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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Sessão de 27 de agosto de 1868
PRESIDENCIA DO EX.MO SR. DUQUE DE LOULÉ
Secretarios, os dignos pares Visconde de Soares Franco.
Conde de Fonte Nova.
(Assistiam os srs. presidente do conselho de ministros e ministros da guerra e da fazenda.)
As duas horas e meia da tarde, sendo presentes vinte dignos pares, foi declarada aberta a sessão.
Fez-se leitura da acta da precedente.
O sr. Baldy (sobre a acta): — Sr. presidente, parece-me que na acta que acaba de ser lida ha uma omissão. Eu pedi outro dia ao' sr. ministro da guerra para que se não fizesse promoção alguma de coroneis ao posto de general de brigada sem previo exame; s. ex.ª prometteu que se havia de fazer isto, e conveiu ate que essa declaração se inserisse na acta...
(O sr. presidente do conselho de ministros e ministro da guerra approxima-se do orador.)
Estava notando que na acta ha uma omissão com respeito á declaração que eu pedi a V. ex.ª que fizesse, a fim de ser lançada na acta, relativa á promoção dos coroneis ao posto de general de brigada, para que nenhum fosse promovido a este posto sem um previo exame debaixo das respectivas regras e regulamentos.
Eu pedi que se lançasse na acta a declaração do nobre marquez de Sá, não porque eu duvidasse da sua palavra, mas porque era preciso que se mencionasse essa circumstancia, para que o publico soubesse como se entendeu aquelle ponto das promoções. (O sr. Ministro da Guerra: — Apoiado.)
Ora, o nobre ministro está apoiando isto que eu digo, e por consequencia, desde que assim o confirma, é mais uma rasão para se dever lançar essa declaração na acta, e remediar por esta fórma a emissão que ahi houve.
O sr. Secretario (Conde de Fonte Nova): — O digno par, o sr. Baldy, tem rasão no que diz, mas eu não tendo percebido bem na ultima sessão, porque todos sabem que na mesa é justamente a parte onde muitas vezes menos se ouve, por isso tinha redigido a acta da fórma que ha pouco li. Agora porem, desde que o digno par reclamou e o sr. ministro o confirma, posso certificar a s. ex.ª que a sua reclamação ha de ser satisfeita de modo que esse ponto fique esclarecido como o digno par deseja.
Posta a acta á votação foi approvada com a rectificação pedida pelo digno par, o sr. Baldy.
(Entrou o sr. ministro do reino.)
O sr. Presidente: — Não ha correspondencia.
(Pausa.)
O sr. Presidente: — Vae entrar-se na
ORDEM DO DIA
Leu-se na mesa o parecer n.° 27 sobre o projecto de lei do mesmo numero, que são do teor seguinte: Parecer n.°
Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 27, vindo da camara dos senhores deputados, tendo por objecto auctorisar o governo a abrir um credito extraordinario na importancia de 23:025$000 réis, tanto para legalisar o pagamento do custo de oito carruagens para serviço do correio, conforme ao artigo 2.° da carta de lei de 11 de julho de 1861, e diversas despezas accessorias, como para satisfazer os direitos respectivos na alfandega de Lisboa.
E a commissão é de parecer que, sendo esta despeza auctorisada pela citada carta de lei, não pôde haver duvida em que esta se legalise nos termos do mesmo projecto, a fim de que seja reduzido a decreto das côrtes geraes e suba á sancção real.
Lisboa, 25 de agosto de 1868. = Conde de Cabral, presidente = José Augusto Braamcamp — Francisco Simões Margiochi = Barão de Villa Nova de Foscôa — Felix Pereira de Magalhães = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.
Projecto de lei n.°
Artigo 1.° E o governo auctorisado a abrir um credito extraordinario na importancia de 23:025$000 réis, tanto para legalisar o pagamento do custo de oito carruagens destinadas para o serviço do correio, auctorisado pelo artigo 2.° da carta de lei de 11 de julho de 1863, competentes sobressalentes e diversas despezas accessorias, como para satisfazer a importancia dos direitos respectivos devidos á alfandega de Lisboa.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 22 de agosto de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente — José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario = José de Faria Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria, deputado secretario.'
Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto a votos e approvado na generalidade e especialidade.
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Seguiu-se o parecer n.° 28 sobre, o projecto de lei n.° 29, que são do teor seguinte:
Parecer n.º 28
Senhores. — A commissão de fazenda examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 29, da camara dos senhores deputados, para ser declarada em vigor por mais tres annos, contados da publicação d'esta lei, a disposição da carta de lei de 20 de agosto de 1861, que fixou em réis 6$000 por cada 100 kilogrammas o direito de importação do mel, melaço e melado estrangeiros que entrarem pela alfandega do Funchal, na ilha da Madeira.
A commissão, tendo em attenção que, em consequencia da molestia que atacou as vinhas na ilha da Madeira, tem sido cultivada n'este districto a canna doce, de que a industria se tem aproveitado para a fabricação da aguardente e do melaço, e tendo em consideração que subsistem ainda os mesmos motivos que deram logar á promulgação das leis de 20 de agosto de 1861 e de 27 de julho de 1864, para proteger a industria da plantação e cultura da canna, é de parecer que seja approvado o referido projecto de lei n.° 29, com cuja doutrina se conformou o governo.
Sala da commissão de fazenda, 25 de agosto de 1868. — Conde de Cabral, presidente — Barão de Villa Nova de Foscôa = José Augusto Braamcamp — Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão — Felix Pereira de Magalhães — Francisco Simões Margiochi.
Projecto de lei n.º 29
Artigo 1.° E declarada em vigor por mais tres annos, contados da publicação d'esta lei, a disposição da carta de lei de 20 de agosto de 1861, pela qual o direito da importação do mel, melaço e melado estrangeiros que entrarem pela alfandega do Funchal, na ilha da Madeira, foi fixado em 6$000 réis por cada 100 kilogrammas.
Art. 2,° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 24 de agosto de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario = José de Faria Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria, deputado secretario.
Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto a votos e approvado na generalidade e especialidade.
Seguiu-se o parecer n.° 29 sobre o projecto de lei n.° 25, que são do teor seguinte:
Parecer n.º 29
Senhores. — A commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.° 25, vindo da camara dos senhores deputados, reduzindo de cinco a tres annos o tempo de serviço a que pelo artigo 4.º, capitulo 1.° da carta de lei de 27 de julho de 1855 são obrigados os mancebos que constituem os contingentes annuaes do recrutamento, e é elevada de tres a cinco annos a duração do seu serviço na reserva.
A vossa commissão, tendo examinado attentamente este projecto de iniciativa do governo, é de parecer que elle deve ser approvado por esta camara para poder ser submettido á sancção regia e convertido em lei.
Sala da commissão, em 24 de agosto de 1868. = Conde de Campanhã = José Maria Baldy = Marquez de Fronteira = £). Antonio José de Mello e Saldanha.
A commissão de administração publica adopta o parecer da illustre commissão de guerra.
Sala da commissão, em 25 de agosto de 1868. = Conde de Cabral = José Augusto Braamcamp = Roque Joaquim Fernandes Thomás = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos.
Projecto de lei n.º 25
Artigo 1.° E reduzido de cinco a tres annos o tempo de serviço a que pelo artigo 4.°, capitulo 1.° da carta de lei de 27 de julho de 1855, são obrigados os mancebos que constituem os contingentes annuaes de recrutamento, e é elevada de tres a cinco annos a duração do seu serviço na reserva.
Art. 2.° Todos os mancebos que em virtude das disposições da citada carta de lei forem sorteados para o exercito de terra e não recrutados, serão inscriptos nos quadros da reserva.
§ unico. O governo apresentará ás côrtes, na proxima sessão legislativa, uma proposta de lei determinando a especie de serviço a que a reserva fica sujeita, e a fórma por que ha de ficar organisada.
Art. 3.° As disposições contidas na presente lei não serão applicaveis ás praças de pret que estão actualmente alistadas nos differentes corpos do exercito e na reserva.
Art. 4.° Não é igualmente applicavel o disposto n'esta lei aos mancebos que tendo sido sorteados para o preenchimento dos contingentes anteriores ao do corrente anno, deixaram de se apresentar nos prasos legaes para fazerem o seu alistamento, nem tão pouco aos futuros refractarios a quem será regulado o tempo de serviço pela legislação anterior.
Art. 5.° A presente lei começará a ter vigor de 1 de janeiro do anno de 1869 em diante.
Art. 6.° O governo adoptará as disposições necessarias para a execução d'esta lei.
Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 21 de agosto de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario = José de Faria Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão na sua generalidade.
O sr. Conde de Cavalleiros: — Sr. presidente, eu não pretendo de maneira alguma embaraçar a marcha do governo, nem deixar de lhe facilitar tudo quanto em mim couber para que ss. ex.ªs no futuro não tenham pretexto de dizer que não acharam nos corpos legislativos aquelle apoio que lhes era necessario para fazerem tudo quanto nos tinham promettido. Contentando-me com esta declaração que faço, não deixarei de coadjuvar o governo em todas as medidas que julgar serem de conveniencia publica, e por isso voto por este projecto, sem comtudo deixar de fazer agora algumas reflexões que me parecem de conveniencia publica.
Sr. presidente, o projecto que está em discussão tem vantagens para o estado, mas não são ellas tantas como a muita gente se afigura.
Reduzido o tempo de serviço de cinco a tres annos, maior I numero de praças ha de vir ao exercito aprender, instruir-se e preparar-se, e os homens assim instruidos, quando passarem á reserva, estão aqui promptos para apparecerem quando for necessario coadjuvar o exercito, ou antes essa parte do exercito effectivo, porque esta e a reserva tudo é exercito, e n'isto é que está a grande vantagem. Ora, o projecto, como já disse, não só não tem as vantagens que a muitos se afiguram, mas ainda lhe noto grandes inconvenientes. Um d'elles, e o maior, é crescer muito o contingente. Para um exercito de 20:000 a 30:000 homens, sendo o tempo de serviço de cinco annos, era necessario um contingente de 5:000 a 6:000 homens, se tivesse sido applicado o dinheiro das substituições, mas não o tendo sido é necessario que o contingente seja de 7:200. Quando porém o tempo do serviço for apenas só de tres annos, então não digo que esse contingente dobre, mas chegará muito perto de 9:000 a 10:000 homens, e se a nossa administração não tem podido até hoje apresentar ao governo 7:200 recrutas, como ha de agora apresentar 10:000?
Eu não sei como, e já prevejo as muitas e grandes difficuldades que se hão de encontrar.
No entanto voto o projecto, não só porque é uma experiencia, mas porque mesmo me parece que haverá vantagem para os contribuintes, pois que, em logar de soffrerem o trabalho e os deveres de soldado durante cinco annos, apenas o soffrerão durante tres. Mas não posso deixar de me oppor á organisação systematica dos reservas.
Sr. presidente, quando se tratou da lei do recrutamento na outra casa do parlamento, muitos cavalheiros que têem agora assento n'esta camara, mas que então eram membros d'aquella, hão de certo lembrar-se como ali se combateu a idéa de organisar a reserva. Eu fui um dos que a combati, e d'isso me não arrependo, porque, comquanto achasse que a lei era boa, e o melhor que se podia esperar n'aquella occasião, nem por isso pude deixar de me oppor á organisação da reserva.
Creio que o sr. ministro da guerra já declarou na outra camara que se tratava de organisar militarmente a reserva; mas eu entendo que ella não deve ser mais do que um reforço do exercito. Os quadros do effectivo são pequenos, e se ella for destinada a reforçar os quadros, é optima, não só porque não prejudica o paiz, mas porque na occasião precisa fará triplicar o exercito. Mas, se pretendemos dar uma organisação militar á reserva com um quadro de officiaes, então digo que nos esqueçamos do fazer economias, porque teremos de pagar a dois exercitos (apoiados).
E emitto já esta minha opinião antes que nos apresentem aqui esses projectos de reserva com organisação militar, não só para que fiquem consignadas as minhas idéas a este respeito, mas mesmo por me precaver contra qualquer acontecimento que se dê na politica, porque infelizmente a politica mette-se e influe em tudo.
Repetirei, sr. presidente, se a reserva for organisada militarmente teremos dois exercitos, só com a differença de que um será fraco e outro forte.
Eu peço desculpa de fallar n'estas cousas diante de militares tão distinctos, como são muitos dos dignos pares que me estão ouvindo, mas a minha consciencia impõe-me o dever de expor aqui francamente, e tal como posso, a minha opinião.
A reserva é forte quando reunida aos cascos do exercito, mas só por si, embora com officiaes destinados para ella, é inutil, e por isso não posso concordar com a organisação; que o governo pretende dar-lhe.
Se o governo quer reforçar o exercito, organise antes corpos de segunda linha, mas que estes sejam compostos de homens que tenham officio ou possuam bens, para d'este modo nos darem garantia de ordem e de liberdade, para não estarem todos os dias a pretender impor ás auctoridades os seus caprichos (apoiados). Estes homens é que devem ter a obrigação de servir nos corpos de segunda linha. É verdade que não marcham, nem' são para a guerra propriamente, mas ficam substituindo os que combatem, guarnecendo e defendendo os logares que esses teriam de occupar.
O serviço d'este modo não pésa sobre o estado, porque se lhe não paga salario, mas organisada a reserva de outro modo, como se diz, é uma milicia muito má, não só porque pésa sobre o thesouro, mas porque de nada serve para reforçar o exercito.
Ora, sr. presidente, tratando-se por este projecto de fazer uma modificação na lei do recrutamento, eu sinto que o governo não diminuísse a altura precisa para ser soldado.
A França, como V. ex.ª pôde ver do respectivo regulamento, diminuiu 1 centímetro aos soldados, e o exercito francez não tem paridade alguma com o nosso, porque é um exercito, por assim dizer, de elite, que serve para combater em planícies, como todos sabem, carecendo muito pouco de caçadores, os quaes pouco se assimilham aos portuguezes, que são, segundo a opinião geral, os melhores. Mas n'um paiz montanhoso, como é o nosso, com uma população pequena, ha grande conveniencia em ter caçadores bons, que saibam cobrir-se bem atrás dos penedos, e sinuosidades do terreno.
Ora, sendo isto assim, creio que pouco nos deve importar que a altura seja de menos centimetros, ou que em logar de 156, seja de 155.
Eu, sr. presidente, quando servi o cargo de governador civil d'este districto, tive muitas vezes de isentar do serviço individuos por terem 155 centimetros, porque a lei exige 156; e isto succedia com homens fortes e robustos, como são quasi todos os das nossas provincias, mas que não tinham a altura da lei; e se em França se pôde fazer esta reducção, entre nós é ella muito mais facil, porque todas as circumstancias lhe são favoraveis.
Sr. presidente, parece-me tambem que o sr. ministro da guerra, na outra casa do parlamento, fez persuadir que havia idéa de diminuir a idade do soldado.
Sobre este ponto peço eu tambem licença para dizer a s. ex.ª que o exercito francez tem tambem diminuido a idade dos soldados; mas é necessario notar-se que os homens do norte são alimentados por outra fórma; comem carne quasi todos os dias, tendo uma alimentação bastante succolenta, emquanto que os nossos passam quasi uma semana sem comer carne. Sendo pois muito diversa a alimentação, os homens entre nós não se desenvolvem completamente aos dezoito annos.
Para este objecto invoco o testemunho do digno par, actualmente governador civil, que muitas vezes ha de ter que isentar mancebos por falta de robustez, ouvindo comtudo dizer aos medicos, que dentro em dois annos elles serão homens fortes e robustos.
Ora, se se dá este facto hoje, se s. ex.ª diminuir a idade do soldado a dezoito annos, o resultado será isentarem-se immensos mancebos, que dois annos depois estariam mais aptos para servir do que aquelles que ficaram approvados, por isso eu pediria toda a moderação quando se tratar da idade do soldado.
Sr. presidente, para descargo da minha consciencia, torno a repetir o que outro dia disse no fim da sessão.
No fim do anno de 1867 o producto das remissões elevava-se a 1.319:000$000 réis, e em oito annos apenas se applicaram 644:000$000 réis, que produziram quatro mil e tantos soldados. Quer dizer, foram quatro mil e tantos infelizes que se alliviaram do peso de servir no exercito, é que foram substituidos por aquelles que se engajaram com o seu dinheiro; mas aonde está o resto do dinheiro que devia existir para ser applicado ao mesmo fim? Parte d'elle está emprestado ao ministerio da fazenda, e a outra parte está no ministerio da guerra, resultando d'isto o acrescimo do contingente sobre o povo, que se vê obrigado a fornecer 7:200 recrutas, quando poderia dar apenas 4:000 ou 5:000 se o dinheiro estivesse applicado como devia estar (apoiados).
A falta da applicação d'este dinheiro cifra-se em novos sacrificios para o chefe de familia que tem um filho de que precisa para a sua lavoura. E aqui vem a proposito dizer que sou contrario á isenção dos filhos dos lavradores, porque, havendo no reino perto de 4:000 freguezias, se cada uma tiver dois lavradores, e cada um d'elles poder isentar um filho, aonde vae isto parar? As isenções absorviam o recrutamento!
A vozeria que se faz, pedindo que se allivie a lavoura, tem outro fim.
A falta pois da applicação do dinheiro das remissões aggrava o mal, porque faz com que o contingente seja maior, d'onde resulta tambem um maior numero de sacrificios da parte dos chefes de familias; não posso por isso deixar de condemnar que se tenha mettido mão sacrílega n'um deposito em que não se devia ter tocado, e que, se tivesse sido applicado legalmente, teria dado logar a menos desgraças, porque não iriam empenhar-se tantas familias (apoiados). O rico paga o preço da remissão e ri da lei, e o pobre tem que empenhar até os trapos para poder remir o filho.
Ainda ha mais na lei do recrutamento! Ha um artigo oneroso e immoral, qual é o que obriga os paes, irmãos e familia a pagarem a falta do filho. Isto é horroroso, mas ainda o é mais n'um paiz onde se têem relaxado os laços da religião e da moral.
Está aqui presente o digno par o sr. marquez de Sabugosa, que já foi governador civil nos mesmos districtos em que eu tambem o fui, que pôde dar testemunho de quantas vezes os paes de familias vão a chorar pedir que se ponha cobro aos excessos dos filhos. Ora, quando a moral está assim, não se pôde obrigar o pae a responder pelo filho, porque este põe a manta ás costas e abala, e o pae é citado para apresentar o filho ou o resgate d'elle, que muitas vezes o bocadinho de terra que lhe dá o pão.
E preciso destruir este principio, que não estava na lei de 1852, e foi lá introduzido contra os principios da moralidade e da rasão, contra a consciencia e contra o nosso coração.
Este principio foi-se buscar a Hespanha, e d'ali não nos pôde vir senão mal!
Ora, nós que gostámos tanto de viajar á custa alheia, para que fomos tão perto buscar esta disposição?
Eu tenho aqui diversos apontamentos que tirei para fazer mais algumas observações; vejo porém que não tenho tempo de ser mais extenso, e por isso limitar-me-hei a pedir ao governo que faça, quando tiver occasião, desapparecer da lei este artigo horroroso, que não está em harmonia com o nosso systema de legislação nem com a bondade do nosso coração de portuguezes, que acabe com esta disposição que nunca devia existir no nosso codigo, dos paes terem rigorosa obrigação de responderem pelos filhos, visto que não ha tambem lei alguma que os obrigue a estarem sujeitos aos paes, tanto mais quando ainda não ha muito tempo passou n'esta casa uma lei chamada o Código civil portuguez, que ainda lhes deu mais ampla liberdade nas suas acções, antecipando-lhes a sua emancipação.
Peço igualmente ao sr. ministro da guerra que tambem,
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quando poder, reduza a altura que a lei marca aos mancebos para o assentamento de praça, e essa altura, que é de 1m,56, desça a 1m,55. Não peço tambem a s. ex.ª a reducção da idade, porque voto contra essa reducção, nem lhe peço a organisação das reservas, porque tambem voto contra toda a organisação de reservas que não tenha por fim estabelecer que ellas só fiquem pertencendo aos cascos do regimento de que fizeram parte. A camara sabe perfeitamente que ha regimentos com 500 homens, e ainda menos, e um corpo com este numero de praças, segundo a tactica moderna, não serve quasi para nada; é preciso que as reservas se lhe reunam para se poder formar de cada regimento tres batalhões.
Peço desculpa á camara de todas estas considerações.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Guerra (Marquez de Sá da Bandeira): — O digno par apresentou duas ordens de observações, e foram uma em relação á idade dos mancebos recrutados e ácerca da sua minima altura, outra em relação ás remissões por dinheiro.
Respondendo ao digno par, direi que foi nomeada uma commissão pela camara dos senhores deputados, com o fim de reformar a lei do recrutamento, e essa commissão estou certo de que ha de tocar sobre os pontos a que s. ex.ª se referiu. O ministerio da guerra, bem como o do reino, estão promptos a fornecer-lhe todos os esclarecimentos de que ella necessitar, a fim de que possa apresentar um bom trabalho a este respeito. Isto pelo que respeita á primeira parto das reflexões do digno par. Emquanto ás remissões por dinheiro, direi que estou de accordo com s. ex.ª em que convem acabar com esta especie de remissão, mas tambem o que é preciso é acabar com o systema dos substitutos serem approvados nas capitães dos districtos em logar de o serem no proprio regimento.
Pelo que respeita aos contingentes serem maiores, direi que isso será necessario por causa do apuramento dos recrutas. Mas a grande vantagem d'esta disposição consiste em os mancebos estarem apenas tres annos nas fileiras. Este systema da reducção do tempo para o serviço militar acha-se adoptado em toda a Europa. Na Russia o espaço de tempo para o serviço militar foi já reduzido, e na Baviera está actualmente reduzido a dois annos. Sendo menor o tempo de serviço deverá ser menor a repugnancia da parte dos mancebos em assentarem praça, havendo portanto maior movimento nos corpos e crescendo o numero dos individuos habilitados no exercicio das armas e promptos para em caso de necessidade se apresentarem a fazer serviço.
Tenho aqui um pequeno mappa que contém o numero de individuos de 20 a 21 annos que no anno de 1860 foram recenseados e vejo que são 37:000, e no anno de 1861 subiu este numero a 38:000, são os recenseamentos em que recaíram os sorteamentos. E no mesmo anno, em mancebos de 21 a 22 annos, já dispensados todos os outros, andam por perto de 8:000 a 9:000. De maneira, que dá o total do numero dos mancebos de 20 a 22 annos, no primeiro, 46:000, e no segundo 48:000.
Os contingentes pedidos têem sido de 7:200 praças, e algumas pessoas julgam excessivo este numero; mas deve notar-se que entre o numero do contingente votado, e o numero recebido de recrutas, ha uma differença grande, mais de 30 por cento, porque o que se recebe ordinariamente anda por 67 a 68 por cento.
Alguns districtos têem em dia ou quasi em dia o seu recrutamento; por exemplo, Faro, que em doze annos não deve um só recruta. Cada um dos districtos do Alemtejo, os de Castello Branco e de Bragança devem pequeno numero de recrutas; o districto de Santarem tem dado 90 por cento; mas ha outros, como é o de Braga, que de seis mil e tantos recrutas votados em doze annos, deve mais de 4:000, Coimbra está quasi no mesmo caso. E estão constantemente nos districtos do Minho a pedir, forças para lá. Não dão soldados e querem guarnições! E necessario que a lei de recrutamento seja mais efficaz do que é. A causa da sua ineficacia deriva das fraudes que se praticam por occasião das eleições para deputados (apoiados).
Por consequencia, é preciso, antes de tudo, acabar-se com a interferencia do governo nas eleições (muitos apoiados) Mesmo para a organisação das finanças, é isso necessario, porque muitas vezes os administradores de concelho e os escrivães de fazenda, por causa de alguns votos, permittem que os individuos ricos deixem de pagar o que devem (Muitos apoiados).
Agora, quanto á reserva, diz o § unico do artigo 2.°, que o governo apresentará ás côrtes na proxima sessão legislativa uma proposta de lei determinando a especie de serviço a que a reserva fica sujeita, e a fórma como ha de ser organisada. E como esta é uma lei que ha de dar logar a uma grande discussão, porque as leis importantes devem ter uma larga discussão, a camara n'essa occasião a apreciará.
Eu entendo que se pôde organisar uma reserva sem grande despeza; e ainda que o que eu vou dizer não seja opinião definitiva, creio que se se quizer dar a cada regimento uma circumscripção de recrutamento, como antiga mente acontecia, a esse corpo pertenceriam todos os soldados da reserva da mesma circumscripção, poderemos ter, com os mesmos officiaes, e talvez apenas com mais alguns outros reformados, que vão ás proprias freguezias da localidade dar a instrucção aos mancebos, poderemos ter uma reserva efficaz e economica, sem excitar a repugnancia da parte dos habitantes, porque sabem que os individuos da reserva deverão unir ao corpo cujo quartel é na respectiva localidade.
O digno par sabe que antigamente o regimento de cavallaria de Chaves tinha sempre voluntarios, sendo as vacaturas das praças de pret preenchidas quasi hereditariamente. Quando um regimento está localisado, embora isso tenha alguns inconvenientes, tem comtudo a vantagem de formar uma especie de familia com os habitantes da terra. O governo tinha e tem que considerar entre os dois systemas, o hespanhol e o francez, que estabelece certas vantagens para aquelle que apresenta o filho quando está nas circumstancias de servir.
O sr. Conde de Cavalleiros: — Não são os nossos costumes.
O Orador: — O que fica dito é para mostrar quaes as vistas com que o governo 'trouxe assim formulada a presente proposta, e a intenção em que está de se progredir no empenho de conseguirmos o melhor.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Vota a favor do projecto em discussão, nem podia deixar de assim o fazer, porque em documentos officiaes já ha muito consignou esta sua opinião.
Alem d'isto não tendo este projecto applicação para o ultimo contingente, e que vae ser chamado ao serviço, por ser sabido que a lei unicamente tem execução depois de seguir as formalidades legaes, todavia é, na opinião d'elle, orador, o reconhecimento de uma opinião, já de ha bastante manifestada, e que se deve inserir na lei, que na proxima sessão será apresentada ás camaras, acompanhada de outras disposições, que a elle, orador, tambem lhe parecem indispensaveis.
Vota-se n'esta occasião, como principio, a reducção do tempo de serviço; principio que lhe parece muito conveniente, não só como meio de facilitar o recrutamento (opinião em que diverge da do digno par, o sr. conde de Cavalleiros), mas igualmente de importancia economica e moral. Não ficando assim os mancebos por tanto tempo fóra dos habitos e occupações ordinarias da vida das populações, não terão, como actualmente, tanta repugnancia no sacrificio que todos devem á patria. Cinco annos é um periodo longo na adolescencia; e ninguem deixará de reconhecer que n'esse periodo se perde o ensejo da aprendizagem de qualquer officio, ou occupação, que, sem duvida, no centro das populações são os cimentos da prosperidade, se bem que igualmente as armas são a gloria de todas as nações.
Concorda com o digno par, o sr. conde de Cavalleiros, no desejo de ver desapparecer na lei do recrutamento a repugnante disposição, muitas vezes impossivel de executar, que os paes dos recrutados respondam, pelos seus bens, no caso do desapparecimento dos filhos; e n'esta occasião dá testemunho ao sr. ministro da guerra de quanto folgou de lhe ouvir que similhante clausula será eliminada, bem como a outra das substituições a dinheiro, substituições que tem sido a causa da ruina de muitas familias, e injustas pela desigualdade do sacrificio em relação ás fortunas.
Emquanto á idade para o recrutamento, recordando quanto é tardio, em o norte do reino, o desenvolvimento da adolescencia — o que tem sido causa de se rejeitarem muitos mancebos, se bem que com todas as condições da robustez —, opina pela reducção, como igualmente é seu voto a reducção na altura hoje determinada por lei, pois que tem visto muitos individuos eximirem-se do serviço por causa da altura.
Emquanto á reserva do exercito, nada dizia, por não ser competente na materia, mas conhece a necessidade d'ella, dizendo de sua propria opinião que se admirou de ver que alguns individuos pertencentes á reserva se apresentassem como o fizeram, no acampamento de Tancos, não sendo em similhante conjunctura de esperar tanto. Este facto de mostrou-lhe que, em caso urgente, a patria pôde contar com os seus filhos.
(Durante o discurso do precedente orador entrou o sr ministro da justiça.)
O sr. Presidente: — Não ha mais nenhum digno par in scripto, e por consequencia vou submetter á votação da camara esta proposta de lei.
O sr. Marquez de Vallada: — Pediu a palavra sobre a ordem para um negocio muito importante depois de votado este projecto.
Posto á votação o parecer e respectivo projecto de lei, foram approvados na generalidade e especialidade.
O sr. Presidente: — Tem o sr. marquez de Vallada a palavra sobre a ordem.
O sr. Marquez de Vallada: — Declarou que tencionava pedir a palavra antes da ordem do dia, por esperar ver n'esta camara o sr. ministro dos negocios da marinha e do ultramar; e pedira-a tambem n'esta occasião sobre a ordem porque estão presentes, alem do sr. presidente do conselho, dois membros do gabinete, e deseja chamar a attenção de ss. ex.ªs sobre um negocio que elle, orador, julga muito importante.
Consta-lhe que entrou no Tejo o vapor Africa, vindo de Cabo Verde, e que ali começou a febre amarella a fazer grandes estragos n'aquellas populações.
Ainda ha poucos dias elle, orador, fallou n'esta camara com relação a Cabo Verde, porque nunca perde a occasião de fallar nas provincias do ultramar, a fim de se melhorarem as suas circumstancias.
Espera do governo, especialmente do sr. ministro do reino, que dê as providencias necessarias para a febre se não espalhar em o nosso solo; e espera tambem que o governo, pelo amor do bem publico, empregue todos os meios para minorar os effeitos d'aquelle flagello, mandando os soccorros que forem precisos. Está convencido de que o governo, conscio do seu dever, dará todas as providencias, concorrendo muito e especialmente para que se não propague n'esta capital, e não venha outra epocha como a de 1857, o que seria uma grande desgraça para o paiz.
Chama pois a attenção do sr. ministro dos negocios do reino, que é o mais competente para este assumpto, por não estar presente o sr. ministro da marinha e ultramar.
O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): — O digno par deve convencer-se de que todos nós devemos tremer diante do flagello, e por isso escuso de apresentar muitas considerações a este respeito, porque é um d'aquelles casos em que não ha pae por filho, nem filho por pae, porque o mal ataca a todos.
Portanto o governo ha de fazer tudo quanto humanamente possivel para sermos poupados a similhante flagello (apoiados).
O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.° 30, sobre o projecto de lei n.° 18. E do teor seguinte:
Parecer n.° 30
Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 18, vindo da camara dos senhores deputados, tendo por objecto auctorisar o governo a despender 100:000$000 réis para a continuação das obras da fortificação destinada á defeza de Lisboa, e para dar principio ao armamento das fortalezas que defendem o porto da mesma cidade.
E a commissão, comquanto pelos esclarecimentos que lhe foram subministrados pelo governo, esteja na convicção de que as obras de que se trata, para terem uma importancia real com relação ao seu fim carecem de sommas por tal modo consideraveis que se tornam incompativeis com as necessidades da fazenda publica, e um impossivel portanto na actualidade das circumstancias financeiras do paiz.
Comtudo:
Attendendo que a somma pedida vae substituir as verbas de despeza contempladas no orçamento em vigor para o anno economico corrente (capitulo 10.°, artigos 37.º e 45.°), com destino para o campo de instrucção e manobras, e para os transportes, os quaes ficam supprimidos;
Attendendo que o governo ha de despender a somma pedida com aquelle previdente cuidado e estricta economia com que devem ser feitas todas as despezas extraordinarias, para que se consiga o seu fim com o menor numero de sacrificios que seja possivel:
E de parecer que o dito projecto de lei poderá ser approvado por esta camara, a fim de que, reduzido a decreto das côrtes geraes, suba á sancção real.
Sala da commissão, em 26 de agosto de 1868. = Conde de Cabral, presidente = Francisco Simões Margiochi = Barão de Villa Nova de Foscôa = José Augusto Braamcamp = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.
Projecto de lei n.° 18
Artigo 1.° É o governo auctorisado a despender a quantia de 100:000$000 réis para a continuação das obras de fortificação destinadas á defeza de Lisboa, e para dar principio ao armamento das fortalezas que defendem o porto da mesma cidade.
Art. 2.° Os 100:000$000 réis de que trata o artigo antecedente, serão transferidos das verbas de despeza que no orçamento em vigor para o anno economico corrente (capitulo 10.°, artigos 37.° e 45.°) estão destinados para o campo de instrucção e manobras e para os transportes.
Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.
Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 18 de agosto de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario = José de Faria Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria, deputado secretario.
Leu-se na mesa e entrou em discussão.
O sr. Vaz Preto: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Tem o digno par a palavra.
O sr. Vaz Preto: — Não contava fallar n'este momento, não estava mesmo preparado para o fazer, porque sendo o assumpto de tanto alcance e tão momentoso, nunca suppuz que o regimento fosse dispensado; mas por outro lado a camara tem rasão porque em circumstancias taes e em objectos d'esta ordem não deve haver demora nem adiamento, visto que pelo adiantamento da sessão o projecto não poderá votar-se talvez seguindo as praxes regulares. N'este caso conformando-me e acatando a resolução da camara, que eu respeito sempre, ouso comtudo levantar o meu brado debil e frouxo n'este recinto, e com timidez e acanhamento apresentar á consideração da camara as minhas humildes opiniões, as minhas idéas, posto que mal coordenadas, mas que uma convicção intima determina e acompanha. Fa-lo-hei pois com desassombro, embora pareça arrojo não sendo esta a minha especialidade, e sem estar preparado para metier fouce em seara alheia e discutir uma materia tão interessante e de tanta magnitude; mas os instinctos de portuguez, as susceptibilidades da patria, os brios de representante do paiz, e os deveres inherentes á minha posição, tendo assento no meio de uma assembléa tão respeitavel como a dos dignos pares, me impellem a este arrojo, audacia talvez, porquanto o projecto que se discute é de alto valor e summa consideração, não tanto pelo imposto ou contribuição que se nos pede na verba de 100:000$000 réis, como pelos motivos que determinam este sacrificio e os symptomas mais ou menos visíveis, mais ou menos assustadores da molestia, para não dizer gangrena que se pretende atalhar, e que tem feito e faz todos os dias progressos rapidos e crescentes estragos.
Sr. presidente, não nos illudamos, a nossa situação é grave, gravissima, quer a consideremos com relação ás difficuldades internas que nos circumdam, quer a observemos com attenção aquelles que nos podem provir da attitude actual da Europa, e dos factos incríveis e extraordinarios que n'estes ultimos annos se têem passado á nossa vista, e observação que lhes é contemporanea; factos ou antes acontecimentos que mudaram a phase politica dos grandes povos que marcham na vanguarda da civilisação.
A destruição dos tratados de 1815, destruiu o equilibrio
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europeu, a supremacia da força pela postergação dos principios e pelo abatimento do justo e do direito arvorou-se em lei, e desde esse momento as consequencias foram fataes e inevitaveis. O arredondamento da França aggregando-se Nice e Saboya, a unidade italiana estabelecendo-se á custa dos pequenos estados que destruiu e assimilou n'aquella peninsula; a espoliação da Dinamarca roubando-lho á força de armas os ducados do Schelwigs-Holstein na presença da Europa indifferente, o engrandecimento da Prussia pela batalha de Sadowa e conquista do Hanover e pequenos estados que seguiram a desgraçada politica da Austria, provam de sobejo a triste verdade dos factos e a deploravel realisação dos acontecimentos.
Quando o direito da força substitue a força do direito, quando a idéa do quero porque quero, sustentada pelos novos inventos de destruição e espingardas de agulha, se ergue ufana, desassombrada e altiva, é mister precaver-nos todos, forçoso preparar-nos para que estejamos sempre promptos para acompanhar a Europa n'esse vertiginoso movimento que se apoderou d'ella, mas com a convicção intima que não podemos contar, nem com o auxilio dos estrangeiros, nem com allianças firmadas nos mais antigos tratados, nem com as tradições gloriosas dos nossos feitos, nem com a monarchia de tantos seculos, hoje abatida e humilhada, mas só, e só com os nossos recursos pequenos ou grandes, limitados ou não limitados, e com a nossa prudencia, com a nossa energia, coragem e brio, que por tão largo espaço nos fez temidos, e respeitadas as nossas quinas nas regiões longiquas, porque levaram a fé e o imperio ás terras áridas de Africa e Asia.
Desculpe a camara que eu me servisse do pensamento do nosso primeiro poeta, que tantos serviços prestou á patria, e que tão mal remunerados foram, morrendo na indigencia e no abandono; felizmente, posto que tarde, a geração de hoje fez-lhe justiça, e a estatua que ahi se ergue symbolisa seu genio, os seus talentos e serviços, os quaes elle bem manifestava nos seguintes versos:
Para cantar-vos mente ás musas dada, Para servir-vos braço ás armas feito.
Releve-me a camara esta pequena digressão.
Só com os nossos recursos pois devemos contar, porque se elles não nos salvarem do cataclysmo que está imminente e ameaçador, a nossa autonomia desapparecerá, e esse antigo Portugal, tão famoso de outras eras, desapparecerá da carta da Europa, com os fóros de nação independente, e terá o futuro desditoso da Polonia, ou a realisação desagradavel do jugo de Castella, que esse punhado de valentes, de bravos portuguezes, tão gloriosamente souberam sacudir. Não nos illudamos pois, encaremos a nossa situação tal qual é, e vejamos o que devemos e podemos fazer na presença de uma similhante crise. É tempo de olharmos seria e cuidadosamente para a nossa desfavorecida situação, e recordar-nos que os bons governos foram sempre as melhores trincheiras, os mais fortes baluartes, as mais duras muralhas e inexpugnáveis fortificações de um paiz livre, assim como os maus governos são a sua causa principal de destruição, de ruina, de desordem e miseria.
A historia tanto antiga como moderna nos fornece em cada uma das suas paginas argumentos para fortalecer esta verdadeira afirmativa, mas triste e sombria nas suas cores. Roma e Grecia, opulentas, guerreiras que n'outras eras desdenhavam trophéus, assolavam e davam leis a todo o universo, mais tarde soffreram as consequencias dos seus desatinos, dos seus maus governos, dos seus desvarios e imprudencias; mas modernamente se percorrermos avista pelas occorrencias europeas, ella fixa-se estática e horrorisada, contempla esse lugubre espectaculo, esse lastimoso quadro da desventurada Polonia, que guerreira, altiva e soberba, já dictou leis, já prescreveu ordens, já impoz preceitos, e hoje humilhada, abatida e retalhada, arrasta a custo as pesadas cadeias, os negros grilhões da escravidão. Todos sabem como se realisou a partilha d'aquelle grande reino. A sua má administração, mesmo a indole do seu systema, as dissensões intestinas, as divisões politicas, os odios que resultavam das lutas civis, e a corrupção que provinha das eleições reaes (porque a monarchia era electiva), a anarchia espalhada pelo povo, a reluctancia d'elle em pagar as contribuições, as falsas e erroneas doutrinas espalhadas pelos partidos, e o dinheiro espargido pelas côrtes estrangeiras, são os elementos poderosos da destruição, as causas irresistíveis do aniquilamento d'aquelle bravo povo.
Com o titulo de amigos e alliados as tres grandes potencias, Russia, Austria e Prussia, foram entrando e occupando militarmente as provincias polacas, e por disturbios e desordens motivaram aquella invasão, invasão que se prolongou, e que essas potencias julgaram de direito, a ponto de obrigarem esse infeliz e desditoso rei Estanislau Poniatowski, 36.° rei da Polonia, que não era senão o simulacro da realeza, não só a consentir n'ella, mas a assignar o desmembramento do reino. Catharina II, da Russia, Maria Thereza de Austria, e Frederico II da Prussia, dividiram entre si os despojos d'aquella importante nação, não lhe importando outro direito que a sua vontade e desejo de engrandecimento, e sem outra consideração, a soffredora Polonia foi a partilha das ambições d'aquelles orgulhosos soberanos e victima do seu despotismo. Se ella porém se mostrasse unida, se a sua administração fosse salutar, se as suas leis fossem executadas, e os homens publicos preferissem ao seu bem estar o do paiz, e em logar da desordem, da anarchia e de lutas sanguinolentas, mas esteréis e infructíferas, mostrasse pela sua sensatez e pericia que não carecia de tutores para se dirigir, sem duvida ergueria a fronte livre ainda hoje e desassombrada. Ponhamos pois os olhos nas desgraças dos outros, e poderá ser que da observação dos factos, da experiencia dos acontecimentos, e da luz e brilho da historia possamos trazer lição e exemplo aos nossos espiritos obcecados (apoiados), e assim afastaremos para longe e removeremos os perigos que nos ameaçam, comparando as causas e os elementos que perderam os outros e que nos perderão tambem se não levantarmos a tempo um dique a essa torrente caudal de desgraças e miserias que se nos antolham.
N'um paiz pequeno como o nosso devem estar prestes todos os meios de defeza, e por isso muito bem entendeu o illustre general, o bravo marquez do Sá da Bandeira, ser de absoluta necessidade fortificar Lisboa e Porto para nos resguardar de qualquer insulto de momento, e dar tempo a que o paiz se levante e cumpra o seu dever. Mas será esta a occasião opportuna? Não teremos nós outras necessidades de mais urgencia? Nas actuaes circumstancias poderemos nós ou devemos assim proceder? Eis-aqui pois o modo como se me afigura a questão, e sob este múltiplo aspecto a vou tratar.
Sr. presidente, na outra casa do parlamento disse eu, quando occupava cheio de prazer e satisfação a cadeira que tão briosa e independentemente os meus constituintes me deram, que nas nações pequenas a sua autonomia estava ligada ao seu bom regimen, sensata e prudente administração dos haveres da sociedade, e bem assim que o exercito é toda ella, quando os perigos o reclamam e as circumstancias o exigem. Desenvolverei em relação ao nosso Portugal esta asserção simples, esta doutrina que me parece corrente.
A crise que atravessámos, cujas causas eu não vou nem quero agora esquadrinhar, é assustadora, difficil e demasiadamente grave, mas não para desanimar, é pois essa crise que é necessario energicamente conjurar e combater de frente, organisando as finanças do estado, e estabelecendo-as sobre principios economicos, bases solidas e fortes (apoiados). A primeira difficuldade que temos a vencer (e eis-aqui uma reclamação mais constante e urgente do que as fortificações) é trazer a nossa receita e despeza ao equilibrio que nos dê o desapparecimento do deficit, e com elle vem em seguida o da divida fluctuante: resolvido este escabroso problema, removido este perigo constante, o governo ver-se-ha desaffrontado das difficuldades as mais terriveis, e terá bem merecido do paiz, se não abandonar a causa da civilisação e do progresso, e para ella nos fizer concorrer com o nosso humilde obolo. Este é o primeiro dever, esta, entre todas, é a necessidade mais impreterivel.
Não basta ter fortificações, é mister primeiro ter soldados e armamento. Temos nós armas já segundo o systema moderno? Sabe o nosso exercito trabalhar com ellas? Estão os mancebos válidos de toda a nação aptos e preparados para fazerem uso conveniente dellas? Se a resposta do nobre ministro a estas perguntas fosse affirmativa, eu declararia logo que as fortificações eram urgentissimas, mas com a sua negativa reconheço que ha outras necessidades mais urgentes, o cuja satisfação não se deve demorar. De que nos servirão as fortificações, se não tivermos exercito aguerrido e mancebos experientes e familiarisados com o manejo das armas para as guarnecer? Portanto dou os parabens ao sr. ministro da guerra pelo projecto que hoje foi votado, diminuindo os annos do serviço militar, e reduzindo-o a tres, e augmentando o da reserva. Este é o primeiro passo para ter exercito, pois o exercito entre nós não deve ser senão um meio de instrucção, uma escola permanente, e não cansa-lo com a policia, que, ao mesmo tempo que o fatiga, desmoralisa-o. Eu quereria mesmo, que em logar d'esses tres annos a que foi reduzido o tempo de serviço fosse a dois, como succedeu na Prussia quando Napoleão I lhe impoz a obrigação de não ter em pé de guerra um exercito superior a 30:000 homens. A Prussia pois para illudir e sophismar essa ordem ou imposição humilhante, reduziu immediatamente o serviço militar a dois annos, que lhe dava em resultado, em cinco ou seis, um exercito de cento e tantos mil homens. Não me argumentem que o tempo é pouco para o soldado de artilheria e cavallaria, pois desde que elle passa em seguida á reserva, e a reserva seja instruida, será remediado o inconveniente. N'este ponto divirjo e separo-me completamente do sr. conde de Cavalleiros, pois eu quero as reservas instruidas de fórma que possam n'uma occasião de perigo satisfazer condignamente ao seu fim. E pode-se este intento desejado obter sem muitas despezas nem grandes gravames. Se o governo nos districtos agrupar as freguezias e der a cada um d'esses grupos um instructor, que fará nos domingos e dias santificados exercicio não só com a reserva propriamente dita, mas com todos os mancebos válidos, que lhe forem aggregados por não lhes competir a sorte para o serviço no exercito, e der premios aos instructores que apresentarem os seus contingentes mais peritos, com melhor garbo e com instrucção mais adiantada na revista ou revistas geraes que devem ter logar todos os annos, consignará facilmente um magnifico resultado sem muito incommodo, nem largas despezas. Isto só não basta, é necessario estabelecer por todo o paiz as escolas de tiro para desembaraçar, tornar mais expedito e aperfeiçoar o soldado.
Quem quizer os fins deve empregar os meios, aliás baldados serão, e infructuosos os esforços. Como nação pequena e de poucos recursos, devemos alcançar e obter estas vantagens e estes aperfeiçoamentos sem grandes incommodos, e o mais barato que podermos, e em logar de andarmos a macaquear (permitta-se-me a expressão) as grandes nações, com as quaes não podemos nunca competir, devemos ir procurar aquellas que mais se nos assimilham, e escolher para modelo as que têem analogia e pontos de contacto comnosco. Porque não estudámos nós a organisação da Belgica, da Suissa e da Hollanda? Não são estes pequenos povos bem governados e bem dirigidos? Não é a sua boa administração e a sua economia que os fazem respeitados e credores da estima e admiração dos seus vizinhos? É ahi pois que nós devemos ir beber as salutares doutrinas e santas crenças que os ennobrecem e preservam dos immensos perigos que os rodeiam, se não fosse a sua vigilancia e precaução.
Apesar dos escassos recursos e da sua pequenez, estes estados de um momento para outro apresentam em occasião difficil um grande exercito, e mesmo agora no tempo de paz conserva em armas um não pequeno. E necessario temperarmo-nos com estes edificantes exemplos, e seguir o bom caminho, porque só d'elle poderá vir a nossa felicidade; e lembrar-nos que d'essas nações que se dizem nossas amigas e alliadas, temos já recebido bastantes insultos, repetidas offensas, e continuados desgostos, e que nem nos seus tratados encontraremos asylo quando o interesse dellas votar o nosso desmembramento.
O nosso mal todo só nos pôde vir da ambição de engrandecimento da Hespanha, ou de vistas interesseiras da França e Inglaterra, que conduzem as tres potencias á divisão do paiz e seus despojos. A historia dos factos consummados, dos ataques amiudados, e do pouco respeito á nossa bandeira, como ainda não ha muito se viu, deve-nos fazer ter este receio, que não teriamos, se a politica d'estas nações não fosse guiada pelos principios de Bentham, da utilidade e do interesse. Portanto a nossa conveniencia toda é manter com estes paizes relações sempre de amisade sincera, evitando sempre todos os motivos de complicação, e mostrar-lhes que pela nossa seriedade de relações, lealdade no cumprimento dos pactos, e sinceridade de sympathias, nos tornamos dignos e credores da sua estima, amisade e alliança, mas bem entendido, preparados sempre para reagirmos, escudados com o direito e o justo.
Se assim procedermos, seremos senão temidos, pelo menos respeitados, como já o fomos, e tanto valor e merecimento tinhamos, que essa temida Prussia de hoje veiu estudar a nossa organisação militar, que aperfeiçoou e plantou nos seus estados, e cujos resultados proficuos e vantajosos o attesta bem a ultima campanha, por todos nós conhecida.
Sr. presidente, não devemos descoroçoar nem da nossa situação, nem dos nossos recursos, mas sim prestar auxilio e meios ao governo que queira, possuido de idéas de regeneração e amor patrio, fazer alguma cousa, e emendar esses erros palpáveis que todos conhecem e vêem; é por esta rasão que entendo que mesmo admittindo a fortificação de Lisboa e Porto seja o mais urgente a fazer, que a verba dos 100:000$000 réis é pequenissima, e que a pouco nos levará; e por isso se este projecto podesse voltar ainda á outra casa do parlamento, eu ter-lhe-ía addicionado um artigo, que era o seguinte:
«Fica o governo auctorisado a despender com as fortificações de Lisboa e Porto, e qualquer outra do paiz que se entenda necessaria, e sobretudo com o armamento, alem da verba pedida, todas as economias que fizer no ministerio da guerra.»
Este artigo tinha não só o fim de se poder fazer alguma cousa que valesse, mas o incitar o nobre ministro da guerra, visto o seu empenho o desejo, a fazer economias e reformas n'aquelle ministerio, que tanto precisa e carece dellas. Eu já aqui disse e mostrei n'outra occasião, como de mil e tantos contos de réis que era aquella despeza, subiu a tres mil setecentos e tantos contos de réis. Se pois s. ex.ª economisasse 700:000$000 réis por anno, dentro em pouco não só teria as fortificações desejadas, mas o paiz todo armado. Como pelas rasões mencionadas não pude no projecto inserir este artigo de alta conveniencia, reservo-me para faze-lo quando uma nova auctorisação e despeza for pedida.
Sr. presidente, o governo deve ter um pensamento, e dirigir as suas vistas e intuitos para um fito determinado, e segundo certo plano e systema combinado. Por isso o projecto de lei que ha poucos instantes passou ácerca da reducção do serviço militar, devia vir acompanhado de outra proposta sobre a lei de recrutamento simplificando-a, corrigindo a e aperfeiçoando-a. Na Prussia não se admittem isenções excepto para aquelles que as pedem, mostrando por um exame que sabem e conhecem todo o exercicio, e se apresentam armados e fardados; a estes permitte-se-lhes que passem para a reserva porque estão promptos n'um momento dado a comparecerem ao chamamento que a patria lhes faça. Na Prussia o espirito militar está tão desenvolvido ou tão arreigado que até os proprios professores de instrucção primaria são obrigados a fazerem um dia por semana exercicio com os seus alumnos, o que muito lhes aproveita porque quando chegam á idade de militar estão desembaraçados e desenvolvidos, e quer no exercito quer na reserva aprendem com facilidade a instrucção que se lhes exige. Se a Prussia não se desconsiderou nem se humilhou por vir estudar entre nós, porque não havemos nós tambem ali estudar hoje que ella está tão adiantada, tão brilhante e tão cheia de vida, e que tanto influe nos destinos da Europa pela posição a que se elevou e pelas conquistas que soube realisar? Porque não havemos nós tambem dirigir as nossas vistas e intuitos para um fito determinado e fixo, porque não havemos de ter um plano meditado e estudado, e considerar a defeza da patria como o nosso primeiro, mais santo e sagrado dever.
N'um paiz como o nosso, em que a natureza e a Providencia nos collocou baluartes, por toda a parte e nos semeou fortificações a cada passo, em que as sinuosidades e asperezas do terreno e das montanhas, e a diversidade e numero de rios e ribeiros caudalosos nos dão linhas continuadas de defeza; emfim n'um paiz em que a bravura dos seus habitantes é proverbial, as suas tradições gloriosas até seculares, em que os instinctos de nacionalidade são manifestos, e a força moral pelas victorias de outros tempos sempre vizivel e patente, com estes valiosos elementos e apreciaveis condições, porque não nos havemos de tornar ainda respeitados como já fomos, e tirarmo-nos d'estes sustos que nos sobressaltam todos os dias e a todas as horas.
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Sr. presidente, não desejo cansar por mais tempo a camara e abusar da sua benevolencia; terminarei pois as rainhas simples e singelas observações acompanhadas dos mais ardentes desejos. Haja pois vontade, energia, saber e sciencia de mostrar ao povo os seus deveres, e colloque-se o governo pelo que faz, e pelo exemplo á frente d'esta nobre e santa cruzada, e o povo não lhe recusará o maior, o mais enorme sacrificio que se lhe pedir, e os, homens serios e de valor de todos os partidos agrupar-se-hão em torno da bandeira nacional erguida, e a cujo tremular não podem deixar de acudir, quando os interesses e defeza da patria estão ali.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Observando que o negocio em discussão é de mui subida importancia, não lhe parece que se deva tratar de um modo inconveniente, porquanto tendo o sr. ministro da guerra apresentado este projecto foi elle remettido á respectiva commissão, e esta requisitou um certo numero de esclarecimentos; esses esclarecimentos vieram na precedente sessão, ficando apenas sobre a mesa para poderem ser examinados; mas nem elles, nem o parecer da commissão se mandaram imprimir. Ora, perguntará, como é possivel que os membros d'esta camara possam ter d'este modo o necessario conhecimento do que se trata? Na verdade isto é uma cousa extraordinaria, e elle, orador, sente que se esteja amiudadas vezes a repetir factos de similhante natureza.
Não pretende com isto fazer a minima censura á presidencia, que não tem culpa alguma, mas não pôde deixar de confessar que similhante procedimento é singularissimo. Diz-se que é da maior importancia, e por esse mesmo facto quer-se tratar de um modo que não pôde nem deve ser tratado?!
Não propõe o adiamento do projecto, mas no estado em que se acha collocada a questão vê-se obrigado a votar contra, porque quer votar com conhecimento de causa, e pelo modo por que se está discutindo o assumpto não o tem, nem o pôde ter.
Vota portanto contra o projecto, sem mesmo tratar de apreciar a conveniencia ou inconveniencia de se gastarem 100:000$000 réis para se fortificar Lisboa, lembrando apenas que se se apresenta um perigo ha muito entulho e muitos hombros para o poderem conduzir, a fim de se fortificarem os arredores de Lisboa quando for necessario, o que se pôde fazer em muito pouco tempo, ao passo que para levar ao cabo as fortificações de que se trata são precisos tantos annos, que talvez não estejam promptas na occasião de serem necessarias.
Assim motiva o seu voto.
O sr. Conde de Cavalleiros: — Sr. presidente, eu não posso ver arguir o governo de não ter feito cousa alguma, quando apenas começou a sua carreira; mas tambem não entendo que se deva louvar previamente pelo que ainda ha de fazer;> comtudo, nas circumstancias em que nos achamos, eu entendo que tenho obrigação moral de prestar a este governo, ou a qualquer outro, todo o apoio possivel para o desembaraçar de qualquer difficuldade, a fim de que não possa desculpar-se no futuro de não ter feito nada no preterito; por isso, sr. presidente, votei outro dia uma auctorisação ampla, para que o governo possa simplificar e organisar os serviços publicos, diminuindo o numero dos empregados.
Nunca na minha vida me custou menos a votar uma auctorisação, e, sr. presidente, se eu tivesse a mais pequena duvida em prestar-lhe o meu voto, bastava um facto bem notorio, aqui referido pelo sr. visconde de Chancelleiros, para eu não vacillar em votar essa auctorisação.
Este governo, segundo creio, foi convidado a assumir a dictadura. Ora, sr. presidente, creia v. ex.ª que no tempo em que nos achamos, sendo o governo composto de homens intelligentes, era uma tentação terrivel, de que felizmente fomos salvos pelo bom senso de ss. ex.ªs, e pelo exemplo dos seus antecessores a quem não aproveitou a dictadura.
Uma dictadura é sempre má, mas uma meia dictadura é peior.
Se o governo assumisse a dictadura para vir aqui revogar duas ou tres leis, e não fizesse mais nada, desconceituava-se, caía, tinhamos outra crise, e o paiz continuava na abjecção de ver caír e nomear ministerios até á sua completa perdição.
A dictadura é a reunião do poder executivo com o poder legislativo; não é mais nada; porque se passa d'ahi é o despotismo. Pôde haver dictadura que não seja despotismo, mas ha muita cousa que pôde ser feita pelo despotismo e não o pôde ser pela dictadura.
Se a dictadura atacasse os artigos da carta, que envolvem a separação dos poderes, tornava-se em tyrannia, e eu não sei se poderia haver parlamento que absolvesse similhante procedimento.
Sr. presidente, digo isto como uma resposta amigavel ao meu nobre amigo e collega, que outro dia me pareceu se tinha estimulado quando eu pedi a palavra para declarar que era contrario á dictadura, porque, se eu fosse dictador, havia de ser dictador completo até ao fim. (O sr. Visconde de Chancelleiros: — Apoiado, e peço a palavra.)
Sr. presidente, trata-se de uma proposta que concede 100:000$000 réis, não para as fortificações de Lisboa (é necessario que se entenda), mas para o artilhamento das fortificações marginaes do Tejo, em grande parte, o que é muito differente. Esta verba é principalmente destinada ao artilhamento dos fortes que guarnecem as margens do Tejo, e eu não posso deixar de approva-la, porque já vi entrar a barra dois navios de guerra americanos, ameaçando de dar um combate dentro do rio, e nós não tinhamos meios de o evitar, porque não tinhamos artilheria nos nossos fortes para lhes resistirmos é fazermos respeitar a nossa bandeira.
Qual é o homem que vive em logar ermo, e não compra armas para se defender? Não poderá esta nação gastar 100:000$000 réis em um objecto tão util? Pois nós podemos gastar mais de 300:000$000 réis n'esta casa sumptuosa, quando podiamos funccionar n'uma sala muito mais modesta, que não custasse mais do que a sexta parte do dinheiro que se gastou aqui; pois nós podemos gastar réis 350:000$000 com o theatro de D. Maria II, e em que se gastam ainda 13:000$000 réis cada anno, para irmos para ali bocejar, porque se não encontra lá ninguem com quem se converse; pois nós tivemos 500:000$000 ou 600:000$000 réis para gastar n'um lazareto aonde não entra alma viva que não se queixe de que não pôde respirar, de que lhe não deram cama, ou de que a comida era má; pois nós estamos constantemente a despender tantos e tantos contos de réis, e não queremos votar 100:000$000 réis para comprar meia duzia de canhões para collocar em alguns fortes, e applicar o resto no começo, na preparação de fortificações que defendam Lisboa! Eu declaro á camara que nós não devemos olhar com desdém para esta questão de fortificações. Se o sr. ministro viesse pedir á camara centenares de contos de réis, exagerando, não direi estes sustos, porque os portuguezes não costumam assustar-se pela proximidade do perigo, mas exagerando esta crise em que nos achámos; se ss. ex.ªs viessem pedir centenas de contos de réis para o chamamento ás armas, para o armamento geral, para estabelecer escolas de tiro, de que se não tem tirado proveito n'alguns paizes, como ha pouco disse um digno par, e com que se tem gasto nos outros paizes muito dinheiro; se ss. ex.ªs viessem pedir muitas outras cousas n'este sentido, eu havia de votar contra essas exigencias, porque o remedio era peior do que a doença, por isso que taes despezas exhauriam-nos de todo; e toda a camara concordará de certo que uma nação extenuada pela fadiga dos tributos, dos esforços e trabalhos pôde o inimigo marchar sobre ella, que não lhe encontra resistencia; é similhante a uma casa que o dono abandonou por não existir cousa alguma n'ella; de sorte que o inimigo chega é não encontra ninguem, porque o chefe da familia abandonou-a e os filhos tambem tinham fugido, e não havia ninguem que defendesse os lares, porque já de antemão estavam arruinados pelos vexames dos tributos e exigencias governamentaes. Agora o que voto é a preparação de um esforço continuado de tal modo que, pouco a pouco, cheguemos ao estado de nos defendermos dos nossos inimigos. Não devemos só confiar no peito dos soldados portuguezes, é necessario tambem que nos fortifiquemos. Muita gente suppõe que basta a valentia para arrostar com tudo; não é tanto assim, ha soldados muito valentes que ás vezes têem receio de um pequeno obstaculo, de uma teia de aranha.
As fortificações de Lisboa hão de por força ser pequenas, porque se ellas occuparem uma grande area não teremos gente para as guarnecer, e o resultado será o inimigo passar por ellas como se não existissem. Note porém a camara uma cousa: eu não digo isto porque acredite que nós poderemos ser atacados ámanhã; emquanto não houver uma guerra geral na Europa não vem aqui ninguem; mas quem me diz a mim que um dia, apesar de estarmos em paz com todas as nações, venha por ahi um brigue inglez e comece a praticar algumas gentilezas ás quaes não podemos corresponder! Havemos de nos entregar manietados? Não vemos as usurpações das nossas possessões ha pouco opprimidas?
O que é preciso pois é fazermos pequenas fortificações, e acredite a camara que não ha vantagem alguma em fazer grandes fortalezas em que se gastem milhares de contos de réis, sugando assim todo o sangue do paiz para nos defendermos de uma invasão que só poderia ter logar depois de uma guerra geral em que a Inglaterra estivesse em desaccordo com a França, para esta se combinar com a Hespanha e aquella, a nossa fiel alliada, tomar conta das nossas colonias para as ter em boa arrecadação, a fim de no-las dar depois no dia de são nunca á tarde friso). Têem sido precisos oito annos para os inglezes aceitarem a arbitragem de alguem sobre a usurpação que nos fizeram da ilha de Bolama! Depois d'esta violencia já nos fizeram outra; quantos annos serão precisos para a reconhecerem?
Não esperemos pois pela ajuda de ninguem: confiemos apenas em nós: nos nossos braços, na nossa justiça, no favor de Deus.
Sr. presidente, eu ouvi um digno par nosso collega, o sr. José Maria Baldy, com a proficiencia e conhecimentos que tem, dar conselhos ao governo. O digno par pelo seu caracter pessoal, pelo seu saber e pela posição que occupa, é digno do respeito e estima de todos nós, e eu pessoalmente tenho por s. ex.ª, apesar do respeito e do conceito, inteira sympathia. Concordo com s. ex.ª em que o melhor meio de termos bons generaes é de os exercitarmos no campo e fóra d'elle por meio de exames e exercicios, entregando essas operações e theorias nas mãos de quem as comprehenda e tenha habilidade e engenho preciso para commandar e comprehender o que deve ensinar. Não basta o valor, a força e a destreza de manejar a catana para ser bom general e alcançar a victoria, é preciso a intelligencia e o saber.
A tropa opera e o general delibera.
Logo é preciso formar o general antes de ensinar o soldado. Este é consequencia d'aquelle.
Foi este o pensamento illustrado do nosso dignissimo collega o sr. general Baldy. Mas para completar o pensamento de s. ex.ª é necessario mais alguma cousa.
Não tem havido governo algum (e com isto não quero accusar ninguem), que não tenha querido illustrar os seus amigos, mandando-os viajar por toda a Europa para estudarem differentes cousas imaginarias, de que deveriam resultar grandes beneficios para este paiz; mas infelizmente
a maior parte das vezes nem os relatorios apparecem. Ora, se todos os governos têem tido dinheiro para mandar os seus amigo viajarem e divertirem-se nas capitães da Europa, a fim de conhecerem as alterações atmosphericas, porque é que não têem mandado os brigadeiros que começam a vida de generaes, ou quaesquer outros officiaes superiores, estudar e aprender nos principaes campos de manobra que ha pela Europa, os meios de ensinar bem os nossos soldados?! Pois é possivel ter-se um campo de manobras para os generaes ensinarem aquillo que não sabem? (Apoiados.) Não será isto o mesmo que ir nomear professor de uma escola de primeiras letras um homem que não saiba ler nem escrever?! (Apoiados,) Os rapazes ficariam sabendo tudo, menos ler e escrever (riso e apoiados). Eu com isto não pretendo offender ninguem, porque não ha regra sem excepção. Conheço que ha generaes muito instruidos e capazes de praticar, mas a opinião publica preocupa-se com estas cousas. Ora, se ha na Europa campos de manobras, vão os generaes lá aprender, para depois cá ensinarem, com o que o paiz de certo muito lucrará (apoiados).
Houve uma guerra na Criméa e appareceram lá generaes de toda a Europa; mas de Portugal nem um. E comtudo que campo de manobras não era aquelle para ensinar e instruir?!
Houve uma guerra na Italia, singular em todas as suas disposições; foram generaes de todo o mundo, mas os generaes portuguezes não tiveram dinheiro para lá ir!! Ora, se se reunisse todo o dinheiro que venciam os litteratos que andavam passeando com o pretexto de estudar, daria para mais de doze generaes ali poderem ter ido.
Veiu a guerra da Allemanha, a guerra das espingardas de agulha, que alterou a tactica, e que fez tanta impressão, que ainda hoje se falla nas armas de agulha como se fossem ellas que decidissem a questão, que não foram; e comtudo não appareceu lá nenhum general portuguez!
Veiu a guerra da America, acompanhada de circumstancias muito especiaes, feita com uma tactica diversa, e em campos desconhecidos, e não appareceu lá um unico general portuguez! E no emtanto por toda a parte da Europa andavam portuguezes viajando por conta do governo! Só para a instrucção dos nossos officiaes generaes e escola do nosso exercito não houve dinheiro!
Ora, eis-aqui está para que eu pedia aos srs. ministros que applicassem o dinheiro, porque é preciso que elles façam com que os generaes vão estudar nos campos de batalha reaes ou ficticios. Lá é que é a verdadeira escola.
Emquanto á auctorisação de que o digno par, o sr. Vaz Preto, fallou, eu, pela minha parte, não acompanho esse voto de confiança, porque não é necessario; se porém a salvação publica o exigisse, não teria duvida em acompanhar s. ex.ª O governo não pôde d'aqui até ao anno que vem gastar mais doa 100:000$000 réis, incluindo a compra dos canhões, e se não fosse esta circumstancia, nem isso mesmo gastaria. Esta auctorisação é o sufficiente para se fazer tudo o que convem para se saber lá fóra que nós estamos preparados e não dormimos.
Quanto a esta imaginaria organisação de reserva, que muita gente julga conveniente, não me parece que seja o que possa concorrer para defender o paiz de qualquer invasão estrangeira.
Eu, sr. presidente, tenho dito bastante para firmar o meu voto. Voto pelo projecto, e voto com muito maior gosto porque o sr. ministro já tem uma verba destinada para o campo de manobras, e d'esta verba é que ha do saír esta despeza.
Ora, eu espero que o governo faça com que os generaes vão ver e estudar o que se faz lá fóra nos campos de manobras, do que devem dar conta officialmente, e se assim fizer acho que o governo não perde nada em que seja adiada a despeza destinada ao campo de manobras, para ser mais bem applicada nas fortificações, principalmente da margem do Tejo; e sobre isto chamo a attenção do nobre ministro, porque de um dia para outro podemos soffrer um insulto, porque a nossa marinha é muito pouca para as nossas colonias, porque nós não temos marinha como exigem as necessidades das nossas colonias, e portanto não podem estar aqui no Tejo senão dois ou tres vasos de guerra, e isso não é bastante para defender o Tejo de qualquer arrojo da parte de uma nação amiga ou inimiga, pois que de todas temos soffrido abusos intoleraveis.
Tenho concluido.
(Entrou o sr. ministro da marinha.)
O sr. Marquez de Vallada: — Tem seguido os debates d'este pleito, até que finalmente a causa chegou á superior instancia.
Vê que de um lado se apresenta o patriotismo mais ou menos exagerado e do outro a prudencia politica, e de ambas as partes litigantes se adduzem rasões mais ou menos plausiveis ou justas, mas presume que de ambas as partes patrioticas.
Faz portanto votos para que os juizes na causa se inspirem dos dictames da critica, e sobretudo dos dictames da prudencia, a fim de lavrarem um accordão no sentido verdadeiramente patriotico e justo.
Por parte da prudencia politica dão-se as seguintes rasões: o nosso thesouro está exhausto, os povos estão opprimidos pelos tributos, a lavoura está em miseravel estado e carece de medidas verdadeiramente reformadoras, para que o paiz possa attingir o grau de felicidade que todos nós desejâmos; e não é portanto n'estas circumstancias que se deve fazer uma despeza exorbitante na opinião dos que se inspiram nas regras da prudencia politica mais ou menos exagerada.
Pelo outro lado allega-se o patriotismo com todos os seus brios, desenterrando dos livros da nossa historia todos os factos que se têem dado nas nossas guerras, para nos tra-
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zer á memoria esses factos, e com elles inspirar a necessidade de prover de remedio a um mal mais ou menos proximo, de certo injusto da parte dos aggressores, mas muito justo da parte dos aggredidos, porque mais vale prevenir em tempo do que ter depois de remediar o mal, sem comtudo muitas vezes se lhe poder applicar o remedio.
Disse elle, orador, que as rasões eram mais ou menos plausiveis de ambos os lados, mas encare-se como se deve este objecto, e veja-se se é possivel votar sobre elle com a mão na consciencia, seguindo os dictames da rasão pura, e sem ser ministerial ou querer parecer dar um voto favoravel ao governo. Se não concorda com a politica geral d'este ministerio, todavia vota por este projecto, e d'esse voto passava a dar a rasão.
Estes 100:000$000 réis, que se trata hoje de votar, estavam para ser applicados ao campo de manobras. Houve uma transferencia. Essa transferencia póde ser discutida de uma maneira mais ou menos conveniente. Elle, orador, não é militar, mas encara as cousas debaixo de um certo ponto de vista permittido aos que não são da arte.
O plano de defeza para que devem ser applicados estes 100:000$000 réis é para dar segurança á nossa barra e ás fortificações de certos pontos da cidade, a fim de nos prevenirmos contra qualquer aggressão estranha. Não póde, em vista dos seus precedentes politicos, em vista das rasões de que se tem servido para defender todo e qualquer projecto que tenda a conservar a nossa autonomia, não póde, dizia, deixar de approvar uma auctorisação d'esta natureza, porquanto estes 100:000$000 réis não são mais do que uma transferencia; é deixar de applicar no campo de manobras para o applicar nas fortificações; parece-lhe isto uma cousa muito rasoavel e muito justa nas actuaes circumstancias. Apesar todavia de ser este o seu voto, não póde eximir-se de fazer alguns commentarios á votação d'esta medida e de dirigir alguns pedidos ao sr. presidente do conselho, offerecendo algumas considerações sobre o estado do paiz, e mesmo sobre as circumstancias em que se vota este encargo.
Para que se vota este projecto? Para uma guerra possivel. Mas, pergunta, essa guerra alem de possivel é provavel? O governo deve sabe-lo e deve tambem saber, no caso affirmativo, com quem é que póde ser a mesma guerra. Provavelmente dirá alguem logo em seguida a esta pergunta: «É com a Hespanha!» Não me parece que seja. Será com outro paiz? Qual? Póde acaso ser promovida essa guerra pelo actual governo estabelecido em Hespanha, que deseje vir conquistar Portugal?! Presume que não.
Apresenta-se outra vez a questão do iberismo, e elle orador está sempre prompto, quando se lhe offerece ensejo, a commentar essa questão e a entrar n'ella. Não tem medo do actual governo de Hespanha, nem do governo monarchico, nem do partido conservador. Já um jornal muito affecto a este governo, e muito especialmente ao sr. ministro da marinha, disse com toda a franqueza de linguagem: «De quem ha a temer é do partido democratico exagerado em Hespanha, que tem por chefes os Olosagas, os Prins e outros similhantes; d'isso é que ha a temer, mas o governo de Hespanha não pensa em conquistar Portugal».
Também elle, orador, não o crê, como já disse, e se alguma cousa teme são as aggressões, ou, para melhor dizer, os planos disfarçados d'esses agentes que tramam de differentes maneiras, sendo uma dellas a lisonja, que é uma arma terrivel que se emprega para captar a benevolencia de altas personagens. Apresentam elles a união iberica como sendo o desideratum dos portuguezes, -porque hão de ser estes que dominarão na peninsula iberica! Seremos nós que havemos de ir {Ilustrar aquella terra!
Não se lembra o illustre marquez de Sá do facto que se deu quando se apresentou o retrato de D. Pedro V a par do retrato da Princeza das Asturias? Não sabem todos que isto era para dar uma certa côr aos planos? Não se recordam todos dos escriptos de homens importantes de Hespanha? De D. Sanibaldo Mas, de D. Xisto Camara e outros que juntamente têem advogado a união iberica, dizendo que ella se deve formar debaixo do sceptro do monarcha portuguez? Seria porém esta a realidade do plano? Não. Isto era só para facilitar a união, mas depois d'ella levada a effeito derrubariam então esse monarcha e estabeleceriam a união republicana!...
Todos sabem que veiu aqui uma deputação composta de hespanhoes e italianos, ha já alguns annos, para tratar do assumpto (O sr. Pinto Bastos: — Peço a palavra para um requerimento.), e foram repellidos victoriosamente pela intelligencia de um homem notavel que a Providencia não quiz que durasse mais tempo entre nós, mas que, conscio da lealdade que devia ao seu paiz, e dotado de um grande talento, não podendo ver como possivel aquillo que não era mais do que uma chimera, rejeitou todas e quaesquer propostas. Foi assim que pugnou um grande homem ainda que joven, cuja memoria ha de ser sempre abençoada pela posteridade, por haver repellido a audacia dos ambiciosos e as blandicias dos lisonjeiros que queriam dinheiro e mais dinheiro, e que julgavam possivel enriquecer Portugal, sendo os portuguezes os dominadores da peninsula iberica!
Primeiro do que tudo é necessario repellir toda a correspondencia com esses homens que debaixo de todas as formas se apresentam; ora como agentes de casas commerciaes, ora como agentes de emprezas litterarias e de todo e qualquer modo, mas sempre com o mesmo fim, attrahindo uns por meio das blandicias, e attrahindo outros por meio do oiro. Esse campo a que estava agora alludindo, precisa tambem fortificação, precisa de guarnição. Mas qual é a guarnição que precisa? É a da verdadeira critica. Também n'esse campo se carece de balas, mas são as da energia e do patriotismo, para repellir todos esses attentados que se tramam nas trevas para mais tarde se traduzirem em factos. Esses campos de manobras tambem elle, orador, os quer; tambem quer essas praças guarnecidas da artilheria do patriotismo, da rasão e da critica, que se exige de todos que se occupam dos negocios publicos. E necessario repellir para longe essas correspondencias, repetia, porque ellas podem comprometter-nos.
É sabido que existe uma combinação iberica em que tomam parte italianos e hespanhoes. Aponta-se para o Piemonte e diz-se: «O Piemonte era pequeno e hoje é grande; e vós portuguezes imitae o Piemonte, porque como elle haveis de dominar a Hespanha»! Esta é a linguagem da lisonja, que se falla e sempre se fallou não só na choupana humilde do povo, mas tambem nos salões dourados do rei; quando ao contrario, a verdade e só a verdade é que se deve fallar aos réis e aos povos, para que nem uns nem outros sejam illudidos por estes ou aquelles meios. Com a verdade pois, e pela verdade defendamos o rei, defendamos o paiz.
Vota por esta auctorisação, e ainda mais votaria se fosse pedido; e n'esta occasião requeria ao sr. presidente do conselho que mais alguma cousa se faça.
Ninguém mais do que elle, orador, respeita os officiaes do exercito portuguez; mas vê infelizmente que muitos dos que entraram nos campos de batalha já a fouce da morte os derrubou. O sr. marquez de Sá, que é um militar que pelejou desde as lutas peninsulares sabe que em todos os paizes se mandam jovens, que amam o estudo o desejam adestrar-se nos campos de batalha, aprenderem na pratica, em paiz estranho, as manobras e como se peleja, tanto em terra como no mar. Também de Portugal se tem enviado a praticar nas, esquadras estrangeiras jovens aspirantes de marinha, e crê que tem tirado todos, ou quasi todos, grande proveito d'isso. Sabe o sr. ministro da guerra que o povo portuguez é guerreiro. No momento da luta apresenta-se como um leão para defender a patria, inspirado pelo seu amor á terra natal, mas s. ex.ª sabe tambem que não é deshonra para o paiz mandar individuos ao estrangeiro, a fim de aprenderem o que não se lhe póde ensinar aqui. Não temos lutas ha muitos annos, e para entrar n'ellas é preciso que haja bons officiaes, porque têem morrido muitos dos que tinhamos e vão morrendo os que restam. E necessario pois que se vão creando officiaes e se adestrem na arte da guerra. Em outras epochas e remotas, por exemplo na regencia da senhora D. Luiza Francisca Maria de Gusmão, viuva do senhor D. João IV, foi chamado do estrangeiro o conde de Schomberg, para vir aqui organisar e adestrar o nosso exercito. Mais tarde o conde de Schambourg de Lippe, aqui esteve para o mesmo fim. O conde Schambourg teve a patente de commandante em chefe do exercito e de marechal do exercito. Depois d'estes vieram outros estrangeiros distinctos que muitos serviços fizeram ao nosso exercito.
Na marinha succedeu o mesmo que no exercito. Tivemos o conde de Penha Firme, almirante Sartorius, o conde dó Cabo de S. Vicente, almirante Napier. A ninguem deshonrou isto; porque havemos pois de deshonrarmos agora, mandando jovens portuguezes estudar as manobras e pelejas a paizes estranhos? No tempo de D. João III, que foi um dos monarchas que mais se empenhou na diffusão das luzes, mandaram-se vir professores estrangeiros para a universidade, o que deu muito bons resultados, e tanto que quando a morte levou ao tumulo aquelle monarcha, poz-se-lhe este epitaphio Ad regnum importavit Athenas.
Por consequencia importar os verdadeiros conhecimentos militares é cousa que não nos póde deshonrar.
Diz-se que a quantia que se pede para fortificações é pequena. É-o effectivamente; mas é para principiar, e o sr. marquez de Sá nos declarou que é para começar as fortificações da barra. Assim não póde deixar de votar o pedido feito n'este projecto.
Quanto ao campo de manobras não lhe parece que nas condições em que elle foi organisado, e mesmo agora se possa tirar d'ahi as vantagens que muitos esperavam. Os soldados adestram-se mais facilmente que os officiaes.
Vemos que quando Massena invadiu o reino, e infelizmente então tinhamos acabado de soffrer o celebre desastre de Valle de Rosa na campanha de 1801, os portuguezes pareciam soldados mestres pelo modo que corriam aos baluartes, e se apresentavam diante do inimigo cheios de coragem, causando admiração aos exercitos mais bem disciplinados do mundo.
Attestam-no as linhas de Torres Vedras, os campos do Vimeiro, e já de longa data Montes Claros e todos os outros numerosos recontros em que os portuguezes defenderam o seu solo e a sua fé religiosa. Portanto approva de bom grado o projecto que se discute; mas permitta-lhe o illustre presidente do conselho e ministro da guerra que lhe diga, que é necessario, alem do campo de manobras politicas que já lhe pediu e dos outros entrincheiramentos que é preciso fazer no campo da moralidade, organisar primeiro a fazenda publica, como disse o sr. Vaz Preto, pessoa a quem muito respeita.
E mister, portanto, primeiro que tudo, organisar as nossas finanças e mostrar que nos sabemos governar bem, para que os estranhos não queiram ser nossos tutores; é preciso mostrar tambem que estamos dispostos a repellir qualquer tentativa dos que nos desejam mal; igualmente não devemos deixar propalar todas as doutrinas, não deixar entrar em Portugal, sem serem vigiados, os agentes d'essas sociedades unionistas, como lhes chamam, da joven Italia, da joven Allemanha e da joven Hespanha, e muito menos permittir que alguns portuguezes sejam, levados pela ambição, agentes dellas. E necessario ensinar os ignorantes e castigar os que erram. Quando tivermos feito isto poderemos escapar bem no meio d'esta conflagração geral, que tem por fim, I segundo se diz, conservar as nacionalidades, mas começando por aniquilar a autonomia das nações pequenas para as juntar ás grandes! Isto é a hypocrisia manifestada na sua mais genuina expressão!
Dizem os auctores d'esses projectos que os estados grandes são uma necessidade européa, quando não são mais do que o despotismo, e amigos do despotismo são-o tanto os revolucionarios rouges como os revolucionarios amigos do cesarismo, que desejam o governo de um rei rodeado de um pequeno numero de validos, de uma camarilha para poderem governar á sua vontade. Elle, orador, não quer nem uns nem outros; bem claramente o diz, e deseja que a sua voz chegue a toda a parte, para se saber que o disse. E francamente amigo da monarchia, tem demonstrado que não póde vê-la insultar, nem ouvir as injurias que se dirigem ás pessoas reaes; os revolucionarios porém usam de diversos meios, umas vezes lisonjeiam as pessoas reaes, outras insultam-n'as até na sua vida particular, porque é sempre a especulação que lhes dita ou a lisonja vil ou a injuria atroz. Rejeita esses meios, não dirá que com toda a força da sua intelligencia, mas com toda a força da sua dignidade, porque é sincero cultor dos principios da monarchia, porque é sincero amigo e dedicado apostolo dos principios do governo constitucional, que, entendido como deve ser, é a morte dos revolucionarios exagerados e das camarilhas. Sustentará pois estes principios sem recuar diante das ameaças de ninguem, venham d'onde vierem, acobertadas ou claras, e sustenta-las-ha emquanto a honra e a dignidade o inspirarem.
Elle, orador, tem demonstrado na sua carreira publica, que começa a ser antiga, pois já conta dezeseis annos, que ha defendido sempre os principios monarchicos, as prerogativas reaes, a honra e a dignidade do throno, e tem sustentado e defendido tambem os direitos do povo e dos opprimidos. Não receia que, apresentando estas idéas, e seguindo o antigo caminho que invariavelmente tem seguido, ouse sequer alguem desmenti-lo, mas se alguem o ousar que se apresente, pois elle, orador, está sempre prompto a discutir a sua vida publica e particular.
Disse muito bem o digno par o sr. Vaz Preto, quando alludiu á historia da antiguidade e á epocha da grandeza da Grecia, á da antiga Roma e dos imperadores, a qual examinou passo a passo, disse muito bem, repetia, que via-mos com pasmo que, com homens tão doutos, tão adestrados na arte de manejar os negocios publicos, e tão illustres nas letras e nas sciencias, baqueassem aquellas civilisações! E porque baquearam ellas? Porque lhes faltou o sentimento do verdadeiro patriotismo, que era o resultado da idéa da fé religiosa e politica!
N'aquelles tempos tambem já existia a protecção para os grandes; já existia o sentimento de desprezo para os pequenos, e como não prevalecia a idéa generosa da moralidade, então as civilisações antigas, porque não tinham alicerce baquearam, os thronos caíram e a anarchia espalhou-se! Cuidemos portanto em que o nosso paiz não perca esse sentimento de generosidade e de patriotismo, esse sentimento que não é senão por meio da educação que elle se inocula no espirito. É necessario pois fortifica-lo com esse baluarte da instrucção publica. Espera que na proxima sessão, se este ministerio não desapparecer por meio de uma d'essas evoluções incomprehensiveis, se algum poder occulto o não derribar, chamar a attenção do illustre ministro do reino, que é ministro e prelado, philosopho e theologo, que é pessoa amestrada, para outro campo de manobras que é o campo da educação publica. Ha de interpellar s. ex.ª sobre este ponto. Sabe que s. ex.ª tem estudado esta materia, sabe que está habilitado para entrar n'ella. Também elle, orador, o está, mas o illustre prelado deve-o estar melhor. Quando chegar essa occasião ha de fallar claramente, e o nobre ministro terá tambem de fallar, pois elle, orador, não deixará de o perseguir politicamente com os seus argumentos para que apresente, com clareza, as suas idéas a respeito d'este assumpto.
O sr. Presidente: — Tenho a observar ao digno par que o que está em discussão é o projecto sobre os 100:000$000 réis para as fortificações. S. ex.ª tem feito varias divagações alheias á materia, e lembro-lhe que hoje é o ultimo dia de sessão, e portanto deve-se aproveitar o tempo com os projectos que estão dados para ordem do dia.
O Orador: — Proseguiu dizendo que as idéas que apresentou são argumentos de soccorro, se não são argumentos principaes. S. ex.ª que de certo aprendeu todo este ramo de sciencia humana, e por isso chegou ao logar que occupa, dar-lhe-ha de certo rasão, posto que não lh'a desse agora; mas sem duvida reconhecerá pela demonstração d'elle, orador, que não estava fóra da ordem.
Dissera ser necessario fortificar o paiz por meio do patriotismo, e que o patriotismo começava a aprender-se na escola; estava por consequencia na ordem quando apresentou estas idéas. Pouco se lhe dava que as suas idéas desagradassem, mas o que desejava era justificar a sua digressão muito justa e necessaria, porque queria dizer que nos devemos tambem fortificar contra as idéas dos ibéricos e da ignorancia, e que se devem amestrar homens para os negocios, que tenham primeiro que tudo em vista a honra e a dignidade; e como nada d'isto se póde conseguir sem haver a educação, por isso chamou a attenção do nobre prelado ministro do reino, e do illustre presidente do conselho, não só para estas fortificações, de que trata o projecto, como para outros assumptos que com ellas tenham relação.
Bem sabe que ha outros negocios para se discutirem, mas na sessão passada, quando se apresentou o codigo civil e outras medidas, para passarem em uma só sessão, e apesar de votar com os ministros de então, disse elle, orador, que não se deviam votar os negocios a correr, porque a primeira obrigação é votar com consciencia e circumspecção; e como elle, orador, entende seu dever o votar d'esta ma-
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neira, por isso ha de fallar sobre todas as questões em que tiver duvida, e ha de fallar porque tem direito para isso, direito que fará valer quando vir que é necessario, porque, repetia, é da camara a primeira obrigação votar com consciencia e circumspecção, e de modo que o publico saiba que os dignos pares têem a consciencia do que votam.
Recapitulando pois declara que approva o projecto pelas rasões dadas, e espera que o sr. ministro do reino dará em outra occasião as explicações que lhe pediu.
O sr. secretario leu um officio vindo da camara dos senhores deputados, remettendo uma proposição sobre o modo da distribuição da despeza do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça no anno economico de 1866-1867. A commissão de fazenda.
O sr. Presidente: — Tem a palavra para um requerimento o sr. Pinto Bastos.
O sr. Pinto Bastos: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara se quer que se prorogue a sessão até se votar o projecto que está em discussão.
Requeiro tambem a v. ex.ª que consulte igualmente a camara se julga esta materia suficientemente discutida.
Posto á votação este ultimo requerimento, foi approvado.
O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam este projecto na sua generalidade tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Presidente: — Passa-se á especialidade; vae ler-se o artigo 1.°
O sr. Secretario leu.
O sr. Presidente: — Está em discussão.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Tem V. ex.ª a palavra.
O sr. Visconde de Chancelleiros: —.................
O sr. Presidente: — A hora já deu, e portanto vou consultar a Camara se quer prorogar a sessão.
O sr. Pinto Bastos: — Eu já tinha feito um requerimento n'esse sentido.
Consultada a camara, resolveu afirmativamente.
O sr. Presidente: — Está prorogada a sessão, e tem o sr. visconde de Fonte Arcada a palavra.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Expoz que ou está enganado ou a discussão se dera por terminada, porque houve um digno par que assim o propoz, e n'este caso não estava enganado.
O sr. Presidente: — Está enganado n'uma parte; o que se votou foi que a discussão na generalidade estava fechada, e como o regimento manda passar á especialidade, está em discussão o artigo 1.°
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Replicou dizendo que se a discussão estava terminada, s. ex.ª não podia dar a palavra ao digno par que fallou sobre o objecto...
O sr. Presidente: — O digno par não me quer ouvir?
O Orador: — Quero, sim senhor.
O sr. Presidente: — O que a camara votou foi que a discussão da generalidade estava acabada; e então, na conformidade do nosso regimento, passou-se á discussão da especialidade, e eu declarei que estava em discussão o artigo 1.° do projecto. Em virtude d'isso dei a palavra ao sr. visconde de Chancelleiros, e depois disse eu que V. ex.ª tinha a palavra. Agora póde o digno par continuar.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Expoz que quando pedíra a palavra fôra para dirigir a mesma pergunta que fez o digno par que o precedeu. Desejava tambem saber se o governo entende que são precisos meios extraordinarios para defender o paiz, por termos receio de que effectivamente sejamos atacados? Era isto que desejava o sr. ministro da guerra explicasse; pois que se estamos n'essas circumstancias, faça-se quanto necessario seja para defender o paiz.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, á hora em que estamos não posso dizer senão muito poucas palavras. Eu declaro aos dignos pares que não ha receio de hostilidades, e que estamos no estado normal e bem com todas as potencias, e que de todas ellas recebemos provas de consideração e de amisade.
Este projecto não é outra cousa senão o pedido de uma parte de um credito, que já foi votado ha cinco annos, quando se pediram 300:000$000 réis para começar as fortificações de Lisboa e do Porto. As camaras votaram então 400:000$000 réis. D'esta somma não se gastou senão 100:000$000 réis, e tem havido uma longa interrupção nos trabalhos. Agora o governo pede ao parlamento esta verba de 100:000$000 réis, pequena relativamente com relação ao objecto para que é destinada, porque se attendeu ás circumstancias actuaes do thesouro, para se poder começar a armar o porto de Lisboa, para o que já estão promptos alguns fortes; precisam-se de algumas bôcas de fogo de grande calibre e do systema mais aperfeiçoado para os guarnecer, e as quaes poderão custar 50:000$000 réis. O resto da verba que o governo pede n'este projecto é para ir continuando a fazer outros trabalhos mais necessarios, as obras de fortificação não se fazem repentinamente, mesmo que sejam de terra, como as de Torres Vedras, para as quaes foram precisos dez mezes de trabalho, e empregar mais de 10:000 homens, e se a invasão dos francezes se tivesse effectuado com mais rapidez e não houvesse tempo para preparar aquellas obras de defeza, naturalmente as tropas do marechal Massena tinham entrado em Lisboa.
Já o digno par conde de Cavalleiros fallou com toda a clareza a respeito do estado do porto de Lisboa, onde dois navios estrangeiros estiveram quasi a ponto de ter um conflicto sem que tivessemos meios de fazer respeitar a nossa neutralidade: e não os havendo podia repetir-se o que aconteceu na Bahia com dois navios da mesma procedencia. Havendo alguns fortes convenientemente armados, estes cumprirão o seu dever em casos similhantes, procurando fazer respeitar a nossa neutralidade, embora os navios estrangeiros tenham superioridade.
O desarmamento de um porto provoca uma aggressão; que não teria logar se elle estivesse armado; e muitas vezes acontece que um porto, mesmo mal armado, resiste de modo que o atacante perde a vontade de lá voltar outra vez. Referindo-me ao caso do ataque do almirante Nelson á ilha de Tenerife, uma das Canarias, que julgava que estava desprevenida, atacou, e foi correspondido de modo tal, que elle perdeu um braço, e os inglezes retiraram, e nunca lá voltaram.
Emquanto á utilidade das fortificações, temos o facto recente dos paraguayos que têem resistido, apesar de disporem de muito menos forças do que os aluados, por se terem sabido fortificar.
A fortaleza de Humaitá tem resistido de uma maneira gloriosa; facto similhante tem-se dado muitas vezes, e ainda na ultima guerra da Turquia os proprios turcos defenderam valentemente contra os russos as fortalezas de Silistria e de Kars.
Ora, como nós não podemos defender as nossas extensas fronteiras de mar e de terra, e se dispersarmos as forças com esse intuito, ficaremos fracos em todos os pontos, não temos outro recurso senão fortificar Lisboa e Porto, e organisar o paiz para que, no caso de uma aggressão, o inimigo seja obrigado a demorar-se defronte de Lisboa ou do Porto, e dando assim tempo sufficiente para o paiz poder levantar-se em massa e tambem para que possam chegar os auxilios dos nossos alliados. Se estes julgarem que não temos nenhum meio de defeza, não vem cá; mas se, pelo contrario, julgarem que nós podemos defendermo-nos durante um periodo mais ou menos longo, é de suppor que nos auxiliem.
Eu considero que é uma incuria da nossa parte o não tratarmos de nos organisar de modo que possamos usar dos nossos proprios meios, para fazer face a um ataque inesperado, que hoje é muito mais realisavel do que era antes de se construírem as linhas ferreas para Hespanha, as quaes se estabeleceram sem attenção alguma á defeza militar do paiz, e sem se attender ás reflexões que n'esta camara se fizeram com relação á directriz e á largura que se deu á linha, quando é certo que a Hespanha, que é um paiz mais poderoso do que o nosso, não quiz consentir que a largura das suas vias ferreas fosse igual ás dos francezes. Estes fizeram toda a diligencia para que a largura das vias hespanholas fosse igual á sua, allegando as conveniencias do commercio, evitando-se as baldeações; mas o governo hespanhol oppoz-se sempre a isso, de modo que os comboios francezes não podem servir-se das linhas hespanholas. Nós porém que tinhamos uma linha ferrea de largura differente já construida de Lisboa a Santarem e do Barreiro ás Vendas Novas, fizemos um contrato, do qual resultou que á nossa propria custa tivemos de alargar a via ferrea, a fim de ficar igual á das linhas hespanholas, abrindo assim a porta e facilitando a invasão do nosso paiz, e collocando-nos na necessidade de, mais tarde, se tornar preciso que se gaste muito dinheiro para diminuir a largura da via ferrea, e pelo menos desde o entroncamento até á fronteira.
Quanto aos planos de união iberica nada me importam, isso é uma idéa que só póde existir na cabeça de alguem que não pense e reconheça que era uma cousa que não convinha nem para Portugal nem para a Hespanha (apoiados). A Hespanha não tem meios de sujeitar Portugal permanentemente (apoiados). Esta é que é a verdade, assim como é verdade que a França não o consentiria sem que a Hespanha lhe cedesse as suas provincias alem do Ebro. Veja se o projecto de Napoleão em 1810 e leia-se a correspondencia do nomeado rei José, escolhido por seu irmão para o throno da Hespanha. Este nunca quiz annuir ao projecto de Napoleão que queria que o rei José lhe cedesse as provincias do alem do Ebro, isto é, Catalunha, Aragão, Navarra e provincias Vascongadas, em troca da annexação de Portugal á Hespanha. O rei José resistiu constantemente, e as negociações ficaram n'isso, incorrendo o rei no desagrado de seu irmão, o qual de facto fazia governar pelos seus generaes as ditas provincias. Portanto a França tambem não consentia agora a annexação de Portugal á Hespanha, sem que esta lhe desse a compensação exigida por Napoleão I, e o resultado seria ficar a Hespanha fraquissima, e, por consequencia, cada vez menos em circumstancias de sustentar-se com Portugal. De maneira que este assumpto é uma cousa boa para argumentar, mas quem pensar bem ha de ver que é uma cousa que não póde ter logar (apoiados), nem vale a pena mesmo gastar com isso tempo em discutir taes planos. Podem alguns escriptores fazer projectos, formar certos planos, querer arredondar a Europa a seu geito, como se acaba de ver pelo jornal La Liberte quando traça as linhas das fronteiras da França da parte do Rheno, e como fez o jornal de Hespanha a Época figurando o ataque da Hespanha contra Portugal: tudo isso são estudos que se fazem para entreter, mas que realmente não têem valor nenhum.
Este pedido, sr. presidente, limita-se pois a uma pequena somma para adquirir algumas bôcas de fogo, necessarias para armar algumas das nossas fortificações. Para o anno seguinte outras sommas serão necessarias para novos armamentos para algumas outras baterias.
Devemos ir continuando com perseverança n'estes trabalhos, para se conseguir cercar Lisboa de uma linha de reductos, que serão outros tantos fortes destacados e combinados com as linhas internas de 1833, que são muito susceptiveis de serem melhoradas, de maneira que fiquemos em estado de resistir a 20:000 ou 30:000 homens que porventura possam repentinamente tentar um golpe de mão, prolongando a defeza durante um espaço de tempo mais ou menos longo, dará isso logar a poder organisar-se o levantamento da população. Os levantamentos são muito uteis, quando ha uma força regular em que se apoiem. Assim se viu que o levantamento em massa da população da peninsula contra os francezes foi da maior importancia, mas para se sustentar carecia do apoio dos exercitos regulares.
Napoleão dizia que o nucleo da resistencia da peninsula tinha sido o exercito, commandado por lord Wellington, por isso que havia n'este nucleo forças perfeitamente organisadas e disciplinadas, o que obrigou os exercitos francezes a deixarem uma parte do paiz a descoberto, e dominada pelos guerrilhas que se levantaram em grande numero, havendo algumas muito fortes; tal foi a do general Mina, que só por si tinha 4:000 homens, as do general Longa do Empecinado, e muitas outras mais ou menos numerosas.
Não farei mais reflexões porque é já tempo de se fechar a sessão da camara.
Vozes: — Votos, votos.
O sr. Visconde de Soares Franco: — Eu digo apenas meia duzia de palavras para uma observação, que julgo indispensavel.
Vozes: — Falle, falle.
O sr. Presidente: — O digno par póde fazer uso da palavra porque a sessão foi prorogada.
O sr. Visconde de Soares Franco: — Tinha a declarar, com relação a uma referencia que se fizera, que n'essa epocha era elle, orador, major general, e o actual illustre presidente do conselho estava no ministerio. Entraram no Tejo duas fragatas atrás de um navio confederado; immediatamente elle, orador, embarcou no arsenal, sendo dez horas, e disse ali: «Ahi temos dois navios; vão ambos para o fundo; mas ficando eu vivo, não ha de acontecer que se deixe aqui repetir o facto que se deu na Bahia, onde impunemente entrou uma força federal, e levou a embarcação que perseguia.» O caso é, continuou o orador, que estivemos todos a postos, preparados e decididos de toda a maneira, para que, acontecesse o que acontecesse, ficasse salva a honra da nossa bandeira. Felizmente as cousas passaram-se de maneira que se evitou o conflicto, e não se offendeu a nossa dignidade.
Era unicamente isto que tinha a dizer.
Vozes: — Votos, votos.
O sr. Presidente: — Ninguém mais tem a palavra. Vae ler-se o artigo 1.°, para se votar.
Foi approvado, e successivamente os mais artigos, sem discussão.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a attenção do illustre é nobre presidente. Amanhã deve ter logar o encerramento das camaras pela uma hora da tarde, na outra casa do parlamento; portanto peço a v. ex.ª que dê as providencias que lhe competirem, para que assim se leve a effeito esta resolução.
O sr. Visconde de Chancelleiros: —.................
O sr. Presidente: — Em vista da declaração feita pelo sr. presidente do conselho de ministros se reconhece que ámanhã não ha sessão, mas estão distribuidos dois pareceres da commissão de fazenda que realmente acho que se podem ainda discutir hoje, não havendo quem se opponha (apoiados).
Então uma vez que a camara se julga habilitada, o sr. secretario vae ler o parecer n.° 31 e seguir-se ha com o n.° 32, uma vez que se approve a dispensa do regimento para este effeito.
Foi dispensado o regimento.
O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): — Leu o parecer n.° 31 sobre o projecto de lei n.° 32, que são do teor seguinte:
Parecer n.º 31
Senhores. — A commissão de fazenda, tendo examinado o projecto de lei n.° 32, pelo qual é auctorisado o governo a applicar no exercicio de 1867-1868 as sobras que houver nos diversos capitulos da tabella de despeza do ministerio dos negocios da fazenda, approvada por lei de 26 de junho de 1867, ás despezas legaes do mesmo ministerio no dito exercicio, comtanto que d'esta transferencia não resulte augmento de despeza em relação á que se acha fixada na legislação em vigor; e attendendo á necessidade de legalisar as despezas já feitas pelo ministerio de que se trata, é de parecer que seja approvado o referido projecto de lei.
Sala da commissão, 26 de agosto de 1868. = Conde de Cabral, presidente = Barão de Villa Nova de Foscôa = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = José Augusto Braamcamp = Francisco Simões Margiochi.
Projecto de lei n.º 32
Artigo 1.° É auctorisado o governo a applicar, no exercicio de 1867-1868, as sobras que houver nos diversos capitulos da tabella de despeza do ministerio dos negocios da fazenda, approvada por lei de 26 de junho de 1867, ás despezas legaes do mesmo ministerio no referido exercicio, comtanto que d'esta transferencia não resulte augmento de despeza em relação ao que se acha fixado na legislação em vigor.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 26 de agosto de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario = José de Faria Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Não havendo quem peça a palavra passa-se á votação.
Foram approvados o parecer e respectiva projecto de lei:
O sr: Presidente: — Passâmos ao parecer n.º 32, sobre o projecto de lei n.° 31.
Leram-se na mesa e são do teor seguinte:
Parecer n.° 32
Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 31, auctorisando o governo a applicar as sobras que houver nos diversos artigos da tabella da des-
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peza do ministerio dos negocios da fazenda no exercicio de 1866-1867 ás despezas legaes do mesmo ministerio, que não tiverem sido sufficientemente dotadas, sem que comtudo de tal transferencia possa resultar augmento de despeza em relação á que foi votada pela lei de 16 de junho de 1866.
A commissão, reconhecendo que se trata só de legalisar as despezas já feitas n'este exercicio, é de parecer que seja approvado o referido projecto de lei para subir á sancção real.
Sala da commissão de fazenda, em 26 de agosto de 1868. = Conde de Cabral, presidente = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = Barão de Villa Nova de Foscôa = José Augusto Braamcamp = Francisco Simões Margiochi Projecto de lei n.° 31
Artigo 1.° E o governo auctorisado a applicar as sobras que houver nos diversos artigos da tabella de despeza do ministerio dos negocios da fazenda no exercicio de 1866—1867, ás despezas legaes do mesmo ministerio, que não tiverem sido sufficientemente dotadas, sem que comtudo d'essa transferencia possa resultar augmento de despeza em relação ao que foi votado por lei de 16 de junho de 1866, 524:118$399 réis, e por lei de 19 de junho de 1866, 4.258:079$664 réis, fazendo estas duas verbas o total de 4.782:198$063 réis.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 26 de agosto de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, deputado secretario = José de Faria Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria, deputado secretario.
Não havendo quem pedisse a palavra, foram propostos á votação e approvados.
O sr. Presidente: — Não ha mais trabalhos sobre a mesa, e por consequencia está levantada a sessão.
Eram mais de cinco horas e meia da tarde.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 27 de agosto de 1868
Os ex.mos srs.: Duque de Loulé; Marquezes, de Fronteira, de Niza, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Campanhã, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Fornos de Algodres, de Rio Maior; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, de Porto Côvo, de Soares Franco; Barão de Villa Nova de Foscôa; Moraes Carvalho, D. Antonio José de Mello, Silva Ferrão, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Baldy, Preto Geraldes, Fernandes Thomás.