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N.º 50

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Montufar Barreiros

(Assistiu o sr. ministro do reino.)

Á uma hora e um quarto da tarde, achando-se presentes 20 dignos pares, o exmo. sr. presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia.

Um officio do exmo. sr. Alberto Antonio de Moraes Carvalho Junior, agradecendo á camara o voto de sentimento mandado lançar na acta, por occasião do fallecimento de seu pae o digno par Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

Ficou a camara inteirada.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Chamo a attenção da camara. Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão do projecto sobre a reforma da instrucção primaria. Ficou pendente o artigo 4.°, a respeito do qual hontem o digno par, o sr. Vaz Preto, apresentou uma proposta de eliminação do numero 3.° do mesmo artigo.

Consultarei a camara se admitte á discussão aquella proposta. Os dignos pares que a admittem, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Mártens Ferrão: - Como relator, apresentou varias considerações defendendo o artigo em discussão.

O sr. Conde de Rio Maior: - Hontem, quando o digno par, o sr. Vaz Preto, apresentou aqui algumas observações a respeito da gymnastica, foram ellas acolhidas com sorrisos por parte de alguns dos meus dignos collegas. Pareceu-me, porém, que a minha memoria me não enganava, lembrando-me ter lido em tempo alguma cousa sobre este ponto.

Não pude colher infelizmente os esclarecimentos que necessitava, porque a minha saude continua a não ser prospera; todavia posso hoje dizer que a gymnastica para meninas é tambem uma d'aquellas questões sujeita a discussão. Que qualidade de gymnastica é esta?

Referir-me-hei a um auctor que se tem occupado de educação, e que, sem recusar este ensino, diz não ter enthusiasmo por elle, e julga mesmo indispensavel ser discretamente applicado. São as proprias palavras do escriptor.

Sr. presidente, eu entendo igualmente que não nos deve cegar a moda, e este ensino convem ser dado com precaução, de modo que se não julgue, nem se pense que o fim é habilitar ás donzellas de uma nação á celebridade gymnastica, tornando-as dignas de figurarem em um circo proprio para estes espectaculos. (Riso.}

Deve a creança do sexo feminino ser educada com as qualidades necessarias para ser boa mãe de familia e optima educadora de seus filhos; este é o nosso fim, e tudo o mais é romance.

Em vista das declarações do sr. relator da commissão, sobre a maneira como a gymnastica ha de ensinar-se, não vejo inconveniente em que se conserve esta disposição no projecto.

É unicamente para robustucer as forças physicas e não para que a donzella fique habilitada e em condições de com facilidade entrar em qualquer circo equestre! (Riso.) Fique isto bem explicado.

Eu, sr. presidente, não sou de fórma alguma adversario do ensino da gymnastica, e visto a camara me fazer o favor de ouvir benevolamente as minhas reflexões, devo declarar-lhe, creio, que a primeira escola de instrucção primaria em Lisboa, onde se estabeleceu o ensino de gymnastica, foi exactamente uma que estava sob a minha direcção.

O sr. Vaz Preto: - Mas não era uma escola de meninas.

O sr. Conde de Rio Maior: - Não era uma escola de meninas, era de rapazes; mas citei o facto para mostrar que não sou adversario da gymnastica. (Riso.) Foi, repito, essa escola, que funccionava sob a minha direcção, a primeira na capital que estabeleceu esse ensino.

Em conclusão, nos termos em que o sr. relator da commissão declarou que esse ensino deve ser ministrado, acceito-o perfeitamente; mas com a latitude, que se lhe póde dar não me parece que seja admissivel; e eu pergunto se algum dos dignos pares, que tem filhas de dez ou doze annos, estará resolvido a chamar um professor de gymnastica para as ensinar?

As discussões não são nunca inuteis, e d'esta colhemos a vantagem de se esclarecer o assumpto, evitando assim que alguns professores, muito enthusiastas e cheios de zêlo em cumprir a lei, vão estabelecer este ensino por fórma que possa contrariar os bons costumes, e ser ridiculo.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu desejo a gymnastica para o sexo masculino, porque entendo que o desenvolvimento physico deve acompanhar o desenvolvimento moral e intellectual; mas com respeito ao sexo feminino não professo as mesmas opiniões. Eu entendo que a primeira virtude que deve ter a mulher é o pudor, e elle não se concilia bem com os taes exercicios gymnasticos, basta para isso o terem de se vestir com fatos improprios de uma senhora, e terem de tomar certos posições, que poderão ser muito bonitas, mas que não vão bem a uma mulher que se procura educar para a familia.

Se esta lei, sr. presidente, é destinada a levar a instrucção ás camadas mais infimas, este ensino é perfeitamente desnecessario, porque as mulheres do campo, quasi todas ellas têem a força physica consideravelmente desenvolvida, não pela gymnastica, mas pela necessidade de se empregarem nos trabalhos pesados e violentos que lhes garantem a subsistencia. Para as classes abastadas, tambem me parece desnecessario, porque, como muito bem disse o digno par que me precedeu, estou igualmente convencido de que não haverá nenhum digno par, que tenha filhas de dez ou doze annos, que mande chamar um professor para lhe ensinar gymnastica.

Eu bem sei, sr. presidente, que esta disposição se não póde pôr em pratica, bom como muitas outras do projecto; mas é exactamente por isso que não desejava ver a disposição consignada aqui, pois considero um pessimo systema o legislar para se não cumprir.

Estou persuadido, como disse, que muitas das disposi-

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ções se não cumprem; mas isto produz mau effeito, e não póde deixar de ser assim, porque andâmos pelas regiões aereas, estabelecendo cousas que a pratica não acceita, em logar de fazermos a applicação dos principios de un modo real e positivo.

Se não se eliminar o numero 3.° d'este artigo, é preciso tambem estabelecer-se uma escola normal onde as mestras vão aprender gymnastica. E quem são os professores que hão de ensinal-as?

Sr. presidente, eu confesso que não quereria para a minha familia progressos d'esta ordem, e desejo que fique bem registada a minha opinião contraria ao ensino da gymnastica ás meninas, porque alem de inutil parece-me inconveniente.

O sr. Presidente: - Vae votar-se primeiro a eliminação proposta pelo sr. Vaz Preto.

Os dignos pares que approvam a proposta para a eliminação do ensino de gymnastica, de que trata o n.° 3.° d'este artigo, tenham a bondade de levantar-se.

Foi rejeitada a proposta.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o artigo 4.° com os seus numeros e §§, tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Passâmos ao artigo 5.º

Leu-se na mesa.

Artigo 5.°

O sr. Presidente: - A este artigo ha uma emenda apresentada pelo sr. conde de Rio Maior. S. exa. propõe, em relação ao n.° 2.°, que em logar de se dizer que «residem a mais de dois kilometros de distancia», se diga «a mais de um kilometro»; o mais como está no artigo.

Está em discussão o artigo 5.° com a proposta do digno par.

O sr. Conde de Rio Maior: - Eu não desejo protrahir o debate, mas insisto no que disse hontem.

O illustre relator, tomando em consideração as minhas propostas, disse que lhe parecia melhor que fossem enviadas á commissão, para ali serem devidamente examinadas e então requeiro que se consulte a camara sobre se approva que se votem os artigos, sem prejuizo das emendas e additamentos e que estes vão á commissão para esta os examinar e dar o seu parecer.

O sr. Mártens Ferrão: - Declarou, como relator, que se conformava com o pedido feito pelo digno par.

O sr. Presidente: - O sr. conde de Rio Maior requer que sejam mandadas á commissão as diversas propostas, que enviou para a mesa com relação a este projecto, a fim de que sejam ali consideradas; o sr. Mártens Ferrão, na qualidade de relator da commissão, declara que não ha duvida alguma em que se satisfaça este requerimento, uma vez que se não prejudique a discussão e votação da outros artigos.

Cumpre-me declarar, que não existe na mesa senão esta emenda ao n.° 2.° do artigo 5.°, porque as outras propostas são additamentos e ampliações a diversos artigos; e, portanto, não me parece que haja inconveniente nenhum em que as propostas vão á commissão, para serem estudadas, e sobre ellas recaír um parecer, continuando em discussão os outros artigos.

Os dignos pares que são d'esta opinião, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Entretanto, eu hei de fazer conhecer á camara quaes são os artigos, sobre que recáem as propostas apresentadas, á proporção que se lerem na mesa.

Como não ha nenhum digno par que peça a palavra sobre o artigo 5.° e seus numeros, vou submettel-o á votação.

Posto a votação o artigo 5.°, foi approvado, bem como o artigo 6.°

Entrou em discussão o

Artigo 7.°

O sr. Presidente: - O digno par, o sr. conde de Rio Maior, apresentou a este artigo um additamento nos seguintes termos:

« Substituição ao artigs 5.° § 2.° - Que residem a mais de um kilometro de distancia de alguma escola gratuita, publica ou particular, permanente ou temporaria.»

Já a camara vê que este additamento não prejudica de fórma alguma a doutrina do artigo 7.°, que está em discussão com o seu § unico.

Não havendo nenhum digno par pedido a palavra sobre o artigo 7.°, foi posto a votação e approvado. Foram igualmente approvados sem discussão os artigos 8.° e 9.° e seus respectivos §§.

Leu-se e poz-se em discussão o artigo 10° e os seus dois

O sr. Bispo de Bragança: - Sr. presidente, tenho aqui algumas propostas que desejo apresentar sobre differentes artigos do projecto, mas em conformidade com a indicação feita na sessão de hontem por v. exa., mandarei para a mesa cada uma de per si conforme os artigos respectivos, sobre os quaes ellas recáem, forem postos em discussão.

Sobre o artigo 10.°, § 2.°, tenho a honra de apresentar uma emenda, que é para serem eliminadas as palavras que dizem «lidos pelo parocho á hora da missa conventual». O § a que me refiro é concebido nos seguintes termos.

(Leu.)

Não combato a doutrina do §, só desejo a eliminação d'aquellas palavras, porque não vejo necessidade de que a parte de odioso que affecta esta medida, qual é a declaração dos nomes, vá recaír sobre o parocho, e na occasião em que elle reune os fieis junto do altar para fazerem exercicios de oração e piedade em espirito de unidade christã, como recaírá de certo, se elle tiver de denunciar aos seus freguezes os nomes dos seus comparochianos que desobedeceram á determinação da lei.

Parece-me que não é conveniente incumbir de uma tal commissão o ministro de paz e união, e determinadamente na hora solemne em que a sua voz não se deve levantar senão para fallar de Deus e da igreja, ou para dar a consolação a quem, opprimido de qualquer desgosto, procura desafogo na assistencia aos actos religiosos.

Respeito: sei mesmo por certo quaes foram as intenções do sr. ministro do reino, estou de accordo com ellas. Certamente s. exa. quiz por meio d'esta disposição dar ensejo ao parocho para elle influir saudavelmente, a fim de que os paes, ou as pessoas responsaveis pelos menores, cumpram a lei, que é justa e providencial.

Eu, pela minha parte, farei na minha diocese tudo quanto possa em favor dos fins que a lei tem em vista, e empregarei a maior diligencia para que os parochos auxiliem a execução d'ella, mas não á hora da missa conventual, pronunciando os nomes d'aquelles a quem hão de ser impostas multas, vexando-os assim o seu pastor.

A minha proposta não offende a doutrina do artigo, que aliás está garantida pelas disposições dos artigos 12.°, 16.° e 28.°, onde figura o parocho para auxiliar com a sua influencia saudavel o desempenho da lei, conforme os intentos do sr. ministro, os quaes não são nem podiam ser outros senão os mais justos e beneficos, isto é, aproveitar a influencia do parocho, o seu auxilio conciliador, promotor e instigador mesmo, em nome do dever sagrado dos paes, tutores ou protectores das creanças, a promover a sua educação litteraria.

Os paes, e todos aquelles a quem as creanças se acham commettidas, não satisfazem o seu dever só em ministrar-lhes o sustento physico, ou mesmo o da boa moral e religião, devem promover-lhes a educação litteraria: as creanças são uns seres intelligentes, e ao desabrochar as suas fa-

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culdades intellectuaes, só a instrucção litteraria dá o alimento condigno.

Não me assusta por fórma alguma a influencia malefica que as letras possam ter na sociedade: os desvios não dão as definições dos objectos, nem os abusos constituem lei.

Se na epocha actual, em que a sciencia tem reivindicado os seus fóros, e que em graus proporcionados se tem diffundido até ás ultimas classes, têem apparecido factos que em verdade contristam; e o progresso da instrucção, na opinião de alguns espiritos, é arguido como causa d'esses factos, que têem enlutado a sociedade, eu não subscrevo essa opinião. Pelo contrario, ao progresso da instrucção attribuo eu terem-se dado passos agigantados na disposição do melhoramento fundamental da sociedade.

Se vamos ao exame dos factos, vimos que os acontecimentos que cobriram de luto e sangue uma nação muito illustrada, não foram consequencia da illustração d'essa nação, (Apoiados) nem podiam ser: as letras não favorecem o sophisma, dispõe á prudencia, não ao delirio; insinuam a elevação do espirito, não a degradação dos costumes.

A diffusão da instrucção popular civilisa, não embrutece as classes desfavorecidas na sociedade. As estatisticas criminaes registam infelizmente muitos crimes na epocha actual, a despeito da instrucção que se diffunde: no tempo transacto, quando ainda não existiam esses documentos estatisticos, ou eram informes e deficientes, nem por isso a noticia de crimes, então commettidos, nos tem chegado mais escassa d'elles. Que horror, se eu aqui os apontasse!

Se temos a lamentar essas guerras destruidoras, esses factos de anarchia, que em nossos dias têem opprimido e desgraçado as nações, lembremo-nos tambem dos que succederam no tempo do obscurantismo; lembremo-nos dos horrores da Jacquerie no seculo XIII, e dos d'aquella guerra caracteristica da falta de instrucção, e que geralmente é conhecida na historia pelo nome de bellum rusticorum, guerra dos rusticos, dos ignorantes.

Quarenta mil homens se levantaram então no centro da Bohemia; e devastaram este paiz e a Moravia praticando as mais nefandas atrocidades.

Foram assombrosas as scenas de devastação que se deram nas cidades de Praga e de Aust; era então o seculo XV.

Não quero com esta referencia attenuar de modo algum a apreciação dos horrores que ha pouco presenciámos n'uma nação quasi nossa vizinha; mas é certo que aquelles, de que acabo de fazer memoria commettidos á sombra do obscurantismo, sobrepujaram muito os da communa de Paris. Aquelles, alem de não haverem sido menos descomedidos em indecencias, menos ferozes em atrocidades, menos devastadores em ruinas, alem de revelarem não menos profundo caracter de degradação, prolongaram-se por dez annos, em capricho da rusticidade; estes outros, não menos lamentaveis, mas acontecidos no seculo das luzes, duraram dois mezes; alem de outras quaesquer causas, não se poderá negar, que o estado de instrucção actualmente diffundido em todas as classes da sociedade repelliu com nausea e horror as scenas do novo vandalismo.

Não podiam progredir por mais tempo, porque mesmo os espiritos, que imbuidos estavam pelas más leituras, tambem liam (porque sabiam ler), os repellentes resultados da aberração do espirito, da adulteração das idéas, do abuso das faculdades.

Nem posso, portanto, em vista dos factos, coarctar auxilio de qualidade alguma em favor d'esta instituição maravilhosa, d'esta instituição santa, qual é a do ensino popular.

Não só as cousas propriamente ditas da igreja são santas, tambem o são todas as instituições que se dirigem a aperfeiçoar na moralidade e na sciencia o ente humano: pelos dotes da intelligencia é que elle tem a imagem de Deus; dar meios para seu desenvolvimento, e justa direcção, é santo empenho: a igreja dá aos homens assim devidamente formados o titulo de gens sancta.

Sempre foi intuito da religião christã auxiliar a instrucção.

Um digno par, a quem me ligam antigas relações de respeito herdadas de familia pela mutua amisade havida entre nossos paes, invocou a influencia dos bispos e dos parochos em favor da execução d'este projecto.

Concordo perfeitamente com esta idéa, nem póde ser de outro modo, salvo querendo o clero degenerar do seu caracter.

Sr. presidente, v. exa. sabe muito melhor do que eu, pela elevação das suas luzes e conhecimentos, que nas epochas em que os homens, que davam a lei aos povos, caprichavam, não (como diz elegantemente um dos nossos chronistas classicos, descrevendo as proezas do condestavel), em dar com a espada os melhores aparos ás suas pennas; mas, por assim dizer, em destruirem e cortarem com a espada todos os vinculos das letras e das sciencias; sabe v. exa., repito, que n'esses tempos se ufanavam de não saber escrever os grandes, os barões, os guerreiros e até os principes.

A igreja só se empenhava então, já nos humildes circulos das parochias, já nos elevados monumentos de retiro que os conventos dos beneditinos n'essas epochas representavam como grandes fócos de sciencia, já nas assembléas conciliares das dioceses e das provincias; só a igreja, repito, tomava então a seu cargo espontaneamente a salvaguarda das letras e das sciencias, e conquistava para ellas os espiritos, emquanto o resto da sociedade se contentava de conquistar terra, e por vezes de tambem a assolar.

O parocho ensinava os miseraveis filhos dos seus pobres parochianos quando ainda não havia instrucção legislada nos paizes (Apoiados.); nos mosteiros eram recebidos os mancebos oblatos, destinados á instrucção, independentemente da profissão monastica; e d'ahi nasceram os grandes homens que conservaram a sciencia e as letras, que eram como banidas dos outros centros sociaes; nos concilios provinciaes, ou diocesanos, a igreja se reunia em pessoa de seus prelados e ministros, e consignava decretos obrigatorios de instrucção, digo obrigatorios para os individuos sujeitos directamente á sua alçada disciplinar, os ministros ecclesiasticos.

De certo que se podermos imaginar um periodo, em que as letras fossem de todo banidas d'entre a sociedade dos homens, e no centro d'ella representarmos a existencia de um ministro da igreja, ahi n'elle as letras se encontrariam conservadas.

Pois bem; é por isto que o interesse mesmo da lei, que já foi votada na generalidade, e cujas especialidades estamos discutindo, me levou a propor a eliminação d'estas palavras a que me referi na minha limitada proposta. Esta eliminação é unicamente para evitar aos parochos as consequencias desagradaveis e a occasião desconveniente de se indisporem com os seus parochianos, occasião que nunca deve ser promovida: embora elles tomassem d'ahi motivo para fazer exhortações saudaveis, não seriam ellas n'essa occasião bem acceitas d'aquelles, a quem mais cumpriria que aproveitassem.

Os parochos, estando lançados no papel e affixados na porta da igreja os nomes dos parochianos, que em menoscabo de seus deveres houverem recalcitrado á intimação da lei, têem opportunidade á hora da missa conventual, (que é só destinada ás preces e piedosas instrucções, e não a pregões humilhantes); têem opportunidade, repito, de exhor-tal-os para que, pela immediata e honrosa observancia legal, e no desempenho de seus paternaes deveres, façam que os seus nomes hajam de ser riscados de um catalogo, que os não honra, e que a ninguem edifica nem satisfaz.

Parece-me que n'estes termos, e por todas estas rasões de conveniencia, deve ser adoptada a minha substituição. Te-

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nho ainda outras emendas de limitada importancia, que irei apresentando no decurso do debate e logares respectivos.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. bispo de Bragança.

O sr. Secretario: - Leu:

«Proponho que no artigo 10.° § 2.° do projecto de lei n.° 312 sejam eliminadas as palavras = lidos pelo parocho á hora da missa conventual =.

«Sala das sessões dos dignos pares, em 24 de abril de 1878. = Bispo de Bragança e Miranda.»

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Parece-me que a camara ha de querer applicar a esta proposta a resolução que tomou com relação ás propostas do sr. conde de Rio Maior, isto é, que seja mandada á commissão sem prejuizo do artigo.

Os dignos pares que são d'esta opinião, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o artigo 10.°, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado bem como o artigo 11.°

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 12.°

O sr. Secretario: - Leu:

Artigo 12.°

O sr. Presidente: - A este artigo propõe o sr. conde de Rio Maior a seguinte emenda:

«Proponho que no artigo 12.°, onde se diz = vinte faltas = se diga = trinta faltas =. = Conde de Rio Maior.»

A camara já resolveu que esta emenda fosse á commissão.

Está em discussão o

Artigo 12.°

O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, a proposta que vou mandar para a mesa não está no caso das outras, que tive a honra de apresentar. Ella é tão simples que me parece não terá as honras de ser enviada á commissão. É um negocio, que póde ser resolvido desde já.

Tem-se dito que por parte da opposição ha a idéa de demorar este debate, nego este intento.

O fim da opposição é examinar todos os negocios importantes, como é este.

Creio que, á vista de todas as considerações apresentadas, se ha de reconhecer as difficuldades com relação ás distancias a percorrer, e quanto ha de ser difficil coagir o pae a satisfazer os preceitos impostos pela lei.

A minha nova proposta ao artigo 12.° é para que, em logar de se dizer «vinte faltas» se diga «trinta», quanto ás penas e multas de que tratam os artigos antecedentes.

Antes de concluir, devo dizer que saúdo com muita satisfação e respeito o illustre prelado de Bragança, que em assumpto tão momentoso como este, e que tanto interessa ao clero, pela parte importante, que este tem na educação do povo, levantou a sua voz e nos illustrou com a sua opinião, como de resto s. exa. sempre costuma fazer. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Peço ao sr. conde de Rio Maior que tenha a bondade de mandar a sua proposta para a mesa.

O sr. Conde de Rio Maior: - Parece-me que não é necessario, porque a minha proposta é apenas para que se diga «trinta faltas» em logar de «vinte».

O sr. Mártens Ferrão: - O melhor é não se fazer escolha. Vão todas as propostas para a commissão, a fim d'ella as apreciar devidamente, e apresentar depois o seu parecer.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que são de opinião, que a proposta do sr. conde de Rio Maior seja enviada á commissão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o artigo 12.° e seus §§.

Os dignos pares que o approvam, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Successivamente foram approvados sem discussão os artigos 13.°, 14.°, l5.°, 16.° e seus §§.

Artigo 17.°

O sr. Presidente: - Sobre este artigo ha um additamento do sr. conde de Rio Maior, que é o seguinte:

«Additamento ao artigo 17.° - Os cursos dominicaes a que se refere o artigo 24.° só podem ter logar depois da uma hora da tarde.»

Posto á votação o artigo foi approvado, e o additamento enviado á commissão.

Artigo 18.° e seu §

Approvado sem discussão.

Artigo 19.°

O sr. Bispo de Bragança: - Pedi a palavra para enviar para a mesa uma proposta, que talvez fosse bastante ser inserida no regulamento.

O que eu proponho é o seguinte:

(Leu.)

Acho de muita respeitabilidade e conveniencia o argumento do pudor invocado pelo digno par, o sr. Vaz Preto, quando impugnou o ensino da gymnastica para o sexo feminino; e foi isso que me levou a apresentar esta alteração, que tambem ao pudor diz respeito.

Alem d'isso, alguma experiencia tenho das cadeiras de instrucção primaria, por bastantes annos ter tido a honra de ser presidente do jury dos exames do professorado primario, para os quaes, durante o tempo que administrei uma diocese, quasi sempre fui nomeado pelos governos, e vi n'essas occasiões quando se tratava na secção da pedagogia ácerca dos systemas de escolas relativos ao ensino mixto, ser elle desapprovado; e não deixei de colher, de informações obtidas dos professores, a conveniencia de serem alternadas as lições conforme houvessem de ter logar para um ou outro genero de creanças, evitando a promiscuidade do ensino.

Fiz sempre as diligencias possiveis para recommendar aos professores, que no exercicio de escolas mixtas observassem todas as cautelas de honestidade no concurso de alumnos e alumnas, quando elle fosse inevitavel.

Todos nós sabemos como são as creanças quando sáem da escola, e por isso quero que o sexo feminino seja poupado a essas perturbações. Desejo por isso que o ensino seja em dias alternados. Acho mesmo que é mais vantajoso, porque a instrucção litteraria, que deve ser dada ás creanças do sexo feminino, é algum tanto diversa da que deve ser dada ás creanças do sexo masculino. A estas convem instruir com as leituras adaptadas para formarem espiritos resolutos, laboriosos e moralisados, mas emprehendedores e destemidos; para a educação que se dá ao sexo feminino diversa deve ser a escolha de leitura.

As leituras dos documentos e exemplos insinuantes da modestia, sujeição, recolhimento e outras qualidades que fazem uma boa mãe de familia, ou uma filha modelo, devem ser preferidas.

É n'este sentido que eu fiz a minha proposta, que considero mais como uma recommendação, do que como emenda.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. bispo de Bragança.

Leu-se na mesa.

«Proponho que no artigo 19.° do projecto de lei n.° 312 seja disposto, que as escolas mixtas funccionem em dias alternados para o ensino de alumnos dos diversos sexos.

«Sala das sessões dos dignos pares, em 24 de abril de 1878. = Bispo de Bragança e Miranda.»

Foi admittida á discussão.

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O sr. Presidente: - Esta proposta vae ser remettida á commissão.

Agora vae votar-se o artigo 19.° e seus §§.

Posto á votação, foi approvado.

Em seguida foram approvados successivamente, sem discussão, os artigos 20.°, 21.°, 22.°, 23.°, 24.°, 25.°, 26.°, 27.°, 28.°, 29.° e seus §§.

O sr. Presidente: - Com relação ao artigo 30.°, ha um additamento do digno par, o sr. conde de Rio Maior, n'este sentido:

«Additamento ao artigo 30.° § 1.° - Attestados de bom comportamento moral e religioso, passados pelo juiz da comarca, administrador do concelho e presidente da camara, onde o candidato tiver residido nos ultimos dois annos.»

Este additamento vae tambem á commissão para o considerar.

Como ninguem pede a palavra sobre o artigo, vae votar-se.

Posto á votação o artigo 30.°, foi approvado com os respectivos §§, e da mesma sorte foram approvados successivamente os artigos 31.°, 32.°, 33.°, 34.°, 35.°, 36.°, 37.º e 38.°

Leu-se o

Artigo 39.°

O sr. Bispo de Bragança: - Mando para a mesa a seguinte proposta.

(Leu.)

Ponho de parte a apreciação da economia das escolas e os fins que o projecto tem em vista. Entretanto, lendo este artigo, vejo que na sua primeira parte diz o seguinte.

(Leu.)

Os professores de instrucção primaria póde dizer-se que não vivem em circumstancias felizes, porque os vencimentos que auferem mal chegam para sustentar a vida com extrema parcimonia e com muitas privações e sacrificios; e bem assim não devia ser, porque elles são no centro da sociedade benemeritos pelo seu utilissimo funccionalismo.

O artigo 39.°, que está em discussão, dispõe que o professor ou professora, que por motivo de doença der mais de quarenta faltas, perderá d'ahi em diante metade do vencimento.

Pois quando por motivo de doença as faltas dadas excedam os quarenta dias aqui marcados, ha de tirar-se a quem está enfermo assim mesmo uma parte dos seus parcos vencimentos?!

Eu desejava que a commissão attendesse a estas circumstancias de um funccionario, sobre pouco bem retribuido, pobre de bens, e opprimido por uma doença de mais de quarenta dias, e espero que ha de ter em consideração, como é seu proposito, a justiça da causa que defendo. Ninguem certamente deixará de reconhecer que estas circumstancias fazem mais lembrar um subsidio, do que a perda da metade de vencimentos tão escassos.

Peço perdão a v. exa. e á camara, e especialmente á commissão, de ser importuno com estas minhas observações e propostas, que não têem por fim de modo algum hostilisar o projecto, mas unicamente concorrer tambem da minha parte com a commissão e com todos os membros da camara para que elle sáia o mais perfeito possivel. Faltaria ao meu dever se não o fizesse assim.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do sr. bispo de Bragança.

Leu-se na mesa. «Proponho sobre o artigo 39.° do projecto de lei n.° 312, que os professores ou professoras, que por doença competentemente comprovada, grave, e que haja durado por mais de quarenta dias, havendo boas notas do desempenho do respectivos professores ou professoras, não sejam aggravados com o perdimento de metade dos vencimentos, antes sim subsidiados.

«Sala das sessões dos dignos pares, em 24 de abril de 1878. = Bispo de Bragança e Miranda.»

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: - Esta proposta vae tambem á commissão.

Em seguida poz-se á votação o artigo 39.º e seus §§, e foi approvado.

Artigo 40.°

O sr. Presidente: - Passa-se ao artigo 40.° A este artigo ha uma proposta do sr. conde de Rio Maior, que é a seguinte:

«Additamento ao artigo 40.° - O professor ou professora que no exercicio do magisterio primario ensinar ou inculcar doutrinas contrarias á religião catholica, á moral, á liberdade e á independencia da patria será demittido nos termos d'este artigo, independente da acção criminal que contra elle deva ser intentada pelos crimes previstos nos artigos 130.° e seguintes, e 170.° do codigo penal portuguez.

«Os paes, tutores ou outras pessoas encarregadas da sustentação e educação das creanças podem requerer individual ou collectivamente á camara municipal contra o professor ou professora que tiver commettido as faltas indicadas n'este artigo.»

Esta proposta, como as outras, segundo a resolução da camara, vae tambem á commissão.

O sr. Bispo de Bragança: - É para fazer a seguinte proposta sobre o artigo 40.°

(Leu.)

De certo que houve aqui um lapso, porque eu vejo o seguinte.

(Leu os §§ 1.° e 2.°)

Na primeira parte do artigo acha-se consignada a materia - penas correccionaes - a que os professores ficam sujeitos; e no § 2.° acham-se as seguintes palavras.

(Leu.)

Fica assim garantida a audiencia ao accusado. No § 1.°, porém, não se encontra essa justa disposição para os casos de admoestação e reprehensão ou de suspensão por um mez. Entendo que deve ser ouvido, alem da junta escolar, igualmente o arguido.

Ninguem, sr. presidente, deve ser condemnado sem ser ouvido; e as penas, de que trata este §, são uma condemnação; d'ellas fica registo de uma nota má, que de futuro póde ter ainda ulteriores consequencias; e dá-se tambem a pena de suspensão e perda de vencimentos por um mez. Isto não se deve fazer sem previamente ser ouvido o accusado.

O meu fim é, pois, harmonisar o § 1.° com a doutrina do § 2.°, isto é, que a audiencia do arguido fique n'uns e n'outros casos garantida; é de justiça.

Apresentada como fica esta minha proposta, peço, sr. presidente, a v. exa. me conceda ainda o uso da palavra. Talvez v. exa. vae reprehender-me, e eu reconheço direito e rasão.

Eu tinha uma proposta sobre o artigo 28.°; não sei, porém, como, achei-me involuntariamente distrahido para um outro ponto quando o artigo foi votado.

Como, porém, a camara dispoz que a votação dos artigos, sobre que houvesse propostas, seria feita sem prejuizo d'estas, peço a v. exa. e á camara me relevem esta minha involuntaria omissão, e me seja permittido enviar para a mesa a minha referida proposta, que eu não leio d'aqui, pois assim me cumpre: tem ella por fim, que os parochos hajam de fazer parte das commissões de beneficencia e ensino, creadas por esta lei.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do sr. bispo de Bragança.

Leu-se na mesa.

«Proponho sobre o artigo 40.° § 1.° do projecto de lei n.° 312, seja disposto que os professores antes de haverem de ser camarariamente admoestados, reprehendidos ou suspensos, sejam previamente ouvidos sobre as faltas que lhes forem arguidas.

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«Sala das sessões dos dignos pares, em 24 de abril de l878. = Bispo de Bragança e Miranda.»

Estas propostas foram admittidas e enviadas á commissão.

Foi approvado o artigo 40.°; assim como sem discussão os artigos 41.° a 70.°

Artigo 71.°

O sr. Vaz Preto: - Eu pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro do reino e do sr. relator da comsão sobre o artigo 71.° Este artigo não me parece muito claro.

Desejava, pois, que se me dissesse qual era a doutrina acceita pelo governo e como se deve interpretar este artigo, porque a lei deve ficar clara e expressa.

(Leu o artigo.)

Desejava que se me dissesse se todos os encargos da instrucção primaria, que estão hoje a cargo do thesouro, passam para os municipios.

O sr. Mártens Ferrão: - Na qualidade de relator deu varias explicações sobre a interpretação d'este artigo.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu ouvi o que disse o sr. relator da commissão; antes d'isso não sabia só esta disposição dizia respeito só ao ordenado fixo, ou se se referia a todos os vencimentos designados nos artigos 31.° e 32.° Mas, alem dos professores, para os quaes já ha verba no orçamento, acrescem os das escolas que se crearem em virtude d'esta lei, e para esses tem de crear-se ordenados logo que as respectivas escolas estejam estabelecidas nas freguezias aonde não as havia.

Portanto, o que eu desejo bem expresso, o que desejo que fique bem consignado, é se os professores que existiam anteriormente a esta lei; e que ensinam por um systema differente, e que têem necessariamente habilitações diversas, hão de receber ordenado igual ao dos novos professores, a quem se fazem outras exigencias, ou se continuam a receber, pelo thesouro os ordenados que lhes estão garantidos.

E isto que não está bem definido, e que me parece que o devia estar.

Pelo projecto dá-se ás camaras municipaes a faculdade de crear escolas, mas diz-se tambem que, onde existirem já, não possam ser supprimidas.

Ora, não tendo as camaras municipaes necessidade de crear novas escolas, onde já as houver, parece que os professores das escolas existentes devem continuar a receber o seu ordenado pelo thesouro, pois que os municipios não são obrigados por esta lei a dar-lhes ordenado, mas aos professores das novas escolas que crearem. No proprio projecto ha artigos que parece contradizerem-se, e augmentam as minhas duvidas, por isso desejava que ficasse bem definido este assumpto.

Pelo que respeita aos exames e ao ensino, encontro tambem duvidas, parecendo que iremos estabelecer o systema de haver exames feitos pelo ensino velho e exames feitos pelo ensino novo.

Um grande numero de professores do ensino velho não têem as habilitações que se exigem para o ensino novo.

Como se ha de, portanto, regular este serviço?

Para os alumnos de uns districtos, ou de uns determinados concelhos, os exames hão de ser feitos por systemas diversos?

Como conta o governo remediar este inconveniente?

Parece-me que este facto não deve ser indifferente, que deve ser regulado por qualquer fórma que evite tão grandes anomalias, e por isso chamo muito particularmente para este ponto a attenção do sr. ministro do reino e do sr. relator da commissão.

Eu fallo sobre este assumpto unicamente porque desejo que algumas difficuldades, que se encontram no projecto, desappareçam.

Não tenho outro fim, e estimarei muito que me tirem estas, duvidas, para eu poder ficar satisfeito; pois desejo que a lei sáia d'esta casa com o menor numero de defeitos que for possivel.

O sr. Mártens Ferrão: - Deu ainda varias explicações, procurando destruir as duvidas apresentadas pelo digno par que acabou de fallar.

O sr. Vaz Preto: - Ouvi as reflexões expostas pelo sr. relator, mas não me conformo com ellas.

Do principio geral que s. exa. estabeleceu resultam alguns inconvenientes.

Segundo o projecto ... (Leu.) este augmento de despeza ha de passar para as localidades no fim de dois annos, sobrecarregando-as então, e alliviando o thesouro.

Alem d'isso, entendo que os professores para as novas escolas não devem ser tratados como os das escolas existentes.

Parece-me que, sendo diversas as habilitações d'elles, deve tambem não ser igual o seu ordenado.

Eu desejaria que o governo acceitasse esta proposta; que os professores actuaes que quizerem ter os ordenados estabelecidos nos artigos 31.° e 32.°, devam requerer exame sobre as disciplinas de que não deram provas, e emquanto lhes faltar esse exame, terão os ordenados que recebem actualmente.

Para outro ponto chamei eu a attenção do sr. relator, porque s. exa. não lhe ligou importancia, e é quanto aos exames dos alumnos.

Hão de ser muitas as irregularidades provenientes de não se uniformisar o methodo de ensino.

Esteja o governo certo de que uma grande parte dos actuaes professores não se sujeita a outro exame, e continuam com o ensino velho; não estão habilitados para ensinar pelo methodo novo, não se querem habilitar, e não são capazes de se habilitar.

Mando para a mesa a minha proposta.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que os professores existentes, que quizerem obter o beneficio dos artigos 31 e 32.º, se prestem aos exames das disciplinas que lhes faltarem. = Vaz Preto.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Em conformidade ao que a camara resolveu, esta proposta será remettida á commissão.

(Entraram na sala os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda.)

Foi approvado o artigo 71.°, e bem assim ficaram approvados todos os restantes artigos do projecto.

O sr. Presidente: - O projecto, que acaba de ficar approvado, será remettido á commissão juntamente com as emendas apresentadas.

O sr. Visconde de Fonte Arcada (sobre a ordem): - Na sessão de 5 de abril d'este anno fiz uma proposta para que os juros dos capitaes emprestados ao governo fossem sujeitos a contribuição.

Esta proposta foi remettida a uma commissão, e eu desejava unicamente saber se ha já parecer a respeito d'ella.

O sr. Barros e Sá: - A commissão de fazenda occupou-se immediatamente da proposta do digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, apresentando o seu parecer, que foi impresso e está distribuido.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Tal parecer não vi.

O sr. Presidente: - Continua a ordem do dia.

Leu-se na mesa o parecer n.° 354 sobre as emendas á reforma eleitoral, é do teor seguinte:

Parecer n.° 354

Senhores. - A commissão especial que foi incumbida de estudar o projecto n.° 319, relativo á reforma da lei eleitoral, vem hoje apresentar-vos o seu parecer ácerca das propostas de emendas que, durante a discussão, foram apresentadas por alguns dignos pares.

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A l.ª emenda de que a commissão julgou dever occupar-se foi a apresentada pelo digno par marquez de Sabugosa, para que fosse alterada a redacção do artigo 2.°, declarando-se que a capacidade para o exercicio do direito de votar, reconhecida pelo facto de saber ler e escrever, só póde ficar provada quando a inscripção no recenseamento eleitoral seja solicitada pelo interessado, etc.

Esta emenda, como o digno par apresentante declarou, é de pura e simples redacção. Se fosse adoptada não alteraria nem o sentido, nem o preceito da lei; tende unicamente a tornar a redacção grammatical mais harmonica com os principios theoricos que tem presidido á redacção das nossas leis eleitoraes, segundo os quaes o exercicio do suffragio politico é concedido só e tão sómente áquelles que têem a necessaria capacidade, isto é, aos que estão nas condições de o exercerem com intelligencia, independencia e consciencia.

A commissão não contraria, antes reconhece com o nosso digno collega, que sendo o suffragio eleitoral um direito politico, e não um direito individual nem primordial, o seu exercicio não póde ter outra origem, nem outro fundamento senão a capacidade. - Luzes, independencia e espirito de ordem, são condições indispensaveis da capacidade politica, das quaes o legislador, em caso algum, póde prescindir sem risco de precipitar a sociedade na desordem ou na demagogia. Os limites d'esta capacidade podem variar e serem mais ou menos largos, mas o principio é sempre o mesmo, a capacidade, e as condições da capacidade são tambem sempre as mesmas, independencia e luzes. - Independencia que resulta da posição de fortuna e da funcção social,luzes que esta funcção testifica ou faz presumir.

A capacidade politica consiste no complexo, na reunião de todas as condições que podem dar garantia á sociedade.

Não ha profissão na sociedade que não precise e não exija garantias d'aquelle que a quer exercer. Admissivilidade igual e geral para todos, n'isto consiste o direito; admissão effectiva, isto é - exercicio do direito só e unicamente quando se dão garantias.

O suffragio politico não é direito individual e primordial; é um direito politico, uma funcção social, um munus publico. Se fosse direito individual e primordial não poderiam ser privadas d'elle as mulheres, principalmente aquellas que estão separadas e fóra do poder dos maridos, as que são solteiras, e todos áquelles que têem a disposição plena das suas pessoas e dos bens, nem os menores, nem os indignos e os incapazes, os quaes todos deveriam ter, senão o exercicio, ao menos o goso d'esse direito para ser praticado ou exercido pelos seus tutores e curadores, etc.

Em todos os tempos os legisladores exigiram condições que inhibem o exercicio do suffragio aos indignos e aos incapazes, d'onde deve concluir-se, por deducção irrecusavel, que a capacidade é o titulo unico de admissão aos direitos politicos. Os homens, na verdade, têem uma origem commum e todos nascem iguaes; o filho do nobre e o do plebeu entra no mundo nu, ao apparecer n'elle soffre immediatamente, e sua existencia denuncia-se sempre pela dor.

Sendo iguaes pelo nascimento e pelas necessidades, tendo o mesmo destino e os mesmos deveres, não se segue que devam ter, e tenham, na sociedade os mesmos direitos. Nos cargos publicos cada um deve tomar parte á medida da sua capacidade, das suas faculdades e dos seus meios. A igualdade originaria e primitiva é ephemera e fugitiva, é como um areal movediço no qual cousa alguma estavel se póde edificar. - Esta igualdade, filha de circumstancias momentaneamente similhantes, não tem duração alguma, e á idéa do direito corresponde sempre a de permanencia.

Montesquieu dizia, com rasão e com fundamento, que se os homens no estado da natureza são iguaes, não podem permanecer n'esse estado de igualdade. Desde que a personalidade principia a desenvolver-se apparecem immediatamente desigualdades, que fazem desapparecer o seu caracter primitivo. Uns são mais intelligentes, mais instruidos, mais sabedores dos negocios communs, e mais aptos para as funcções publicas; outros são mais laboriosos, menos favorecidos pela intelligencia, etc.; - e deverá porventura ser commettida a estes a direcção dos negocios do estado que elles não conhecem nem comprehendem?

O primeiro dever da sociedade é alcançar o seu fim, não compromettendo os direitos dos cidadãos por meio de qualquer legislação imprudente. - Não ha direito que possa prevalecer contra direito para o aniquilar. A lei é igual para todos, mas nem por isso se segue que haja igualdade de direitos politicos, porque as capacidades são desiguaes.

Assim pois, nem da igualdade natural dos homens, nem do principio de igualdade perante a lei se segue, nem póde deduzir-se, a igualdade de direito do suffragio. Não póde conceder-se a todos os homens os mesmos direitos eleitoraes, ou a mesma faculdade de escolher as pessoas que devem exercer o poder publico. Não póde conceder-se a todos indistinctamente, proprietarios ou proletarios, vivendo do seu trabalho ou dos soccorros publicos, domiciliados ou nomados, instruidos ou ignorantes, morigerados ou devassos, o exercicio do suffragio politico, e parte igual na direcção dos negocios do estado.

Isto posto, e estando a vossa commissão possuida da verdade dos principios que determinaram a proposta apresentada pelo nosso digno collega o sr. marquez de Sabugosa, na qual expressamente se reconhece que a capacidade é a origem e o fundamento dos direitos politicos e do suffragio; mas considerando tambem que a emenda importa unicamente differença de redacção, que não altera nem modifica a disposição do projecto, nem faz presuppor differença de doutrina e de principios fundamentaes, por isso é de parecer que não seja approvada.

As 2.ª e 3.ª emendas, que attrahiram a attenção da vossa commissão, foram apresentadas pelo digno par Vaz Preto, tendentes a declarar que nos artigos 2.° e 3.° do projecto se exija, alem das condições de saber ler e escrever e de ser chefe de familia, a prova directa e judicial de possuir a renda estabelecida pelo acto addicional.

Estas duas emendas, se fossem adoptadas, destruiriam completamente o pensamento do projecto actual. Se aos chefes de familia e aos que sabem ler e escrever se exigisse a prova directa do rendimento legal e a do censo, para nada aproveitaria a disposição dos artigos 2.° e 3.° do projecto, cujo fim é tão sómente crear em favor d'elles a presumpção legal da existencia do rendimento legal, ampliando e por este modo o exercido do voto. Se aos que sabem ler e escrever e aos que são chefes de familia se exigisse a prova directa do censo, ficariamos perfeitamente nos termos da legislação actual, a qual em nada seria ampliada quanto á extensão e ao alargamento do suffragio.

O principio determinante dos artigos 2.° e 3.° do projecto é exactamente o contrario, - é alargar o suffragio pela creação legal da presumpção do rendimento a favor dos chefes de familia e dos que sabem ler e escrever; - o fim da lei n'estes artigos é dispensar aos cidadãos, que estiverem nas circumstancias indicadas, a necessidade de prova directa e judicial, elevando-se á categoria de presumpção legal e de prova indirecta factos externos e conhecidos, d'onde por meio de uma conclusão rigorosa se deduz a certeza do rendimento legal.

E como da acceitação de qualquer das indicadas propostas resultaria a destruição do principio do projecto já acceite e votado pela camara, a commissão é de parecer que não sejam approvadas.

A 4.ª e 5.ª emendas de que a commissão se occupou foram as apresentadas pelo digno par Vaz Preto para que no projecto se declare que o domicilio politico dos empregados publicos é obrigatorio e não póde ser transferido.

O pensamento contido n'esta proposta não importa uma idéa nova tendente a supprir qualquer omissão ou lacuna existente na nossa legislação eleitoral. Pelo contrario, se fosse

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adoptada, importaria a revogação da disposição clara e expressa do § 2.° do artigo 27.° do decreto com força de lei de 30 de setembro de 1852.

Por esta disposição é permittido a todo o cidadão transferir o seu domicilio politico; e contra esta faculdade não tem havido até hoje reclamação alguma baseada em abusos ou inconvenientes que a pratica haja demonstrado. Igualmente não se podem invocar principios ou rasões solidas que aconselhem, ou indiquem, a necessidade ou conveniencia, de alterar a legislação vigente, a qual tem sido constantemente a mesma desde os nossos primeiros ensaios eleitoraes.

A faculdade outorgada na lei de 1852 importa um alargamento de liberdade politica que não deve ser tolhida sem rasões ponderosas que a commissão não conhece. Se se privasse qualquer cidadão da faculdade de transferir o seu domicilio politico devia resultar, por coherencia de principios, a necessidade do eleitor votar só nos cidadãos domiciliados na circumscripção eleitoral, e isto levar-nos-ía á adopção de principios restrictivos de liberdade politica, que não são os que têem servido de base á nossa legislação eleitoral.

É pois de parecer a commissão que esta proposta não seja adoptada.

A 6.ª e 7.º a propostas foram apresentadas para que seja declarada a idade de vinte e um annos como a legal para ser exercido o suffragio politico. Estas propostas são dos dignos pares marquez de Sabugosa e Vaz Freto.

A commissão entende que em vista da disposição do acto addicional, declarando que o exercicio do suffragio corresponde á idade em que se adquire a maioridade legal, e sendo certo que a maioridade legal se adquire aos vinte e um annos, nada mais ha que providenciar ou acrescentar a similhante respeito. Se alguma duvida ainda podesse haver devia desapparecer de todo desde que os actos do poder executivo, a que mais especial e mais directamente está incumbida a execução da lei, e as decisões dos tribunaes superiores são accordes em reconhecer a idade de vinte e um annos como a legal para o exercicio do voto.

A commissão entende que não ha hoje rasão alguma para duvidas n'esta materia; mas quando alguem ainda as tenha, como é aos tribunaes judiciaes que compete a sua decisão e resolução, e n'estes todos têem igual confiança, porque todos encontram ahi igual protecção, por isso é de parecer que a proposta dos dignos pares não seja approvada.

Pelo digno par Vaz Preto foi proposto que na mesa eleitoral se dê assento a um representante de cada candidato, etc.

Esta proposta parece á commissão que não póde ser adoptada; porque não havendo, segundo o nosso systema eleitoral, necessidade de apresentação de candidaturas previas, e podendo ser votado e sendo illegivel sempre qualquer cidadão independentemente de domicilio, residencia, ou declaração previa de candidatura, não póde haver conhecimento antecipado de quaes as pessoas a favor de quem recáem os votos, e por isso não póde saber-se quaes são os candidatos que devem ser representados na mesa eleitoral.

A idéa da admissão á mesa das operações eleitoraes, de testemunhas ou delegados dos candidatos está dependente e ligada inseparavelmente á necessidade da apresentação de candidaturas previas, e á da limitação de illegibilidade
unicamente áquelles que as apresentaram. Tal é o systema inglez, e tal foi o das leis francezas no tempo do imperio, e tal é actualmente, desde 1877, o da Belgica; mas como não é o nosso, nem na actualidade se trata de organisar um systema novo e completo de legislação eleitoral, mas unicamente de melhorar e aperfeiçoar o que existe, por isso a commissão é de parecer que não deve ser approvada a proposta do digno par.

Emquanto á divisão dos circulos eleitoraes, foram apresentadas pelo digno par Vaz Preto duas propostas, uma generica para que não haja circulos superiores a 10:000 fogos, a outra, para que o concelho de Oleiros, no districto de Castello Branco, faça circulo com o concelho da Certã, do qual dista pouco, e com quem tem relações; e se desligue ou separe do concelho do Fundão, do qual dista 8 e 10 leguas, e está só em parte separado, com a qual não tem relações commerciaes, etc. O digno par Vaz Preto acrescenta na sua proposta que Oleiros faz parte da comarca da Certã, e que Fundão constitue comarca por si só.

A commissão não póde acceitar, nem recommendar á vossa acceitação nenhuma das propostas indicadas.

A primeira, pela qual se pretende que seja adoptada como base unica de divisão eleitoral a população, não póde ser adoptada, porque importaria a idéa inadmissivel da exclusiva representação do numero na camara dos senhores deputados.

A igualdade numerica não póde ser, em caso algum, principio fundamental, e muito menos principio exclusivo, de organisação politica. O numero não é tudo. Ha outros interesses que precisam ser representados, e a maioria numerica nunca foi, nem será, a mais propria para fazer leis.

Uma assembléa assim exclusivamente formada nunca será propria nem para constituir legislação, nem para dirigir os negocios d'estado, os quaes são materia e negocio da rasão e da sciencia e não da vontade, e nunca dará representação aos interesses sociaes nem ás forças vivas da nação, - será o completo triumpho do proletariado.

O principio igualitario, assim indistinctamente applicado á representação da sociedade e das suas forças essenciaes, não é nem póde ser admittido como um principio de sciencia politica. Ao lado do principio de igualdade absoluta quanto aos direitos individuaes, no que respeita a funcções publicas que estão em relação com o governo do estado, cumpre que se estabeleça a proporção, a condensação e a representação de todas as forças populares e sociaes, cada uma com a sua intelligencia e com o seu verdadeiro rigor. Não deve confundir-se o principio determinador e regulador das decisões nos corpos deliberantes depois de constituidos com o principio que deve regular e determinar a representação nacional para o exercicio dos poderes publicos e da soberania. - O principio regulador das decisões não póde deixar de ser o das maiorias, mas o da representação deve procurar-se sempre nos interesses sociaes de toda a natureza e de toda a especie. Assim, na distribuição das circumscripções territoriaes para o acto da eleição, o legislador deve attender, primeiro que tudo, ao agrupamento no mesmo collegio eleitoral das populações que tenham interesses identicos, ou pelo menos similhantes: as populações maritimas devem ficar a um lado, as industriaes a outro, as ruraes a outro; aqui interesses agricolas, ali interesses industriaes, acolá os interesses maritimos e commerciaes, de maneira e fórma a tornar facil o accordo entre populações já unidas pela identidade das occupações e pela similhança dos interesses. Estes principios, senhores, repugnam com a idéa que predomina na proposta do digno par Vaz Preto, emquanto quer attribuir o predominio exclusivamente ao numero e por isso a vossa commissão não póde pedir, nem aconselhar-vos a approvação.

Emquanto á outra proposta do digno par Vaz Preto, para que o concelho de Oleiros seja unido ao da Certã para constituirem um circulo eleitoral, ficando o de Fundão constituindo outro circulo em separado, a vossa commissão não conhece rasões bastantes que a possam determinar a aconselhar-vos que seja adoptada. O circulo da Certã, pelo projecto, é constituido já por tres concelhos diversos, que são o da Certã, com 3:699 fogos, Villa de Rey, com 1:251, e Proença a Nova com 2:042, ao todo 6:992. Se lhe acrescentasse ainda o concelho de Oleiros, como pretende o digno par proponente, com 2:190, ficaria este circulo com 9:182, e o do Fundão com 7:338. Assim, pelo lado da população, as cousas não melhorariam.

Pelo que diz respeito ao facto de pertencer o concelho de Oleiros á comarca da Certã, não póde esta circumstancia ter força bastante para determinar resolução contraria ao que está determinado no projecto, porque havendo mais

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de 180 comarcas e só 137 circulos eleitoraes, necessariamente algumas comarcas tinham que ser divididas em parte, ou aggregadas no todo a outras para constituir um só circulo.

Pelo que diz respeito ás distancias, tambem não ha rasão para que seja adoptada a proposta, porque sendo confinantes os dois concelhos, Oleiros e Fundão, pouco importa que as suas respectivas capitaes ou cabeças sejam distantes, pois que os eleitores não são chamados a votar nas cabeças dos concelhos, mas nas assembléas parochiaes, que são numerosas e devem ser accommodadas ás particularidades locaes do terreno, á densidade de população, aos meios de communicação, aos habitos, usos, costumes e tradições populares.

Emquanto á ultima proposta do digno par Vaz Preto para que no § 3.° do artigo 8.° sejam eliminadas as palavras «sommada com a unidade» a commissão entende que se esta emenda fosse adoptada daria um resultado a favor das minorias exactamente igual ao que, segundo o modo de contar do projecto, se dá a favor das maiorias; resultado sempre insignificante, visto que nos 21 diversos casos da composição da assembléa dos 40 maiores contribuintes apenas a differença entre a contagem pela doutrina do projecto ou pela da emenda, e a contagem mathematica, é de uma unidade, e isto só em cinco a differentes casos, e de outra unidade duvidosa n'outros cinco casos: como tudo se evidenceia do seguinte quadro.
Membros de que se pode compor a assembléia dos quarenta maiores contribuintes
Quarta parte mathematica, exacta ou approximada
Quarta parte contada pela doutrina do projecto.Quarta parte do numero immediatamente inferior divisivel por 4, sommada com a unidade
Quarta parte contada pela doutrina da emenda. Quarta parte immediatamente inferior divisivel por 4
Differença entre a parte mathematica e a do projecto Contra as minorias
Differença entre a parte mathematica e a das emendas. A favor das minorias
40
10
10
10
+ 0
-0
39
38
37
36
10
10 ou 9
9
9
10
10
10
9
9
9
9
9
+0
+ ou 1
+1
+0
-1
-1 ou 0
-0
-0
35
34
33
32
9
9 ou 8
8
8
9
9
8
8
8
8
8
8
+0
+0 ou 1
+0
+1
-1
-1 ou 0
-0
-0
31
30
29
28
8
8 ou 7
7
7
8
8
8
8
7
7
7
7
+0
+0 ou 1
+1
+0
-1
-1 ou 0
-0
-0
27
26
25
24
7
7 ou 6
6
6
7
7
7
6
6
6
6
6
+0
+0 ou 1
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+0
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-1 ou 0
-0
-0
23
22
21
20
6
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5
5
6
6
6
5
5
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5
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+0 ou 1
+1
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-0
-0

Por todas, estas rasões a vossa commissão é de parecer que o projecto vindo da camara dos senhores deputados deve ser approvado sem alteração.

Sala da commissão, em 22 de abril de 1878. = Augusto Cesar Cau da Costa = Conde de Cabral = Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto = Visconde de Bivar = Visconde da Praia Grande = Barros e Sá; relator.

Proponho que a redacção do artigo 2.° seja alterada do modo seguinte:

A capacidade para exercer o direito de votar, reconhecida pelo facto de saber ler e escrever, só póde ficar provado quando a inscripção, etc. = O par do reino, Marquez de Sabugosa.

2.ª

Additamento ao artigo 2.° - Depois das palavras «codigo civil» deve ler-se: e os que tiverem provado em juizo terem pelo seu trabalho a renda exigida pelo acto addicional. = Vaz Preto.

3.ª

Additamento ao artigo 3.° - Deve acrescentar-se: tendo provado em juizo por prova testemunhal que tem de renda pelo seu trabalho, o que o acto addicional exige. = Vaz Preto.

4.ª

Proponho que a commissão consigne n'este projecto qual seja o domicilio politico do empregado publico. = Vaz Preto.

5.ª

Proponho que se consigne no projecto que o domicilio politico do empregado publico é obrigatorio, e por isso não o póde transferir. = Vaz Preto.

6.ª

Proponho que no projecto em discussão se fixe a maioridade legal. - Vaz Preto.

7.ª

Proponho que se consigne expressamente n'esta lei que a maioridade legal é a que se acha estabelecida no codigo civil. == O par do reino, Marquez de Sabugosa.

8.ª

Proponho que junto da mesa eleitoral se dê assento a um representante de cada candidato, que apresente como tal nomeação dada por elle ou por quem o represente. = Vaz Preto.

9.ª

Proponho que sejam modificadas as circumscripções onde houver circulos superiores a 10:000 fogos, de fórma que se satisfaça a base adoptada pela commissão. = Vaz Preto.

10.ª

O concelho de Oleros pertence á comarca da Certã; vota com ella aos procuradores á junta geral está a duas e a tres leguas de distancia, e tem com ella todas as relações de commercio. Está separada do Fundão por serras e ribeiras, e está a distancia de oito ou dez leguas e até, em parte, separada do Fundão, com quem não tem relações, pelo concelho de S. Vicente. Portanto, proponho que a comarca do Fundão forme circulo só, e a comarca da Certã tambem circulo só. = Vaz Preto.

11.ª

Proponho que no artigo 8.° § 3.° sejam eliminadas as palavras «sommada com a unidade ». = Vaz Preto.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, não posso deixar de agradecer a benevolencia da illustre commissão, pelo modo por que tratou as emendas que apresentei. No entanto, devo confessar que o dito do sr. Carlos Bento me impressionou.

Disse hontem s. exa. que, quando a benevolencia não é merecida, incommoda mais do que a censura.

Ora, esta benevolencia não é merecida, visto que a commissão me suppõe uma opinião que não emitti, e se por acaso pareceu emittir, é porque as minhas palavras trahiram o meu pensamento. Esta é que é a verdade.

Agora, sr. presidente, tratarei de demonstrar como esta benevolencia não é merecida, antes pelo contrario. E permitta-se-me dizer, que não concebo como a commissão tirou as consequencias que apresenta no parecer, da emenda que eu mandei para a mesa ao artigo 2.°, a qual diz o seguinte:

(Leu.)

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A commissão, porém, diz que ella é unica e simplesmente de redacção. É claro que não fiz similhante declaração; mas admittindo-se que a fizesse, custa a crer o que diz a commissão.

Diz ella que a minha emenda não contraria de maneira alguma o espirito da lei, e que pelo contrario, torna mais clara e precisa, a sua intelligencia; e conclue por pedir que não seja approvada. Não percebo. Pois, se ella torna mais claro o espirito da lei, porque não se acceita?

O que eu disse, sr. presidente, ou pelo menos parece-me ter dito, foi que era de redacção, mas que alem d'isso importava outra intelligencia para o artigo, e que o suffragio eleitoral era um direito politico.

Isto vem no parecer bem explicito, e por este facto está em completa contradicção com o que se acha na lei.

Sr. presidente, parece-me que o direito de votar não é senão um direito primitivo, originario d'esse direito primordial e individual de que falla a commissão. Eu não pretendo senão esclarecer-me, e não quero de fórma alguma provocar uma discussão com a commissão, da qual eu não ficaria convencido, mas sim vencido.

O sr. Sampaio e eu somos os dois demagogos aqui da camara; comtudo eu não venho aqui apresentar doutrinas d'essas que o sr. conde de Rio Maior tem condemnado por serem extremamente radicaes, venho apenas combater com a carta na mão. O nosso codigo politico diz o seguinte no artigo 145.°:

(Leu.)

Já se vê que a base que se reconheceu aqui para os direitos politicos é a liberdade, a segurança individual e a propriedade. Se a base do direito fosse como a illustre commissão quer, tinha acabado o systema representativo e a liberdade.

Isto é o que eu tinha a explicar emquanto á minha primeira emenda, e desejo que a minha opinião, que não ficou bem consignada da primeira vez que fallei, e isso talvez por effeito de má explicação da minha parte, o fique agora clara e precisamente.

Ainda a este respeito, permitta-me o illustre relator da commissão que eu lhe declare que estou vencido, mas não convencido.

Eu não quero entrar muito na questão, se a capacidade é, ou não, origem do exercicio de um direito politico. Eu entendo que não; julgo, pelo contrario, que a capacidade é uma restricção que se faz ao direito. Em todo o caso parece-me que não se póde ir tanto adiante, como foi o sr. relator da commissão, para se tirar da minha argumentação a conclusão de que o direito de votar deva ser applicado até ás mulheres.

Confesso a verdade, se dos meus principios se podesse tirar a consequencia de dar o direito de voto ás mulheres, ainda que eu tivesse de soffrer a accusação de contradictorio, era mais facil acceitar este epitheto, do que acceitar que a lei concedesse aquelle direito ao sexo feminino. Pelo amor da familia, pelo respeito á propria individualidade da mulher, entendo que, se se lhe d'esse essa capacidade, tinhamos de perder muitas outras capacidades que são accessorias da sociedade.

Quanto á questão da maioridade legal, a respeito da qual mandei para a mesa uma emenda, a fim d'essa maioridade legal ser fixada n'este projecto, devo tambem dizer alguma cousa. O sr. Vaz Preto apresentou uma emenda similhante. Eu desejava ver presente n'esta occasião o sr. ministro do reino, mas na ausencia d'elle chamo a attenção do sr. presidente do conselho para o que eu vou expor.

Como não está presente o sr. ministro do reino, peço ao sr. presidente do conselho que declare se é ou não opinião do governo, que a maioridade legal, de que trata este projecto, é a de vinte e um annos, como se acha estabelecido no codigo civil.

(O orador não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministres (Fontes Pereira de Mello): - O governo já declarou, que essa era a sua opinião.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Sendo esta e opinião do governo, e dizendo a commissão que não se póde entrar hoje em duvida, depois do acto addicional e codigo civil, que a maioridade legal é aos vinte e um annos, não sei como ella tira a consequencia de que não póde ser acceita a emenda apresentada com referencia a este ponto.

Sr. presidente, vou concluir dirigindo-me á maioria da camara, a quem muito respeito, e que vota em todas as questões tão conscienciosamente como eu voto, para lhe pedir justiça.

Se na realidade convem a acceitação d'esta emenda para evitar processos ácerca do exercicio do direito eleitoral, ou se da sua não approvação póde resultar um só processo que seja, visto que o sr. ministro do reino já declarou que tem havido alguns recursos a este respeito, eu peço que se consigne na lei que a maioridade legal é a dos vinte e um annos.

Estou certo que a maioria ha de fazer justiça, e se não a fizer, restar-nos-ha a consolação de termos advogado os principios que devem ser a norma dos homens publicos.

O sr. Vaz Preto: - Eu vejo que n'uma questão importante, como esta que occupa a attenção da camara quem não falla, quem não dá explicações, quem não manifesta a sua opinião, é o governo.

Quando se perguntou ao sr. Fontes, ainda não ha muitos dias, qual era a sua opinião a este respeito, s. exa. respondeu que, tendo as emendas de ir á commissão, lá diria qual era.

Vem para aqui o parecer, e impugnado, e s. exa. conserva-se silencioso.

Peço á camara que me diga se isto é systema de governo, se isto é ser homem de estada, como s. exa. quer ser?

Sr. presidente, quando se tratar das propostas que dizem respeito ao ministerio da guerra, eu explicarei o que é ser homem de estado, como se ganham esses titulos, e o que elle deve fazer a favor do paiz; mas, agora só peço a camara que note o procedimento do governo, e este silencio obstinado, que desprestigia o poder e as instituições.

Hontem um digno par dirigiu-se ao sr. Fontes, e perguntou-lhe qual era a rasão por que o governo consentia que se atacasse o chefe do estado, que pela constituição é inviolavel.

O sr. Fontes calou-se, não se levantou para responder, não disse sequer uma unica palavra, o silencio mais completo e obstinado foi a defeza do El-Rei!

A que estado nós chegámos, em que paiz nós vivemos! Já os ministros não ousam defender o chefe do poder executivo!

Ora, digam-me v. exa. e a camara se isto é systema do governar, e se isto faz honra ao systema representativo?

Eu mandei para a mesa differentes emendas, e desejo tratar cada uma d'ellas separadamente.

Agora me occorre que a emenda apresentada pelo sr. marquez de Sabugosa é identica a uma que eu propuz. Na carta constitucional e no acto addicional a maioridade legal são vinte e cinco annos, e no codigo civil a maioridade legal são vinte e um.

Portanto, é preciso declarar-se formalmente qual é a maioridade legal.

Não comprehendo, e não posso considerar que os artigos da carta constitucional e do acto addicional, que são constitucionaes, possam ser revogados por uma lei civil.

Demais, sr. presidente, a carta refere-se a direitos politicos, e o codigo civil refere-se a direitos civis. Por consequencia quando o codigo se refere á maioridade legal, não é em relação aos direitos politicos de que falla a carta. Entenda-se bem que nós, em côrtes ordinarias, não podemos revogar artigos que são manifestamente constitucionaes, e tão constitucionaes que, depois da revolução de 1851, o governo que se seguiu, quando quiz reformar esses artigos,

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mandou por um decreto que se procedesse á eleição dos deputados com poderes constituintes para poderem reformar a carta n'aquella parte, e depois veiu o acto addicional consagrar a doutrina que devia regular de então para o futuro.

Portanto, já vê a camara que esta disposição não póde ser revogada por côrtes ordinarias, e muito menos pelo codigo civil; mas suppondo mesmo que póde ser, o que é facto é que existem duvidas, como aqui se tem visto, duvidas que tambem foram apresentadas na outra casa do parlamento por parte de jurisconsultos e homens importantes.

Se essas duvidas não foram ali resolvidas, e se não o tem sido tambem na pratica, tanto que ha uma portaria do sr. bispo de Vizeu e outra do sr. duque de Loulé, inteiramente oppostas, desde o momento em que esta lei for publicada como está, o resultado será que as commissões de recenseamento poderão recensear conforme entenderem, seguindo umas o preceito da carta e outras o preceito do codigo civil.

A commissão de legislação d'esta casa tanto reconheceu que essas duvidas haviam de apparecer na pratica, que deixa aos tribunaes o resolvel-as.

N'estas circumstancias não seria conveniente que esta lei determine clara e precisamente qual é a idade legal, a fim de acabar com todas as duvidas e evitar pleitos?

De certo, porque as leis devem ser claras e precisas, é uma das suas principaes condições; assim como é o serem justas e elaboradas de modo que satisfaçam aos principios que as devem regular, e possam na sua applicação não encontrar difficuldades nem obstaculos que transtornem a sua acção ou os seus fins.

É isto que se faz por toda a parte, onde existem governos serios, e é isto que se deve fazer cá. Esta é que é a missão dos poderes legislativos, mas se querem antes não cumprir a sua missão e submetterem-se ás vontades do governo, podem fazel-o; mas creiam que o systema é mau. Eu estou persuadido que praticando assim se lança á terra uma semente, de que se hão colher fructos muito amargosos!

Peço, pois, aos meus collegas que, por um acto seu, façam com que a lei sáia d'aqui bem clara, e que evitem questões judiciaes, que trazem despezas e perda de tempo.

E minha opinião que se deve prestar respeito á constituição do estado, e respeitando a constituição opto pela idade de vinte e cinco annos, que é a marcada por ella para a maioridade.

Se assim não fizermos, a carta constitucional ha de ser destruida pouco a pouco, como tambem o acto addicional, e em breve será letra morta.

Veja a camara a que contradicções este systema nos póde levar e nos tem levado já. Ainda ha pouco se votava aqui uma lei que tendia nada mais e nada menos do que a cercear uma prerogativa da corôa, e agora esta, que sancciona, que a constituição do estado fica sem valor!

Sr. presidente, se se attenta conta a corôa que é um poder independente, e que na carta constitucional é considerada como o fecho da abobada do edificio constitucional, se assim a corôa é desacatada, a que nos póde isto levar!

V. exas. gostam de marchar de principio em principio?! Eu, porém, é que não os seguirei n'esse caminho.

Mais tarde se mostrará qual de nós tem rasão! Se a camara, não respeitando os principios constitucionaes; se eu, querendo que elles sejam acatados.

Já que este projecto foi trazido á téla da discussão é obrigação do governo declarar se entende que a idade que as commissões de recenseamento devem acceitar para a maioridade deve ser a de vinte e um ou de vinte e cinco annos.

Tem obrigação de o declarar, para não deixar lacunas em uma lei d'esta ordem.

A obrigação dos ministros é dar ao parlamento os esclarecimentos necessarios, expor as suas opiniões, francamente sustental-as e fazel-as prevalecer, se têem maioria para isso. Se têem força para tanto, e se sabem satisfazer á sua missão, governem; mas não deixem entregue ao acaso o que deve ser da responsabilidade ministerial.

Sr. presidente, espero que o governo, ou o sr. relator da commissão, explique qual o motivo por que no projecto não se insere um artigo resolvendo estas duvidas.

Sr. presidente, eu desejo tratar de per si cada uma das questões sobre que mandei propostas para a mesa, portanto começarei pela do domicilio politico do empregado publico, que, segundo a lei de 1852, é na localidade onde exerce o emprego. A lei estabelece esse domicilio, e no seu espirito é obrigatorio, não podendo o empregado transferil-o. Os inconvenientes da transferencia do domicilio politico do empregado publico resaltam a olhos vistos, pois a mudança de domicilio importaria, na occasião em que elle exercesse os seus direitos politicos o abandono de logar.

A estas rasões acrescem outras de não menos peso; a transferencia do domicilio faz presumir que o empregado quer exercer pressão na localidade para onde transfere o seu domicilio.

A este respeito já têem sido publicadas algumas circulares, por differentes governos, sustentando esta doutrina, isto é, que o empregado publico não póde transferir o seu domicilio.

No tempo do sr. conde de Thomar já estas mesmas idéas eram sustentadas, declarando-se que o domicilio politico do empregado publico era obrigatorio onde exerce o seu emprego.

Sendo isto assim, a regra geral que estabelece o decreto de 1852 tem excepções emquanto aos empregados publicos. Havendo, porém, duvidas a este respeito, e tendo os tribunaes julgado estas questões por differentes modos, interpretando a lei uns de uma fórma, outras de outra; uns que o domicilio é obrigatorio, outros que póde ser transferido, segue-se que o parlamento tem necessidade e obrigação de esclarecer este ponto, e de deixar a lei clara.

Para evitar estas duvidas e estas difficuldades é que mandei para a mesa uma proposta, para que se consigne na lei que o domicilio politico do empregado publico não póde de fórma alguma ser transferido.

Esta é a boa doutrina, e por isso pretendo e desejo que seja consignada na lei.

A commissão, porém, e o governo entendem o contrario; entendem que se devem deixar as cousas assim na incerteza e na duvida; entendam-n'o muito embora, mas eu varro a minha testada, e demitto de mim toda a responsabilidade.

Sr. presidente, que a lei existente é clara, considera-o o sr. relator da commissão; eu affirmo o contrario; e tanto o não é, que em diversos tribunaes e em diversas instancias tem sido interpretada por maneira differente.

Se os dignos pares julgam clara a disposição do projecto, muitos não o entendem assim; e se se suscitam duvidas, porque se não ha de esclarecer e definir perfeitamente o assumpto?

Se, porém, se não quer definir por systema, se o governo entende que as leis devem ser todas defeituosas e confusas, para darem motivo a podel-as interpretar favoravel e convenientemente aos seus interesses, não serei eu que lhe dispute a gloria da invenção.

Sr. presidente, a outra emenda que apresentei era para se dar garantia aos diversos candidatos; a commissão, porém, declarou não a poder acceitar, por não haver candidaturas officiaes.

Candidaturas officiaes existem, sr. presidente, nem só póde dizer o contrario.

Desde que se estabeleceu a interferencia do governo nas eleições; desde que elle é o grande eleitor; desde que se coarctou a independencia do poder legislativo; desde que o

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governo é juiz e parte ao mesmo tempo, fazendo eleger os que têem de o julgar, systema este de que se hão de no futuro infelizmente ver os resultados; desde que se procede por esta fórma, e que o governo apresenta officialmente os seus candidatos, não se póde negar a existencia das candidaturas officiaes.

Francamente não vejo por que não deva ser acceita a minha proposta, que tem unicamente por fim o garantir aos candidatos o direito de poderem ter junto da mesa eleitoral um representante seu, que fiscalise os actos eleitorass, e se opponha a qualquer falsificação.

Qual é, porém, a rasão d'esta rejeição?

Essa rasão é simples; é porque o governo prefere que se não fiscalisem os actos eleitoraes, quer uma lei para se poderem fazer eleições á sua moda, interferindo a auctoridade com toda a força e violencia, e por modo que a opposição não possa ter a minima garantia.

Eu já assisti a uma eleição, onde estavam uns poucos de espectadores socegadissimos, e sem praticarem a minima desordem, mas unicamente com o fim de evitarem qualquer falsificação da urna, que de antemão tinha sido collocada junto de uma porta; pois esses pacatos cidadãos foram mandados saír todos da assembléa eleitoral, para que se podesse praticar toda a qualidade de escandalo, e assim succedeu.

O governo quer continuar n'este systema?

Se gosta d'isso faz muito bem procedendo assim; anda coherente, porque é capaz d'isso e de tudo o mais.

É certo que os maus habitos se pegam. O sr. relator da commissão parece que já adquiriu os mesmos habitos de silencio que o governo adoptou.

O sr. Barros e Sá: - Peço a palavra.

O Orador: - Felicito o sr. Barros e Sá pela resolução que tomou, e que mostra que s. exa. não está por ora resolvido a seguir o exemplo dos srs. ministros.

Presto homenagem á delicadeza do digno par, e para ter a satisfação de o ouvir concluo aqui as minhas reflexões.

O sr. Barros e Sá: - Não desconheço as difficuldades da minha posição. Foi-me incumbida a honrosa missão de defender o projecto de lei eleitoral, e vejo-o combatido por dois valentes campeões da opposição d'esta casa, os quaes escolheram premeditadamente os pontos fracos da questão, para difficultar mais a minha defeza.

Todavia, não posso abandonar o campo, ainda que tenha que lutar com grandes difficuldades, uma vez que acceito o combate. Uma d'essas difficuldades, que é a primeira e das mais graves, é a necessidade que tenho de dizer muito, e a conveniencia de fallar pouco. Entro já, por consequencia, na materia, e principio por pedir licença ao digno par. o sr. marquez de Sabugosa, para me queixar a s. exa. de me ter attribuido intenções que eu não tive. Pelo menos, pareceu-me que se podia deprehender das suas palavras haver entendido o digno par, que eu tivera o intuito de pôr á sua conta idéas que s. exa. não emittíra.

Declaro ao digno par, se tal foi o seu pensamento, e declaro-o na melhor boa fé, e com a mais sincera effusão da minha alma, que não escrevi no relatorio da commissão uma palavra unica, que não entendesse ser a fiel expressão da verdade.

Não podia ter intenção de lançar ao sr. marquez de Sabugosa elogio algum, que não fosse a expressão da verdadeira justiça, que todos fazem ao digno par, a quem me estou referindo. S. exa. é um campeão valente da tribuna parlamentar, é um cavalheiro muito distincto e estudioso, e sempre homem muito leal (Apoiados.); e á sua lealdade, agora e sempre, hei de corresponder com igual lealdade, pelejando com armas iguaes áquellas de que s. exa. se serviu para me combater.

Sr. presidente, eu dizia a verdade quando declarei que a primeira proposta do digno par, como s. exa. tambem declarou, era pura e simplesmente de redacção. O sr. marquez de Sabugosa agora mesmo o tornou a dizer.

(Interrupção do sr. marquez de Sabugosa, que se não ouviu.)

Se era uma alteração de redacção, porventura para inculcar differença de idéas, não o entendi assim.

(Interrupção que se não ouviu.)

Desde que ha capacidade, e se póde provar por tal e tal titulo, ha direito, porque a origem do direito provém da capacidade.

Esta questão podia-nos levar muito longe, e eu não tenho tenção de a tratar profundamente. Entretanto, peço licença para dizer mais uma vez, que o voto não póde ser senão uma funcção, o exercicio de um direito politico, e nunca um direito natural e primordial; é um munus publico, é um encargo, é tudo junto; mas o que não é, e não póde ser, é o exercicio de uma faculdade innata do homem. Para o ser, era preciso que um individuo de qualquer paiz, em que não houvesse governo representativo, ficasse privado da qualidade de homem. O direito eleitoral é uma funcção politica, creado na politica, e não existe onde não ha eleições.

(Interrupção que se não ouviu.)

A base do direito politico é a capacidade. Se o direito de votar fosse um direito natural, necessariamente havia de ser concedido ás mulheres, que não podiam ser esbulhadas d'esse direito; se o direito de votar fosse um direito primordial, a consequencia seria que o homem disporia d'elle sem condição alguma de exercicio ou de fiscalisação.

Sr. presidente, eu não quero levar mais longe a questão, não é este o logar proprio para ella ser tratada, mas peço licença para lembrar, que em 1864, quando se discutia este assumpto no parlamento inglez, de um lado lord Palmers-ton e do outro Gladstone, sustentavam e defendiam idéas inteiramente oppostas.

Gladstone sustentava que o direito natural é primordial e innato. Palmerston professava idéas inteiramente oppostas.

(Interrupção do sr. marquez de Sabugosa, que se não ouviu.)

Permitta-me v. exa. que eu trate logo da questão da idade legal.

O que é certo é que é uma questão de escolas, onde os sectarios dos principios demagogicos se inclinam para um lado; os sectarios do direito universal são evidentemente os da escola democratica. (Apoiados.)

Sr. presidente, mas eu ponho agora de parte esta questão; cumpre-me tratar mais especialmente da questão que diz respeito á idade, levantada pelos dignos pares, os srs. marquez de Sabugosa e Manuel Vaz Preto; e digo com toda a simplicidade, que acho alguma rasão á insistencia com que s. exas. procuram saber qual é a idade legal; mas não se segue d'ahi que os dignos pares tenham ambos muita rasão, e que haja necessidade de o fazer declarar na mesma lei como condição indispensavel.

O digno par, Manuel Vaz, diz que a idade de vinte e cinco annos é que é a idade legal.

O digno par, marquez de Sabugosa, diz que é legal a idade de vinte e um annos.

Como é que posso conciliar estas duas opiniões?

O sr. Vaz Preto: - Eu insisto em que a idade legal é a de vinte e cinco annos, porque é o que a constituição marca, e eu respeito muito a constituição emquanto não for revogada, e entendo que o não póde ser por uma simples lei.

O sr. Barros e Sá: - Eu não posso conciliar as duas opiniões.

O sr. Vaz Preto insiste pelos vinte e cinco annos, o sr. marquez de Sabugosa pelos vinte e um.

Repito, como posso eu conciliar estas duas opiniões? Como posso eu, pois, acceder ao pedido do sr. marquez de Sabugosa, que conceitua de legal a idade de vinte e um annos? ...

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(Interrupção do sr. marquez de Sabugosa, que se não ouviu.)

Mas na opinião do sr. Manuel Vaz não é essa a idade legal, e sim a de vinte e cinco annos.

O que eu digo é que não posso defender-me dos dois, quando s. exas. estão em contradicção tão manisfesta.

Peço aos dignos pares que se conciliem, que se harmonisem, que se ponham de accordo, para ver se eu me posso defender.

Mas a verdade é que, se optarmos pelo que sustenta o sr. Vaz Preto, isto é, pelos vinte e cinco annos, e se se não póde alterar a constituição, como é possivel acceitar a indicação do sr. marquez de Sabugosa?

N'este caso o sr. marquez de Sabugosa é o maior defensor do projecto.

O sr. Marquez de Sabugosa: - O que eu desejo é que se declare se a idade legal é a de vinte e um annos, ou não?

O sr. Barros e Sá: - Eu estou com s. exa., e assim parece-me que, estando nós discordantes á primeira vista, o facto é que as nossas opiniões se ajustam.

Mas, o acto addicional, que alterou a carta, estabeleceu tambem a maioridade legal.

Que se entende por maioridade legal? A maioridade indicada na lei anterior.

Qual é a lei anterior á de hoje sobre este assumpto? O codigo civil.

É, por consequencia, maioridade legal a que n'elle se marca. Mas, diz-se, ha duvidas a esse respeito.

Pergunto eu: como se póde considerar duvidosa esta questão? Porque o digno par tem duvidas?

Permitta-me s. exa. que não leve tão longe a auctoridade da sua opinião. Devemos acaso fazer leis interpretativas só porque uma pessoa duvida? Não duvida o governo, não duvidou a camara dos senhores deputados, não duvidam os tribunaes, para que havemos, pois, de explicar mais um ponto em que todos os homens revestidos de auctoridade estão de accordo?

Diz-se todavia - mas tenham essa condescendencia comnosco. Era facil tel-a, e eu tel-a ía se, porventura, em logar de estarmos no fim da sessão legislativa, estivessemos no começo, então haveria tempo para voltar o projecto á outra casa do parlamento, e ser ali discutido novamente.

(Áparte do sr. marquez de Sabugosa, que se não ouviu.)

Se o digno par applicasse esse argumento a respeito de todas as leis, não saíamos d'aqui, a sessão tornava-se interminavel.

A questão é constitucional, como diz o sr. Vaz Preto? É. Então não podemos inserir na lei uma disposição que vae alterar a carta.

Será como a expoz o sr. marquez de Sabugosa? N'esse caso continuemos a praxe até hoje seguida.

Acode o sr. Manuel Vaz:

«Ahi temos um arbitrio que se dá ás commissões de recenseamento. »

Perdôe-me o digno par; s. exa. está em equivoco. Este negocio não compete ás commissões de recenseamento, compete aos tribunaes de justiça. E não haverá n'elles sufficientes garantias?

(Áparte do sr. Vaz Preto, que se não ouviu.}

Em geral não se fazem reclamações sobre essa materia, mas havendo uma ou outra póde-se recorrer para um tribunal de justiça.

Agora peço licença á camara para me referir a um discurso de um notavel ornamento da tribuna da outra camara, o sr. Luciano de Castro. Esta auctoridade, sendo respeitavel para todos, muito mais o deve ser para o sr. marquez de Sabugosa.

(Leu.)

Ora, permitta-me v. exa. que eu mude apenas os nomes, e diga que, n'este caso, o relator é o sr. Vaz Preto, sustentando que a maioridade 1egal é aos vinte e cinco annos, e eu fico fazendo parte da opposição, na companhia do meu particular amigo o sr. marquez de Sabugosa.

O melhor, sr. presidente, é não dizer nada na lei a este respeito, para que não se levante escrupulo sobre se o artigo é ou não constitucional. A lei passará assim mais facilmente, e o direito eleitoral, em logar de ser restringido, fica ampliado, o que sempre é conveniente.

Sr. presidente, creio que a respeito da maioridade não devo dizer mais nada.

O sr. Vaz Preto, alem da questão da maioridade, suscitou mais duas outras. A primeira é a do domicilio obrigatorio do empregado publico.

O digno par declara que, na sua opinião, o domicilio politico do empregado publico é onde exerce as suas funcções. A isto responde a commissão, que não é preciso fazer declaração alguma, porque a lei é que se encarrega de a dar.

(Áparte do sr. Vaz Preto, que não se ouviu.)

O digno par quer que se declare que o domicilio politico do empregado publico é onde exerce as suas funcções, mas isso já está declarado na lei; e não vale a pena alteral-a, só para que se satisfaça um simples desejo.

Não ha conveniencia nenhuma em revogar um artigo da lei, que aliás é clara, que não tem dado logar a reclamações, e que, por consequencia, tem todos os caracteres para continuar a existir, como tem existido até agora: é o artigo 27.° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, que diz o seguinte:

(Leu.)

O empregado publico não é cidadão? Se é, póde transferir o seu domicilio politico para onde quizer.

O caso está resolvido na lei, e, portanto, não é preciso fazer lei nova, salvo se o digno par apresentar rasões solidas, que possam convencer a camara de que a lei é má e precisa ser modificada; mas, se a lei é clara, expressa, constitucional, e amplia os direitos dos cidadãos, não me parece que deva ser revogada.

Ha ainda outro ponto, a que não posso escusar-me do responder: é o que se refere á representação dos differentes candidatos nas mesas eleitoraes.

O digno par, n'esta questão, labora n'um perfeito equivoco. Não tenho outra palavra mais suave para exprimir a minha idéa.

S. exa. affirmou, que na commissão se tinha sustentado que não havia candidaturas officiaes; e eu respondo-lhe que não ha uma só palavra, virgula ou ponto, por onde se possa inferir que no parecer se faz a mais pequena referencia a candidaturas d'esta natureza.

S. exa. confundiu candidatos previos com candidatos officiaes.

O que o parecer da commissão diz:

(Leu.)

Candidaturas previas é uma cousa e candidaturas officiaes é outra, e o parecer da commissão diz que o nosso systema eleitoral não admitte candidaturas previas, mas não falla em candidaturas officiaes.

As candidaturas officiaes denominam-se ordinariamente, não digo as que são protegidas, mas as propostas pelo governo.

Candidaturas previas são aquellas que os cidadãos apresentam nos collegios eleitoraes em tempo anterior ao acto da eleição, declarando o seu programma politico e pedindo votos aos eleitores.

D'este systema eleitoral é consequencia que o eleitor cidadão não póde votar n'outro individuo senão n'aquelle que apresentar a sua candidatura previa.

Este é o systema eleitoral que se segue na Inglaterra, e ultimamente foi adoptado na Belgica em 1877, e foi adoptado em França no tempo de Napoleão III desde a sua elevação ao imperio.

N'estes paizes o homem que quizer ter votos apresenta

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a sua candidatura previa nos collegios eleitoraes, e não póde ser votado n'outros collegios ou circulos.

A candidatura previa é um systema que não ha entre nós.

É claro que tendo o eleitor a faculdade de votar em quem quizer, estando os votos dentro da urna, e sendo a votação secreta, não se podia saber quaes os candidatos que haviam de ter representação na mesa eleitoral. Pois se qualquer cidadão póde ser votado em Braga, estando em Lisboa, como podia o presidente da mesa saber se esse individuo tem ou não voto para ser representado ali? Se a lei não exige apresentação de candidaturas previas, não é possivel ter os candidatos representantes junto das mesas eleitoraes. N'estes termos não acho que s. exa. tenha rasão.

A respeito da questão da maioridade legal pede-se que se faça uma declaração na lei. Se fosse necessario ampliar o voto, de accordo, mas como nós não tratámos de restringir o voto, o melhor é continuarmos no systema que se tem seguido de se considerar a idade legal a de vinte e um annos, porque não vale a pena estar a fazer uma alteração n'esta parte.

O sr. Vaz Preto quer que no projecto se declare qual é o domicilio politico dos empregados publicos, mas isto está já resolvido na lei e não tem havido reclamações.

O sr. Vaz Preto: - Pois quantas não têem ido aos tribunaes?

O sr. Barros e Sá: - A mim e aos membros da commissão, que temos estudado estas materias, não nos chegou informação alguma de que houvesse duvidas a este respeito.

O sr. Vaz Preto: - Pois tem havido duvidas e muitas.

O sr. Barros e Sá: - Pois se tem havido duvidas, são em tão pequeno numero, que não chegaram aos ouvidos da commissão.

O sr. Vaz Preto: - O governo bem sabe que as tem havido.

O sr. Barros e Sá: - O governo esteve presente na commissão, e não sabia de duvidas algumas que tivesse havido. Realmente é difficil duvidar á vista do artigo.

(Leu.)

O empregado publico é cidadão, ou não? Esta é a pergunta, e n'ella vae a resposta.

Tratados estes tres pontos de que eu tinha obrigação de me occupar, a camara me dispensará de continuar nas minhas observações, reservando-me para tornar a pedir a palavra se a discussão assim o exigir.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Eu segundo vejo quem governa na camara dos senhores deputados é o sr. José Luciano de Castro, e quem governa na camara dos pares é o sr. Vaz Preto. Da opinião do governo quasi que não se faz caso.

Parece-me que aquelles cavalheiros têem de entrar em accordo para formarem um gabinete. Estimarei muito que s. exas. se accordem, mas eu talvez venha a passar para a opposição contra a opinião do sr. Vaz Preto.

O digno par entende que constitucionalmente a idade legal é de vinte e cinco annos, e eu entendo que é de vinte e um annos, para o exercicio dos direitos politicos.

O sr. relator da commissão defendeu como póde o seu parecer, mas o governo ficou silencioso e não declarou a sua opinião.

O governo não declarou expressamente qual era a sua opinião n'este caso, o governo não se importa que se possa entender d'esta ou d'aquella maneira, e prefere mesmo que a lei possa ter duas interpretações, a que ella tenha de voltar á outra casa do parlamento.

É esta tambem a unica rasão allegada pelo sr. relator da commissão, que se oppõe a que se torne a lei mais clara n'este ponto; que ella não tenha de voltar á outra casa do parlamento por entender, segundo diz, que não havia tempo.

Ora, eu estou persuadido, e não posso deixar de o dizer, que esta rasão não colhe, se se pensar um pouco que acabámos de votar o projecto da reforma administrativa, ao qual se propozeram muitas emendas, e esse projecto, em virtude de algumas d'essas emendas terem sido acceitas pela commissão, tambem teve que voltar á outra camara, havendo comtudo a mesma rasão da falta de tempo. Então só para este projecto é que não havia tempo? Parecia-me que valia a pena, para deixar a lei mais clara e precisa, demorar a sua approvação por mais um dia.

É necessario que o sr. ministro do reino confesse que o governo tem uma opinião, mas que se não importa de a não fazer valer.

Ora, se n'um caso d'estes o governo tem uma opinião e não tem força para a fazer valer, então não é governo.

Pela minha parte hei de fazer todos os esforços para que a lei sáia ao menos clara.

Quanto á outra emenda, que eu tinha a mandar para a mesa, não direi agora mais nada.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, poucas palavras direi, mas preciso dizer alguma cousa.

Tenho ouvido mais de uma vez accusar o governo n'esta casa, e ainda n'esta sessão, de não ter opinião sobre este assumpto. Estimei, pois, agora ouvir o sr. marquez de Sabugosa insistir e repetir que o governo tem uma opinião, e opinião firmada. Eu, portanto, opponho a asserção de s. exa. á d'aquelles que têem sustentado o contrario, pretendendo fazer ver que o governo a este respeito se tem mantido silencioso.

Mas, qual foi a opinião que o governo exprimiu, não só pela bôca do sr. ministro do reino, respondendo ao sr. marquez de Sabugosa, mas tambem pela minha, a respeito da maioridade legal para qualquer individuo ser eleitor? Qual é a nossa opinião? É a de que, segundo as leis vigentes, deve ser a idade de vinte e um annos e não a de vinte e cinco. Isto, porém, não quer dizer que pretendamos se insira como disposição na lei eleitoral, o que já está preceptivo em outras leis.

Mas o digno par quer que o governo faça prevalecer a sua opinião de que se deve introduzir na lei esta disposição, como se ella lá não existisse.

Eu costumo ser muito franco nas minhas opiniões, e vou dizer o que penso a este respeito.

Esta questão tem dois lados por onde se póde encarar. O lado juridico e o da conveniencia politica.

Emquanto ao lado juridico eu não sou competente, porque não tenho a honra de ser jurisconsulto, para examinar se precisamente das disposições das leis vigentes se conclue que a idade legal é aos vinte e um annos; entretanto é essa a conclusão logica que, segundo a minha opinião, se deve tirar do que dispõem as leis em vigor, e é essa tambem a opinião do governo.

E agora devo dizer que concordo plenamente com a opinião dos jurisconsultos distinctos, como são os que fazem parte da commissão que deu parecer sobre o projecto da reforma eleitoral, os quaes dizem que effectivamente não é necessario que essa disposição seja comprehendida na lei, por se entender da respectiva legislação que a idade legal para o exercicio do suffragio é a de vinte e um annos.

N'este mesmo sentido deu o seu voto um dos ramos do poder legislativo, a camara dos senhores deputados, quando ali se discutiu o projecto de que se trata.

Por consequencia, não sou eu só que partilho esta opinião, ha tambem auctoridades muito competentes que pensam do mesmo modo.

Agora, emquanto á conveniencia politica, direi que a minha opinião é que se não insira esta disposição na lei.

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Nunca recusei dizer o que sinto diante do parlamento, nem em parte alguma.

Estou certo de que a camara resolverá no sentido de que esta disposição se não consigne na lei, porque de outro modo o projecto teria de voltar á camara dos senhores deputados, esta camara de certo sustentaria o que ha tempo resolveu, e teriamos provavelmente de nomear uma commissão mixta de que resultaria um novo projecto de lei, e o paiz ver-se-ía entretanto privado de um beneficio tão liberal, como o que deve provir d'este projecto que actualmente se discute.

Aqui tem o digno par a minha opinião franca, clara e decisiva.

(O orador não reviu as notas do seu discurso.}

O sr. Vaz Preto: - Começarei dando os meus agradecimentos ao digno par que requereu que a sessão se prorogasse.

Agradeço esse beneficio que nos fez; mas admira-me que s. exa., não attendesse a que nós estamos cansados de vir aqui todos os dias, de modo que nem tempo temos para estudar bem as questões que aqui se discutem.

Se o governo tinha interesse em que fossem approvados alguns projectos, que n'esta camara têem sido ultimamente discutidos, devia tel-os apresentado ha mais tempo, porque durante dois mezes consecutivos esteve a camara sem ter que fazer, e, por consequencia, seria desnecessario que os dignos pares estivessem todos os dias a pedir que a sessão se prorogasse.

E note-se, que v. exa. tem determinado ultimamente que a sessão começasse uma hora mais cedo do que a costumada, mas o que se tem visto é que os dignos pares que têem votado pela prorogação, não apparecem na camara senão meia hora depois da que v. exa. tem indicado, e retiram se depois de prorogada a sessão.

Acabei de ouvir o sr. presidente do conselho, e vejo, pelo que s. exa. disse, que não está de accordo com o sr. relator da commissão.

O sr. relator da commissão diz que não ha necessidade de inserir na lei a disposição com respeito á idade legal para o exercicio do voto, emquanto que sr. presidente do conselho entende que ha inconveniente em que isto se faça, porque, consignada essa disposição no projecto, e havendo discordancia entre as duas camaras n'este ponto, ter-se-ía de nomear uma commissão mixta para resolver este negocio, e a lei não se poderia pôr em pratica tão cedo.

Sr. presidente, o que deprehendo de tudo isto é que esta questão é muito grave e seria, e que o governo não tem a coragem necessaria para a tornar digna e á altura da sua missão.

Sr. presidente, a prova que esta questão é importante, que precisa ser resolvida por esta camara, é que s. exa., o sr. relator da commissão, tem a opinião de deixar aos tribunaes a interpretação d'esta lei, quando segundo a carta essa interpretação é privativa do poder legislativo.

S. exa. deve saber que ao poder legislativo cumpre interpretar as leis, e quando esse poder as não quer interpretar dá origem a conflictos.

Pediu o sr. relator da commissão que nos pozessemos de accordo eu e o sr. marquez de Sabugosa.

Nós estamos de accordo; nós o que queremos é que se marque na lei qual é a idade legal. N'este ponto, que é o essencial, estamos de accordo.

O que eu entendo, porém, é que a carta constitucional marca uma idade, que é a legal, porque não póde por nós ser agora revogada por ser uma disposição constitucional.

Se nós podessemos revogar o respectivo artigo da carta, então sustentaria eu que devia adoptar-se a idade de vinte e um annos, que é a que marca o codigo.

Diz o sr. presidente do conselho, que a rasão do governo não vir a um accordo sobre este ponto é porque isso daria logar a um conflicto entre as duas camaras, e teria de haver commissão mixta.

N'estas circumstancias o sr. presidente do conselho e o sr. relator da commissão estão em um certo desaccordo, e portanto, é preciso pôrem-se s. exas. de accordo. Este accordo de s. exas. é que é necessario, e não o nosso, pois como opposição estamos sempre em accordo quando atacâmos o governo pelas suas contradicções.

O sr. relator da commissão precisa até pôr-se de accordo comsigo mesmo, pois considera o acto de votar, já como direito, já como obrigação, já como uma funcção publica, já todas estas tres cousas ao mesmo tempo.

Lembro, pois, ao sr. relator da commissão que pela philosophia do direito, direito e obrigação são correlativas, o que quer dizer que sobre o mesmo facto não póde coexistir o direito com a obrigação.

Isto é materia corrente.

Quando existe um direito ha de outra parte a obrigação correlativa de não embaraçar o individuo no exercicio d'elle.

Isto é simplesmente uma explicação, para mostrar que ou ha de considerar-se o facto de votar como direito ou como obrigação. Se for considerado como direito póde ser exercido, ou não, segundo a vontade do eleitor; se for como obrigação podem as leis impor penas ao eleitor que deixar de praticar esse acto, que deixa de ser facultativo.

Aqui está a conclusão que se tira de se considerar o facto de votar ou como direito ou como obrigação.

Se se considerar o votar como uma funcção publica, os poderes publicos então devem limital-o aos mais dignos. Estou convencido que o sr. relator ha de reconsiderar e mudar de opinião.

Falta-me ainda responder ao sr. relator da commissão, quanto ao domicilio politico do empregado publico. Eu considero que o principio estabelecido na lei de 30 de setembro de 1852 faz uma excepção emquanto aos empregados publicos, e a rasão por que eu peço que se consigne isto na lei, é por ter visto que sobre este ponto tem havido duvidas por parte dos governos, que têem publicado differentes portarias, declarando que o domicilio do empregado publico é onde elle exerce as suas funcções, e por isso o não podem transferir.

Desde o momento em que se suscitam duvidas e apparecem difficuldades, a obrigação dos poderes publicos é fazer com que as leis sáiam claras e precisas, resolvendo as duvidas e afastando as difficuldades.

A rasão por que eu entendo que o domicilio do empregado publico deve ser obrigatorio é simplesmente para evitar que o governo interferindo nos actos eleitoraes, se sirva d'esta arma para influir no resultado de uma eleição que lhe pareça ser adversa.

Desde o momento em que o governo intervenha nas eleições, sendo permittido aos empregados transferir o seu domicilio politico, nada mais facil do que fazer apresentar em um ou outro circulo cem, duzentos ou trezentos empregados, que dão em resultado o contrario da verdadeira representação da localidade.

É isto que eu pretendo evitar; quero que se dêem todas as garantias para a urna ser livre e desaffrontada.

Emquanto os empregados estiverem no exercicio das suas funcções, o seu domicilio politico deve ser obrigatorio, e não facultativo.

Esta é a minha opinião, e sobre o assumpto nada mais acrescentarei.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, direi apenas duas palavras.

Eu tenho a maior consideração e respeito pela camara dos senhores deputados, para que possa suppor que ella fizesse da inserção d'esta disposição uma questão de capricho. Não posso suppor tal, e se esse pensamento me occorresse devia pol-o completamente de parte. Não é tambem por falta de tempo que se não acceita a emenda, e o

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sr. presidente do conselho acaba de declarar que a questão não é de principios, mas de serem ou não consignados no projecto. Ora, se é n'essa parte que existe a divergencia, que duvida póde haver em se submetter o assumpto a uma commissão mixta?

Segundo a declaração franca do governo, a maioridade legal deve ser de vinte e um annos, e se o governo defendeu esta opinião na camara dos senhores deputados, é claro que aquella camara votou contra o governo (Apoiados.), e por consequencia que a maioria lhe retirou a sua confiança. Parece-me que d'aqui não se póde saír.

Nada mais acrescento, pois quero acompanhar o governo no desejo de não protrahir mais a sessão.

O sr. Barros e Sá: - Direi muito poucas palavras, pois fiquei impressionado com a declaração do sr. Vaz Preto, manifestando que uma das causas das grandes calamidades da patria era... o prorogar-se a sessão por mais uma hora!

Relativamente ás contradicções que notou entre mim e o sr. presidente do conselho, parece-me que ellas só existem para s. exa.

O digno par entende que a maioridade legal é a dos vinte e cinco annos, porque assim o determina a carta; o sr. marquez de Sabugosa sustenta que essa maioridade é a dos vinte e um annos, e essa opinião é tambem a minha, porque assim o diz o codigo civil nas suas disposições decretadas em harmonia com o acto addicional.

Ora, se esta doutrina, é clara, se é doutrina legal, porque a havemos de consignar mais uma vez, ou alteral-a por um modo por que o não podemos fazer?

Sr. presidente, com respeito ao que acaba de dizer o sr. marquez de Sabugosa, devo observar a s. exa., que a camara dos senhores deputados, pronunciando-se como se pronunciou, rejeitou uma proposta para que se fixasse a idade de vinte e cinco annos, e uma outra para que a idade fixada fosse a de vinte e um annos; e votou assim por entender que é assumpto que já está legislado, e que está legislado, não se póde optar nem por uma nem por outra cousa.

O facto do digno par ter algumas duvidas, não me parece motivo sufficiente para se fazer uma lei interpretativa. Hoje a maioridade conhecida é a dos vinte e um annos; é esta a minha opinião, é a opinião do governo, a opinião dos tribunaes superiores, a opinião da camara dos dignos pares, a opinião da camara dos senhores deputados, a opinião geral emfim.

Ora, se isto assim é, para que se hão de fazer mais declarações? E poderá, ou deverá, pelo facto de um ou outro individuo ter duvidas sobre um assumpto, duvidar-se da doutrina e fazer-se desde logo uma lei interpretativa? Não póde ser.

Nada mais tenho a dizer, sr. presidente, e só o poderia fazer pelo desejo de occupar tempo.

O sr. Marquez de Sabugosa: - A camara dos senhores deputados entendeu que não era necessario designar na lei qual era a idade legal, porque já estava designada na legislação actual. Por isso votou contra as duas propostas: uma, para que se marcasse a idade de vinte e cinco annos para a maioridade; e outra, estabelecendo a idade de vinte e um annos para o mesmo effeito. Ora, se a camara dos senhores deputados não podia votar a proposta que marcava a idade legal, porque estava já designada na lei qual era essa idade, e se entendesse que essa designação era a de vinte e um annos, não votaria de certo contra a proposta que designava esta idade, se a mesma camara estivesse de accordo com o governo; logo, votando contra a referida proposta, votou contra a opinião dos srs. ministros.

Sr. presidente, que ha duvidas, e duvidas muito justificadas, sobre qual é a maioridade legal, mostram-no as declarações que aqui fez o sr. ministro do reino quando disse que se tem recorrido aos tribunaes para as resolver, e que da parte de differentes administrações a interpretação a tal respeito havia sido diversa, porquanto um governo tinha indicado aos seus empregados que a idade legal era a de vinte e cinco annos, e outro tinha indicado, tambem aos seus empregados, que essa idade era a de vinte e um annos.

O que se tem dito n'esta camara, e o que se disse e passou na outra casa do parlamento, mostra tambem a divergencia de opiniões sobre esta questão. Logo, é evidente a necessidade de esclarecer este ponto, e acabar com todas as duvidas e incertezas; e o melhor modo para conseguir este fim é, de certo, fixar-se n'uma disposição d'este projecto qual ha de ser a idade legal para o exercicio do direito eleitoral.

Estou convencido que a camara dos senhores deputados, desde o momento que reconheça a necessidade de tornar a lei que se discute bem clara n'essa parte, como não póde deixar de reconhecer, depois do que se tem passado nas duas casas do parlamento, e em vista das declarações do sr. ministro do reino; estou convencido, digo, que a outra camara não póde deixar de consentir que se designe expressamente n'este projecto a maioridade legal.

Agora quanto ao convite que o sr. presidente do conselho fez á maioria, e ao receio de conflicto d'esta com a outra camara, se se fixasse essa maioridade, creio que isso foi um rasgo de rhetorica da parte de s. exa., uma exclamação á maioria, e nada mais. Não posso acreditar que a camara dos senhores deputados podesse rejeitar uma emenda que não ataca o pensamento da lei, antes a torna mais clara e explicita.

E se acaso o receio do governo provém de que a opinião da camara dos senhores deputados é contraria á designação dos vinte e um annos como idade legal, então está aquella camara em desintelligencia com o governo.

O sr. Vaz Preto: - Todas as vezes que tenho pedido a palavra, não tem sido de modo algum com o fim de embaraçar a questão; mas pela necessidade de mostrar á camara a minha opinião, e ao mesmo tempo fazer-lhe ver os inconvenientes graves que na pratica póde trazer a execução d'esta lei, e os defeitos de que está cheia.

Entre as emendas que se têem discutido, ha uma que eu me reservei para tratar separadamente muito de proposito, porque é a mais importante.

Refiro-me á que diz respeito á circumscripção eleitoral.

Esta circumscripção, como já tenho dito por mais de uma vez, é verdadeiramente monstruosa, e é isso que desejo tornar bem claro e evidente, para a camara saber conscientemente o que vae votar. Antes d'isso tratarei de responder ao sr. relator da commissão.

Louvo a franqueza com que o sr. Barros e Sá se exprimiu, franqueza que eu julgo dever acompanhar sempre todos os membros do parlamento na manifestação das suas opiniões.

Todavia, não posso concordar com s. exa., no motivo que apresentou, para se não inserir n'este projecto uma declaração, que póde acabar com todas as duvidas sobre o domicilio politico e idade legal.

O motivo que impede a resolução das duvidas é não haver tempo para o projecto voltar á outra camara.

Oh! sr. presidente, pois não têem sido as côrtes prorogadas ultimamente já por umas poucas de vezes?

Que inconveniente havia em prorogal-as mais uns dias, para se discutir pausadamente este e outros projectos que o governo julga que lhe são necessarios?

Pois não é dever nosso tornar as leis tão claras, quanto é mister que ellas o sejam, a fim de evitar pleitos, más interpretações e injustiças?

Ha algumas circumstancias extraordinarias que obriguem os srs. ministros a encerrarem já, já, o parlamento, impedindo d'essa fórma que se discutam as suas medidas com a circumspecção devida, e se estudem os negocios, como devem ser estudados, com maduro exame?

Acha v. exa. que podemos continuar n'este caminho, que

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devemos estar aqui a discutir constantemente sem quasi elementos de estudo, sem os documentos que se pedem ao governo, e que elle não manda.

Os nossos requerimentos vão para as secretarias e lá jazem no esquecimento, não nos mandando nem esclarecimentos, nem documentos importantes para a discussão, alguns dos quaes era do brio e da dignidade do sr. presidente do conselho remetter immediatamente, porque dizem respeito a questões sobre que a opinião publica e a imprensa se têem pronunciado de uma maneira severa e desfavoravel para o governo.

Nem um só dos meus requerimentos foi ainda satisfeito!

Sr. presidente, insisto ainda no methodo que o sr. Barros e Sá allega, para não se inserir artigo, ou emenda, ao projecto que se discute.

Disse o sr. Barros e Sá que o motivo por que não se insere no projecto uma disposição, que eu entendo necessaria para a tornar clara e expressa, cortando os arbitrios e resolvendo duvidas, é não haver tempo para ser discutida na outra casa do parlamento.

Pois não se votou hoje o projecto de lei da instrucção primaria, que tem igualmente de ir para a outra casa do parlamento?

Mas, digo eu, se a reforma da instrucção primaria tem de voltar á outra casa do parlamento, porque não póde tambem voltar a reforma eleitoral?

Uma proposta, de lei como esta, de que depende todo o systema representativo, devia ser maduramente estudada, nomeando-se para esse fim uma commissão especial, que no intervallo da sessão legislativa lhe introduzisse todos os melhoramentos de que é susceptivel, todas as garantias necessarias para que a eleição fosse livre e a urna desaffrontada.

N'estas condições approvaria eu a reforma; porém, n'aquellas em que se propõe, rejeito-a completamente.

Sr. presidente, não concordo com as rasões apresentadas pelo sr. relator da commissão, e creio até que provam o contrario.

A carta entende que ao poder legislativo compete o fazer as leis e interpretal-as, e nós fazemos, esta já escura para ser interpretada arbitrariamente!

Qual a rasão por que se pede que no projecto se fixe a maioridade legal? Porque se suscitam duvidas a este respeito.

Eu tenho duvidas, o sr. marquez de Sabugosa tem duvidas, e mesmo n'esta camara ha muitas opiniões differentes, e por consequencia duvidas e hesitações.

Isto só era bastante para a camara esclarecer este ponto por uma decisão sua.

Se a camara consignasse no projecto de lei o artigo proposto pelo sr. marquez de Sabugosa, é claro que todos aquelles que reconhecem que o artigo constitucional póde ser revogado em côrtes ordinarias, acatariam essa decisão, e não haveria a mais leve duvida. Mas, emquanto isto se não fizer, eu; que estou convencido que o artigo é constitucional, se fosse presidente de uma commissão de recenseamento, não mandaria recensear senão os que tivessem completado vinte e cinco annos, não porque seja essa a minha opinião, mas porque a constituição assim o determina; e eu devo, primeiro que tudo, respeito e obediencia á lei fundamental do estado.

Sr. presidente, sinto-me cansado, e preciso ainda fazer algumas reflexões em defeza das emendas que apresentei ácerca da circumscripção eleitoral, e então peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que me seja reservada a palavra para ámanhã, visto que está quasi a dar a hora.

O sr. Presidente: - É um requerimento que faz o digno par, e que só póde ser resolvido pela camara.

O sr. Vaz Preto declara que está cansado e não póde continuar o seu discurso; como deseja, porém, fazer ainda algumas ponderações ácerca das propostas que mandou para a mesa, e que serviram de base ao parecer da commissão, pede para ficar com a palavra reservada para a seguinte sessão.

Como ámanhã é quinta feira, desejava saber se os srs. ministros podiam comparecer á sessão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - O governo está prompto a comparecer na camara.

O sr. Presidente: - Então, teremos sessão ámanhã; e pergunto á camara se permitte que continue com a palavra o sr. Vaz Preto, para expor as considerações que tem de apresentar á camara, visto não o poder fazer hoje por estar cansado, e estar proximo a dar a hora?

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: - Teremos sessão ámanhã, pela uma hora da tarde, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje e mais a discussão dos pareceres: n.° 334, sobre o orçamento rectificativo; e n.° 304, sobre as contas da camara.

Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 24 de abril de 1878

Exmos. srs. Duque d'Avila e de Bolama; Cardeal Patriarcha; Duque de Loulé; Marquezes, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Bomfim, de Cabral, de Cavalleiros, de Linhares, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre, da Louzã, das Alcaçovas; Bispo de Bragança; Viscondes, de Alves de Sá, de Fonte Arcada, de Porto Covo, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, dos Olivaes; D. Affonso de Serpa, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Larcher, Mártens Ferrão, Mamede, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pitta, Ornellas, Eugenio de Almeida.

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