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N.º 50

SESSÃO DE 30 DE ABRIL DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Dique d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O sr.. presidente declara que a grande deputação encarregada de felicitar El-Rei pelo anniversario da outorga da carta constitucional, cumpriu a sua missão. - O digno par Fontes Pereira de Mello manda para a mesa um requerimento para que pela secretaria d'estado dos negocios dá guerra seja remettida com urgencia uma nota das portarias confidenciais expedidas pela mesma secretaria d'estado desde o anno de 1852 até ao presente. Foi expedido. - O digno par Vaz Preto deseja saber quando é que o governo tenciona mandar proceder ás eleições dos srs. deputados pelos circulos vagos. -Resposta do sr. presidente do conselho. - O digno par Andrade Corvo pede ao sr. presidente do conselho (Anselmo Braamcamp) explicações ácerca dos negocios de Macau. - Resposta do sr. presidente do conselho. - Reflexões do sr. visconde de S. Januario. - Discussão da proposta do digno par Camara Leme, apresentada na sessão de 28 do corrente. - O sr. conde de Castro manda para a mesa um requerimento para que o projecto de lei relativo ao caminho de ferro de Lisboa a Pombal por Torres Vedras seja remettido ás commissões reunidas de obras publicas, fazenda e guerra. - Usam da palavra os dignos pares Camara Leme, Miguel Osorio, conde de Castro, visconde de Seabra, visconde de S. Januario, Vaz Preto, Vicente Ferrer e Fontes Pereira de Mello. - Requerimento do digno par Costa Lobo para que sejam aggregados á commissão de guerra os dignos pares Mártens Ferrão, Camara Leme, conde de Castro e Serpa Pimentel. - O digno par Costa Lobo manda para a mesa outra proposta para que sejam aggregados á commissão de guerra os dignos pares Calheiros e Placido de Abreu. - Depois de algumas reflexões do digno par Fontes Pereira de Mello o digno par Costa Lobo pede para retirar a segunda proposta, o que é concedido pela camara. - Considerações dos dignos pares Vicente Ferrer, Vaz Preto e visconde de Chancelleiros. - O digno par Fontes Pereira de Mello propõe que o projecto seja remettido ás commissões reunidas de fazenda, obras publicas e guerra, apresentando esta ultima conjunctamente com as outras o seu parecer como commissão especial. - Usam da palavra sobre o modo de propor os dignos pares Costa Lobo, Camara Leme, conde de Castro e Mártens Ferrão.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 35 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho e ministros das obrai publicas, reino, marinha e justiça.)

O sr. Presidente: - Devo declarar á camara que a grande deputação, encarregada de felicitar El-Rei pelo anniversario da outorga da carta constitucional, cumpriu a sua missão, sendo recebida por Sua Magestade com a costumada benevolencia.

Por essa occasião tive a honra de dirigir a Sua Magestade, em nome da camará,, a seguinte allocução.

O sr. 1.º Secretario, visconde, de Soares Franco, leu a allocução. É do teor seguinte:

"Senhor. - O dia de hoje é um dos anniversarios mais memoraveis da nossa historia, e um dos mais gloriosos para as instituições monarchicas, e para a excelsa dynastia de Vossa Magestade. É o anniversario da outorga da carta constitucional.

"Cumprindo religiosamente a promessa solemne de seu augusto pae, um joven monarcha, apenas elevado ao throno dos seus maiores, dá no seu povo uma constituição modelada nos verdadeiros principios, o consolidando assim a monarchia, vincula indissoluvelmente a real dynastia de Bragança, já tão popular entre nós, a esta nação, que sempre se distinguiu no amor e fidelidade aos seus soberanos.

"Devendo a sua existencia politica á reforma grandiosa do Senhor D. Pedro IV, a camara dos pares vem n'este dia solemne renovar perante o throno a homenagem do seu profundo respeito, e inabalavel dedicação e lealdade para com o excelso representante d'aquelle grande principe, e para com as instituições que elle nos legou, base segura da estabilidade do throno e da prosperidade da patria.

"A camara junta a esta homenagem a dos ardentes votos que ella forma pelas venturas de Vossa Magestade, de Sua Magestade a Rainha, do Principe Herdeiro, de El-Rei o Senhor D. Fernando e de toda a familia real.

"Digne-se Vossa Magestade acolher com benevolencia esta sincera expressão dos sentimentos da camara dos pares."

O sr. Presidente: - Agora vae ler-se a resposta do Sua Magestade.

O sr. 1.° Secretario leu o seguinte:

"As congratulações que a camara dos dignos pares do reino me dirige pela sua deputação, n'este dia de jubilo para todos os portuguezes, são summamente gratas ao meu coração.

"A recordação da outorga da carta constitucional da monarchia pelo magnanimo principe que tão sabia e generosamente vinculou o throno com as liberdades publicas, não póde deixar de excitar em todo o tempo, e particularmente n'este dia, o reconhecimento do paiz e a profunda gratidão da camara hereditaria pela alta e importante missão que aquelle venerando codigo lhe confiou.

"É, pois, com o maior reconhecimento, que agradeço á camara dos dignos pares do reino a felicitação que acaba do dirigir-me, e os votos que faz pelas prosperidades da familia real."

O sr. Presidente - Creio que a camara quererá que estes dois discursos sejam lançados na acta.

Assim se resolveu.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

1.ª Tem por fim annexar á comarca do Funchal o julgado de Porto Santo.

Á commissão de legislação.

2.ª Auctorisando o governo a conceder á camara municipal de Vizeu uma porção de terreno da cerca do quartel de infanteria n.° 14, para alargamento da rua de S. Francisco.

AS commissões de guerra e fazenda.

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo 19 documentos ácerca da concessão do caminho de ferro de Lisboa a Torres Vedras, a fim de serem satisfeitos os requerimentos dos dignos parca conde do Valbom e Vaz Preto.

Para á secretaria.

Outro do mesmo ministerio, satisfazendo ao requerimento do digno par Camara Leme, apresentado em sessão do 29 de marco ultimo.

Para a secretaria.

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Outro de D. J. S. Brito de Barros, remettendo 20 exemplares da Breve memoria
ácerca de um canal maritimo no rio Douro, consagrada ao parlamento e ao governo do paiz.

O sr. Presidente: — Como a camara acaba de ouvir, foram enviados apenas 20 exemplares d’esta Memoria, e como não chegam para serem distribuidos por todos os dignos pares, ficam sobre a mesa á disposição dos nossos collegas.

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Mando para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeremos que, pela secretaria d’estado dos negocios da guerra, seja remettida com urgencia a esta camara uma nota desenvolvida das portarias confidencias expedidas pela mesma secretaria d’estado desde o principio do anno de 1852
até ao presente, para despezas reservadas, superiormente fiscalisadas e approvadas, d’onde se conheça o numero d’essas portarias, as suas datas, os nomes dos ministros que as assignaram, e as quantias que cada uma d’ellas mandava entregar.

Sala da camara dos pares, em 30 de abril de 1880. = A. M. Fontes Pereira de Mello = Antonio Florencio de Sousa Pinto.

O sr. Vaz Preto: — Como está presente o sr. presidente do conselho, desejo dirigir-lhe uma pergunta.

Em uma das ultimas sessões d’esta camara declarou s. exa.; que mandaria immediatamente proceder á eleição dos deputados pelos circulos que estavam vagos; e na outra casa do parlamento disse s. exa., segundo vi na imprensa, que só depois das côrtes fechadas é que mandaria proceder a essa eleição.

Desejava, pois, saber se s. exa. sustenta a declaração que fez n’esta Gamara, ou o que disse na outra.

Já que estou com a palavra, sr. presidente, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que se mandem publicar no Diario do governo, como se fez o anno passado, as notas das gratificações dadas pelo actual governo, embora não tenham vindo de todos os ministerios, pois faltam ainda os dos ministerios do reino, obras publicas e guerra.

A impressão d’estes documentos é necessaria, porque elles servem para a discussão do bill de indemnidade pedido pelo sr. ministro das obras publicas.

O sr. Presidente: — O sr. Vaz Preto pede que sejam publicadas no Diario do governo as notas das gratificações concedidas pelo actual ministerio.

Os dignos pares que approvam este pedido, tenham a bondade de levantar-se. Foi approvado.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): — Sr. presidente, não ha contradicção nas declarações que fiz nas duas casas de perlamento. O que eu declarei, tanto nesta como na outra camara, foi que o governo havia de proceder com a possivel brevidade ao preenchimento das vacaturas que tinham sidos declaradas na camara dos senhores deputados.

Acrescentei ali mais algumas palavras, explicando o motivo por que o governo não tinha desde já mandado proceder á eleição.

Emquanto ás notas das gratificações, que s. exa. diz não ter ainda recebido, hei de pedir aos meus collegas que as enviem para a camara com a brevidade possivel.

O sr. Couto Monteiro: — Fui encarregado de participar a v. exa. e á camara, que o sr. Melo e Carvalho não comparece á sessão de hoje e a mais algumas por incom-modo de saude.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, ouvi as declarações feitas pelo sr. presidente do conselho; não obstante permitta-me s. exa. que lhe diga que fiquei ,sem saber a que s. exa. se obriga, e o que está resolvido a fazer.

O sr. Presidente do conselho tinha dito n’esta camara, que mandaria proceder já as eleições, e eu suppunha esta declaração estava em conformidade com a que foi feita por parte do governo na outra casa do parlamento, de que apenas fossem declarados vagos todos os circules se mandaria proceder immediatamente á eleição. As vacaturas a que me referi foram já declaradas ha bastante tempo, e ainda não vi que o governo tomasse deliberação alguma para mandar proceder a essas eleições!

Sr. presidente, estão vagos doze circulos. Estes circulos estão, portanto, sem representantes na outra camara, embora elles contenham mais de 400:000 habitantes. É do regimen constitucional, embora não haja lei alguma que assim o determine, que as eleições para os circulos vagos sejam feitas immediatamente, a fim de que todos os circulos tenham o seu representante na camara. Por consequencia o governo tem obrigação de preencher as vacaturas, mandando proceder ás eleições immediatamente.

S. exa. tinha tambem declarado que mandaria proceder ás eleições em conformidade cem os precedentes. Ora, eu direi a s. exa. que muito desejava que assim fosse, que mandassse proceder ás eleições em conformidade com os precedentes do seu partido.

Em 1865 o sr. duque de Loulé, apenas se declararam vagos alguns circulos, mandou proceder ás eleições de forma que os deputados vieram tomar assento na primeira sessão. Mais tarde o sr. Mártens Ferrão procedeu do mesmo modo.

Em 1869 o sr. bispo de Vizeu foi tão escrupuloso, que, abrindo-se a sessão em abril, e tendo sido declarados vagos alguns circulos em maio, quatro dias depois mandava proceder ás eleições; e tendo sido declaradas mais tarde mais tres vacaturas, quarenta e oito horas depois mandava s. exa. proceder ás eleições.

O escrupulo d’este ministro de reino foi tão grande, que mandou proceder a eleições por duas vezes.

E quererá agora o sr. presidente do conselho, que se diz ser o chefe do verdadeiro partido progressista, ir contra a indole do systema e as idéas do programma do seu partido? Quererá s. exa., não mandando proceder ás eleições emquanto as camaras estiverem abertas, tirar a garantia ao poder legislativo de tornar contas ao governo, se elle exorbitar?

O sr. presidente do conselho, fiel ás suas tradições e aos seus sentimentos, deve ter estes factos na devida consideração, e mandar proceder desde já á eleição dos circulos vagos; tanto mais, que não se comprehende esta demora, e estas dificuldades, da parte do governo, a não haver um pensamento occulto; e sabe v. exa. o que se diz geralmente?

É que se está preparando o recenseamento para que o governo tenha mais probabilidades de fazer vingar as suas candidaturas, deixando de vigorar o recenseamento actual. Espero que o sr. presidente do conselho não se prestará a este expediente pequeno, e que declarará que vae mandar proceder sem demora ás eleições nos circulos que se acham vagos, de fórma que possam ainda n’esta sessão tomar assento na camara os representantes d’esses circulos, se, porventura, forem novamente prorogadas as côrtes, o que é provavel aconteça, visto que ha para discutir uma infinidade de medidas importantes, sem as quaes o governo não póde viver constitucionalmente.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): — O digno par não precisava lembrar os antecedentes a que se referiu.

As declarações que eu fiz n’esta camara, torno a confirmal-os, e póde ter s. exa. a certeza de que o governo mandará, com a brevidade e dentro do praso marcado no decreto eleitoral, proceder ás eleições nos circulos cujas vacaturas estão declaradas, mas não deve s. exa. esperar que os deputados eleitos possam ainda tomar assento n’esta sessão legislativa.

O sr. Vaz Preto: — Ouvi a declaração do sr. presidente do conselho, e confio plenamente na palavra des. exa.; mas

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a, sua phrase com a maior brevidade é que não está bem definida, e parceia-me conveniente, para evitar duvidas, explical-a.

O sr. ministro disse, que era possivel que os novos eleitos não viessem tomar assento na camara por ser muito curto o praso que falta para se encerrar o parlamento.

De accordo: assim acontecerá se as côrtes não forem prorogadas; mas como eu creio que não podem deixar de o ser, porque o governo precisa, para viver, que lhe sejam votadas medidas essenciaes, entendo que a prorogação ha de fazer-se do novo, e que, portanto, o sr. presidente do conselho tem necessidade absoluta de mandar com urgencia publicar o decreto para que se proceda ás novas eleições, o os novos eleitos venham ainda occupar este anno os seus legares, dada a hypothese a que me refiro.

D’esta fórma interpreto eu a expressão com a maior brevidade; e, repito, não tenho duvida alguma em acreditar na palavra de s. exa.

O sr. Andrade Corvo: — Ha algumas sessões tive occasião de dirigir uma pergunta ao sr. presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros, sobre um assumpto que traz preoccupada a opinião publica.

S. exa. teve a condescendencia de me responder com palavras que n’essa occasião pareceram indicar não existir no seu espirito duvida alguma de que o negocio era simples, e não tinham fundamento as noticias que corriam ácerca de Macau; e; conseguintemente, nada havia a receiar.

Vejo, porém, agora que um telegramma, cuja procedencia é bem longiqua, um telegramma de S. Petersburgo, falla de um negocio grave, de um negocio para mim inexplicavel, e que provavelmente não é aquillo que o telegrarama diz.

Refere-se o telegramma a uma alliança defensiva e offensiva de Portugal com uma grande potencia que tem interesses directos na China, alliança que só refere á questão que se diz levantada entre o governo de Macau e o governo da China.

Essa noticia, diz tambem a agencia que a deu primeiro, tem sido depois desmentida. De maneira que ha informações e desmentimentos sobre este ponto a que alludo, e tudo nos vem de logares afastados.

N’estes termos pareceu-me conveniente dar occasião ao sr. presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros a explicar ao parlamento e ao paiz o que ha de verdade em tudo que só tem espalhado ácerca d’este assumpto, a fim de que os receios e duvidas que se levantam na opinião possam acalmar-se, no caso de não haver gravidade nos factos que, porventura, se hão dado, ou para que de uma vez se defina do uma maneira clara para todos o estado d’este negocio, se effectivamente elle é o que parece deduzir-se das noticias desencontradas que têem vagado.

Alem d’isso, o que hoje me obrigou mais ainda a pedir a palavra, e a solicitar da camara o favor de me ouvir sobre este assumpto, e do sr. presidente do conselho que haja de dar esclarecimentos sobre os negocios de Macau, é o ter lido nos jornaes de hoje que haviam partido navios de guerra de Lisboa para Macau, e já partira outro navio de Moçambique para Macau.

Ora, todos estes movimentos maritimos têem uma causa, e essa causa não sei se póde attribuir-se ás noticias vagas a que me referi, ou a outro motivo. Em todo o caso creio ser de conveniencia do paiz que o governo de explicações sobre o facto, e é isso que ouso esperar do sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro dos Negocios Estrangeiros (Anselmo Braamcamp): — Agradeço ao meu illustre amigo, o sr. Andrade Corvo, dar-mo esta occasião de apresentar á camara algumas informações a respeito dos boatos de que tão repetidas vezes se têem occupado ultimamente os periodicos, tanto portuguezes como estrangeiros.

Sr. presidente, as explicações que tenho a dar sobre este assumpto, limitam-se a repetir as informações que já em outra occasião dei n’esta casa.

Não sei qual possa ser a origem de todas as noticias que se têem espalhado, a que s. exa. se referiu.

Ha um telegramma annunciando que o embaixador de Portugal na Russia tinha encetado negociações com o governo d’aquelle imperio em vista de uma provavel aggressão da China com a nossa colonia de Macau. Hoje recebo outro telegramma que não tem maior fundamento do que o outro, e em que se dá noticia de que em S. Petersburgo esperam um enviado portuguez para tratar com o governo imperial os assumptos referentes a Macau.

Repito, tanto o primeiro telegramma como este, que ha de ser publicado amanhã, não têem fundamento de qualidade alguma. Procurei por todos os meios ao meu alcance conhecer se havia algum fundo de verdade nas noticias que se tinham espalhado com tal insistencia, e todas as informações que pude colher me deixaram convencer de que não ha motivo que justifique taes boatos.

Ainda hoje recebeu o meu illustre collega, o sr. ministro da marinha, um telegramma do governador de Macau a respeito de outros assumptos, e como nelle o governador geral em nada se refere a tal boato, nem indica ter a menor apprehensão, eu devo crer que não ha fundamento algum para receiar qualquer conflicto que possa ameaçar a segurança da nossa colonia.

Já referi em outra occasião, n’esta camara, que, na presente conjunctura, e por uma casualidade feliz, tendo sido mandado para Macau o contingente que deve render o que está servindo naquella cidade, resulta estar ali reunida maior força do que é costume. No entanto, o governo tenciona mandar mais um vaso de guerra, mas unicamente como medida de prevenção contra qualquer occorrencia imprevista, e para que a nossa bandeira possa ser representada em qualquer porto da China onde, porventura, seja necessaria alguma demonstração, no caso de se verificar o boato, que se tem espalhado, de guerra entre o imperio da China e o da Russia.

Torno, pois, a repetir á camara que, por emquanto, não vejo motivo algum que justifique quaesquer apprehensões.

Parece-me que o digno par se referiu tambem á noticia dada por alguns periodicos, de que o mandarim que ultimamente fôra a Macau levara, no navio em que ia, uma bandeira, na qual estava escripto que elle tinha ido ali a receber preito e homenagem do governador.

S. exa. sabe, melhor do que eu, que esses factos se teem repetido mais de uma vez, e que, com algumas dasembaixadas que antigamente mandámos á China, suecederam factos d’esta ordem.

Mas nem foi só comnosco, e ainda ha pouco um vaso de guerra inglez, que conduzia um embaixador d’aquella nação, julgando levar a bandeira china, levava uma em que estava escripto que ia pagar tributos.

Ainda quando seja verdadeira tal noticia, não creio que se lhe deva ligar maior importancia: e o que eu posso certirficar á camara é que, sendo o governador de Macau quem nos póde prestar informações mais seguras, esse funccionario por emquanto não julga que haja motivo para temer-se qualquer aggressão, e que tendo procurado obter informações por outros canaes, todas ellas me convencem de que não ha indicio, que possa causar receio; no entanto s. exa. sabe, que tratando-se do imperio da China é difficil certificar cousa alguma com segurança; mas, torno a repetir, por emquanto o governo não tem apprehensões, nem julgo que haja rasão alguma para receiar qualquer aggressão do imperio da China contra a nossa colonia.

É só o que tenho a dizer ao meu illustre amigo, e á camara.

O sr. Andrade Corvo: — Sr. presidente, começo por

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agradecer ao meu illustre amigo, o sr. presidente do conselho, as explicações que acaba de dar-me e á camará: explicações que, se me não engano, se podem resumir no seguinte:

Não tem fundamento a noticia sobre uma supposta alliança entre Portugal e a Russia.

O governo não tem recebido communicação alguma, que confirme a gravidade do conflicto que se diz haver entre a nação portugueza e o imperio da China ácerca da nossa possessão de Macau, e este seu modo de ver funda-se nos telegrammas que tem recebido do governador do Macau.

Por outro lado o governo tem procurado constantemente informar-se do que possa haver de verdadeiro nas noticias que circulam; tem applicado toda a sua attenção a este importante assumpto, e procurado por algumas providencias não se achar desprevenido no caso de conflicto; conflicto que aliás s. exa. o sr. presidente do conselho, julga não haver rasão para receiar.

Ora, eu estimo esta tranquillidade do sr. presidente do conselho; mas como se divulgou a noticia de uma alliança que tinha relação com a questão de Macau, era natural que eu desejasse saber o que havia de verdade n'essa noticia. Tratava-se de uma potencia que vae declarar a guerra á China, segundo se affirma, e tendo nós relações com outras potencias que tambem já tiveram uma grande guerra com a China, (guerra de que nos não resultaram nenhumas complicações com aquelle imperio) ainda assim não nos alliámos com essas potencias; e entendendo eu que então nos conduzimos da maneira mais conveniente e mais prudente para os nossos interesses, entendo igualmente agora que andariamos mal se nos alliassemos com uma potencia que está em vésperas de fazer guerra á China; porque, sem motivo grave, e o sr. presidente no conselho affirma que o não ha, não nos convem senão manter boas relações com a China.

É convem-nos isto por termos na China grandes interesses, e possuirmos um territorio encravado n'aquelle imperio.

Os nossos interesses estão estreitamente ligados com os interesses europeus na China. Qualquer aggressão a Macau é uma aggressão directa a todos os interesses e influencias das nações europêas na China. Os nossos actos devem estar de accordo com esta opinião, que é exacta, e será facil e geralmente comprehendida nas chancellarias da Europa. Não podemos, pois, sem inconvenientes graves, alliar-nos com uma só potencia, n'um caso de guerra ou mesmo de conflicto isolado d'essa potencia com a China.

O sr. Visconde e de S. Januario: - Sr. presidente, tenho visto com surpreza varios telegrammas ácerca da probabilidade de conflicto entre a nossa possessão de Macau e o imperio da China, e têem-me preoccupado os commentarios feitos na imprensa ácerca d'essas noticias, porque a opinião publica em Portugal dá sempre proporções exageradas ás questões de que não tem verdadeiro conhecimento.

Disse que me surprehendiam essas noticias, porque, tendo residido alguns annos em Macau, como governador d'aquella colonia, estou habituado a conhecer os costumes e tradições das auctoridades chinezas, e não está na indole d'aquellas auctoridades aggredirem os outros povos.

Sobresalta-se o governo d'aquelle paiz só com a idéa de que, acommettendo qualquer nação europêa, seja qual for o pretexto, os povos da Europa se podessem reunir para lhes fazerem a guerra em commum, e são sobresaltados por esta idéa principalmente depois da guerra que a Franca e a Inglaterra moveram ao celeste imperio, com grande facilidade e poucas forças, desde o ponto de desembarque, junto das fortalezas do Pei-Hó até Pekin. Serviu-lhes então de escarmento o modo de proceder das nações europêas.

Posto se diga que o imperio da China dispõe hoje de meios consideraveis para a guerra, não me parece que esses meios sejam temiveis, nem que o proprio governo chinez confie na sua efficacia.

O governo chinez tem tratado sempre a nossa colonia de Macau com a maior affabilidade, e têem sido muito cordiaes as relações entre o governador de Macau e o vice-rei de Cantão; se algum pequeno conflicto se levanta, raras vezes acontece que o governo de Pekin chegue a intervir.

O imperio chinez nunca tentou, mesmo em epochas em que se praticaram violencias contra aquelle paiz, violencias que na verdade foram proveitosas para a nossa autonomia n'aquella colonia; nunca tentou, repito, tomar posse de Macau, nem fez declarações n'esse sentido, e hoje não ha pretexto nenhum para as nossas relações serem desagradaveis com aquelle imperio.

Portanto, sr. presidente, não ha motivo que nos leve a suppor que haja intenção de nos querer o governo chinez disputar a posse de Macau.

É facto, e todos o sabem, que o governo chinez, segundo o seu modo de ver, suppõe que aquelle territorio está sujeito ao seu dominio, e pertenço á provincia de Cantão, e nós temos sempre insistido, e com rasão, que aquelle territorio faz parte integrante do reino do Portugal.

Este foi o ponto de duvida que houve no tratado, depois de negociado em 1862, para só chegar á sua ratificação. Da veleidade que tem o governo chinez em que isto se declare, para que fique bem affirmada a situação do celeste imperio, com relação ás condições internacionaes e politicas de Macau, a querer adquirir por força aquella colonia, vae grande differença.

O governo chinez quer que uma parte qualquer do territorio que pertenceu a esto imperio continue a pertencer-lhe. Não está nos seus habitos o consentir na separação absoluta de qualquer parte dos seus antigos dominios; mas d'essa circumstancia a querer obter novamente, por meio da força, ou essa declaração, ou a posse do territorio, vae como disse grande differença.

Não supponho, pelo conhecimento que tenho da indole dos povos da China, que haja qualquer idéa n'aquelle sentido.

A minha opinião a respeito do tratado, é que elle se negoceie logo que se do occasião opportuna para isso; mas simplesmente como se fazem com todas as potencias da Europa. Este tratado deve ser unicamente de amisade, commercio e navegação, sem se fallar de modo algum na posse, conservação ou dominio de Macau.

Se conseguirmos fazer um tratado com o imperio da China nas mesmas condições em que outras nações da Europa os tem feito com aquelle imperio, teremos obtido grande vantagem, porque regulâmos as nossas relações consulares, e legalisâmos as reclamações que frequentemente se fazem e que só fundam em um tratado negociado, mas não ratificado.

Por este facto, as auctoridades chinezas, umas vezes annuem a satisfazer a essas reclamações, outras vezes dizem que o tratado não está ratificado. Isto causa graves inconvenientes o levanta pequenos conflictos entre Portugal e o imperio da China, que devem quanto antes acabar, e que; de certo acabariam se se fizesse um tratado n'estas condições, sem ser necessario levar o governo chinez a acceitar a declaração explicita de que Macau pertence de facto e de direito á corôa de Portugal, e faz parte integrante dos seus dominios, como o declara a nossa constituição, porque não só não é necessario isso, mas seria mesmo impossivel obter-se. Como é sabido por quem conheço o imperio da China, os chinezes, assim como todas as nações do Oriente, não negoceiam por meio de um só embaixador, mas sim de dois ou tres, porquanto uns são fiscaes dos outros. Pois estou persuadido que nenhuns plenipotenciarios chinezes receitariam um tratado d'esta natureza, porque o resultado seria, a pena capital.

Portanto, eu aconselharia ao governo que, logo que en-

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centrasse occasião opportuna, negociasse um tratado nas condições que deixo indicadas; e digo occasião opportuna, porque não e cousa simples nas nossas circumstancias ir negociar um tratado mesmo n'estes termos com o imperio chinez; (Apoiados.) é preciso preparar e aproveitar o ensejo proprio, para que o nosso negociador possa facilmente, tratando com os negociadores chinezes, obter um convenio em condições ordinarias, como têem outras nações; e, sendo assim, repito, eu aconselharia ao governo que não perdesse essa occasião. Eu entendo que devemos prescindir da circumstancia de especificar no tratado que o territorio de Macau faz parte integrante do dominio senhorial da corôa portugueza. Entendo que não carecemos de tal declaração, e não a conseguiriamos.

Emquanto ás ameaças e perigos a que se referem esses telegrammas, que têem sido publicados recentemente na imprensa, julgo que não têem fundamento, e se qiiiz ermos imaginar qual é a origem d'esses telegrammas, poderemos talvez encontral-a nas más relações que existem hoje entre o imperio da Russia e o celeste imperio.

Póde pretender-se assim derivar a attenção publica do seu verdadeiro objectivo.

Eu supponho que se não deve attribuir á visita do vice-rei de Cantão ao governador de Macau os fins sinistros que muitos quizeram ver n'esse acto.

O facto é outro Parece que alguem, conhecedor dos tramas e politica insidiosa do governo chinez, quando trata de estabelecer relações no sentido que julga conveniente com outras potencias, inventou uma fabula que para muita gente passou por verdade e que não é mais do que a expressão ironica das suppostas intenções do vice-rei de Cantão na sua visita. Todavia esta carta sobresaltou os animos de muitas pessoas com relação á segurança da nossa colonia de Macau.

Eu posso citar um facto em que se prova que a China hesita sempre em tomar a sua defeza quando e accommettida, e que, portanto, está muito longe de tomar a iniciativa para accommetter outras nações.

O imperio do Japão teve um conflicto com o imperio da China a proposito da ilha Formosa. É sabido que esta ilha fica mais perto da China do que do Japão, e é indubitavelmente dependencia do celeste imperio que ali conserva auctoridades suas, posto que uma parte d'esta grande ilha seja ainda habitada por tribus selvagens.

Tendo sido maltratados alguns japonezes pelos habitantes selvagens da ilha, e não tendo sido reprimido o facto pelas auctoridades chinezas, o governo do Japão pediu satisfação ao governo do celeste imperio e depois de uma correspondencia muito longa e sem resultado, resolveu o governo do Japão mandar uma expedição á ilha Formosa. Pois os preparativos d'esta expedição foram com antecipação conhecidos na China, o ainda assim o governo chinez não se resolveu a tomar precauções algumas.

Este facto deu-se durante o tempo em que eu fui governador de Macau.

O governo do Japão realisou as suas ameaças, enviando uma expedição de 3:000 homens á occupar a ilha Formosa; e declarou que a não desoccupava senão depois do uma satisfação condigna e larga indemnisação do governo chinez.

Todos sabem que os chinezes são muito demorados e hesitantes nas suas decisões diplomaticas, o que deu em resultado a expedição japoneza conservar-se muito tempo na ilha; resolvendo-se a China a final a pagar uma indemnisação ainda mais avultada do que aquella que ao principio lhe era pedida, e a dar todas as explicações, porque o seu governo foi, na forma do costume, tão timorato e falto de resolução, que em vez de se fiar na superioridade numerica e pôr em campo uma força consideravel, como o poderia fazer, e como o fez, posto que inutilmente, em 1860, contra os exercitos alliados, receiou sustentar uma guerra com uma nação que apenas conta trinta e tantos milhões de habitantes, quando a China conta mais de 400.000:000.

Tudo isto prova que a China, ainda mesmo quando atacada, difficilmente se resolve a defender-se pela força.

Ora, quando isto se passou com uma nação asiatica, não julgo que haja rasão para receiarmos um conflicto com a China, sem nenhum motivo, a proposito de Macau.

Entendo, comtudo, que o governo fez muito bem em mandar reforçar a estação naval de Macau, como o teem feito, todas as nações, para protegerem os seus subditos, a proposito da guerra que parece provavel entre a Russia e o celeste imperio.

O sr. Margiochi: - Mando para a mesa um requerimento pedindo, algumas informações pelo ministerio do reino, que julgo necessarias para a discussão do orçamento.

Leu-se na mesa, e é a seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada a esta camara uma estatistica da frequencia que têem tido nos ultimos tres annos lectivos as cadeiras de latim, de francez e de arithmetica, que funccionam fóra dos lyceus e que estão mencionadas na secção 2.ª do capitulo 8.° do orçamento do ministerio do reino.

Sala das sessões, em 30 de abril de 1880. = O par do reino, Margiochi.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, devemos continuar com a discussão na especialidade do projecto de lei n.° 38. Estava extincta a inscripção sobre o artigo 2.° e seguia-se votar esse artigo.

Antes, porém, de continuarmos com a discussão do projecto, tem a camara de se pronunciar sobre uma proposta que o digno par, o sr. Camara Leme, mandou para a mesa na occasião em que se ia fechar a sessão, e em seguida á leitura de uma mensagem que se acabava de receber da camara dos senhores deputados, que acompanhava o projecto de lei ácerca do caminho de ferro de Torres. A mesa mandava-a ás commissões de fazenda e de obras publicas, s e o sr. Camara Leme propoz que sobre esse projecto fosse tambem ouvida a commissão de guerra.

Vae ler-se a proposta do digno par.

Leu-se a seguinte:

Proposta

Proponho que sobre o projecto de lei que foi enviado da camara dos senhores deputados, relativo ao contrato provisorio celebrado em 12 de janeiro ultimo, entre o governo e a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes para a construcção de uma linha ferrea de Lisboa a Pombal passando por Torres Vedras, seja ouvida a commissão de guerra, e que á mesma commissão sejam enviados com urgencia quaesquer processos, consultas e estudos ou esclarecimentos ácerca da altissima conveniencia de obrigar a directriz da mencionada linha a todas as condições tacticas e estrategicas na zona mais importante de defeza do paiz, a fim de obstar á invasão da capital e garantir a independencia da patria.

Sala da camara, 28 de abril de 1880. = O par do reino, D. L. da Camara Leme.

O sr. Conde de Castro: - Não me opponho á proposta do meu illustre amigo, o sr. Camara Leme; desejo tambem que a commissão de guerra seja ouvida sobre o assumpto a que a essa proposta se refere, e que a mesma commissão, bem como toda a camara, sejam esclarecidas a tal respeito. De accordo, pois, com s. exa. sou dos primeiros a pedir ao governo que remetta a esta camara todos os documentos que o digno par requereu, e se de pressa em fazel-o. Todavia entendo que a commissão de guerra deve ser ouvida como costumam ser ouvidas todas as commissões, quando algum projecto é remettido a mais de uma commissão. Nesta conformidade tenho a honra de mandar para a

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mesa o seguinte requerimento, para que o projecto relativo ao caminho de ferro de Lisboa a Pombal por Torres Vedras seja remettido ás tres commissões reunidas de obras publicas, fazenda e guerra. Eis o requerimento.

(Leu.)

Leu-se na mesa e é o seguinte:

Requerimento

Requeiro que o projecto de lei relativo ao caminho de ferro de Lisboa a Pombal por Torres Vedras seja remettido ás commissões reunidas de obras publicas,, fazenda e guerra. = Conde de Castro.

O sr. Presidente: - Para que não haja, duvidas na votação d'esta proposta, pergunto ao digno par, o sr. conde de Castro, se, porventura ella substitue toda a proposta do digno par, o sr. Camara Leme, ou só parte d'ella, por isso que a proposta do sr. Camara Leme é para que seja ouvida a commissão de guerra, com relação ao projecto de lei ácerca do caminho de ferro chamado de Torres Vedras, e para que sejam remettidos á mesma commissão varios documentos relativos ao referido assumpto.

O sr. conde de Castro terá, portanto, a bondade de dizer se a sua intenção é substituir a primeira parte da proposta do sr. Camara Leme, ou toda ella.

O sr. Conde de Castro: - A minha proposta é uma substituição da primeira parte, unicamente, da proposta do sr. Camara Leme; pois quanto á segunda parte, disse eu que era dos primeiros a pedir que todos os esclarecimentos a respeito do negocio; a que ella allude, fossem remettidos a esta camara.

O sr. Presidente: - Precisei da declaração do sr. conde de Castro, para saber que direcção hei de dar ao debate.

A proposta d'este digno par não altera o pensamento da proposta do sr. Camara Leme, e unicamente acrescenta que a commissão de guerra possa tomar conhecimento do projecto de lei do caminho de ferro de Torres Vedras, e dar parecer sobre elle funccionando conjunctamente com as commissões de fazenda e obras publicas.

O sr. camara Leme: - O requerimento ou proposta que o sr. conde de Castro acaba de mandar para a mesa altera completamente o pensamento da minha proposta. O que eu pretendo é que seja ouvida a commissão de guerra, e que ella de o seu parecer separado, sobre o importante assumpto que vae ser tratado n'esta. camara .com relação ao caminho de ferro de Torres Vedras, o qual vae atravessar a zona principal da defeza da capital, isto é, a zona mais importante para a defeza do nosso paiz.

É evidente que a commissão de fazenda, e tambem a de obras publicas, não podem deixar de considerar o referido projecto; mas não é menos evidente que a commissão de guerra deve de preferencia ser consultada, porque a questão militar n'um negocio tão grave, como este, por interessar vivamente a; independencia do paiz, antepõe-se naturalmente a todas as outras. (Apoiadas.)

É como uma questão previa que deve ser resolvida antes das questões economica e technica, è, por consequencia. a commissão de guerra tem necessariamente" de ser ouvida, a fim de dar o seu parecer, sem que este parecer dependa do accordo das outras duas commissões. (Apoiados.)

Creio que na outra camara se seguiu esta praxe; mas ainda que se não seguisse, nem por isso julgo menos necessario o que proponho. Não desenvolverei agora as rasões que tenho para assim o julgar; quando, porém, se discutir o projecto de lei relativo ao mencionado caminho de ferro, eu mostrarei a importancia que n'este assumpto tem a questão militar, porque se trata da questão da defeza do paiz. (Apoiados.)

Então hei de apresentar o testemunho de homens competentissimos, hei de auctorisar-me com as suas opiniões illustradas, e espero convencer a camara com essas opiniões, que forem emittidas por pessoas que têem tratado
com proficiencia do assumpto, não só em Portugal, mas fóra d'elle, que a linha ferrea de que se trata vae prejudicar a defeza do nosso paiz.

Eu não sou contrario aos melhoramentos materiaes do paiz, julgo que se poderão conciliar os interesses economicos e commerciaes, com a defeza nacional. São esses os meus desejos e minha maior aspiração.

O sr. Presidente: - Peço ao digno par que se restrinja á questão que faz o objecto do debate n'este momento, isto é, o assumpto das propostas mandadas para a mesa pelo digno par, e pelo sr. conde de Castro.

O sr. Camara Leme: - Obedeço á indicação do v. exa., nem o meu fim era tratar outra questão senão a das propostas em discussão.

Não desisto da minha proposta tal qual está, porque interessa altamente a defeza do paiz, que a commissão de guerra seja ouvida e de o seu parecer sobre o negocio da linha ferrea a que me tenho referido.

Porque, sem negar a alta competencia dos membros das duas illustres commissões de obras publicas e fazenda, todavia o meu illustre amigo, o sr. conde de Castro, e a camara hão de concordar que este assumpto é de tal modo grave, que é mais da competencia dos militares, e a commissão de guerra é composta de distinctissimos militares, sem me referir á minha humilde pessoa; ha ali os srs. Fontes, general Palmeirim, general Sousa Pinto, marquez de Fronteira, que e o presidente; e emfim, outros militares igualmente distinctos.

Por consequencia, sr. presidente, eu não desisto de modo algum da minha proposta, e peço a v. exa. que a submetta á votação da camara, e se for preciso pedirei votação nominal.

O sr. Presidente: - Certamente que eu tenho que submetter a proposta do digno par, o sr. Camara Leme, á votação, mas a inscripção não está extincta e ainda se acham inscriptos os srs. conde de Castro, visconde de Seabra, que pediram a palavra sobre a materia, e o sr. Miguel Osorio, que a pediu sobre a ordem."

Eu tenho, a pedir aos dignos pares, que fizerem uso da palavra, o favor de não se afastarem da questão que só ventila.

A questão versa no seguinte:

O sr. Camara Leme pediu que sobre o projecto do caminho de ferro seja ouvida tambem a commissão de guerra, e deseja que esta funccione separadamente; emquanto que o sr. condo de Castro deseja que ella funccione conjunctamente com as duas commissões de obras publicas e fazenda: é sobre este ponto que eu peço aos dignos pares que usem da palavra, e que não se afastem d'elle.

Tem a palavra, sobre a ordem, o digno par o sr. Miguel, Osorio.

O sr. Miguel Osorio: - Eu não tenho nenhuma moção de ordem para mandar para a mesa, mas pedi a palavra sobre a ordem, porque desejo declarar que, em relação ao assumpto de que se trata, eu me acho n'uma posição especial? pois que sendo administrador da companhia, do norte reputo-me obrigado a abster-me de entrar n'esta questão, e desde já, e nos termos em que a questão se acha, eu dou-me por suspeito; tinha tenção de o fazer quando o projecto estivesse em discussão, mas faço-o agora. Sem querer entrar na questão, declaro, todavia, que não tinha duvida em votar a proposta do sr. Camara Leme, porque me parece sensata: desde que um par do reino pede que um negocio d'esta importancia seja examinado por uma com missão competente, não vejo o menor inconveniente em que a camara satisfaça a essa indicação, e, sem duvida, é a commissão de guerra a competente desde que se trata de uma questão militar; como, porém, a proposta apresenta duvidas, o que eu não esperava, abstenho-me de a votar.

Actualmente a questão versa sobre se a proposta ha de ser mandada ás tres commissões reunidas, ou em separa-

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do; eu creio que sendo a commissão de guerra a unica competente sobre a materia, e reconhecendo a necessidade d'ella tratar d'este assumpto, não haverá duvida em que ella seja ouvida antecipadamente; é até isso mais natural, pois que as indicações d'esta commissão nada podem, no meu entender, influir na questão principal, não podem senão limitar-se a dar conselhos sobre o traçado, que ainda não está determinado.

Eu não quero suppor por modo algum que o requerimento do digno par, o sr. conde de Castro, tenha outro fim senão o manter o systema adoptado n'esta casa de se estudarem as questões conjunctamente nas differentes commissões, systema mais prompto e mais efficaz.

Se, porventura, a proposta importasse a suspeita de que a commissão de guerra podia demorar a resolução dos negocios, a camara não a acceitaria, porque as commissões são incapazes de faltar ao cumprimento dos seus deveres; portanto tal suspeita, que de maneira nenhuma passou pelo espirito do meu amigo, não 6 acceitavel.

Não direi mais nada, visto que me reputo incompetente para tratar do assumpto, e peço licença para me retirar.

O sr. Conde de Castro: - Causa-me estranheza ver a opposição que se levanta contra o meu requerimento. Eu não quero que a commissão de guerra deixe de ser ouvida, o que desejo é que não se alterem as praxes constantemente seguidas n'esta camara, porque não vejo motivo para se fazer uma excepção.

Não me recordo que, em relação aos contratos dos caminhos de ferro de norte e leste, e da Beira Alta, em que a questão estratégica era tambem importante, se mandasse ouvir especialmente a commissão de guerra, e sim reunida com as outras commissões.

Posso, porém, mencionar, por exemplo, os seguintes factos que têem inteira paridade com o caso de que se trata. Relativamente á reforma dos serviços dos correios e telegraphos, foi o projecto remettido a umas poucas de commissões. Ninguem dirá que este assumpto não seja especialmente da competencia da commissão de obras publicas, e no entretanto foi tambem remettido ás de fazenda e legislação, mas todas reunidas. O projecto que faz algumas alterações no codigo de justiça militar, que é tambem um assumpto que pertence á commissão de guerra, foi igualmente enviado ás de marinha e legislação, que deverão funccionar reunidas. Então para que se pretende fazer agora uma excepção?...

Não acredito que na proposta do sr. Camara Leme esteja envolvido um pensamento dilatorio, não supponho que a opposição queira demorar o andamento do projecto, mas sinto que se levantasse esta impugnação ao meu requerimento, porque ella tende a afastar a camara das praticas seguidas até hoje.

O sr. Visconde de S. Januario: - Desejo dizer algumas palavras em abono do requerimento apresentado pelo sr. conde de Castro, e como me parece que estão inscriptos outros dignos pares que o impugnam, peço a v. exa. que me reserve a palavra para depois de s. exas. terem fallado.

O sr. Visconde de Seabra: - Sr. presidente, levanto-me de uma grave doença, e sinto, pela primeira vez que venho a esta casa, ter de discordar da opinião do meu amigo o sr. conde de Castro.

O negocio de que se vae tratar é importantissimo. (Apoiados.)

Desde o momento em que um membro d'esta camara pede esclarecimentos sobre um ponto tão importante, que prende com a defeza do paiz e a sua independencia, e requer que o projecto vá á commissão de guerra para estudar esta questão nas suas relações directas e indirectas com aquelle ponto, não está nas praticas desta casa deixar de acceder a propostas d'esta natureza.

Nunca vi aqui rejeitar qualquer requerimento tendente a reunir os esclarecimentos necessarios para que os membros d'esta casa possam firmar a sua opinião em bases solidas. Quando esses requerimentos se dirigem a um fim sacratissimo, a uma competencia exclusiva, entendo em minha consciencia que rejeital-o seria dizer eu não quero esclarecer-me n'esta materia; Desde que se diz que é necessario ouvir mais commissões, porque não se hão de ouvir?-

A rasão que me obriga a apoiar a moção do sr. Camara Leme, obriga-me tambem a dizer - se quereis mais esclarecimentos, pedi-os; não vos podem ser negados, pelo mesmo principio.

Dizer-se que este requerimento, que se fez primeiramente no sentido de uma especialidade separada e distincta, seja confundido com outros pareceres ou esclarecimentos que não têem relação com o assumpto, não têem significação, não têem nenhuma rasão de ser.

Reunir objectos de diversa natureza é embaralhar a questão. (Apoiados.)

A commissão de guerra decide dos negocios da guerra; a de fazenda dos da fazenda; e a das obras publicas dos negocios relativos ás obras publicas. Estas duas ultimas commissões não têem que argumentar, que discutir com a commissão de guerra, porque não são competentes.

E tanto isto é verdade, que esta camara, quando trata de se constituir, elege as suas commissões, concedendo a cada uma d'ellas uma competencia particular. Querer confundir esta competencia é querer ou que as commissões tratem de apresentar um parecer monstruoso, ou querer que as suas maiorias supplantem as minorias.

Rejeito, pois, a proposta do sr. conde de Castro, não só por pretender conglobar e reunir tudo, mas porque nada aproveita quanto aos esclarecimentos que possam desejar-se e ser pedidos.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Visconde de S. Januario: - Sr. presidente, eu creio que todos estamos de accordo na idéa. Se ha divergencia é apenas na fórma de a realisar.

A opinião apresentada pelo digno par, o sr. Camara Leme, é apoiada na proposta do sr. conde de Castro, que pretende que sejam ouvidas as commissões de guerra, fazenda e obras publicas.

Eu cinjo-me a esse pensamento, e creio que e pensamento do governo é o mesmo. Convem que sobre este projecto de caminho de ferro, assim como em todos aquelles sobre que esta camara tem de ser ouvida, se derrame toda a luz das siencias militares.

Seguindo-se esse precedente, não teriamos a lamentar os erros crassos que, debaixo do ponto de vista militar, se encontram em quasi todos os traçados de caminhos de ferro do nosso paiz. Convem que as regras relativas á defeza nacional, como pensamento estrategico, nas questões de caminhos de ferro sejam estudadas e se tratem devidamente.

É certo que um caminho de ferro que se faz para uma exploração economica não póde ser nunca um caminho de ferro exclusivamente militar.

As companhias que emprehendem a construcção de caminhos de ferro consideram principalmente a questão emquanto aos dividendos, e procuram augmental-os explorando as zonas mais importantes do paiz em beneficio do desenvolvimento economico da linha que contratam, o que tambem não quer dizer que não se possam applicar a esses caminhos,, em devidos termos, as condições relativas á defeza do paiz.

Portanto, tambem sou da opinião manifestada com algum desenvolvimento na proposta do digno par o sr. Camara Leme. Creio que todos estamos de accordo com essa opinião, a divergencia que existe é simplesmente na fórma.

Eu cinjo-me de preferencia á proposta do sr. conde de Castro, para que seja ouvida a commissão de guerra, conjunctamente com as de fazenda e obras publicas, porque

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não me parece que tanto esta como aquella tenham do exercer menor influencia e acção, no seu parecer, sobre a proposta apresentada pelo governo, do que a comissão de guerra.

Se as commissões de fazenda e obras publicas vão ser ouvidas conjunctamente, porque não o ha de ser tambem a commissão do guerra? Não vejo motivo para a excepção pedida.

O governo tem evidentemente o desejo de que, o lance a maior luz sobre o projecto do caminho de ferro de Lisboa a Pombal, considerado sob o ponto de vista de defeza militar do paiz. A prova é que, emquanto este projecto se discutia na camara dos senhores deputados, foi nomeada uma commissão, a que tenho a honra de presidir, para que, já sobre o terreno, já em vista dos projectos, que porventura, estejam elaborados com referencia á construcção d'aquelle caminho e do projecto definitivo que venha a adoptar-se, de o seu parecer, e isto alem de outro parecer, que necessariamente o governo ha de obter da commissão militar permanente de defeza do paiz.

Espero que o digno par, o sr. Camara Leme, e toda a camara acredite que a commissão a que presido se ha de desempenhar patrioticamente da sua incumbencia.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, muito poucas palavras direi, porque pouco posso acrescentarás assisada? reflexões do sr. visconde de Seabra, que poz a questão no seu verdadeiro terreno. As suas reflexões foram o mais judiciosas possivel, e ellas provam que se aqui se tem umas vezes praticado, a respeito de varios projectos de lei, o facto de as commissões assignarem juntas o mesmo parecer, sobre outros teem as diversas commissões dado pareceres em separado.

As commissões compete regular o methodo de trabalho, e a ellas exclusivamente é que compete o methodo a escolher para significarem á camara a sua opinião. Portanto, o precedente allegado pelo sr. condo de Castro não se póde applicar a todos os assumptos. Os precedentes existem pró e contra a sua opinião.

Este negocio do caminho de ferro de Torres é um dos negocios mais importantes sob o ponto do vista estrategico, e sob o ponto de vista de defeza da capital; se o sr. Camara Leme propoz que elle sobre fosse ouvido o parecer especial da commissão de guerra, foi porque entendeu que elle devia ser examinado pelos homens competentes sob este importantissimo aspecto.

O parecer da commissão de guerra é um documento essencial, e que deve decidir a camara a acceitar ou a rejeitar aquelle projecto; porque estou convencido que se a commissão de guerra opinar que elle é contrario á defeza da capital do reino, nenhum par do reino quererá approvar similhante projecto de caminho de ferro, tomando sobre Ê I uma responsabilidade enorme.

A proposta do sr. conde de Castro, apesar de s. exa. tambem querer que seja ouvida a commissão de guerra, não significa a mesma cousa; porque dando as commissões, conforme s. exa. propõe, reunidas o seu parecer, póde a opinião da maioria da commissão de guerra ser annullada pela opinião da maioria do conjuncto das commissões, e apresentarem-nos um parecer favoravel ainda mesmo que a commissão de guerra o julgue inconveniente; e eu entendo que o parecer da commissão de guerra deve ser bem conhecido, e não abafado n'uma commissão, qus não é composta de militares.

Portanto, pergunto, póde a commissão de fazenda ou a commissão de obras publicas dar um parecer consciencioso sob o ponto de vista da defeza da capital? Não; porque não é esse assumpto da sua competencia.

Por consequencia, sr. presidente, parece-me que a proposta do sr. conde de Castro tende a impedir que a camara e o paiz se esclareçam convenientemente; emquanto que a do sr. Camara Leme tende ao contrario, isto é, a esclarecer este negocio o mais possivel. Parece-me, pois, que a camara não póde deixar de pronunciar-se a favor da proposta do sr. camara Leme.

Eu voto por ella.

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, ha coincidencia do estado do sr. visconde de Seabra com o meu. Ambos estivemos doentes. Ambos pedimos desculpa á camara de não termos assistido a algumas sessões d'ella. Ha, porém, dissidencia de opiniões entre a do sr. Visconde e a minha, nas questões que se ventilam.

Sr. presidente, aqui ha duas questões ligadas pelo seu objecto, mas diversas pela sua natureza. É a primeira, só o projecto ha de ir, ou não, á commissão de guerra. E é a segunda, sobre o modo de funccionarem as commissões - se ha de ser reunidas, ou separadas; é uma questão de methodo, mas o methodo e importante para a descoberta e demonstração da verdade.

Temos duas propostas. Da proposta do digno par, o sr. Camara Leme, nasceu a primeira questão. Da proposta do sr. conde de Castro surgiu a segunda.

Muitos dignos pares têem argumentado para convencer a camara a mandar remetter o projecto á commissão de guerra, a fim de ser ouvida sobre a questão se o caminho de ferro de Torres Vedras será, ou não, prejudicial á segurança da capital. A questão do caminho de ferro é muito importante, e deve por isso ser estudada em todos os aspectos, e para isso ouvidos os homens mais competentes em cada um d'elles. Isto é tão claro e tão evidente, que me parece que ninguem votará contra a remessa do projecto á illustre commissão de guerra. Eu, pelo menos, hei de votar por ella. Parece me, pois, que os dignos pares que a defenderam gastaram escusadamente a sua eloquencia.

O debate, pois, deve vergar sómente sobre a segunda questão, a que chamei de methodo, e sigo a opinião de que as tres commissões devem discutir e deliberar todas tres reunidas, trabalhando todos es membros d'ellas por chegar a um accordo e redigir um parecer commum, embora se separem alguns membros e façam voto, ou votos, em separado, como é costume.

As tres commissões reunidas já não são tres; confundem-se em um todo, em uma grande e unica commissão, o fazem uma só pessoa moral. Discutem e deliberam em commum para chegarem a um accordo e lavrarem um parecer da maioria, ficando livre aos vencidos darem voto em separado. Isto facilita a discussão na camara. Pelo contrario, se as tres commissões discutirem e deliberarem separadas, e, sobretudo, se derem pareceres separados, teremos um monstro com tres cabeças, peior do que o monstro de Horacio, que ha de trazer á camara a confusão, a desordem e anarchia na discussão.

Sr. presidente, já se disse que esta era a pratica d'esta camara; pratica confirmada pela experiencia, e racional, como vou provar.

Nas questões complicadas, dr. natureza d'aquella de que se trata, ha nos diversos aspectos vantagns e inconvenientes. A grande commissão deve pesar tudo e ver para onde pende a balança, porque n'este mundo tudo é relativo, e o que faz bem por um lado faz mal pelo outro; até os venenos muitas vezes são remedios, e os remedios venenos.

Isto que faz todo o homem na vida particular, muito mais deve fazer-se na vida das nações, onde as relações juridicas e economicas são muito mais complicadas.

Contra esta pratica tão racional não ouvi ainda senão um argumento, o qual foi produzido pelo sr. Camara Leme, e reproduzido, por outros termos, mas sendo identica a idéa, pelo sr. visconde de Seabra. Esse argumento consiste em proclamar incompetentes os membros das commissões de fazenda e de obras publicas para poderem apreciar o valor das rasões apresentadas pelos membros da commissão de guerra sobre a defeza da capital, em caso de invasão de inimigos, e o perigo que o novo caminho de ferro póde

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trazer para aquella defeza, perigo que só podem apreciar os militares. Não admitto esta doutrina, nem se póde admittir. (Apoiados.)

Convenho em que os membros da illustre commissão de guerra sejam mais competentes para examinar a questão e lavrar um parecer mais bem fundamentado, debaixo do aspecto militar, da defeza da capital, do que os membro das outras duas commissões. São especialistas os militares n'esta questão. Mas negar aos membros das commissões de fazenda e obras publicas a competencia para poderem julgar dos argumentos que apresentam os membros da commissão do guerra, é doutrina, repito, que não se póde acceitar; porque, se essa doutrina fosse verdadeira, tambem a camara era incompetente, porque a camara não se compõe só de militares. (Apoiados.)

São cousas muito differentes estudar e apreciar uma questão complicada e apresentar as melhores rasões de decidir, e o apreciar os argumentos apresentados, e ver a justiça e conveniencia que póde haver, ou deixar de haver, para acceitar, ou deixar de acceitar, o juizo sobre elles baseado.

Todos os conhecimentos humanos são ramos de uma arvore, cujas raizes são a rasão, a experiencia e a observação, de que podem usar todos os homens, principalmente os illustrados. Se assim não fôra, nem esta camara podia deliberar, nem opinião publica podia haver, e destruia-se um principio fundamental do systema representativo - a discussão e deliberação das côrtes sobre todas as questões que podem vir ao parlamento, e que são de naturezas variadissimas. O governo parlamentar seria um absurdo (Apoiados.)

Em conclusão, creio que nenhum dos membros da camara se oppõe-a que seja ouvida a commissão de guerra, e portanto, não sei para que havemos do estar a gastar tempo n'um debate que a final versa n'um ponto em que todos estão de accordo; e o que resta é discutir a segunda questão, que chamei de methodo. Em esta voto, pois, pela reunião de todas as tres commissões, constituindo uma só grande commissão; e por um só parecer, embora haja votos em separado.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Declara que tanto fazia approvar o requerimento apresentado pelo sr. Camara Leme como o do sr. conde de Castro, visto que a com-missão de guerra tinha o direito de apresentar um parecer separado sobre o projecto relativo ao caminho de ferro de Torres, se assim fosse conveniente.

(O discurso do orador será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)

O sr. Costa Lobo: - Não dou a importancia que deram os dignos pares, que me precederam, a esta questão. Que a commissão de guerra examine em separado o projecto ou que o faça conjunctamente com as outras commissões não me parece que seja cousa de grande importancia. Entretanto a proposta do sr. conde de Castro é o que se me afigura mais rasoavel.

Os caminhos de ferro não são em regra instrumentos estrategicos, são instrumentos economicos, embora; em muitas circumstancias, se devam subordinar ás exigencias militares.

Portanto, o mais correcto seria que a commissão de guerra submettesse ás commissões de obras publicas e de fazenda o que aquella entendesse reclamado pelas exigencias estrategicas.

De outra maneira, se este caminho do ferro fosse apenas considerado como um instrumento militar, as exigencias da commissão de guerra poderiam ser de tal maneira desarrasoadas que o tornassem impossivel.

Porém, os cavalheiros, que compõem a commissão de guerra, são do tal modo illustrados, conhecem tanto as condições financeiras e economicas do paiz que, examinando o projecto mesmo debaixo do ponto de vista militar, não hão de deixar de considerar as condições economicas.

É por isso que a questão que se debato não me parece de grande momento.

Occorre me, porém, uma idéa, que me parece ter alguma vantagem pratica. A proposta do sr. Camara Leme diz seguinte:

(Leu.)

O digno par entende, portanto, que o projecto póde offender a tactica e a estrategia, a defeza de Lisboa, e até pôr em perigo a dependencia da patria.

Ora, se effectivamente este caminho de ferro tem consequencias tão transcendentes, se a patria corre perigo, de certo que não haverá nenhum compatriota de Camões que se não sobresalte, e que não felicite o digno par, auctor da proposta, pelo serviço que fez á patria em assignalar o perigo.

Consequentemente o digno par faz na sua proposta, apello a todas as intelligencias; ou, pelo menos, esta parece ser a sua idéa, porquanto reclama que á commissão de guerra sejam enviados quantos pareceres, memorias e consultas houver relativos ao assumpto.

Ora, como esta camara tem a fortuna do possuir no seu seio muitos militares distinctos, que podem esclarecer aquella commissão; e sendo estes distinctos militares muito conhecedores d'esta questão, a que está ligada a tactica, a estrategia, a defeza de Lisboa e a independencia da patria, parece-me conveniente, em vista da propria opinião do digno par, e em conformidade com a proposta de s. exa., dever fazer tambem uma proposta, que tenho a honra de mandar para a mesa.

a seguinte:

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão de guerra os dignos pares Fortunato Barreiros, Mancos de Faria, José Joaquim de Castro e Visconde de S. Januario.

Leu-se na mesa e foi admittida.

O sr. Mártens Ferrão: - Diz que é sua opinião que ás commissões é que compete resolver-se devem dar parecer em separado ou em commum, porque isso é materia da sua competencia.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Camara Lente: - Eu tinha tomado apontamentos para responder a alguns dignos pares que trataram d'esta questão, mas reservar-me-hei até que entre em discussão o respectivo projecto. Por agora só direi, em nome da commissão da-guerra, que ella tem muito gosto e muita honra em que lhe sejam aggregados os dignos pares indicados pelo sr. Costa Lobo, comquanto não reconheça no digno par a competencia necessaria para fazer essa proposta, cuja iniciativa, segundo todos os precedentes, só podia pertencer a qualquer dos membros da mesma commissão.

O sr. Conde de Castro: - Quando o digno par e meu amigo o sr. Fontes Pereira de Mello, pediu a palavra, esperava eu que s. exa., com a lucidez de espirito que todos lhe reconhecemos, e a clareza em que elle costuma expor sempre as questões, apresentasse taes argumentos que me fizessem vacillar e talvez desistir do meu requerimento; porém não succedeu assim, e até mesmo a alguns dos fundamentos, sobre os quaes o apoiei, deixou s. exa. de responder.

Eu disse, e ainda agora repito, que a pratica seguida quasi invariavelmente nas duas casas do parlamento era, quando se quer ouvir a opinião de differentes commissões, reunirem-se essas commissões e darem conjunctamente o seu parecer.

Acrescentei mesmo que, tendo-se discutido já no paramento assumptos analogos a este, taes como o contrato Salamanca, e as suas celebres aclarações, do que ainda me lembro; porque, emfim, sou parlamentar velho, tendo-se

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tratado a questão do caminho de ferro da Beira, no qual, assim como n'aquelle, se adiavam envolvidos interesses; graves e muito serios, em relação á defeza militar do paiz; não me recordava, todavia, de que n'essas discussões ao houvesse resolvido que os respectivos contratos fossem examinados especialmente pela commissão de guerra, quer de uma, quer da outra casa do parlamento. Portanto, pergunto: desde que eu, quando mandei para a mesa a minha proposta, declarei terminantemente que acceitava a do sr. Camara Leme; que o meu desejo era o mesmo de s. exa., isto é, que se esclarecesse quanto possivel este assumpto, quando fui o primeiro a instar com o sr. ministro das obras publicas, para que enviasse quanto antes a esta casa os esclarecimentos que tinham sido requeridos pelo digno par, como póde alguem suppor que eu não queira que esta questão seja plenamente elucidada?

Não posso deixar de insistir no meu requerimento para que o projecto seja remettido ás tres commissões reunidas. Com a economia d'estas é que eu não tenho nada. Podem fazer em separado quantos pareceres quizerem; e eu lembro apenas á camara que a pratica de se formularem pareceres, em separado, é unica e exclusivamente quando ha discordancias entre as commissões.

Quantos negocios, sr. presidente, são tratados n'esta camara, que envolvem doutrinas e interesses da competencia de diversas commissões! E se cada uma d'essas commissões d'esse sobre elles um parecer especial, que tempo não levariam aqui os negocios a resolver! Portanto, não me opponho a que a commissão de guerra do um parecer especial, se assim o julgar necessario; mas o que desejo é que ella examine o projecto reunida ás outras commissões, porque entendo que esse é o melhor methodo de Trabalho para a prompta resolução dos negocios.

E por isso termino declarando que voto a proposta do sr. Camara Leme, mas additada com o meu. requerimento; quero dizer: voto que o projecto do caminho de ferro seja submettido á commissão de guerra, dando esta, reunida ás outras, a sua opinião sobre elle, porque entendo que a base sobre que a camara deve discutir este negocio é o parecer que resultar da reunião das tres commissões indicadas.

O sr. Serpa: - Sr. presidente, eu não pensava ter de tomar parte n'esta discussão, mas sou obrigado a fazel-o em virtude da referencia que se fez a dois actos que são da minha responsabilidade.

O sr. conde de Castro referiu-se ao caminho de ferro da Beira, cuja construcção eu tive a honra de propor ás camarás, assignando o projecto do meu collega das obras publicas; assim como se referiu ao contrato Salamanca e ás suas celebres alcarações, como disse s. exa., e a este tambem eu tenho ligada a minha responsabilidade, Todavia eu direi ao digno par, que nenhuma das propostas de lei ou dos contratos d'aquelles dois caminhos de ferro está no mesmo caso, eu póde servir de exemplo para o actual projecto de lei ou para o actual contrato relativo ao caminho de ferro de Torres.

A proposta do caminho de ferro da Beira era já baseada sobre um projecto definitivo, e n'esse projecto as condições estrategicas já tinham sido estudadas, o que não acontece com este contrato agora. Quanto ao contrato Salamanca, tambem era baseado sobre dois traçados que já tinham sido devidamente estudados, e que o concessionario era obrigado a seguir, e só d'elles poderia afastar-se com permissão do governo. E apesar d'isto, no decorrer da discussão não tive duvida de acceitar uma emenda, alterando o traçado para que elle passasse ao alcance da artilheria das linhas da praça de Elvas. No contrato de que se trata agora não ha estudos feitos, nem traçado fixado.

Foi unicamente para fazer estas poucas reflexões, e sobretudo para mostrar ao digno par que os exemplos que citou não vinham nada para o caso, que eu tomei a palavra.

O sr. Costa Lobo: - A camara é mais rica de notabilidades militares do que eu sabia. Acabo de ser informado que ha aqui mais dois militares engenheiros, cujos votos podem ser de muita auctoridade na materia sujeita. São os srs. Calheiros e Placido de Abreu, os quaes tambem julgo que podem ser aggregados á commissão de guerra, e n'este sentido mando uma proposta para a mesa.

Leu-se na mesa e foi admittida á discussão.

O sr. Fontes Pereira de Mello: = Como membro da commissão de guerra, satisfaz-se em ter na sua companhia os dois dignos pares indicados; nota porem que ha poucos minutos foram propostos pelo sr. Costa Lobo quatra cavalheiras para a mesma commissão, de que não ha precedente igual. (Apoiados.) O que é costume, é a camara eleger as commissões, e estas pedirem depois a aggregação dos dignos pares, que julgam competentes, mas propor um individuo estranho a uma commissão os nomes dos que devem ser aggregados é caso novo.

Declara por ultimo, que, se for approvada esta propasta, deixará de pertencer á commissão.

O sr. Presidente: - Eu tenciono expor á camara o modo como me parece que devo submetter á sua approvação as diversas propostas que forem successivamente apresentadas; se o modo como eu expozer não for de accordo com as idéas de v. exa., então será occasião do digno par mandar a sua proposta.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Costa Lobo: - Eu não imaginava que esta minha segunda proposta fosse tão mal acceito pelo digno par o sr. Fontes.

S. exa. diz que não é costume pedirem-se aggregados senão por algum membro da commissão para a qual só podem. Assim é. Mas o caso actual é novo e sem precedente.

Ha a commissão de guerra que avoca a si um projecto de caminho de ferro sob a allegação de elle póde pôr em perigo a independencia da patria. Nada, pois, mais necessario do que o serem aggregados á commissão de guerra quantos nos poderem elucidar sobre tão temerosa eventualidade. E, n'estas circumstancias, seria realmente singular que n'esta casa, onde a cada momento se pede a dispensa do regimento, seja um par inhibido de fazer uma proposta, que nenhuma disposição do regimento lhe prohibe.

Em terceiro logar observarei que nenhum dos distinctos militares, cujos nomes eu escrevi nas minhas propostas, era, quando a commissão de guerra foi eleita, membro d'esta camara. Portanto não podia a camara tel os então eleito, e estou certo que eu não foço senão exprimir os seus desejos quando peco que elles sejam adjuntos á commissão do guerra.

Comtudo, actuado sempre pelas mesmas idéas, retiro a minha segunda proposta. A primeira já foi acceita pela commissão. E retiro a minha segunda proposta, visto que o digno par, o sr. Fontes nos ameaça com a sua retirada, se ella for approvada. Ora, eu entendo que a commissão não póde prescindir do voto e das luzes de s. exa. sobre este assumpto.

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, o sr. conde de Castro propõe que as commissões funccionem juntas, e o sr. Fontes, que primeiro pareceu concordar com esta opinião quando usou da palavra pela segunda voz, instou por um parecer especial da commissão de guerra.

O sr. Mártens Ferrão segue outra opinião, porque1 entende que a commissão de guerra póde dar um voto em separado, apesar de reunida ás outras commissões.

Eu approvo esta doutrina do sr. Mártens Ferrão, como já disse, porque entendo que qualquer membro de uma commissão póde apresentar um voto em separado; mas quando se reunem umas poucas de commissões não podem umas separar-se das outras para fazer cada uma seu parecer separado. Seria isto um caso novo, que podia trazer muitas dificuldades na discussão do projecto, como já disse quando fallei a primeira vez.

Supponhamos que a commissão de obras publicas dava

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um parecer, a commissão de guerra dava outro differente, e a commissão de fazenda tambem apresentava um differente dos outros dois.

Em que estado fica a questão na discussão da camara? Que embaraços se não deviam levantar?

Seria um cahos produzido pelo monstro de tres cabeças.

Alem de que, sr. presidente, os pareceres não devem de ser pesados pela camara, nem pela sua fórma, nem pelas pessoas que os subscrevem; mas pelos bons fundamentos em que se estribam. Frades não são argumentos, disse ha muito tempo um grande philosopho.

Sr. presidente, eu entendo que as commissões devem reunir-se, discutir em commum, e depois subscreverem um parecer, unico da grande commissão.

Se houver divergencias naturalmente ha do haver maioria e minoria. A maioria lavra o parecer da commissão e a, minoria o voto em separado.

A maioria ha de compor-se dos membros que estão concordes, sejam elles de quaesquer commissões. O mesmo digo da minoria. Os membros da grande commissão não se separam pela natureza das commissões, mas pelos votos sobre as questões.

O sr. Fontes o que quer é que a commissão de guerra reuna separadamente sem ouvir as outras commissões, e que assim de o seu parecer separado sem discutir com ellas. Isto não póde ser.

Rejeito esta doutrina, e sigo, como já disse, a do sr. Mártens Ferrão, que é a verdadeira.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, peço a v. exa. que me diga se o sr. Costa Lobo pediu para retirar a sua proposta.

O sr. Presidente: - O digno par pediu licença para retirar a segunda proposta, e eu tenciono consultar a camara sobre este pedido e sobre a primeira proposta, quando estiver terminada a discussão deste assumpto, porque não me parece que elle tenha grande ligação com as propostas do sr. Costa Lobo.

O sr. Costa Lobo propoz primeiro que fossem aggregados á commissão de guerra os dignos pares: srs. Fortunato José Barreiros, Mancos de Faria, José Joaquim de Castro e visconde de S. Januario; e os membros da commissão declararam que adheriam-a esta proposta; Depois propoz tambem o sr. Costa Lobo, que fossem adjuntos á mesma commissão mais os srs. Calheiros de Menezes e Placido de Abreu.

Sobre a proposta que o digno par pediu licença para retirar, consultarei a camara quando a inscripção estiver acabada.

Parece-me que quer ella seja retirada, quer não, isso não influe na resolução que a camara tiver de tomar sobro o assumpto.

O sr. Vaz Preto: - Como o sr. Costa Lobo pediu para retirar a sua proposta, escuso de fazer o additamento que tinha tenção de apresentar á apreciação da camara.

Effectivamente s. exa. fez muito bem procedendo assim. Não vejo rasão alguma para serem aggregados á commissão de guerra cavalheiros que pertencem á commissão de obras publicas, que ha de funccionar com a commissão de guerra ácerca d'este assumpto, quando elles podem dar a sua opinião n'aquella commissão na occasião da discussão das commissões reunidas.

(Áparte do sr. conde de Castro, que não se ouviu.)

Isso não está decidido. O que está decidido é que para discutirem o negocio conjunctamente as commissões se entendam, e resolvam se lhes convem dar parecer reunidas, ou separadamente.

Nós não temos duvida que as commissões se reunam, e que procurem esclarecer-se e discutir quanto quizerem. O que desejâmos é que cada uma d'ellas, sobre pontos importantes e aspectos differentes, manifeste a sua opinião.

Isto é o que queremos, e o que tem sido sempre observado n'esta camara. Precisâmos esclarecer-nos; porque suppomos que a questão principal é a defeza do paiz e da capital, e sobre este ponto é necessario que seja ouvida a commissão de guerra, os homens importantes. A camara carece d'estes esclarecimentos, e de ouvir a opinião dos homens mais competentes n'este assumpto. Admira, pois, que haja quem combata os esclarecimentos e a necessidade de reclamar o parecer dos homens esclarecidos na especialidade.

Quererá tambem o sr. Ferrer, o meu mestre da universidade, evitar que a camara se esclareça n'esta questão de tanta magnitude?

Não me parece que s. exa. esteja collocado em bom terreno, querendo sustentar o maior de todos os absurdos.

Nós não temos duvida em que as commissões se reunam e discutam; mas o que precisâmos é que sobre o ponto da defeza do paiz seja ouvida a opinião dos homens competentes.

Para isso é necessario um parecer especial da commissão de guerra; e, portanto, approvo a proposta do sr. Camara Leme.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Declarou não haver comparecido ás ultimas sessões por motivo de saude. Referindo-se ao assumpto em discussão, disse que a distribuição dos projectos sujeitos á apreciação da camara pelas diversas commissões que ella elegia, era ordinaria e regularmente feita por indicação da mesa, com approvação da camara, como assumpto de mero expediente. Que essa distribuição estava naturalmente indicada pela natureza dos projectos.

Assim um projecto de administração publica ía naturelmente á commissão de administração publica, como um projecto do fazenda á commissão de fazenda, e um projecto sobre negocios de guerra á commissão de guerra, ou simultaneamente a mais de uma commissão, se a questão a resolver e estudar se devia apreciar sob a inffuencia de considerações complexas que abrangiam conhecimentos especiaes e diversos. Que era evidente que quando, a camara elegia diversas commissões se guiava, na escolha dos seus membros, pela indole especial dos estudos e habilitações de cada um d'elles; e, portanto, quando confiava d'essas commissões o estudo dos diversos projectos sujeitos ao seu exame, não lhes pedia senão o voto com relação á questão da sua competencia.

O regular, pois, seria que cada commissão estudasse isoladamente o projecto sobre que tinha de dar parecer, e que ouvida mais de uma commissão, o parecer de cada uma fosse singular, e não que todas dessem, simultaneamente, confundidas as rasões que determinavam o seu voto, um parecer unico.

Surprehendeu-se de ver uma questão de expediente levantada á altura de uma grande questão, e tomava isso como indicio seguro da lucta apertada que se devia ferir quando a camara discutisse o projecto que agora entregava ao exame das commissões.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção, e vae votar-se.

A minha intenção é reduzir a quesitos os pontos sobre que tem de recair a votação, consultando a camara sobre cada um em especial. O primeiro é se a camara quer que sobre o projecto de lei, que diz respeito ao caminho de ferro de Torres Vedras seja ouvida tambem a commissão de guerra.

Segundo: se a camara quer que a commissão de guerra funccione separadamente das outras duas commissões, a que o mesmo projecto já foi remettido.

E de passagem direi que a camara já tinha resolvido que fossem ouvidas sobre elle as commissões de fazenda e de obras publicas; e, portanto, a questão está resolvida em parte, porque estas duas commissões funccionarão reunidas.

Com relação a este ponto, poderia dizer muito; pois te-

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nho larga experiencia do parlamento; não quero, porem, entrar agora n'esscs pormenores.

Terceiro: se a camara quer que, alem das duas commissões de fazenda e obras publicas darem o sen parecer sobre o assumpto, fique livre á commissão. dó guerra, ou a qualquer das duas outras commissões, se não podérem concordar n'aquelle parecer, darem o seu voto em separado, como se tem feito sempre.

Depois de consultar a camara sobre estes, pontos, submetterei á camara a proposta do sr. Costa Lobo, para serem aggregados á commissão de guerra alguns membros d'esta casa.

Se esta maneira de propor agradar á camara, seguil a-hei; se não agradar/os dignos pares dirão o que entenderem a tal respeito.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Estou perfeitamente de accordo com o modo de propôr indicado por v. exa. Nos quesitos formulados por v, exa. pergunta-se á camara se quer que as commissões funccionem reunidas, podendo dar, todavia, cada uma voto em separado, se assim o entender.

Creio que este voto em separado entende-se como um parecer de commissão isolado. Julgo que é assim que v. exa. tambem o entende.

O sr. Presidente: - Eu entendo que as commissões, embora funccionem reunidas, póde qualquer, d'ellas dar parecer separado se não houver accordo. Entretanto, como póde haver quem tenha outra maneira de ver, o que me parecia melhor era que as commissões reunidas discutissem conjunctamente, e depois na votação, se não houvesse uniformidade nos votos, uma commissão na sua totalidade, ou uma parte dos seus membros tivessem direito de formular o seu voto era separado. (Apoiados.)

Em todo o caso os dignos pares expenderão o que melhor entenderem.

O sr. Conde de Castro: - Nas considerações que vou fazer não é minha intenção censurar o modo por que v. exa. quer encaminhar a votação que vae ter logar; no entretanto, parecia-me regular que v. exa. pozesse á votação, em primeiro logar, a proposta do digno par, o sr. Camara Leme, para que, sobre o projecto do caminho de ferro de Torre Vedras, seja ouvida a commissão de guerra, e para que sejam enviados á mesma commissão todos os esclarecimentos pedidos por s. exa. N'este ponto estamos todos do accordo.

O sr. Presidente: - Mas a camara é que ainda não deliberou se estava de accordo nesse ponto; es oradores que têem tomado parte no debate é que têem dito que estão de accordo. Portanto, preciso perguntar á, camara o que resolve a tal respeito.

O sr. Conde de Castro: - Peço á v. exa. que tenha a bondade de mandar ler a proposta do sr. Camara Leme.

Ora, depois de ter logar essa votação, deverá seguir-se a do meu requerimento, que propõe que o projecto seja remettido ás tres commissões reunidas. E não me referi á forma como estas deverão dar o seu parecer, porque isso pertence, como já disse, á economia das proprias commissões, e com o que a camara não tem absolutamente nada.

O sr. Presidente: - Permitta-me o digno par que lhe diga qual é o modo como eu vou consultar á camara.

A primeira cousa que eu tenho a fazer é pôr á votação a proposta do digno par, o sr. Camara Leme, á qual a do digno par o sr. conde de Castro é um additamento; mas a proposta do sr. Camara Leme divide-se em duas partes: a primeira, pede que seja ouvida a commissão de guerra; e a segunda, pede que sejam remettidos á mesma commissão diversos documentos; e por isso, como resultado é o mesmo, não tenho duvida em satisfazer aos desejos do digno par; no entanto, primeiro o que é preciso é que a camara se pronuncie sobre a primeira parte da proposta do sr. Camara Leme; depois seguirá o requerimento do sr. Conde de Castro; e por ultimo será votada a segunda parte da proposta do sr. Camara Leme. Creio que por este modo se conciliarão todas as opiniões.

O sr. Pontes Pereira de Mello: - Eu estou perfeitamente de accordo com a proposta que v. exa. acaba do indicar; mas, para significar bem o meu pensamento, eu mando a v. exa. esta proposta;

(Leu.)

Se ella está de accordo com as idéas que me pareceu ouvir a v. exa., não tem v. exa. senão que inutilisal-a; se, porventura, não é esse o seu pensamento, eu então peço a v. exa. que consulte sobre ella a camara; no entanto eu apenas a fiz para ficar bem entendido qual e a minha idéa.

O sr. Conde de Castro: - Isto não póde admittir-se; v. exa. declarou que a inscripção estava extincta, e eu creio que, regularmente, a camara não póde acceitar n'este momento uma nova proposta, que não é sobre o modo de propor.

O sr. Presidente: - Eu creio que o modo por que eu tenciono pôr á votação as diversas propostas que têem sido mandadas para a mesa, satisfará todos os dignos pares.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, o modo como eu entendo que v. exa. deve consultar a camara e aquelle que v. exa. ha pouco acabou de nos indicar. (Apoiados.) Primeiramente, a proposta do sr. Camara Leme, na sua primeira parte se v. exa. a quizer dividir em duas partes; depois a do sr. conde de Castro; e no final, depois de votada tambem a segunda parte da proposta do sr. Camara Leme, é que v. exa. deve consultar a camara se considera a proposta do sr. Fontes como uma nova proposta. Em todo o caso o que me parece, em harmonia com as disposições regimentaes, é que v. exa. ponha as propostas á votação pela ordem chronologica da sua apresentação.

O sr. Presidente: - Eu não tenho duvida alguma em propor á votação as propostas pela ordem que ellas seguiram na sua apresentação, mas parece-me que a do sr. Fontes fica prejudicada com a votação que a camara der á do sr. Camara Leme. .

O sr. Camara Leme: - Creio que tendo eu sido o auctor da proposta que, se discute, serei quem melhor póde explicar o seu intuito, ou o pensamento que ella representa; eu desejo que a commissão de guerra, embora trabalhe conjunctamente com as duas commissões de obras publicas e de fazenda, apresente, comtudo, um parecer especial sobre a questão, e por isso se a camara me permitte retiro -a minha proposta para acceitar a do sr. Fontes, porque exprime perfeitamente o meu pensamento.

A minha proposta tem duas partes: na primeira, pedem-se esclarecimentos ao governo, dos quaes não posso prescindir; e na segunda, o que se pretende está claramente expresso na proposta do sr. Fontes, que v. exa. tão lucidamente explicou á camara.

Lamento que se faça. questão politica de uma proposta, cujo intuito é garantir a independencia nacional.

O sr. Presidente: - A proposta do sr. Fontes diz o seguinte:

"Proponho que o projecto seja remettido ás commissões reunidas de fazenda, obras publicas e guerra, apresentando esta ultima, conjunctamente com as outras, o seu parecer como commissão especial. = Fontes.

Agora o sr. Camara Leme pede licença para retirar a primeira parte da sua- proposta, porque a do sr. Fontes comprehende esta e a do sr. conde de Castro.

O sr. Camara Leme tambem pede para que a segunda parte da sua proposta seja votada separadamente, e não se considere prejudicada, porque se refere a documentos que s. exa. julga necessarios para a discussão do projecto.

Creio que esta segunda parte não póde considerar-se prejudicada com qualquer resolução que se tome sobre a primeira. (Apoiados.)

O sr. Conde de Castro: - Persuado-me que v. exa. está na intenção de submetter á votação da camara as differentes propostas pela sua ordem chronologica; n'este sen-

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tido devo-se votar em primeiro logar a do sr. Camara Leme, e depois a minha.

O que, porém, me parece é que acamara não póde permittir que á ultima hora seja substituida, a proposta do sr. Camara Leme pela do sr. Fontes, porque a prova de que ellas são differentes está no facto do sr. Camara Leme retirar a sua para a fazer substituir pela outra.

O sr. Presidente: - Se os dignos pares tivessem acceitado o modo por que eu disse que tencionava consultar a camara, não se teria levantado esta questão. (Apoiados.)

Eu tinha declarado que consultaria a camara sobre os seguintes pontos: 1.º, se queria que fosse ouvida a commissão de guerra; 2.°, se queria que esta commissão funccionasse em separado; 3.°, se queria que funccionasse juntamente com as de obras publicas e fazenda, salvo o direito que ella tinha, como qualquer outra, de dar um voto em separado.

Se a camara tivesse acceitado esta maneira de propor, estaria tudo resolvido. (Apoiados.)

Resumindo a questão, direi á camara, que vou consultal-a sobre se quer que seja ouvida a commissão de guerra, se quer que esta funccione separadamente das -outras commissões; ou se quer que ellas funccionem conjunctamente, salvo o direito da commissão de guerra, ou qualquer das outras commissões, formular um parecer em separado. (Muitos apoiadas.)

Os dignos pares, pois, que são de voto que seja ouvida a commissão de guerra sobre o projecto do caminho de ferro de Torres Vedras, tenham a bondade de se levantar.

Approvado.

O sr. Presidente. - Os dignos pares que são de voto que o projecto seja mandado á commissão de guerra, funccionando esta independentemente das outras a que o projecto for mandado, tenham a bondade de se levantar.

Não foi approvado.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que são de voto que a commissão de guerra funccione conjunctamente com as outras commissões, salvo o direito de dar o seu voto em separado, se não concordar com o parecer das outras commissões, tenham a bondade de se levantar.

Approvado.

O sr. Presidente: - O sr. Camara Leme tem uma parte na sua proposta, que ainda não foi approvada, e que é a seguinte:

(Leu.)

Posta á votação; foi approvada.

O sr. Presidente: - Ha ainda uma proposta do sr. Costa Lobo, que foi acceite pelos membros da commissão de guerra, para que sejam aggregados áquella commissão os srs. Barreiros, Mancos de Faria, Castro e visconde de S. Januario.

Os dignos pares que approvam esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Approvado.

O sr. Presidente: - A seguinte sessão será ámanhã; e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje, e mais os pareceres n.ºs 69, 71, 72 e 73.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 30 de abril de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Avilez, de Bertiandos, de Bomfim, de Cabral, de Castro, do Farrobo, de Fonte Nova, de Gouveia, de Linhares, de Paraty, de Podentes, de Samodães, da Torre, de Valbom Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, de Condeixa, de S. Januario, de Ovar, da Praia Grande, de Seabra, do Seisal, de Soares Franco, de Valmór, de Chancelleiros; Barão de Ancede; Ornellas, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede, Braamcamp, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Raposo do Amaral, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Carneiros, Eugenio de Almeida, Thomás de Carvalho, Vicente Ferrer, Sei ca e Almeida, Castro Guimarães.

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