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zer á memoria esses factos, e com elles inspirar a necessidade de prover de remedio a um mal mais ou menos proximo, de certo injusto da parte dos aggressores, mas muito justo da parte dos aggredidos, porque mais vale prevenir em tempo do que ter depois de remediar o mal, sem comtudo muitas vezes se lhe poder applicar o remedio.
Disse elle, orador, que as rasões eram mais ou menos plausiveis de ambos os lados, mas encare-se como se deve este objecto, e veja-se se é possivel votar sobre elle com a mão na consciencia, seguindo os dictames da rasão pura, e sem ser ministerial ou querer parecer dar um voto favoravel ao governo. Se não concorda com a politica geral d'este ministerio, todavia vota por este projecto, e d'esse voto passava a dar a rasão.
Estes 100:000$000 réis, que se trata hoje de votar, estavam para ser applicados ao campo de manobras. Houve uma transferencia. Essa transferencia póde ser discutida de uma maneira mais ou menos conveniente. Elle, orador, não é militar, mas encara as cousas debaixo de um certo ponto de vista permittido aos que não são da arte.
O plano de defeza para que devem ser applicados estes 100:000$000 réis é para dar segurança á nossa barra e ás fortificações de certos pontos da cidade, a fim de nos prevenirmos contra qualquer aggressão estranha. Não póde, em vista dos seus precedentes politicos, em vista das rasões de que se tem servido para defender todo e qualquer projecto que tenda a conservar a nossa autonomia, não póde, dizia, deixar de approvar uma auctorisação d'esta natureza, porquanto estes 100:000$000 réis não são mais do que uma transferencia; é deixar de applicar no campo de manobras para o applicar nas fortificações; parece-lhe isto uma cousa muito rasoavel e muito justa nas actuaes circumstancias. Apesar todavia de ser este o seu voto, não póde eximir-se de fazer alguns commentarios á votação d'esta medida e de dirigir alguns pedidos ao sr. presidente do conselho, offerecendo algumas considerações sobre o estado do paiz, e mesmo sobre as circumstancias em que se vota este encargo.
Para que se vota este projecto? Para uma guerra possivel. Mas, pergunta, essa guerra alem de possivel é provavel? O governo deve sabe-lo e deve tambem saber, no caso affirmativo, com quem é que póde ser a mesma guerra. Provavelmente dirá alguem logo em seguida a esta pergunta: «É com a Hespanha!» Não me parece que seja. Será com outro paiz? Qual? Póde acaso ser promovida essa guerra pelo actual governo estabelecido em Hespanha, que deseje vir conquistar Portugal?! Presume que não.
Apresenta-se outra vez a questão do iberismo, e elle orador está sempre prompto, quando se lhe offerece ensejo, a commentar essa questão e a entrar n'ella. Não tem medo do actual governo de Hespanha, nem do governo monarchico, nem do partido conservador. Já um jornal muito affecto a este governo, e muito especialmente ao sr. ministro da marinha, disse com toda a franqueza de linguagem: «De quem ha a temer é do partido democratico exagerado em Hespanha, que tem por chefes os Olosagas, os Prins e outros similhantes; d'isso é que ha a temer, mas o governo de Hespanha não pensa em conquistar Portugal».
Também elle, orador, não o crê, como já disse, e se alguma cousa teme são as aggressões, ou, para melhor dizer, os planos disfarçados d'esses agentes que tramam de differentes maneiras, sendo uma dellas a lisonja, que é uma arma terrivel que se emprega para captar a benevolencia de altas personagens. Apresentam elles a união iberica como sendo o desideratum dos portuguezes, -porque hão de ser estes que dominarão na peninsula iberica! Seremos nós que havemos de ir {Ilustrar aquella terra!
Não se lembra o illustre marquez de Sá do facto que se deu quando se apresentou o retrato de D. Pedro V a par do retrato da Princeza das Asturias? Não sabem todos que isto era para dar uma certa côr aos planos? Não se recordam todos dos escriptos de homens importantes de Hespanha? De D. Sanibaldo Mas, de D. Xisto Camara e outros que juntamente têem advogado a união iberica, dizendo que ella se deve formar debaixo do sceptro do monarcha portuguez? Seria porém esta a realidade do plano? Não. Isto era só para facilitar a união, mas depois d'ella levada a effeito derrubariam então esse monarcha e estabeleceriam a união republicana!...
Todos sabem que veiu aqui uma deputação composta de hespanhoes e italianos, ha já alguns annos, para tratar do assumpto (O sr. Pinto Bastos: — Peço a palavra para um requerimento.), e foram repellidos victoriosamente pela intelligencia de um homem notavel que a Providencia não quiz que durasse mais tempo entre nós, mas que, conscio da lealdade que devia ao seu paiz, e dotado de um grande talento, não podendo ver como possivel aquillo que não era mais do que uma chimera, rejeitou todas e quaesquer propostas. Foi assim que pugnou um grande homem ainda que joven, cuja memoria ha de ser sempre abençoada pela posteridade, por haver repellido a audacia dos ambiciosos e as blandicias dos lisonjeiros que queriam dinheiro e mais dinheiro, e que julgavam possivel enriquecer Portugal, sendo os portuguezes os dominadores da peninsula iberica!
Primeiro do que tudo é necessario repellir toda a correspondencia com esses homens que debaixo de todas as formas se apresentam; ora como agentes de casas commerciaes, ora como agentes de emprezas litterarias e de todo e qualquer modo, mas sempre com o mesmo fim, attrahindo uns por meio das blandicias, e attrahindo outros por meio do oiro. Esse campo a que estava agora alludindo, precisa tambem fortificação, precisa de guarnição. Mas qual é a guarnição que precisa? É a da verdadeira critica. Também n'esse campo se carece de balas, mas são as da energia e do patriotismo, para repellir todos esses attentados que se tramam nas trevas para mais tarde se traduzirem em factos. Esses campos de manobras tambem elle, orador, os quer; tambem quer essas praças guarnecidas da artilheria do patriotismo, da rasão e da critica, que se exige de todos que se occupam dos negocios publicos. E necessario repellir para longe essas correspondencias, repetia, porque ellas podem comprometter-nos.
É sabido que existe uma combinação iberica em que tomam parte italianos e hespanhoes. Aponta-se para o Piemonte e diz-se: «O Piemonte era pequeno e hoje é grande; e vós portuguezes imitae o Piemonte, porque como elle haveis de dominar a Hespanha»! Esta é a linguagem da lisonja, que se falla e sempre se fallou não só na choupana humilde do povo, mas tambem nos salões dourados do rei; quando ao contrario, a verdade e só a verdade é que se deve fallar aos réis e aos povos, para que nem uns nem outros sejam illudidos por estes ou aquelles meios. Com a verdade pois, e pela verdade defendamos o rei, defendamos o paiz.
Vota por esta auctorisação, e ainda mais votaria se fosse pedido; e n'esta occasião requeria ao sr. presidente do conselho que mais alguma cousa se faça.
Ninguém mais do que elle, orador, respeita os officiaes do exercito portuguez; mas vê infelizmente que muitos dos que entraram nos campos de batalha já a fouce da morte os derrubou. O sr. marquez de Sá, que é um militar que pelejou desde as lutas peninsulares sabe que em todos os paizes se mandam jovens, que amam o estudo o desejam adestrar-se nos campos de batalha, aprenderem na pratica, em paiz estranho, as manobras e como se peleja, tanto em terra como no mar. Também de Portugal se tem enviado a praticar nas, esquadras estrangeiras jovens aspirantes de marinha, e crê que tem tirado todos, ou quasi todos, grande proveito d'isso. Sabe o sr. ministro da guerra que o povo portuguez é guerreiro. No momento da luta apresenta-se como um leão para defender a patria, inspirado pelo seu amor á terra natal, mas s. ex.ª sabe tambem que não é deshonra para o paiz mandar individuos ao estrangeiro, a fim de aprenderem o que não se lhe póde ensinar aqui. Não temos lutas ha muitos annos, e para entrar n'ellas é preciso que haja bons officiaes, porque têem morrido muitos dos que tinhamos e vão morrendo os que restam. E necessario pois que se vão creando officiaes e se adestrem na arte da guerra. Em outras epochas e remotas, por exemplo na regencia da senhora D. Luiza Francisca Maria de Gusmão, viuva do senhor D. João IV, foi chamado do estrangeiro o conde de Schomberg, para vir aqui organisar e adestrar o nosso exercito. Mais tarde o conde de Schambourg de Lippe, aqui esteve para o mesmo fim. O conde Schambourg teve a patente de commandante em chefe do exercito e de marechal do exercito. Depois d'estes vieram outros estrangeiros distinctos que muitos serviços fizeram ao nosso exercito.
Na marinha succedeu o mesmo que no exercito. Tivemos o conde de Penha Firme, almirante Sartorius, o conde dó Cabo de S. Vicente, almirante Napier. A ninguem deshonrou isto; porque havemos pois de deshonrarmos agora, mandando jovens portuguezes estudar as manobras e pelejas a paizes estranhos? No tempo de D. João III, que foi um dos monarchas que mais se empenhou na diffusão das luzes, mandaram-se vir professores estrangeiros para a universidade, o que deu muito bons resultados, e tanto que quando a morte levou ao tumulo aquelle monarcha, poz-se-lhe este epitaphio Ad regnum importavit Athenas.
Por consequencia importar os verdadeiros conhecimentos militares é cousa que não nos póde deshonrar.
Diz-se que a quantia que se pede para fortificações é pequena. É-o effectivamente; mas é para principiar, e o sr. marquez de Sá nos declarou que é para começar as fortificações da barra. Assim não póde deixar de votar o pedido feito n'este projecto.
Quanto ao campo de manobras não lhe parece que nas condições em que elle foi organisado, e mesmo agora se possa tirar d'ahi as vantagens que muitos esperavam. Os soldados adestram-se mais facilmente que os officiaes.
Vemos que quando Massena invadiu o reino, e infelizmente então tinhamos acabado de soffrer o celebre desastre de Valle de Rosa na campanha de 1801, os portuguezes pareciam soldados mestres pelo modo que corriam aos baluartes, e se apresentavam diante do inimigo cheios de coragem, causando admiração aos exercitos mais bem disciplinados do mundo.
Attestam-no as linhas de Torres Vedras, os campos do Vimeiro, e já de longa data Montes Claros e todos os outros numerosos recontros em que os portuguezes defenderam o seu solo e a sua fé religiosa. Portanto approva de bom grado o projecto que se discute; mas permitta-lhe o illustre presidente do conselho e ministro da guerra que lhe diga, que é necessario, alem do campo de manobras politicas que já lhe pediu e dos outros entrincheiramentos que é preciso fazer no campo da moralidade, organisar primeiro a fazenda publica, como disse o sr. Vaz Preto, pessoa a quem muito respeita.
E mister, portanto, primeiro que tudo, organisar as nossas finanças e mostrar que nos sabemos governar bem, para que os estranhos não queiram ser nossos tutores; é preciso mostrar tambem que estamos dispostos a repellir qualquer tentativa dos que nos desejam mal; igualmente não devemos deixar propalar todas as doutrinas, não deixar entrar em Portugal, sem serem vigiados, os agentes d'essas sociedades unionistas, como lhes chamam, da joven Italia, da joven Allemanha e da joven Hespanha, e muito menos permittir que alguns portuguezes sejam, levados pela ambição, agentes dellas. E necessario ensinar os ignorantes e castigar os que erram. Quando tivermos feito isto poderemos escapar bem no meio d'esta conflagração geral, que tem por fim, I segundo se diz, conservar as nacionalidades, mas começando por aniquilar a autonomia das nações pequenas para as juntar ás grandes! Isto é a hypocrisia manifestada na sua mais genuina expressão!
Dizem os auctores d'esses projectos que os estados grandes são uma necessidade européa, quando não são mais do que o despotismo, e amigos do despotismo são-o tanto os revolucionarios rouges como os revolucionarios amigos do cesarismo, que desejam o governo de um rei rodeado de um pequeno numero de validos, de uma camarilha para poderem governar á sua vontade. Elle, orador, não quer nem uns nem outros; bem claramente o diz, e deseja que a sua voz chegue a toda a parte, para se saber que o disse. E francamente amigo da monarchia, tem demonstrado que não póde vê-la insultar, nem ouvir as injurias que se dirigem ás pessoas reaes; os revolucionarios porém usam de diversos meios, umas vezes lisonjeiam as pessoas reaes, outras insultam-n'as até na sua vida particular, porque é sempre a especulação que lhes dita ou a lisonja vil ou a injuria atroz. Rejeita esses meios, não dirá que com toda a força da sua intelligencia, mas com toda a força da sua dignidade, porque é sincero cultor dos principios da monarchia, porque é sincero amigo e dedicado apostolo dos principios do governo constitucional, que, entendido como deve ser, é a morte dos revolucionarios exagerados e das camarilhas. Sustentará pois estes principios sem recuar diante das ameaças de ninguem, venham d'onde vierem, acobertadas ou claras, e sustenta-las-ha emquanto a honra e a dignidade o inspirarem.
Elle, orador, tem demonstrado na sua carreira publica, que começa a ser antiga, pois já conta dezeseis annos, que ha defendido sempre os principios monarchicos, as prerogativas reaes, a honra e a dignidade do throno, e tem sustentado e defendido tambem os direitos do povo e dos opprimidos. Não receia que, apresentando estas idéas, e seguindo o antigo caminho que invariavelmente tem seguido, ouse sequer alguem desmenti-lo, mas se alguem o ousar que se apresente, pois elle, orador, está sempre prompto a discutir a sua vida publica e particular.
Disse muito bem o digno par o sr. Vaz Preto, quando alludiu á historia da antiguidade e á epocha da grandeza da Grecia, á da antiga Roma e dos imperadores, a qual examinou passo a passo, disse muito bem, repetia, que via-mos com pasmo que, com homens tão doutos, tão adestrados na arte de manejar os negocios publicos, e tão illustres nas letras e nas sciencias, baqueassem aquellas civilisações! E porque baquearam ellas? Porque lhes faltou o sentimento do verdadeiro patriotismo, que era o resultado da idéa da fé religiosa e politica!
N'aquelles tempos tambem já existia a protecção para os grandes; já existia o sentimento de desprezo para os pequenos, e como não prevalecia a idéa generosa da moralidade, então as civilisações antigas, porque não tinham alicerce baquearam, os thronos caíram e a anarchia espalhou-se! Cuidemos portanto em que o nosso paiz não perca esse sentimento de generosidade e de patriotismo, esse sentimento que não é senão por meio da educação que elle se inocula no espirito. É necessario pois fortifica-lo com esse baluarte da instrucção publica. Espera que na proxima sessão, se este ministerio não desapparecer por meio de uma d'essas evoluções incomprehensiveis, se algum poder occulto o não derribar, chamar a attenção do illustre ministro do reino, que é ministro e prelado, philosopho e theologo, que é pessoa amestrada, para outro campo de manobras que é o campo da educação publica. Ha de interpellar s. ex.ª sobre este ponto. Sabe que s. ex.ª tem estudado esta materia, sabe que está habilitado para entrar n'ella. Também elle, orador, o está, mas o illustre prelado deve-o estar melhor. Quando chegar essa occasião ha de fallar claramente, e o nobre ministro terá tambem de fallar, pois elle, orador, não deixará de o perseguir politicamente com os seus argumentos para que apresente, com clareza, as suas idéas a respeito d'este assumpto.
O sr. Presidente: — Tenho a observar ao digno par que o que está em discussão é o projecto sobre os 100:000$000 réis para as fortificações. S. ex.ª tem feito varias divagações alheias á materia, e lembro-lhe que hoje é o ultimo dia de sessão, e portanto deve-se aproveitar o tempo com os projectos que estão dados para ordem do dia.
O Orador: — Proseguiu dizendo que as idéas que apresentou são argumentos de soccorro, se não são argumentos principaes. S. ex.ª que de certo aprendeu todo este ramo de sciencia humana, e por isso chegou ao logar que occupa, dar-lhe-ha de certo rasão, posto que não lh'a desse agora; mas sem duvida reconhecerá pela demonstração d'elle, orador, que não estava fóra da ordem.
Dissera ser necessario fortificar o paiz por meio do patriotismo, e que o patriotismo começava a aprender-se na escola; estava por consequencia na ordem quando apresentou estas idéas. Pouco se lhe dava que as suas idéas desagradassem, mas o que desejava era justificar a sua digressão muito justa e necessaria, porque queria dizer que nos devemos tambem fortificar contra as idéas dos ibéricos e da ignorancia, e que se devem amestrar homens para os negocios, que tenham primeiro que tudo em vista a honra e a dignidade; e como nada d'isto se póde conseguir sem haver a educação, por isso chamou a attenção do nobre prelado ministro do reino, e do illustre presidente do conselho, não só para estas fortificações, de que trata o projecto, como para outros assumptos que com ellas tenham relação.
Bem sabe que ha outros negocios para se discutirem, mas na sessão passada, quando se apresentou o codigo civil e outras medidas, para passarem em uma só sessão, e apesar de votar com os ministros de então, disse elle, orador, que não se deviam votar os negocios a correr, porque a primeira obrigação é votar com consciencia e circumspecção; e como elle, orador, entende seu dever o votar d'esta ma-