortes que guarnecem as margens do Tejo, e eu não posso deixar de approva-la, porque já vi entrar a barra dois navios de guerra americanos, ameaçando de dar um combate dentro do rio, e nós não tinhamos meios de o evitar, porque não tinhamos artilheria nos nossos fortes para lhes resistirmos é fazermos respeitar a nossa bandeira.
Qual é o homem que vive em logar ermo, e não compra armas para se defender? Não poderá esta nação gastar 100:000$000 réis em um objecto tão util? Pois nós podemos gastar mais de 300:000$000 réis n'esta casa sumptuosa, quando podiamos funccionar n'uma sala muito mais modesta, que não custasse mais do que a sexta parte do dinheiro que se gastou aqui; pois nós podemos gastar réis 350:000$000 com o theatro de D. Maria II, e em que se gastam ainda 13:000$000 réis cada anno, para irmos para ali bocejar, porque se não encontra lá ninguem com quem se converse; pois nós tivemos 500:000$000 ou 600:000$000 réis para gastar n'um lazareto aonde não entra alma viva que não se queixe de que não pôde respirar, de que lhe não deram cama, ou de que a comida era má; pois nós estamos constantemente a despender tantos e tantos contos de réis, e não queremos votar 100:000$000 réis para comprar meia duzia de canhões para collocar em alguns fortes, e applicar o resto no começo, na preparação de fortificações que defendam Lisboa! Eu declaro á camara que nós não devemos olhar com desdém para esta questão de fortificações. Se o sr. ministro viesse pedir á camara centenares de contos de réis, exagerando, não direi estes sustos, porque os portuguezes não costumam assustar-se pela proximidade do perigo, mas exagerando esta crise em que nos achámos; se ss. ex.ªs viessem pedir centenas de contos de réis para o chamamento ás armas, para o armamento geral, para estabelecer escolas de tiro, de que se não tem tirado proveito n'alguns paizes, como ha pouco disse um digno par, e com que se tem gasto nos outros paizes muito dinheiro; se ss. ex.ªs viessem pedir muitas outras cousas n'este sentido, eu havia de votar contra essas exigencias, porque o remedio era peior do que a doença, por isso que taes despezas exhauriam-nos de todo; e toda a camara concordará de certo que uma nação extenuada pela fadiga dos tributos, dos esforços e trabalhos pôde o inimigo marchar sobre ella, que não lhe encontra resistencia; é similhante a uma casa que o dono abandonou por não existir cousa alguma n'ella; de sorte que o inimigo chega é não encontra ninguem, porque o chefe da familia abandonou-a e os filhos tambem tinham fugido, e não havia ninguem que defendesse os lares, porque já de antemão estavam arruinados pelos vexames dos tributos e exigencias governamentaes. Agora o que voto é a preparação de um esforço continuado de tal modo que, pouco a pouco, cheguemos ao estado de nos defendermos dos nossos inimigos. Não devemos só confiar no peito dos soldados portuguezes, é necessario tambem que nos fortifiquemos. Muita gente suppõe que basta a valentia para arrostar com tudo; não é tanto assim, ha soldados muito valentes que ás vezes têem receio de um pequeno obstaculo, de uma teia de aranha.
As fortificações de Lisboa hão de por força ser pequenas, porque se ellas occuparem uma grande area não teremos gente para as guarnecer, e o resultado será o inimigo passar por ellas como se não existissem. Note porém a camara uma cousa: eu não digo isto porque acredite que nós poderemos ser atacados ámanhã; emquanto não houver uma guerra geral na Europa não vem aqui ninguem; mas quem me diz a mim que um dia, apesar de estarmos em paz com todas as nações, venha por ahi um brigue inglez e comece a praticar algumas gentilezas ás quaes não podemos corresponder! Havemos de nos entregar manietados? Não vemos as usurpações das nossas possessões ha pouco opprimidas?
O que é preciso pois é fazermos pequenas fortificações, e acredite a camara que não ha vantagem alguma em fazer grandes fortalezas em que se gastem milhares de contos de réis, sugando assim todo o sangue do paiz para nos defendermos de uma invasão que só poderia ter logar depois de uma guerra geral em que a Inglaterra estivesse em desaccordo com a França, para esta se combinar com a Hespanha e aquella, a nossa fiel alliada, tomar conta das nossas colonias para as ter em boa arrecadação, a fim de no-las dar depois no dia de são nunca á tarde friso). Têem sido precisos oito annos para os inglezes aceitarem a arbitragem de alguem sobre a usurpação que nos fizeram da ilha de Bolama! Depois d'esta violencia já nos fizeram outra; quantos annos serão precisos para a reconhecerem?
Não esperemos pois pela ajuda de ninguem: confiemos apenas em nós: nos nossos braços, na nossa justiça, no favor de Deus.
Sr. presidente, eu ouvi um digno par nosso collega, o sr. José Maria Baldy, com a proficiencia e conhecimentos que tem, dar conselhos ao governo. O digno par pelo seu caracter pessoal, pelo seu saber e pela posição que occupa, é digno do respeito e estima de todos nós, e eu pessoalmente tenho por s. ex.ª, apesar do respeito e do conceito, inteira sympathia. Concordo com s. ex.ª em que o melhor meio de termos bons generaes é de os exercitarmos no campo e fóra d'elle por meio de exames e exercicios, entregando essas operações e theorias nas mãos de quem as comprehenda e tenha habilidade e engenho preciso para commandar e comprehender o que deve ensinar. Não basta o valor, a força e a destreza de manejar a catana para ser bom general e alcançar a victoria, é preciso a intelligencia e o saber.
A tropa opera e o general delibera.
Logo é preciso formar o general antes de ensinar o soldado. Este é consequencia d'aquelle.
Foi este o pensamento illustrado do nosso dignissimo collega o sr. general Baldy. Mas para completar o pensamento de s. ex.ª é necessario mais alguma cousa.
Não tem havido governo algum (e com isto não quero accusar ninguem), que não tenha querido illustrar os seus amigos, mandando-os viajar por toda a Europa para estudarem differentes cousas imaginarias, de que deveriam resultar grandes beneficios para este paiz; mas infelizmente
a maior parte das vezes nem os relatorios apparecem. Ora, se todos os governos têem tido dinheiro para mandar os seus amigo viajarem e divertirem-se nas capitães da Europa, a fim de conhecerem as alterações atmosphericas, porque é que não têem mandado os brigadeiros que começam a vida de generaes, ou quaesquer outros officiaes superiores, estudar e aprender nos principaes campos de manobra que ha pela Europa, os meios de ensinar bem os nossos soldados?! Pois é possivel ter-se um campo de manobras para os generaes ensinarem aquillo que não sabem? (Apoiados.) Não será isto o mesmo que ir nomear professor de uma escola de primeiras letras um homem que não saiba ler nem escrever?! (Apoiados,) Os rapazes ficariam sabendo tudo, menos ler e escrever (riso e apoiados). Eu com isto não pretendo offender ninguem, porque não ha regra sem excepção. Conheço que ha generaes muito instruidos e capazes de praticar, mas a opinião publica preocupa-se com estas cousas. Ora, se ha na Europa campos de manobras, vão os generaes lá aprender, para depois cá ensinarem, com o que o paiz de certo muito lucrará (apoiados).
Houve uma guerra na Criméa e appareceram lá generaes de toda a Europa; mas de Portugal nem um. E comtudo que campo de manobras não era aquelle para ensinar e instruir?!
Houve uma guerra na Italia, singular em todas as suas disposições; foram generaes de todo o mundo, mas os generaes portuguezes não tiveram dinheiro para lá ir!! Ora, se se reunisse todo o dinheiro que venciam os litteratos que andavam passeando com o pretexto de estudar, daria para mais de doze generaes ali poderem ter ido.
Veiu a guerra da Allemanha, a guerra das espingardas de agulha, que alterou a tactica, e que fez tanta impressão, que ainda hoje se falla nas armas de agulha como se fossem ellas que decidissem a questão, que não foram; e comtudo não appareceu lá nenhum general portuguez!
Veiu a guerra da America, acompanhada de circumstancias muito especiaes, feita com uma tactica diversa, e em campos desconhecidos, e não appareceu lá um unico general portuguez! E no emtanto por toda a parte da Europa andavam portuguezes viajando por conta do governo! Só para a instrucção dos nossos officiaes generaes e escola do nosso exercito não houve dinheiro!
Ora, eis-aqui está para que eu pedia aos srs. ministros que applicassem o dinheiro, porque é preciso que elles façam com que os generaes vão estudar nos campos de batalha reaes ou ficticios. Lá é que é a verdadeira escola.
Emquanto á auctorisação de que o digno par, o sr. Vaz Preto, fallou, eu, pela minha parte, não acompanho esse voto de confiança, porque não é necessario; se porém a salvação publica o exigisse, não teria duvida em acompanhar s. ex.ª O governo não pôde d'aqui até ao anno que vem gastar mais doa 100:000$000 réis, incluindo a compra dos canhões, e se não fosse esta circumstancia, nem isso mesmo gastaria. Esta auctorisação é o sufficiente para se fazer tudo o que convem para se saber lá fóra que nós estamos preparados e não dormimos.
Quanto a esta imaginaria organisação de reserva, que muita gente julga conveniente, não me parece que seja o que possa concorrer para defender o paiz de qualquer invasão estrangeira.
Eu, sr. presidente, tenho dito bastante para firmar o meu voto. Voto pelo projecto, e voto com muito maior gosto porque o sr. ministro já tem uma verba destinada para o campo de manobras, e d'esta verba é que ha do saír esta despeza.
Ora, eu espero que o governo faça com que os generaes vão ver e estudar o que se faz lá fóra nos campos de manobras, do que devem dar conta officialmente, e se assim fizer acho que o governo não perde nada em que seja adiada a despeza destinada ao campo de manobras, para ser mais bem applicada nas fortificações, principalmente da margem do Tejo; e sobre isto chamo a attenção do nobre ministro, porque de um dia para outro podemos soffrer um insulto, porque a nossa marinha é muito pouca para as nossas colonias, porque nós não temos marinha como exigem as necessidades das nossas colonias, e portanto não podem estar aqui no Tejo senão dois ou tres vasos de guerra, e isso não é bastante para defender o Tejo de qualquer arrojo da parte de uma nação amiga ou inimiga, pois que de todas temos soffrido abusos intoleraveis.
Tenho concluido.
(Entrou o sr. ministro da marinha.)
O sr. Marquez de Vallada: — Tem seguido os debates d'este pleito, até que finalmente a causa chegou á superior instancia.
Vê que de um lado se apresenta o patriotismo mais ou menos exagerado e do outro a prudencia politica, e de ambas as partes litigantes se adduzem rasões mais ou menos plausiveis ou justas, mas presume que de ambas as partes patrioticas.
Faz portanto votos para que os juizes na causa se inspirem dos dictames da critica, e sobretudo dos dictames da prudencia, a fim de lavrarem um accordão no sentido verdadeiramente patriotico e justo.
Por parte da prudencia politica dão-se as seguintes rasões: o nosso thesouro está exhausto, os povos estão opprimidos pelos tributos, a lavoura está em miseravel estado e carece de medidas verdadeiramente reformadoras, para que o paiz possa attingir o grau de felicidade que todos nós desejâmos; e não é portanto n'estas circumstancias que se deve fazer uma despeza exorbitante na opinião dos que se inspiram nas regras da prudencia politica mais ou menos exagerada.
Pelo outro lado allega-se o patriotismo com todos os seus brios, desenterrando dos livros da nossa historia todos os factos que se têem dado nas nossas guerras, para nos tra-